Um militante com a bandeira do PSOL foi agredido e expulso da manifestação contra a corrupção e Brasília. Segundo vídeo reproduzido no site do GLOBO, alguns manifestantes gritavam: “o povo unido não precisa de partido”.
O PSOL, que se saiba, não tem nada a ver com as maracutaias que assolam o país, antes pelo contrário. No entanto, já na manifestação do Rio de Janeiro, em setembro, o deputado Marcelo Freixo, de atuação desassombrada contra o crime organizado e reputação ilibida doi hostilizado por ter ido ao ato, organizado por estranhos desconhecidos sob as expensas não se sabe de quem, mas com apoio orquestrada da grande mídia, sobretudo do sistema GLOBO.
Quem quer que fosse suspeito de pertencer a um partido político, fosse ele qual fosse, mesmo de ficha mais limpa do que certos empresários auto-proclamados vestais dos bons costumes, teria passado por constrangimento semelhante, como aconteceu nos idos tenebrosos da Alemanha nazista.
Tal parece ser o escopo primário da sociedade anônima que privatizou o descontentamento generalizado e investe perigosamente numa manipulação torpe, de viés fascista, muito bem radiografada por um partido octogenário, o PCB, que hoje não tem um único deputado, mas cuja história é respeitada por gregos e troianos:
O “combate à corrupção”, na forma manipulada com que é alardeado e conduzido por este movimento, atende claramente a demandas da direita, dos setores mais retrógrados da sociedade brasileira, que, nos idos de 1964, marcharam em favor do golpe empresarial-militar e que, hoje, se articulam para restringir, o mais que puderem, o pouco espaço democrático de que dispomos, no Brasil, conquistado à custa de muita luta nas décadas passadas. O objetivo principal é afastar os trabalhadores e os setores populares dos partidos políticos e da própria política, para que o exercício desta seja privativo dos homens e mulheres de “bens”.
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Atraindo os desavisados
Ao contrário do esperado, o número de participantes do evento deste dia 12 de outubro foi menor em Brasília do que no dia 7 de setembro. Em outras cidades, a adesão foi mínima. Em São Paulo, onde o governo Alckimin está envolvido no rumoroso escândalo das “emendas compradas”, sobre as quais nada se ouviu no ato, a passeata não somou dois mil. No Rio, mesmo com a mudança para Copacabana, os mesmos gatos pingados.
Nem um pingo dos 750 mil alegres integrantes da parada gay, que coloriram a Atlântica três dias antes. Até mesmo a marcha pela legalização da maconha teve mais gente do que os indignados (e enganados) contra a corrupção, uma das maiores mazelas do nosso país.
Essa pretensão de que, pelo uso afoito de redes sociais na internet, algumas pessoas saídas do nada, sem vínculos orgânicos e sem biografia conhecida, sem nenhuma contribuição conhecida ao bem comum, podem pautar a presença do povo nas ruas e decidir quem tem direito de se manifestar é uma perigosa balela. Quem tem um mínimo de vivência não vai correr atrás de quem nunca viu mais gordo, só porque a grande mídia decidiu catapultar ungidos por ela a um proscênio de araque.
Por que isso? Já escrevi sobre a manipulação da indignação com objetivos outros que não o de denunciar a corrupção em suas múltiplas facetas.
Quem tem o mínimo de capacidade perceptiva vai ver em tais eventos, ostensivamente excludentes, o dedo de uma certa cruzada de interesses, com zero de autoridade para falar em corrupção, principalmente por sua colaboração com a ditadura, onde a roubalheira corria solta sob a proteção das baionetas e das câmaras de tortura, num ambiente obscurantista que nos legou como subproduto deprimente a imbecilização de boa parte do nosso povo.
No caso dessas recentes manifestações urdidas mais pela grande mídia do que pelas ainda insipientes redes sociais, que atraem desavisados cidadãos de boa fé, o combate à corrupção entra na pauta como Pilatos entrou no Credo. O que se pretende – como transparece – é aproveitar a deixa para fragilizar a ossatura do sistema democrático, expondo personagens pontuais, escolhidas a dedo, enquanto encobrem a bilionária rede de corruptores que se locupleta à sombra desde priscas eras.
A grande corrupção poupada
Tem sentido falar apenas em episódios pontuais no Congresso, cuja maioria foi eleita em campanhas milionárias bancadas por esses mesmos interesses escusos, enquanto se mantém a mais suspeita omissão sobre as grandes tacadas, em que rolou dinheiro sujo, como na privataria que, entre outras pérolas, entregou de mão beijada a Vale do Rio Doce a alguns apaniguados do sistema financeiro?
Tem cabimento calar sobre as políticas que favorecem a aventureiros influentes, que estão se apoderando de nossas riquezas estratégicas e remetendo para fora na maior irresponsabilidade, deixando de questionar os leilões do nosso petróleo ou as transações imorais com nosso nióbio?
Por que essas falsas vestais calam ante episódios suspeitíssimos, como a decisão de ministros do STJ que anulou a ação do Ministério Público e da Polícia Federal na “Operação Castelo de Areia”, que pegou grandes empreiteiras com a mão na massa, sob a alegação de que as investigações tiveram origem em denúncia anônima?
Quer enfrentar a corrupção pela raiz, honestamente, então vamos exigir uma auditoria em todas as dívidas contraídas com propinas em dólares, vamos tapar o ralo imoral que drena bilhões para a especulação, vinculando nossas receitas a compromissos suspeitos impagáveis: segundo o Banco Central, o superávit primário do setor público consolidado chegou a R$ 13,789 bilhões em julho de 2011, enquanto no mesmo mês de 2010 essa economia para o pagamento dos juros da dívida pública foi R$ 1,532 bilhão.
E por que nada se fala da comprometedora postura do ministro Gilmar Mendes, que, na presidência do STF mandou soltar Daniel Dantas duas vezes, apesar da fartura de provas reunidas pelo juiz Fausto de Sanctis, este, aliás, vítima da mais brutal perseguição por querer, ele sim, punir corruptos e corruptores?
Mostremos as vísceras da corrupção
Quando põe todos os políticos no mesmo saco, como se não houvesse um único de mãos limpas, os cabeças desses eventos nada espontâneos jogam pesado na desestruturação do arcabouço democrático, na desmoralização da atividade pública, pregando o mesmo descrédito institucional que levou à quartelada de 1964. Esse direcionamento perigoso se torna mais grave quando, no mesmo diapasão, são excluídas e criminalizadas as entidades que, bem ou mal, são representativas de segmentos da sociedade organizada.
Querem realmente denunciar a corrupção no país? Então mostremos suas vísceras, vamos pedir a apuração rigorosa da ação deletéria de grandes empresários, os corruptores beneficiados por licitações e favorecimentos fraudulentos – vamos exigir a investigação de obras superfaturadas, contratadas sem licitação sob pretextos insustentáveis, como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016: vamos exigir a derrubada do regime diferenciado de concorrências, um basta à intervenção da quadrilha da FIFA com o objetivo de favorecer grupos associados a seus dirigentes. Ou seja, vamos denunciar toda a promiscuidade corrupta sob o manto de discutíveis vantagens advindas dos eventos manipulados.
Essas farsas que pretendem apropriar-se do sentimento de indignação do nosso povo nos obrigam a estar com um olho no padre e outro na missa. Façamos um inventário de todo esse ambiente de cumplicidade que compromete as instituições políticas, mas fiquemos atentos ante a tentativa de simplesmente acuá-las e destruí-las, abrindo caminho para as hidras que querem renascer com o nosso grito para instalar outra vez o arbítrio golpista, notoriamente direcionado para favorecer os granes cartéis que corrompem, espoliam nossas riquezas e se blindam a ferro e a fogo.
Combate pra valer à corrupção é muito mais do que boiar na superfície, remedar duas ou três palavras de ordem, agir que nem “Maria vai com as outras” e repedir clichês inventados por quem, no fundo, quer mesmo é proteger a cada vez mais poderosa indústria privada de negociatas e apropriação do Estado.