Pedro do Coutto
Só o desenvolvimento econômico, o pleno emprego e os salários não perdendo para a inflação do IBGE são capazes, em seu conjunto, de derrotar a miséria, apagando a sua mancha do mapa do Brasil. Caso contrário, qualquer política social será emergencial, tópica e compensatória, aliviando problemas, mas não eliminando suas raízes e suas causas. Focalizo o tema a partir do lançamento, pela presidente Dilma Roussef, do programa Brasil Sem Miséria, na tarde de quinta-feira, em Brasília, em meio a uma tempestade política chamada Antonio Palocci. Li, com atenção, a excelente reportagem sobre o tema de Tânia Monteiro e Leôncio Nossa, publicada no Estado de São Paulo do dia seguinte, sexta-feira.
A meta anunciada pela chefe do executivo é atender 16,2 milhões de pessoas que vivam em situação de miséria absoluta. Esse contingente inclui as 12,9 milhões incluídas no Bolsa Família. Assim, o objetivo é alargar a faixa para mais 3 milhões e 300 mil. O custo do Brasil Sem Miséria está estimado em 20 bilhões. Logo, serão praticamente 4 bilhões a mais além dos desembolsos com o Bolsa Família. Seja como for, a iniciativa é positiva. Tudo que se destinar a combater a miséria e retirar populações da pobreza é válido. Mas, ao longo da história, têm sido feitas muitas investidas as quais chocaram-se com obstáculos da realidade. Que obstáculos são esses?
Vários. A começar pela necessidade de forte retomada do desenvolvimento econômico, como ocorreu na era JK. Basta citar precioso levantamento que me foi enviado pelo comentarista Flávio José Bertolotto, destacando que o salário mínimo de 1959 foi o mais alto (aos preços de hoje) da história do Brasil. Atingiu 1 mil e 700 reais. Três vezes o piso de hoje de 545 reais. O desemprego ficou abaixo da taxa aceitável de 5%. O PIB cresceu 9%. A inflação bateu 29%. Mas os salários não perderam para ela. Ao contrário. Ganharam. Tanto assim que a classe média chegou ao automóvel e às viagens ao exterior, até então privilégio só dos ricos.A dívida externa foi de 1 bilhão e 200 milhões de dólares. Não existia dívida interna. Hoje, esta ultrapassa a estratosférica casa dos 2,2 trilhões de reais. Mas estes são outros tempos.
O progresso econômico é que pode assegurar o pleno emprego e fazer com que os salários não percam para a inflação, como perderam no tempo em que o ex-ministro Delfim Neto comandou, nos governos Costa e Silva e Médici, a economia nacional. Depois retornou na administração João Figueiredo. Foi um desastre. Hoje, pela Folha de São Paulo, dá conselhos sobre panorama financeiro.
Os salários não podem perder para o IBGE ou para a Fundação Getúlio Vargas, pois, nesse caso, na prática, estarão sendo diminuídos. Este é um passo decisivo, fundamental, evitar a derrota. Mas para isso – daí a extrema dificuldade de libertar a também extrema pobreza – é preciso enfrentar o poder (sem limites) do capital. Não se trata de reduzir sua importância essencial. Apenas contê-lo em seus limites lógicos e – por que não dizer? – cristãos.
Até porque quase todos falam em valores cristãos, porém não praticam o cristianismo. Pelo contrário. O transformam numa utopia, num sonho do bem.
Querem ver um exemplo? As cadernetas de poupança com seu saldo de 270 bilhões de reais e suas 90 milhões de contas. Pela Lei 4380/64, projeto do ministro Roberto Campos, eram remuneradas à base da correção monetária e mais juros anuais de 6%. Hoje, esse sistema produziria 12,5% ao ano. No entanto, a rentabilidade mensal total está agora em 0,61%, índice de junho. Por ano 7,3%. A diferença fica com quem? Com os bancos.
Num esquema assim, o avanço social fica difícil. Muito difícil.
Fonte: Tribuna da Imprensa