Com Gleisi e Ideli, núcleo central do governo Dilma ficou mais feminino, mas nem por isso mais dócil
Publicado em 19/06/2011 | André Gonçalves, correspondenteBrasília - Há pelo menos duas mudanças de perfil na gestão Dilma Rousseff após a crise que levou à queda de Antonio Palocci. Com Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvati (Relações Institucionais), o núcleo central de poder ficou mais feminino. Mas nem por isso mais suave – “trator” tem sido a palavra preferida para definir as novas responsáveis pela orientação técnica e política do governo.
Essa ambiguidade carrega em si a primeira dose de preconceito contra a ascensão das mulheres no Palácio do Planalto. “Os caciques tradicionais até aceitam a participação das mulheres na política, desde que elas reproduzam um padrão de docilidade. Aquelas que não vão por esse caminho logo recebem o rótulo de trator”, diz a consultora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Ana Cláudia Pereira.
Paranaenses têm destaque no segundo escalão do governo
Passam pelo comando de mulheres paranaenses três dos desafios sociais mais complexos do governo Dilma Rousseff. As secretárias nacionais Denise Colin (Assistência Social), Paulina Duarte (Políticas sobre Drogas) e Lygia Pupatto (Inclusão Digital) estão na linha de frente do combate à pobreza extrema, ao consumo de crack e à falta de acesso à informática. Todas seguem a linha técnica da presidente e refletem o aumento da participação feminina nos escalões secundários da administração federal.
Com a primeira reformulação no Ministério, Dilma está cercada por mulheres com características e origens semelhantes. Assim como a presidente, o trio petista Ideli, Gleisi e Maria do Rosário (ministra da Secretaria de Direitos Humanos) fez trajetória na esquerda sulista. Ideli perdeu a disputa pelo governo de Santa Catarina no ano passado, enquanto Gleisi e Maria do Rosário ficaram em segundo lugar nas eleições para as prefeituras de Curitiba e Porto Alegre, em 2008.
Promessa
“Todas são aguerridas politicamente e construíram imagens atreladas à capacidade de gestão”, avalia a cientista política da Universidade Federal de São Carlos (SP), Maria do Socorro Braga. Apontadas como o começo de uma verdadeira era Dilma, as mudanças também contemplam uma promessa da presidente na campanha do ano passado. “Ela queria fazer um governo com grande participação feminina, de chegar a até 30% do Ministério com mulheres”, afirmou Gleisi em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo no domingo passado.
Disparidade
A meta de participação feminina, contudo, ainda não foi atingida. Atualmente, as mulheres comandam 10 dos 38 ministérios brasileiros (26,3%). Na Espanha, o socialista José Luis Rodríguez Zapatero ganhou as duas últimas eleições para primeiro-ministro com a proposta de um governo com paridade de gênero – a promessa foi plenamente cumprida ao longo dos últimos sete anos.
“A paridade é um sonho que até chegou a ser cogitado durante a campanha da Dilma, mas acho que para os nossos padrões o momento é bem razoável”, diz Maria do Socorro. Os avanços brasileiros refletem uma dicotomia entre as próprias mulheres na sociedade. De acordo com pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, de 2001 a 2010 oscilou negativamente de 75% para 70% a concordância das mulheres com a seguinte frase: “A política seria bem melhor de tivessem mais mulheres em postos importantes”.
Em compensação, subiu de 59% para 78% no mesmo período a avaliação das mulheres de que elas “estão preparadas para governar”. “Disputar eleições ainda é uma dificuldade enorme para as mulheres, primeiro pela falta de democracia interna dos partidos e depois pelos problemas para conseguir financiamento”, aponta a consultora Ana Cláudia.
O Cfemea tem defendido que a reforma política contemple mudanças para o financiamento público de campanhas e a adoção de listas fechadas com alternância de sexo nas eleições proporcionais. Pela proposta, nas disputas para vereador, deputado estadual e federal, o eleitor passaria a votar no partido e não mais no candidato. A quantidade de votos recebida por cada legenda serviria para a distribuição de vagas a partir de uma lista de nomes preordenada, que obrigatoriamente seria intercalada por um homem e uma mulher.
No ano passado, foram eleitas apenas 45 deputadas federais, o que corresponde a apenas 8,77% do total de 513 vagas em disputa. O número é idêntico ao da eleição de 2006. No Senado, a representação feminina aumentou de 10 para 12 senadoras – de 12,34% para 14,81% do total de 81 cadeiras.
Fonte: Gazeta do Povo