Vida Pública
Quinta-feira, 16/06/2011
Wilson Dias/ABr
Dilma: depois de enfrentar a primeira crise no caso Palocci, presidente deve sofrer pressão de ex-presidentes para manter sigilo sobre documentosRecuo da presidente Dilma gerou críticas e pode se transformar em um novo problema político
Publicado em 16/06/2011 | André Gonçalves, correspondente, com agências - BrasíliaUma pauta programada para entrar na agenda positiva da presidente Dilma Rousseff começa a se transformar em um novo problema político. O recuo do governo na proposta que acaba com o sigilo eterno de documentos gerou reações da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de entidades de imprensa como a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Até a bancada petista no Senado já se manifestou contra o novo posicionamento do Palácio do Planalto.
A polêmica transcende o jogo entre situação e oposição no Congresso Nacional e envolve interesses diretos de dois ex-presidentes da República, os senadores Fernando Collor (PTB-AL) José Sarney (PMDB-AP). Ambos querem mais restrições à liberação do sigilo. Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Collor tem sido o principal responsável pelo retardamento da votação em plenário.
Inspiração
EUA servem de modelo
Uma das inspirações para a projeto em discussão no Senado brasileiro é a Lei da Liberdade de Informação (Freedom of Information Act) dos Estados Unidos. A norma obriga todas as repartições públicas federais a permitir o acesso a qualquer informação requisitada. Apenas algumas informações relativas à segurança nacional são mantidas sob sigilo, ainda assim por prazo determinado.
O posicionamento do governo brasileiro favorável ao sigilo eterno deve gerar reações de organismos internacionais. Nesta semana, o relator da ONU contra a tortura, Juan Mendes, já demonstrou insatisfação sobre a decisão do governo de manter fechados os arquivos nacionais sobre o período da ditadura militar (1964-1985). “O Ministério Público brasileiro e juízes precisam honrar esses documentos, abrindo processos contra torturadores e revelando o que de fato ocorreu naqueles anos”, disse Mendes. (AG, com agências)
Sigilo polêmico
Normas previstas no projeto de lei de acesso às informações públicas em discussão no Senado:
Justificativa
O interessado não precisa apresentar motivos para ter acesso aos dados.
Alcance
Podem ser requisitadas informações de órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em todas as esferas administrativas (municipal, estadual e federal), além de entidades sem fins lucrativos que recebem recursos públicos.
Prazo
As informações comuns devem ser prestadas dentro de um prazo de 20 dias (prorrogáveis por mais 10).
Classificação
Algumas informações consideradas sigilosas terão prazo para se tornarem públicas. Elas serão classificadas de acordo com o grau de sigilo, estabelecido por critérios como o risco à segurança nacional. A divisão ocorrerá em três níveis:
Reservadas – prazo de 5 anos (prorrogáveis por 5 anos)
Secretas – prazo de 15 anos (prorrogáveis por 15 anos)
Ultrassecretas – prazo de 25 anos (prorrogáveis por 25 anos)
Polêmica
A divulgação de informações consideradas ultrassecretas é o que emperra a votação no Senado. Atualmente, o prazo para divulgação é de 30 anos, mas sem limites de prorrogação (o que pode tornar o sigilo eterno). A proposta original do governo, enviada à Câmara dos Deputados em 2009, não prevê limites de prorrogação do prazo de 25 anos dessas informações. A mudança foi inserida na Câmara.
Recursos
Cada poder, em cada esfera administrativa, precisa nomear um órgão recursal (caso a informação não seja prestada). O único órgão recursal definido pela lei é a CGU, que receberá recursos de informações não prestadas no âmbito do governo federal.
Punição
O agente público que não prestar informações pode sofrer punições administrativas (como suspensão ou demissão) e judiciais (processo por crime de improbidade administrativa).
Adaptação
Os órgãos terão 180 dias para se adaptar às regras.
A controvérsia gira em torno de um ponto do projeto que trata dos documentos considerados ultrassecretos (dados que envolvam risco à segurança nacional ou à estabilidade econômica e financeira do país). Atualmente, esses papéis ficam inacessíveis por 30 anos, prazo que pode ser prorrogado indefinidamente. Em 2009, penúltimo ano da gestão Lula, o governo mandou uma proposta ao Congresso diminuindo o prazo para 25 anos, mas mantendo a possibilidade de prorrogação infinita.
A Câmara dos Deputados, que aprovou a proposta no ano passado, fez uma mudança que permite a prorrogação por apenas uma vez. Com a alteração, o sigilo máximo de qualquer documento fica restrito a um prazo de 50 anos. O principal temor do Itamaraty, encampado por Sarney, é que isso possa gerar constrangimentos sobre a definição das fronteiras brasileiras.
“Não podemos fazer Wikileaks da história do Brasil”, justificou anteontem o presidente do Senado. Para ele, não há problemas com a divulgação de documentos recentes, incluindo os que abrangem seu governo (1985-1989). Já Collor teria restrições aos papéis de sua gestão (1990-1992).
Os apelos da dupla convenceram a nova ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti. Ontem, ela voltou a defender a versão original da proposta enviada por Lula – mas evitou reconhecer que o texto mantém o bloqueio a determinadas informações. “Não há sigilo eterno. Tem apenas três assuntos, a questão da integridade do território, segurança nacional e relações internacionais, que é possível pedir a renovação do sigilo por mais 25 anos.” Ontem também, Sarney defendeu o projeto apresentado pelo ex-presidente Lula.
O próprio governo, contudo, já havia costurado um acordo para que a proposição fosse aprovada em 3 de maio, Dia Internacional da Liberdade de Imprensa. A votação só não ocorreu porque Collor reteve a matéria na Comissão de Relações Internacionais. Quinze dias depois, a base governista apoiou a aprovação de um requerimento de urgência para a votação, novamente adiada por esforço do ex-presidente.
A demora provocada pela falta de acordo em um ponto da proposta evita que todo o restante entre em vigor. O acesso às informações públicas é um direito fundamental previsto no artigo 5.º da Constituição, mas que não possui regras claras. A Lei 11.111/2005 trata do assunto, mas serve mais como uma cartilha de quais dados não podem ser divulgados.
Além de garantir acesso às informações e criar normas mais claras de sigilo, o projeto em discussão no Senado acaba com a necessidade de o interessado apresentar justificativas e estabelece prazo máximo de 30 dias para a resposta sobre dados “comuns”.
Além disso, a proposta também prevê punições ao agente público que negar-se a entregar as informações. O texto estipula punições administrativas (no mínimo, de suspensão, podendo chegar à demissão ou desligamento do cargo) e judiciais (como processo por crime de improbidade administrativa).
No caso de as informações não serem prestadas, o cidadão deve recorrer ao superior do agente público. Caso o pedido não tenha efeito, cada instituição deve ter um órgão recursal – o único definido na lei é a Controladoria-Geral da União (CGU), que será a instância máxima para recurso de informações do governo federal.
Fonte: Gazeta do Povo