Carlos Chagas
Dividem-se as opiniões, através dos séculos. Ora o mercado é a própria natureza das coisas, com a irrevogável lei da oferta e da procura. Fora da competição não há salvação. Existem períodos, no entanto, em que o mercado não passa de um clube de poucos e poderosos malandros, ditos investidores e empreendedores, mas, no fundo, vigaristas empenhados em fazer apenas do lucro a razão de o planeta girar em torno do sol.
Desde os tempos de líder sindical que o Lula mostrou-se um dedicado cultor do mercado. Jamais sustentou a revolução, talvez nem o ideal reformista. Acoplou-se à política dos resultados. Arrancar o máximo dos patrões, mas reconhecendo e desejando pleno sucesso ao mercado, ou seja, aceitando a busca do lucro como fim e a desigualdade entre os cidadãos como consequência.
Ministra das Minas e Energia e chefe da Casa Civil, até como candidata, Dilma Rousseff aceitou sem discutir a política adotada pelo Lula na presidência da República, isto é, de submissão ao mercado. Jamais contestou a estratégia liderada por Antônio Palocci, Guido Mantega e Henrique Meirelles, por sua vez seguidores do neoliberalismo mercadológico de Fernando Henrique Cardoso. Como chefe do governo, Dilma optará pelo mercado, mesmo salpicado de assistencialismo? Ou atentará para o fato de que, livre para todo tipo de excessos, o mercado criou impasses capazes de levar nossa economia para o buraco, extinguindo o período de euforia dos últimos anos?
Continuar aceitando a ditadura do lucro poderá ser fatal, mas impor para valer a intervenção do poder público na economia despertará indignação, ira e perplexidade por parte dos manipuladores do mercado.
O EXEMPLO DA CARNE QUE É FRACA
Passando da teoria à prática, na seqüência da nota anterior, vale um exemplo simples do nó que a nova presidente precisará desatar. O Brasil tornou-se o maior exportador de carne bovina do planeta. O bife brasileiro é disputado lá fora, a procura aumenta, os preços sobem e nossos fazendeiros multiplicam a produção para exportar e lucrar. O resultado é a diminuição da carne no mercado interno e o conseqüente aumento no preço, da ordem de 30% ou mais, só nos últimos dois meses, em nome da lei da oferta e da procura.
Sofre a população brasileira. Fazer o quê? Cruzar os braços e concluir que o mercado é assim mesmo, bom para poucos, ruim para muitos? Subsidiar o consumo entre nós seria um sacrilégio. Reduzir ou taxar as exportações, uma agressão ao próprio, quer dizer, ao mercado.
Sempre haverá o reverso da medalha, ou seja, os estrangeiros poderão reduzir suas importações, o preço internacional poderá cair, mas, nessa hora, em nome do mercado, os produtores não exigirão subsídios? Fecha-se o círculo em que Dilma Rousseff ficará presa, pois a carne é apenas um detalhe.
DUAS CATEGORIAS DISTINTAS
Na hora em que se protesta contra o trancamento dos arquivos da ditadura, seria bom que algum historiador ou aluno de doutorado em ciência política se dedicasse a identificar, entre as vítimas da truculência anterior, quantos optaram pela luta armada apenas para restabelecer a democracia entre nós e quantos praticavam a guerrilha visando estabelecer outra ditadura, no caso, do proletariado. Porque a divisão, à época encoberta e até sigilosa, serviria para definir muita gente hoje galgando ou já incrustada no poder. Não que muitos não possam ter mudado. Ninguém é obrigado a aferrar-se a concepções do passado. Mas muita gente se surpreenderia, caso a pesquisa fosse feita…
ELA JÁ SABE
Dilma Rousseff está de novo em Brasília para uma profusão de rodadas de conversas, debates, consultas e entendimentos visando a formação de seu programa de governo e, em especial, de seu ministério. Essa é a versão oficial, mas há quem suponha que, desde seu retorno da Coréia, a presidente eleita já compôs a equipe e definiu as linhas base de sua administração. Apenas, guarda umas e outras para o travesseiro, preservando-se do desgaste de agradar uns poucos e desagradar muitos.
Claro que retificações poderão ser feitas até quinze minutos antes do anúncio, geradas por fatores variados, mas arrisca-se a passar por bobo quem supuser que Dilma ainda não sabe quem será o seu chefe da Casa Civil, seu ministro da Fazenda, seu ministro da Defesa e seu chanceler. E muitos outros ministros. Fala-se da cristalização das escolhas a partir da volta da Coréia, tanto pelas sucessivas horas de conversa da presidente eleita com o presidente Lula quanto do tempo de que ela dispôs para meditar, em Seul e nos deslocamentos, sem estar cercada do enxame de assessores e de bicões dispostos ao seu redor.
Fonte: Tribuna da Imprensa