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quinta-feira, agosto 04, 2022

Dobradinha de mulheres na terceira via




Por Luiz Carlos Azedo (foto)   

A escolha de Gabrilli para vice agrega à candidatura de Simone Tebet mais força em São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, o que dificulta a sua cristianização pelo PSDB paulista

A chapa Simone Tebet, candidata do MDB à Presidência da República, com Mara Gabrilli (PSDB-SP) como sua vice, é alvissareira. Abre espaço para mais mulheres na política, agora com possibilidades financeiras, porque 30% do fundo eleitoral serão destinados a candidaturas de mulheres pelos partidos, que podem ser punidos se não o fizerem. Entretanto, Simone nem de longe tem as mesmas condições oferecidas à ex-presidente Dilma Rousseff, que se elegeu com apoio do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, no auge de sua popularidade, e se reelegeu em 2014, embora com dificuldades e uma oposição que viria apeá-la do poder, com o impeachment.

Mesmo assim, a sobrevivência da candidatura de Simone Tebet no MDB, um partido dominado por velhos caciques políticos regionais, e a indicação de Gabrilli para vice, pelo PSDB, uma senadora de grande prestígio em São Paulo, são obras de grande engenharia política. Nessa construção, destacaram-se a própria candidata, que não esmoreceu diante dos desafios; o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi, que bancou sua candidatura até o fim; o presidente do PSDB, Bruno Araújo, que retirou do caminho o ex-governador de São Paulo João Doria, abdicando da candidatura própria; e o presidente do Cidadania, o veterano Roberto Freire, que apostou na aliança MDB-PSDB-Cidadania, inclusive removendo a candidatura própria do senador Alessandro Vieira (SE), então no Cidadania, quando a aliança com o MDB parecia impensável.

A escolha do nome de Mara Gabrilli para vice foi uma decisão estratégica. O PSDB de São Paulo não estava nem aí para Simone Tebet, mais empenhado na reeleição do governador Rodrigo Garcia, que enfrenta dois adversários poderosos: o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o ex-ministro de Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos). A decisão foi tomada na cúpula da aliança, num encontro das duas senadoras com Baleia, Araújo e Freire. Segundo Tebet, a conversa entre as duas colegas de Senado foi decisiva:

“Eu tinha dúvida, Mara, se uma chapa 100% feminina seria aceita. Que bom que as [pesquisas] qualitativas mostraram que homens e mulheres estão prontos para votar nessa chapa. E quando fiz o convite para você, esperando que você fosse dizer ‘vou pensar um pouquinho, eu tenho algumas limitações’, Mara disse, na sua generosidade, ‘Simone, que honra. Como vai ser bom falar para o Brasil da nossa causa e da nossa luta'”, relata Tebet.

São Paulo

Psicóloga e publicitária de formação, Mara Gabrilli é tetraplégica. Como mulher, é um exemplo de superação, com atuação política muito focada na inclusão social, em especial dos deficientes físicos. Destacou-se muito como parlamentar combativa e competente, inicialmente na Câmara, onde enfrentou adversários poderosos, como o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), cuja saída do comando da Casa defendeu em plenário.

A escolha de Gabrilli agrega força à candidatura de Simone Tebet em São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, o que dificulta a sua cristianização pelo PSDB paulista e pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). Gabrilli já foi testada em disputa majoritária, em 2018, nadando contra a maré. O governador Rodrigo Garcia, do PSDB, e o prefeito da capital eram vices. A consolidação da candidatura de Simone, porém, enfrenta o desafio de uma eleição muito polarizada, na qual a narrativa do “voto útil” ganha muita força. O fato novo da escolha é a possibilidade de a chapa sair do ponto de inércia em que se encontra nas pesquisas e ganhar mais fôlego com apoio entre as mulheres e no eleitorado paulista. A conferir.

Casa de louças

Em ofício classificado como “urgentíssimo”, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas até 12 de agosto, em caráter de “urgência, urgentíssima”. O ofício é mais uma forma de pressão sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), passa a impressão de que a Corte nega acesso aos técnicos das Forças Armadas ao sistema de segurança das urnas eletrônicas, o que não é verdade.

O código-fonte das urnas eletrônicas está à disposição do Ministério da Defesa há um ano. Nesse período, a Controladoria Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF), o Senado e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) já tiveram acesso ao mesmo. O PTB, de Roberto Jefferson, o está inspecionando nesta semana. Ainda neste mês está prevista a inspeção da Polícia Federal. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também estão credenciadas para fazê-lo. PL e PV também.

Correio Braziliense

Visões sobre a disputa tributária no STF



Caso levanta debate sobre estratégia ideal para fazer reforma

Por Fernando Exman (foto)

Autoridades do governo federal acreditam que está aberta uma segunda frente na disputa de forças com o Poder Judiciário. Agora, somando-se aos embates no campo político, estaria ocorrendo uma batalha econômica.

Elas se referem às recentes decisões tomadas, no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a cobrança de ICMS e IPI.

É um ponto de vista. E ele está longe de ser unânime. Entre ministros do Supremo, a avaliação é que foi necessário agir em defesa dos princípios federativos, uma vez que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é fonte importante de receitas dos entes subnacionais, e na proteção dos dispositivos constitucionais que tratam da Zona Franca de Manaus.

Em relação às questões criminais e eleitorais existentes entre o Executivo e o Judiciário, front aberto há mais tempo devido aos ataques do presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores a ministros do STF e às urnas eletrônicas, o enredo já é conhecido. Mas existe a possibilidade de haver desdobramentos importantes nestes campos nos próximos dias.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, encaminhou para o plenário virtual do tribunal uma série de recursos para a análise dos demais integrantes da Corte. Um deles foi apresentado no inquérito que apura o vazamento de dados sigilosos, por Bolsonaro, de uma investigação sobre um ataque hacker ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o pleito de 2018.

Além disso, estarão em pauta dez agravos apresentados no inquérito das “fake news”, o qual tramita sob sigilo. Foram liberados, ainda, recursos relativos ao caso em que o chefe do Poder Executivo é investigado por divulgar notícias falsas a respeito das vacinas contra covid-19. Este inquérito foi instaurado por Moraes, a pedido da CPI da Covid, depois que o presidente falou que a imunização poderia elevar a chance de contrair o vírus do HIV.

Será um período sensível. Os recursos terão que ser analisados entre os dias 12 e 19 de agosto. Neste ínterim, no dia 16, Alexandre de Moraes tomará posse na presidência do TSE. Ele é um dos principais alvos dos ataques bolsonaristas, ao lado dos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.

Porém, enquanto aguarda para ver como será a conduta de Moraes à frente do processo eleitoral, o governo se mobiliza para tentar reverter algumas decisões recentes tomadas no Supremo na seara tributária.

O primeiro exemplo citado é um esforço para manter a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados, medida considerada estratégica para promover a reindustrialização do país. Uma iniciativa nesse sentido foi tomada no começo do ano, quando ocorreu uma diminuição linear de 25% no IPI. Na sequência, houve um corte adicional de 10%.

Foi quando o ministro Alexandre de Moraes proibiu essa redução. O IPI zero na Zona Franca de Manaus é o principal atrativo do polo, ou seja, um imposto menor em outras áreas reduz a competitividade do local. Mas a intenção das autoridades federais é dar um impulso a segmentos da indústria como um todo, aquecer a atividade econômica, promover a geração de empregos e, claro, combater a inflação. A redução da carga tributária já é uma bandeira da campanha de Bolsonaro.

Não houve acordo. Diante do impasse, no fim do mês passado novo decreto foi publicado, numa tentativa de viabilizar a redução de 35% no IPI da maioria dos produtos fabricados no Brasil e, ao mesmo tempo, cumprir a decisão judicial. Por meio dele, cancelou-se o corte de impostos de alguns produtos para incluir quase tudo que é produzido na Zona Franca de Manaus. Agora, será preciso ver se Moraes irá considerar cumprida a sua ordem. O Executivo aguarda.

O outro exemplo citado por interlocutores de Bolsonaro é o embate entre o governo federal e Estados em relação à compensação pela redução, para 17% a 18%, da cobrança do ICMS que incide sobre combustíveis e outros produtos que foram considerados essenciais, como energia, telecomunicações e transporte coletivo. Ministros do Supremo, como o próprio Moraes, têm atendido governos estaduais que pedem compensações financeiras após as mudanças na cobrança do imposto. A nova regra foi aprovada pelo Congresso, numa articulação da base governista para impulsionar a candidatura de Bolsonaro à reeleição. E os governadores alcançados pelas decisões liminares - de Maranhão, São Paulo, Piauí e Alagoas - não darão palanque ao presidente nas eleições.

Neste contexto, quem proveu o governo com uma notícia positiva foi o ministro Gilmar Mendes. Antes de perder disputa na indicação de um integrante para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ele criou uma comissão especial para buscar uma conciliação entre as partes em relação ao ICMS, com prazo para conclusão dos trabalhos até 4 de novembro. Ou seja, depois das eleições.

Argumenta-se, no entorno de Bolsonaro, que essas decisões estariam prejudicando os esforços do governo federal para realizar, silenciosamente e a um passo de cada vez, uma reforma tributária. Alguns especialistas no tema podem discordar, mas é inegável que nesta legislatura ficou de novo evidente a complexidade de aprovar uma reforma tributária ampla no Congresso Nacional.

Com o início da campanha eleitoral, será possível comparar as propostas de cada candidato na área. E a oposição pode até discordar do mérito das medidas adotadas pela atual administração, mas, pelo jeito, não parece ser refratária à estratégia adotada.

Recentemente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que as discussões sobre uma reforma tributária são “complexas” e defendeu a possibilidade de realizar mudanças no sistema de forma pontual. “Eu não sei se a gente tem que continuar falando em reforma tributária, que é uma coisa muito complexa. Quem sabe a gente pega os pontos cruciais e, ponto por ponto, a gente consiga fazer com que aconteça no Brasil um modelo de tributação que a gente possa satisfazer a todas as pessoas”, destacou, durante evento da Confederação Nacional do Transporte (CNT). O Supremo desempenhará papel fundamental no desfecho desse debate.

Valor Econômico

Metaverso: desumanização da sociedade?




A gestão dos avatares e a sociedade do teletrabalho (e sobretudo do telelazer) vão moldar um mundo irrealista de alertas permanentes e de desumanização da sociedade civil. 

Por Pascal de Lima (foto)

O conceito do metaverso é importante para compreendermos a transformação económica e digital. Quando praticamos desporto num clube, quando fazemos as nossas compras, quando nos encontramos uns com os outros, quando visitamos um museu, ou vamos ao shopping, ou até mesmo quando vamos ao cinema ou realizamos uma experiência científica na Antártida, existe um movimento físico, um acto social concreto. O metaverso possibilita estas mesmas utilizações, excepto que estamos sentados numa cadeira com um headset de realidade virtual. Fazemos desporto com um jogo, PS4 por exemplo; fazemos compras num showroom a 360° em plena virtualidade. Podemos instalar-nos, agora, na nossa sala de cinema, ou seja, nas nossas casas com (por que não) uma visão 3D.

Neste metaverso, existem basicamente duas opiniões :

(1) Um metaverso aberto, comum, democrático. Você e eu podemos desenvolver um universo metaverso a partir da adição de tijolos tecnológicos : a inteligência artificial vai ajudá-lo a orientar-se, com uma moeda eletrónica para proceder aos pagamentos (os criptoativos de que fazem parte os tokens, estas famosas fichas de pagamento). Poderíamos acrescentar mais ferramentas que fazem parte deste mundo : a videoconferência em casa, os modelos 3D, os óculos 3D, as redes sociais para comunicar e conhecer novas pessoas, as plataformas de colaboração e blockchain. Quanto às impressoras 3D, absolutamente essenciais no sistema com a IA, elas permitiriam a construção de praticamente tudo o que você deseja enquanto navega na Internet de casa.

A segunda opção é o metaverso fechado. Ele só é autorizado para certos intervenientes do sector público ou privado (a Defesa por exemplo, os jogos para crianças, etc…). Para construir este mundo virtual privado, já existem um certo número de actores, tais como Epic Games ou Roblox, mas são americanos. Através da adição dos tijolos tecnológicos, eles conseguem adaptar-se a um sistema mais aberto no mundo de amanhã.

Emmanuel Macron propõe um metaverso europeu

Emmanuel Macron propõe um metaverso europeu que possa concorrer com os Americanos e os Chineses, que já estão à nossa frente. Mark Zuckerberg e Facebook anunciaram por outro lado vários milhares de milhões de investimento no metaverso. A Europa já regista algum atraso no que toca à questão da IA, da 5G e, agora, o metaverso. Sobre o metaverso propriamente dito, como o chinês Tik-Tok parece estar a liderar, em parte, face ao americano Facebook, existe a ideia de que um metaverso chinês poderia ganhar velocidade sobre o dos americanos. É neste contexto que Emmanuel Macron propõe apoiar o desenvolvimento de certos tijolos tecnológicos chave, como os motores 3D. A ideia seria criar concorrentes europeus face ao Unreal Engine da Epic Games e ao Unity e o seu motor epónimo , para citarmos dois exemplos.

A ideia de Emmanuel Macron, tentadora à primeira vista

Este metaverso europeu permitiria, para além de recuperar o atraso, a obtenção de vantagens económicas importantes. Facilitaria as parcerias tecnológicas na Europa permitindo a constituição de monopólios. Todos os atores europeus do sector Tech reunir-se-iam em torno de um projeto comum, que o sistema seja aberto ou fechado de resto. Sobretudo, o metaverso é um mundo poderoso para valorizar mais do que o dinheiro, nomeadamente colocando questões sob o ponto de vista tecnológico no que toca aos assuntos ambientais e sociais, ou seja os critérios ESG das empresas associadas ao metaverso. Na medida em que estas empresas permanecerão bem «reais» mas dotadas de um mundo metaverso em formato 360° virtualizado, o cumprimento de toda uma série de regulamentações, em particular através da IA, será facilitado. As ferramentas colaborativas virão reforçar a partilha de valores coletivos. Com a inovação tornando-se o motor, a economia aproximar-se-á da inovação dos estúdios, como no cinema, e eis como na Europa poderemos finalmente apostar quinhentos milhões num metaverso industrial: a indústria 4.0 europeu.

Mas cuidado, Emmanuel Macron parece surfar uma onda

Este projeto de metaverso europeu enfrenta diversos obstáculos : vejamos o mimetismo da sociedade americana, longe de ser exemplar (o desenvolvimento de um mundo visionário perigoso e da cibercriminalidade). Isolar a Europa sobre este assunto parece pouco realista, da mesma forma que os esforços da China ou da Rússia para isolar os seus cidadãos do resto da Internet. Por que não falar do mundo de amanhã através de projetos inclusivos, societais e coordenados a nível europeu, como no tempo do Airbus ? Se tivéssemos absolutamente de falar do mundo de amanhã, seria necessário, em primeiro lugar, controlar o que se passa hoje. E atualmente o desafio da economia é o poder de compra e o emprego. O que vem fazer um metaverso europeu nestes domínios, sem visão e sem perspectivas sobre o seguimento que irá ter o mercado de trabalho com humanos enclausurados nas suas casas? De que forma serão remunerados? Através dos tokens? Direitos de propriedade multidimensionais? Para que profissões? Quais são as profissões que irão desaparecer, e por outro lado quais as profissões que surgirão com o metaverso? Quem irá monopolizar a renda?

Se se pretende um projeto global como um metaverso europeu, é forçosamente necessário incluir o mercado de trabalho e dar-lhe uma visão, uma vez que emprego e poder de compra formam os dois principais desafios para os franceses. Será também necessário demonstrar que os europeus estarão em uníssono. Ora, nada é menos certo, como pudemos claramente entender com os exemplos da Covid e da guerra na Ucrânia.

Para concluir, esta proposta aparece como oportunista: de que forma o metaverso poderia servir um projeto europeu conectando-o ao motor da inovação, a IA e os dados, o petróleo do conhecimento, sem esquecer a finalidade social e ambiental, e sobretudo o poder de compra e o emprego. Emmanuel Macron propõe, por conseguinte, um Metaverso europeu não o associando, contudo, a uma visão do mundo do trabalho de amanhã, com as suas novas profissões e no contexto de um projeto que envolve a sociedade no seu todo de forma inclusiva a fim de não separar, novamente, os franceses deste projeto (para agradar ao Bpi France e à French Tech de Las Vegas).

Aparentemente a proposta de Macron está aquém das expectativas do mundo de amanhã porque não se insere num ciclo económico e tecnológico de oferta com uma crise do poder de compra e prováveis reivindicações sociais.

Para além disso, este projeto não previne os riscos de um fracasso que possa conduzir a sociedade a um impasse e eles são muitos, porque o metaverso não é apenas uma representação da realidade aumentada, está também desfasado da realidade: o desaparecimento, devido ao virtual, do mercado de trabalho real, no mundo dos avatares e em casa. E o que dizer dos riscos em termos de coesão social de tal projeto: uma desconexão total da realidade, um homem constantemente conectado mas desconectado do mundo real, numa sociedade onde a ultramoralização fantasmagórica da sociedade por detrás dos seus ecrãs e o transumanismo podem ter lugar, onde os alertas individuais chegam a casa porque o capitalismo se instala nas famílias. A gestão dos avatares e a sociedade do teletrabalho (e sobretudo do telelazer), bem como as inteligências artificiais que pensam em lugar do homem, vão moldar um mundo irrealista de alertas permanentes e de desumanização da sociedade civil. Seria, pois, necessário, em primeiro lugar, dar respostas precisas a estas perguntas para saber se o desafio vale a pena.

Observador (PT)

Os sócios do caos são teimosos - Editorial




Parlamentares bolsonaristas tentam retomar o PL que limita a autonomia dos governadores para indicar os comandantes das PMs; repercussão negativa adiou a barbaridade

A segurança dos cidadãos será fatalmente comprometida caso seja aprovado no Congresso o Projeto de Lei (PL) 164/2019, que estabelece um novo rito de escolha dos comandantes-gerais das Polícias Militares (PMs) e dos Corpos de Bombeiros Militares (CBMs) dos Estados. Hoje, os comandantes-gerais das duas corporações são escolhidos livremente pelos governadores entre os oficiais da ativa no último posto da carreira militar estadual (coronel). Não há mandato, e o chefe do Poder Executivo pode destituí-los a qualquer tempo, sem ter de justificar a decisão.

À luz do interesse público, não há por que mudar esse rito. Nas democracias, o braço armado do Estado deve estar sempre subordinado ao poder civil, e este não pode ser limitado por artimanhas políticas de ocasião nem, menos ainda, por picuinhas. É disso que se trata. O PL 164/2019 é, a um só tempo, um instrumento da briga do presidente Jair Bolsonaro com os governadores e um ardil para granjear o apoio de maus militares à agenda bolsonarista, claramente antidemocrática e antirrepublicana. Se há no País alguém que domina o idioma dos maus militares, é o presidente da República.

Não é novidade para ninguém que Bolsonaro tem total interesse em minar o poder dos governadores sobre as forças de segurança pública sob seu comando. É explícita a tentativa do presidente de cooptar policiais militares nos Estados para formar uma espécie de milícia bolsonarista, que estaria pronta para se insurgir contra seus comandantes sob as ordens diretas de Bolsonaro, no momento que melhor convier ao incumbente em campanha pela reeleição.

O PL 164/2019 dormitava nos escaninhos da Câmara dos Deputados havia mais de um ano. Agora, de uma hora para outra, um grupo de parlamentares bolsonaristas decidiu ressuscitar a emboscada. Ora, não é coincidência o fato de o País estar a dois meses das eleições gerais. Bolsonaro tem dito aos quatro ventos que não aceitará uma eventual derrota nas urnas. Caso isso aconteça, como projetam as pesquisas de intenção de voto, o preço que os brasileiros haverão de pagar por não terem reconduzido o “mito” serão dias de tensão e baderna. A ação de policiais militares insurgentes faz parte da arquitetura do caos.

A armadilha bolsonarista só foi temporariamente desarmada porque o Estadão revelou as manobras de bastidor na Câmara dos Deputados para levar o projeto adiante. Decerto ele seria aprovado em caráter terminativo na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Casa não fossem a reportagem e a reação de alguns comandantes-gerais das PMs. Diante das críticas pela escancarada natureza oportunista do PL 164/2019, a votação foi adiada para depois das eleições. Um projeto absurdo como esse, flagrantemente contrário ao melhor interesse público, deve ser abandonado em caráter definitivo. Só foi cogitado porque na Presidência da República está um inconsequente e na Presidência da Câmara dos Deputados, um oportunista.

Se o PL 164/2019 for aprovado, aos governadores será imposta uma lista tríplice formada a partir de votação interna e sigilosa entre todos os oficiais da ativa das PMs e dos CBMs. Os escolhidos teriam um mandato de dois anos, podendo ser reconduzidos uma vez, a critério dos governadores. As corporações também passariam a ser dotadas de autonomia orçamentária.

Os defensores do projeto juram que pretendem “impedir a ingerência política” nas corporações militares estaduais. É uma falácia, pois o que ocorrerá é justamente a politização dos quartéis. Os candidatos a comandante-geral, a fim de integrar a lista tríplice, passarão a agir sob a lógica sindical, sobrepondo os interesses corporativos aos interesses da sociedade. Quando os interesses de classe colidirem com o interesse coletivo, pior para a sociedade. Coronéis-candidatos poderão tomar decisões que, ao fim e ao cabo, arrisquem a segurança dos cidadãos.

Um projeto como esse não pode prosperar. Mas, caso passe na Câmara, onde tudo é possível sob a gestão de Arthur Lira, que o Senado, a Casa da Federação, dê um fim a essa barbaridade. 

O Estado de São Paulo

Postado há 7 hours ago por Brasil Soberano e Livre



Zelenskiy disse que economia do país está em coma

Por Natalia Zinets e Umit Bektas 

Kiev - O presidente da Ucrânia, Volodymr Zelenskiy, minimizou a importância do envio do primeiro carregamento de exportação de grãos do país desde a invasão russa. Ele disse que a Ucrânia estava transportando uma fração da safra que tem que vender para ajudar a salvar sua economia abalada pela guerra.

Os comentários pessimistas, feitos em vídeo para estudantes na Austrália nesta quarta-feira (3), ocorreram quando uma inspeção do navio foi concluída na Turquia, antes de a embarcação seguir para seu destino final no Líbano, sob um acordo para aliviar uma crise alimentar global.

O navio Razoni partiu do porto ucraniano de Odessa, no Mar Negro, na segunda-feira (1), carregando 26.527 toneladas de milho para Trípoli, no Líbano, após um acordo de exportação de grãos e fertilizantes mediado pela Organização das Nações Unidas (ONU) entre Moscou e Kiev no mês passado - um raro avanço diplomático em uma guerra prolongada.

Mas Zelenskiy, falando por meio de um intérprete, disse que é necessário mais tempo para ver se outros embarques de grãos acontecerão.

"Recentemente, graças à parceria da ONU com a Turquia, tivemos um primeiro navio com entrega de grãos, mas isso ainda não é nada. Esperamos que seja uma tendência que continue", declarou aos alunos.

Segundo ele, a Ucrânia tinha que exportar um mínimo de 10 milhões de toneladas de grãos para ajudar urgentemente a reduzir seu déficit orçamentário, que está em $ 5 bilhões por mês.

A Turquia disse que três navios podem deixar os portos ucranianos diariamente, após a partida do Razoni, enquanto o ministro da Infraestrutura da Ucrânia afirmou que mais 17 navios foram carregados com produtos agrícolas e estavam esperando para zarpar.

Conhecida como celeiro da Europa, a Ucrânia espera exportar 20 milhões de toneladas de grãos mantidos em silos e 40 milhões de toneladas da colheita em andamento, inicialmente de Odessa e das proximidades de Pivdennyi e Chornomorsk.

Economia em coma

"A guerra está quase matando a economia. Está em coma", acrescentou Zelenskiy. "O bloqueio dos portos pela Rússia é uma grande perda para a economia."

Zelenskiy alertou repetidamente que Moscou pode tentar obstruir as exportações, apesar de ter assinado o acordo do mês passado.

A Rússia, que bloqueou os portos da Ucrânia depois de iniciar em 24 de fevereiro o que chamou de "uma operação militar especial", disse que quer ver mais ações para facilitar as exportações de seus próprios grãos e fertilizantes. O país classificou a saída do primeiro navio de grãos da Ucrânia como positiva.

A Rússia nega responsabilidade pela crise alimentar, dizendo que as sanções do Ocidente, que considera a guerra uma apropriação de território ucraniano por Moscou não provocada ao estilo imperialista, desaceleraram suas exportações.

Reuters / Agência Brasil

Morte de líder da al-Qaeda comprova recuo do jihadismo - Editorial




Atingido por ataque de drone em Cabul, Ayman al-Zawahiri (dir.) geria decadência da rede terrorista

Para um presidente assombrado pelos piores índices de popularidade a esta altura do mandato desde a Segunda Guerra Mundial, até que os últimos dias trouxeram um alento ao americano Joe Biden. As primeiras boas notícias vieram do Congresso, onde suas iniciativas andavam paradas. O Senado aprovou na semana passada uma lei para financiar a produção de semicondutores, e Biden enfim convenceu o senador relutante que emperrava sua agenda ambiental a apoiar parte dela. No front externo, o entrevero com a China em torno da visita oficial de deputados a Taiwan pode ter ofuscado a operação que eliminou Ayman al-Zawahiri, líder da organização terrorista al-Qaeda desde o assassinato de Osama bin Laden, em 2011 — mas não diminui seu valor simbólico.

Se o jihadismo parece hoje uma ameaça menor que no passado, isso se deve em boa parte ao êxito das políticas adotadas pelos governos ocidentais para combatê-lo. Depois de afundarem no pântano da guerra na Síria, os serviços de inteligência aprenderam com seus erros e tiveram êxito em desmantelar redes ligadas aos dois principais grupos terroristas, a al-Qaeda e seu rebento rebelde, o Estado Islâmico.

Enquanto Bin Laden era a liderança carismática, uma espécie de coração vital da al-Qaeda, Zawahiri era o cérebro, a mente que articulava a estratégia. “A al-Qaeda jamais teria sobrevivido sem a dinâmica que criaram juntos”, escreveu Lawrence Wright, autor de uma das principais obras sobre a rede terrorista. Depois de ampliá-la de 400 no 11 de Setembro aos atuais 4 mil integrantes, Zawahiri nos últimos anos tinha de lidar com o declínio da influência de um movimento que antes ditava a política externa do Ocidente para o Oriente Médio e países da Ásia.

Filho da elite egípcia com formação acadêmica sólida, médico e cirurgião competente, Zawahiri foi o mais bem-sucedido discípulo do maior ideólogo do jihadismo, o egípcio Sayyid al-Qutb. Criou sua primeira célula aos 15 anos e, com diferentes graus de envolvimento, tomou parte em dezenas de atentados — do assassinato do premiê egípcio Anuar Sadat aos ataques da al-Qaeda às embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia e ao porta-aviões USS Cole, no Iêmen, nos anos 1990 e 2000.

Seu perfil pragmático o levava a ter reservas diante de ações cinematográficas no Ocidente, como o 11 de Setembro. Apesar de apoiar os ataques ao “inimigo distante” na Europa ou nos Estados Unidos, Zawahiri preferia concentrar esforços no “inimigo próximo”, os regimes seculares ou “infiéis” que comandavam países do próprio Oriente Médio. As divergências de “método” o levaram à ruptura com o Estado Islâmico. Desde o retorno do Talibã ao poder no Afeganistão no ano passado, voltara a comandar a reestruturação da al-Qaeda de Cabul, onde, de acordo com o governo americano, foi atingido pelo ataque certeiro de um drone.

Sob Zawahiri, a al-Qaeda jamais voltou a ter o vulto que teve no passado, mas continua a representar um risco, sobretudo depois da retirada atabalhoada dos americanos do Afeganistão, onde os terroristas sempre mantiveram bases de treinamento. Os planos originais de domínio sobre o Oriente Médio, porém, fracassaram todos. As dificuldades das redes jihadistas para articular novos ataques só cresceram nos últimos anos, e a operação que alvejou Zawahiri é apenas a evidência mais recente disso. Trata-se de uma boa notícia não apenas para Biden.

O Globo

Após reunir-se com Putin, Schröder opina sobre gás e guerra




Schröder diz que poderia ajudar nas conversas com a Rússia, mas Scholz rejeita a oferta de seu antecessor

Hoje isolado na Alemanha, ex-chanceler federal defende ideias alinhadas a Moscou sobre gasodutos e cessar-fogo na Ucrânia. "Ainda posso ser útil", afirmou. Atual chanceler Scholz já havia rejeitado ajuda do antecessor.

O ex-chanceler federal Gerhard Schröder, que governou a Alemanha de 1998 a 2005, confirmou ter se reunido novamente com o presidente russo, Vladimir Putin, no final de julho, e deu uma entrevista trazendo recados de Moscou sobre temas como fornecimento de gás à Europa e guerra na Ucrânia.

Entre eles, um pedido para que o gasoduto Nord Stream 2 seja ativado e a sugestão de que a Rússia estaria aberta para negociar um cessar-fogo na Ucrânia, caso os dois lados envolvidos no conflito fizessem concessões.

Amigo pessoal de Putin, Schröder exerceu cargos de direção em estatais russas do setor energético após deixar o governo e caiu em desgraça na Alemanha por se recusar a condenar o presidente russo pela guerra e hesitar em cortar suas ligações com empresas ligadas ao Kremlin.

Seu Partido Social-Democrata (SPD), o mesmo do atual chanceler federal alemão, Olaf Scholz, abriu um processo de expulsão de Schröder. Em maio, o Bundestag (câmara baixa do Parlamento) também decidiu cortar alguns benefícios que ele tinha como ex-chanceler.

'Schröder exerceu cargos de direção em estatais russas do setor energético após deixar o governo'

Schröder já havia viajado a Moscou em março, logo após a invasão russa da Ucrânia. Na semana passada, a imprensa alemã informou que Schröder estava novamente na Rússia, mas a justificava oficial do ex-chanceler era que ele estava em férias. Nesta quarta-feira, porém, o ex-chanceler confirmou que havia se reunido com Putin, e o Kremlin também confirmou o encontro.

Pressão pelo Nord Stream 2

Em entrevista à revista alemã Stern e às emissoras RTL/ntv, Schröder disse que Berlim deveria repensar o bloqueio ao gasoduto Nord Stream 2, que corre paralelamente ao Nord Stream 1 e já foi concluído, mas nunca entrou em operação pois teve sua certificação suspensa pela Alemanha em fevereiro, às vésperas da invasão da Ucrânia.

"A solução mais simples seria colocar em operação o gasoduto Nord Stream 2. Ele está pronto. Quando as coisas ficam realmente apertadas, há esse gasoduto, e com ambos os gasodutos Nord Stream, não haveria problema de abastecimento para a indústria alemã e para os lares alemães", disse.

"Se você não quer usar o Nord Stream 2, você tem que arcar com as consequências. E elas serão enormes também na Alemanha. E então as pessoas começarão a se perguntar na Alemanha: 'Por que estamos sem o gás do gasoduto Nord Stream 2?'", afirmou o ex-chanceler.

O Nord Stream 1 hoje só utiliza 20% de sua capacidade, depois de a Rússia ter reduzido as entregas em julho sob uma justificativa técnica – a falta de uma turbina em manutenção. Essa versão foi rechaçada pela Alemanha e pela União Europeia, que apontaram motivos políticos para a decisão.

Na entrevista, publicada nesta quarta-feira (03/08), Schröder argumentou que o problema com o Nord Stream 1 estaria relacionado à Siemens: "O motivo pelo qual [a turbina] está [em uma instalação da Siemens] e não na Rússia, eu não compreendo". Ele também disse que das cinco turbinas do Nord Stream 1, quatro estavam fora de serviço por variados motivos.

Nesta quarta-feira, Scholz visitou uma instalação da Siemens, em Mülheim an der Ruhr, na Alemanha, onde está a referida turbina, e disse que ela estava pronta para ser enviada à Rússia, mas que Moscou não tomava os passos necessários para recebê-la. "Não há nenhuma razão para que a entrega não aconteça", afirmou o atual chanceler.

Foi justamente sob o governo Schröder que o Nord Stream 1 foi planejado. O então chanceler chegou inclusive a assinar uma garantia bilionária para facilitar o projeto, que no longo prazo aumentou a dependência alemã de gás russo.

Negociações sobre guerra na Ucrânia

Schröder também defendeu que sejam abertas negociações com Putin sobre a guerra na Ucrânia, e indicou que o acordo que permitiu a abertura de uma rota segura no Mar Negro para a exportação de grãos a partir de portos ucranianos – mediado pela Turquia e pela ONU – poderia servir de base para um cessar-fogo, desde que os dois lados em guerra fizessem concessões. "A boa notícia é que o Kremlin quer um acordo negociado", afirmou.

Schröder delineou inclusive possíveis condições para esse cessar-fogo, que obrigaria Kiev a renunciar à soberania de parte do território ucraniano, incluindo a península da Crimeia, ocupada pelos russos em 2014. "A ideia de que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, terá condições de militarmente recuperar a Crimeia é simplesmente falsa", afirmou o ex-chanceler alemão.

Quanto à região do Donbass, no leste da Ucrânia e onde os combates hoje se concentram, Schröder acusou Kiev de desrespeitar os Acordos de Minsk e disse que a melhor forma de alcançar a paz na região seria "uma solução na linha do modelo de cantões na Suíça". O pequeno país europeu é dividido em 26 cantões ou províncias semi-autônomas.

Em reação à entrevista, o conselheiro presidencial da Ucrânia, Mykhailo Podolyak, descreveu Schröder como uma "voz da realeza russa" e disse que o acordo sobre exportação de grãos não abria o caminho para negociações. "Se Moscou quer diálogo, a bola está em seu campo. Primeiro – um cessar-fogo e a retirada das tropas, depois – [diálogo] construtivo", ele escreveu no Twitter.

"Talvez eu ainda possa ser útil"

O ex-chanceler também recusou-se a condenar Putin diretamente pela guerra. "Considero que esta guerra foi um erro por parte do governo russo. Já disso isso antes publicamente. Mas não preciso desempenhar constantemente o papel do ultrajado, outros podem fazer isso", afirmou.

Ao ser pressionado pelos entrevistadores, que lembraram que ele estava isolado e sob grande pressão na Alemanha devido à sua proximidade com Putin, Schröder respondeu: "Tenho que pular por cima de cada obstáculo colocado à minha frente? Não sou assim. Tomei decisões e estou agindo de acordo com elas, e também deixei claro: talvez eu ainda possa ser útil aqui novamente. Então por que eu deveria me desculpar?"

Na entrevista, o ex-chanceler mencionou o isolamento que enfrenta na Alemanha, mencionando que o membro de um clube de golfe em Hannover do qual ele participa reclamou de ter que vê-lo no local vez ou outra. Mas disse que segue recebendo "muitas cartas" da Alemanha que dizem: "É bom que ainda haja alguém que mantém canais de comunicação abertos com a Rússia no conflito atual."

Schröder indicou diversas vezes que poderia contribuir com o governo alemão na busca uma saída diplomática para a crise com a Rússia, mas Scholz deixou claro que não deseja a ajuda do seu antecessor.

Deutsche Welle

Democracias não existem sem que o povo tenha liberdade para proibir




Precisamos restaurar o velho conceito de liberalismo como descentralização do poder. Porque, pelo andar da carruagem, o que se pede é uma ditadura "esclarecida" cujo único objetivo é dar segurança para um bando de hedonistas. 

Por Bruna Frascolla 

Que eu me lembre, as duas coisas que mais me fizeram ser xingada no Facebook foram estéticas: falar mal do gosto dos paulistas, que colocaram aquele touro cafona na Bolsa, e reclamar da poluição visual causada por excesso de tatuagens. Deixemos os paulistas de lado hoje. Segundo o protesto uníssono dos tatuados revoltosos, cada um deveria cuidar da própria vida em vez de reclamar das tatuagens. Quem não gosta de tatuagem, não faça, e ponto final. Ênfase no ponto final. Todo o mundo tem o direito de fazer o que bem entender com o próprio corpo. De brinde vem o direito a não ouvir que ficou feio. Ou seja: na cabeça de muita gente dos mais variados tipos de orientação política, a liberdade individual vem acompanhada pelo direito à aceitação social – como se esta não fosse necessariamente espontânea. E dessa crença só pode se seguir uma coisa: limitação à liberdade de expressão. Os pluritatuados têm o direito de ficar andando para lá e para cá no aeroporto com seus rabisquinhos no braço, eu não deveria ter o direito de lembrar a música de Falcão cujo refrão é: “Ô povo fêi!”

Agora todo o mundo é Kim Jong-un

Essa mentalidade se faz evidente com a maneira como os progressistas encaram a questão gay. Não basta haver a igualdade jurídica que dê aos casais homossexuais os mesmos direitos que outros casais estéreis têm: casar no papel, assegurar o patrimônio conjunto, adotar filho etc. É preciso que todo o mundo aceite a homossexualidade – mesmo o velhinho da roça, mesmo o religioso dentro da igreja. Ora, questões jurídicas estão tipicamente dentro do escopo do Estado; questões comportamentais, não. A menos que o jurídico vá crescendo sobre o comportamental até se imiscuir totalmente na vida privada – o que me remete logo à Inglaterra de outrora, onde as leis não admitiam sequer o exercício privadíssimo da homossexualidade, como mostra a triste sina de Alan Turing. Mas me remete também à Coreia do Norte, já que ao menos a homossexualidade é uma prática, e dá para criminalizar práticas sem subverter as consciências. Por outro lado, instituir respeito e aceitação à base de polícia de pensamento é coisa de regime totalitário. Na Coreia do Norte, todos têm que ser respeitosos com a figura de Kim. Não pode apontar o dedo para o retrato dele, nem tirar fotos em que o seu retrato apareça cortado. É claro que ninguém vai falar mal do cabelinho de Kim; e, se Kim tatuasse um hambúrguer com um significado especial, todo mundo teria que achar lindo o hambúrguer e achar muito profunda ideia de tatuá-lo.

Creio que a ideia de liberdade que está na moda hoje presume um mundo em que todos sejam o Kim da Coreia e todos sejam cidadãos norte-coreanos ao mesmo tempo. Se eu fizer um monte de tatuagem feia, vocês têm que respeitar minha individualidade. Se eu quiser usar cocaína, vocês têm que respeitar a minha individualidade. Se eu disser que não sou uma mulher, mas sim uma pessoa não-binária de gênero neutro, vocês têm que aceitar – e o velhinho da zona rural tem que ser reeducado para aprender a falar “Elu é bonite”, para parar de violar os direitos humanos (antigamente esperávamos contar ditadores entre os violadores dos direitos humanos; hoje, há os velhinhos da zona rural. Resta saber se serão julgados pelo Tribunal de Haia também).

Num país onde só um é Kim, esse modelo de liberdade individual pode funcionar. Kim detém a polícia, Kim manda no país e Kim manda prender quem der na telha. Mas se todo o mundo tiver as liberdades individuais de Kim, resta saber quem vai proteger os direitos dos kinzinhos ocidentais. Certamente alguma força grande: ou o Estado, ou essas corporações monopolistas, ou uma concertação entre ambos.

Agora todo o mundo é Caetano

Antigamente, dizer que “é proibido proibir” era coisa da nova esquerda, da contracultura. Agora, o ideal de liberdade é "de direita" e inteiramente individualista. Por isso, está proibido proibir os indivíduos de fazerem qualquer coisa que, supostamente, não cause dano a outrem. Essa concepção de liberdade está fadada ao fracasso, pois leva à tirania.

Não existe uma tabela objetiva de coisas que causam dano e coisas que não causam dano. A própria avaliação do que é danoso ou benéfico é subjetiva; e, quando se considera a educação, a coisa se complica ainda mais. Por exemplo: cigarro é algo danoso à saúde, por isso os fumantes têm sua liberdade de fumar restringida em espaços fechados. Pensando-se no dano aos futuros fumantes, proíbe-se a propaganda de cigarro. Mas o argumento em defesa da liberação das drogas quase sempre passa pela liberdade que o homem tem de fazer o que quiser com a própria vida – e os liberais que defendem a liberação das drogas jamais defenderiam a criminalização da apologia das drogas.

É muito fácil restringir a liberdade de expressão uma vez que se admita a premissa da restrição ao dano. Não é de admirar, portanto, que tanta gente se diga liberal e defenda a censura: basta fazer mágica com a noção de dano. É claro que as pessoas mais sensíveis sofrem danos emocionais com maior facilidade… Daí se entende também por que o vitimismo faz tanto sucesso, já que inflaciona a capacidade de sofrer dano e portanto reivindicar proteção, exigindo o controle do outro. O problema do liberalismo se chama John Stuart Mill, pois não dá para ser liberal e utilitarista ao mesmo tempo, mas ele diz que dá.

É permitido proibir

Ao se trabalhar com a noção de dano, há também divergências de natureza objetiva e factual. O individualista tem certeza absoluta de que liberar o uso de drogas não impõe danos a ninguém além do usuário, já que a escolha de usar é individual. O pai de família normal, por outro lado, terá certeza de que uma sociedade que admite o comércio de drogas a céu aberto é uma sociedade muito ruim para criar os filhos: enquanto pai, sente que sofre dano em suas atividades educativas. Uns individualistas podem ter certeza de que aborto causa dano ao nascituro; outros, que o nascituro é um mero agregado de células e portanto é errado se intrometer na liberdade de escolha da mulher.

Se a maioria do povo tiver certezas contrárias à do individualista, como resolver? O individualista em geral é favorável à descriminalização do aborto e, no mínimo, da maconha. O grosso da população é contra. A maneira que os individualistas encontram para resolver o problema é invocar a Ciência a fim de suplantar as questões factuais. Surgem aqueles estudos segundo os quais a maconha resolve mais problemas de saúde do que óleo de peixe elétrico e garrafada. Estudos sobre os males da maconha, os quais também existem, não aparecem na mídia. Mas não adianta: o povo não dá bola para estudo e quer continuar proibindo.

O povo quer proibir certas coisas e vota em legisladores que as proíbam. Os caetanos, por outro lado, dizem que é proibido proibir. E se discordar, eles prendem e arrebentam, porque são contra a violência.

Democracia é "coletivista"

Ao cabo, os individualistas só terão o direito a usar LSD e abortar quando houver uma força capaz de segurar o povo. Só terão direito a tatuar a cara sem ninguém os olhar feio quando houver um policiamento digno da Coreia do Norte. Numa palavra, sua liberdade só será plena quando não houver mais democracia e o povo tiver perdido a liberdade.

Precisamos restaurar o velho conceito de liberalismo como descentralização do poder. Porque, pelo andar da carruagem, o que se pede é uma ditadura "esclarecida" cujo único objetivo é dar segurança para um bando de hedonistas.

Democracias não existem sem que o povo tenha liberdade para proibir.

Gazeta do Povo (PR)

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