Movimento separatista, que eclodiu há 198 anos, reuniu Pernambuco e outras províncias em reação ao autoritarismo do imperador
Por Gabriel Araújo
Não se contavam nem sete anos desde que a província de Pernambuco havia instituído uma república no episódio que ficou conhecido como Revolução Pernambucana quando uma nova revolta em Recife proclamou a independência da região frente ao Império.
Em 2 de julho de 1824, há exatos 198 anos, eclodiu a Confederação do Equador, movimento de caráter federalista e republicano que iniciou um novo capítulo no processo da independência do Brasil.
Segundo o historiador Marcus Carvalho, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, a base que sustenta o ciclo revolucionário da independência é o constitucionalismo. Ele lembra alguns momentos históricos que antecederam a Confederação do Equador e que contribuem para a compreensão do movimento.
O primeiro deles foi a já mencionada Revolução Pernambucana. Durante cerca de 75 dias, a insurreição de 1817 estabeleceu um governo autônomo que irradiava do Recife e alcançava porções de Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará.
O segundo momento relevante citado por Carvalho é a Revolução Liberal do Porto, em 1820, em Portugal. Além de exigir o retorno imediato da família real à metrópole, com dom João 6º à frente, parte expressiva da elite lusa defendia a instituição de uma carta constitucional que limitasse os poderes do rei.
De acordo com o historiador, uma das primeiras medidas decorrentes da Revolução do Porto foi a anistia aos presos políticos, que permitiu o retorno à província dos revolucionários de 1817.
Outra consequência foi a demissão dos governadores régios, ou seja, dirigentes da Coroa que comandavam as províncias no Brasil. "A Revolução do Porto autorizou as câmaras municipais das províncias a eleger o governo local, uma medida de repercussão impressionante", diz. Em Pernambuco, o eleito foi Gervásio Pires Ferreira, um dos revolucionários anistiados.
De 1820 a 1824, uma série de acontecimentos culminou na emancipação do Brasil de Portugal. Na época, estavam em jogo ideias e posicionamentos políticos: seja a partir da articulação capitaneada pelo então regente Pedro no sudeste do território, que resultou na independência política e na sua coroação, seja por meio da guerra que ocorria na Bahia, responsável pela expulsão dos portugueses na região.
"A ideia de uma república nessa faixa norte [do território] não é uma ideia frágil", afirma o historiador Marcelo Cheche, professor da Universidade Estadual do Maranhão (Uema). "A discussão básica era saber o que forma uma nação. A soberania reside na Constituição ou no imperador?"
Cheche continua: "Se reside no imperador, estamos falando de um modelo monárquico muito mais centralizado e com menos autonomia para cada província que compõe essa união. Se o modelo reside na Constituição, estamos pensando numa monarquia, de certa forma, federativa."
Marcus Carvalho lembra que, depois da proclamação da independência, em 1822, formou-se a assembleia constituinte no Rio de Janeiro, encarregada de redigir uma Constituição para o Império.
"Em 1823, dom Pedro deu um golpe de estado, fechando a constituinte com tropas e baionetas", diz Carvalho. O gesto autoritário desmoralizou a junta monarquista que até então governava Pernambuco. Estava frustrado o projeto de uma monarquia constitucional que conservasse, no limite, certa autonomia das províncias —era um projeto inspirado no federalismo dos Estados Unidos.
O embate entre monarquistas e republicanos deu o tom nas províncias do norte (não se usava ainda a divisão Norte e Nordeste), como mostra a acirrada rivalidade entre os diferentes grupos políticos em Pernambuco.
Entre os liberais da época, dois personagens se destacaram: o político Manuel de Carvalho Pais de Andrade, eleito presidente da província em janeiro de 1824, e Frei Caneca, um dos líderes da Confederação do Equador.
"Uma província não tinha direito de obrigar outra província a coisa alguma, por menor que fosse", escreveu Frei Caneca à época no jornal Typhis Pernambucano, como destaca o site Itinerários Virtuais da Independência, do Senado Federal. Cada província, dizia ele, deveria poder "escolher a forma de governo que julgasse mais apropriada às suas circunstâncias".
Dom Pedro, por outro lado, insistia na centralização. Ignorou a eleição de Pais de Andrade, pedindo a recondução ao cargo de Francisco Pais Barreto.
O imbróglio nascido a partir desse impasse resultou, entre outros fatores, na proclamação da independência de Pernambuco, em 2 de julho de 1824, e no envio de emissários para que as províncias vizinhas se juntassem na recém-formada Confederação.
"Embora seja muito cultuada em Pernambuco e, em algum grau, no Ceará, a Confederação do Equador, enquanto possibilidade, abrangia toda essa faixa norte do território", diz Marcelo Cheche.
DERROTA E REPRESSÃO
Diferentemente de 1817, 1824 não teve tanto apoio dos senhores de engenho da região. "As elites, principalmente do norte, aprenderam com a Revolução Pernambucana que um bom acordo entre elas é melhor que uma insurreição popular", diz o professor da Universidade Estadual do Maranhão.
A reação do Império também foi determinante para a queda da Confederação do Equador. Para reprimir a rebelião, Dom Pedro enviou o lorde escocês Thomas Cochrane, que bloqueou o porto do Recife e, no final de agosto, bombardeou a cidade para forçar uma rendição.
Os revoltosos tentaram resistir tendo Ceará e Paraíba como bases. Entretanto, caíram nos meses seguintes e enfrentaram uma forte repressão.
Marcus Carvalho chama a atenção para a execução de padres, conhecidos na época como "enviados de Deus na Terra". Os carrascos, porém, se negaram a enforcar Frei Caneca, que havia sido condenado à morte pelo Império. Joaquim da Silva Rabelo, o Frei Caneca, foi fuzilado mais adiante, em 13 de janeiro de 1825, na fortaleza das Cinco Pontas, no Recife.
Folha de São Paulo