Por Bernardo Mello Franco (foto)
Na campanha de 2018, Eduardo Bolsonaro descreveu seu plano para o Supremo Tribunal Federal: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”.
Jair Bolsonaro ainda não realizou o desejo do filho, mas já tomou outras medidas para minar a independência da Corte. A começar pelas indicações de Kassio Nunes Marques e André Mendonça.
Ao assinar a nomeação do pastor, o presidente anunciou que passaria a controlar 20% do Supremo. “São dois ministros que representam, em tese, 20% daquilo que nós gostaríamos que fosse decidido e votado”, disse. Os fatos dos últimos dias sugerem que ele tinha razão.
Desde que vestiram a toga, Nunes Marques e Mendonça se comportam como praças a serviço do capitão. Os votos da dupla são previsíveis: quase sempre coincidem com os interesses de Bolsonaro.
Na quinta passada, uma canetada de Nunes Marques anulou a cassação do deputado bolsonarista Fernando Francischini, acusado de propagar mentiras contra a urna eletrônica. A liminar foi festejada no Planalto, mas revoltou a maioria dos ministros do tribunal.
Na madrugada de terça, Mendonça escancarou a tabelinha e interrompeu o julgamento de um recurso contra a decisão de Nunes Marques. A manobra empurrou o caso para a Segunda Turma, poupando o colega de uma derrota acachapante no plenário. No colegiado menor, a liminar foi derrubada por 3 a 2. Para surpresa de ninguém, Mendonça deu o segundo voto a favor do bolsonarista.
Francischini é o novo espantalho de Bolsonaro em sua marcha golpista para tumultuar as eleições de outubro. Ontem o capitão voltou a hostilizar o Judiciário. Defendeu o aliado cassado e atacou os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
Aos berros, o presidente-candidato falou em “fechar a imprensa” e repetiu a ameaça de descumprir ordens judiciais. “Eu fui do tempo em que decisão do Supremo não se discute, se cumpre. Eu fui desse tempo. Não sou mais”, avisou. Pelo visto, o soldado e o cabo não vão reclamar.
O Globo
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A consciência do juiz
Ministros do STF só precisam bajular superiores até ter a indicação confirmada
Por Hélio Schwartsman
Pelas teorias mais tradicionais, o magistrado deveria julgar apenas de acordo com a lei, abstendo-se de quaisquer considerações políticas, pessoais e até de reflexões sobre danos colaterais que possam advir de seu juízo. "Fiat iustitia, et pereat mundus" (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça), na fórmula de Immanuel Kant.
O problema é que não é legal quando o mundo perece, daí que é mais ou menos inevitável que juízes levem em conta não só a lei mas também o contexto sociopolítico e econômico antes de proferir suas sentenças. Isso é especialmente verdade nas cortes superiores nas quais se concentram causas de grande repercussão.
É sob essa chave que se deve interpretar a decisão do TSE do ano passado que cassara o mandato do deputado federal bolsonarista Fernando Francischini, o qual ganhou breve sobrevida graças a manobras de Kassio Nunes Marques e André Mendonça, a dupla de ministros do STF indicada por Bolsonaro. Francischini basicamente disse um monte de mentiras sobre a urna eletrônica. Ora, ver políticos mentindo sobre todos os assuntos não é exatamente inédito e raramente leva a cassações.
O que há de diferente no caso de Francischini é que ele ocorre em meio à campanha de Bolsonaro para erodir a confiança nas urnas e no Judiciário e, em última instância, a própria democracia. Diante disso, os ministros do TSE, num claro recado ao presidente, não hesitaram em enquadrar as falas do deputado nos delitos de uso indevido de meios de comunicação e abuso de poder político. É para isso que existem esses tipos abertos, em que cabe mais ou menos tudo.
Nessa queda de braço, o Judiciário está certo, e Bolsonaro, errado. Marques e Mendonça agiram contra a própria casa. Alguém deveria avisá-los que ministros do STF só precisam bajular superiores até ter a indicação confirmada pelo Senado. Depois, ficam livres para julgar segundo suas consciências, caso as tenham.
Folha de São Paulo