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terça-feira, junho 07, 2022

O que há no cérebro humano que nos torna mais inteligentes do que outros animais?

 




Uma nova pesquisa comparou cérebros de chimpanzés e macacos com o de seres humanos

Por Emmanuel A Stamatakis*, Andrea Luppi* e David Menon* - The Conversation 

Os seres humanos são imbatíveis ​​na área da cognição. Afinal, nenhuma outra espécie enviou sondas para outros planetas, produziu vacinas que salvam vidas ou criou poesia.

Como a informação é processada no cérebro humano para tornar isso possível é uma questão que desperta um fascínio infinito, mas ainda não tem respostas definitivas.

Nossa compreensão da função cerebral mudou ao longo dos anos. Mas os modelos teóricos atuais descrevem o cérebro como um "sistema distribuído de processamento de informações".

Isso significa que tem componentes distintos, que estão fortemente conectados em rede por meio da fiação cerebral. Para interagir umas com as outras, as regiões trocam informações por meio de um sistema de sinais de entrada e saída.

No entanto, esta é apenas uma pequena parte de um quadro mais complexo.

Em um estudo publicado na revista acadêmica Nature Neuroscience, usando evidências de diferentes espécies e várias disciplinas neurocientíficas, mostramos que não existe apenas um tipo de processamento de informação no cérebro.

A forma como a informação é processada também difere entre humanos e outros primatas, o que pode explicar por que as habilidades cognitivas da nossa espécie são tão superiores.

Pegamos emprestados conceitos do que é conhecido como a estrutura matemática da teoria da informação — o estudo da mensuração, armazenamento e comunicação de informações digitais que são cruciais para tecnologias como a internet e inteligência artificial — para rastrear como o cérebro processa informações.

Descobrimos que diferentes regiões do cérebro usam, na verdade, estratégias diferentes para interagir umas com as outras.

Algumas regiões do cérebro trocam informações com outras de uma maneira muito estereotipada, usando entrada e saída. Isso garante que os sinais sejam transmitidos de maneira reproduzível e confiável.

É o caso de áreas especializadas em funções sensoriais e motoras (como processamento de informações sonoras, visuais e de movimento).

Vejamos os olhos, por exemplo, que enviam sinais para a parte de trás do cérebro para processamento.

A maioria das informações enviadas é duplicada, sendo fornecida por cada olho. Metade desta informação, em outras palavras, não é necessária.

Por isso, chamamos este tipo de processamento de informações de entrada-saída de "redundante".

Mas a redundância fornece robustez e confiabilidade — é o que nos permite ainda enxergar com apenas um olho.

Esta capacidade é essencial para a sobrevivência. Na verdade, é tão crucial que as conexões entre estas regiões do cérebro são anatomicamente conectadas, um pouco como uma linha de telefone fixo.

No entanto, nem todas as informações fornecidas pelos olhos são redundantes.

A combinação de informações de ambos os olhos permite que, no fim das contas, o cérebro processe a profundidade e a distância entre os objetos. Esta é a base para muitos tipos de óculos 3D no cinema.

É um exemplo de um jeito fundamentalmente diferente de processar a informação, de forma que é maior que a soma de suas partes. Chamamos este tipo de processamento de informação — quando sinais complexos de diferentes redes cerebrais são integrados — de "sinérgicos".

O processamento sinérgico é mais prevalente em regiões do cérebro que suportam uma ampla variedade de funções cognitivas mais complexas, como atenção, aprendizado, memória de trabalho, cognição social e numérica.

Não é programado no sentido de que pode mudar em resposta às nossas experiências, conectando redes diferentes de maneiras diferentes. Isso facilita a combinação de informações.

'O cérebro humano é extremamente complexo'

Estas áreas em que ocorre muita sinergia — sobretudo na frente e no meio do córtex (camada mais externa do cérebro) — integram diferentes fontes de informação de todo o cérebro.

Elas são, portanto, mais ampla e eficientemente conectadas com o resto do cérebro do que as regiões que lidam com informações sensoriais primárias e relacionadas ao movimento.

As áreas de alta sinergia que suportam a integração de informações também costumam ter muitas sinapses, as conexões microscópicas que permitem que as células nervosas se comuniquem.

É a sinergia que nos torna especiais?

Queríamos saber se esta capacidade de acumular e construir informações por meio de redes complexas no cérebro é diferente entre seres humanos e outros primatas, que são nossos parentes próximos em termos evolutivos.

Para descobrir, analisamos dados de imagens cerebrais e análises genéticas de diferentes espécies.

Descobrimos que as interações sinérgicas são responsáveis ​​por uma proporção maior do fluxo total de informações no cérebro humano do que nos cérebros de macacos.

Em contrapartida, os cérebros de ambas as espécies são iguais em termos de quanto dependem de informações redundantes.

Mas também analisamos especificamente o córtex pré-frontal, uma área na frente do cérebro que suporta um funcionamento cognitivo mais avançado.

Em macacos, o processamento de informações redundantes é mais prevalente nesta região, enquanto em humanos é uma área de bastante sinergia.

O córtex pré-frontal também passou por uma expansão significativa com a evolução.

Quando analisamos dados de cérebros de chimpanzés, descobrimos que quanto mais uma região do cérebro humano havia se expandido em tamanho durante a evolução em relação à sua equivalente no chimpanzé, mais esta região dependia da sinergia.

Também examinamos análises genéticas de doadores humanos. Isso mostrou que as regiões do cérebro associadas ao processamento de informações sinérgicas são mais propensas a expressar genes que são exclusivamente humanos e relacionados ao desenvolvimento e função do cérebro, como a inteligência.

Isso nos levou à conclusão de que tecido cerebral humano adicional, adquirido como resultado da evolução, pode ser dedicado principalmente à sinergia.

É tentador especular, por sua vez, que as vantagens de uma maior sinergia podem, em parte, explicar as capacidades cognitivas adicionais de nossa espécie.

A sinergia pode adicionar uma peça importante ao quebra-cabeça da evolução do cérebro humano, que estava faltando anteriormente.

Em última análise, nosso trabalho revela como o cérebro humano lida com o equilíbrio entre confiabilidade e integração de informações — precisamos de ambas.

Vale ressaltar que a estrutura que desenvolvemos traz a promessa de novos insights críticos em uma ampla variedade de questões neurocientíficas, desde aquelas sobre cognição geral até distúrbios.

*Emmanuel A Stamatakis é líder do Grupo de Imagens de Cognição e Consciência do departamento de anestesia da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

*Andrea Luppi é aluno de doutorado em neurociência na Universidade de Cambridge.

*David Menon é professor e chefe do departamento de anestesia da Universidade de Cambridge.

BBC Brasil

Ideias calamitosas - Editorial

 


Presidente da Câmara dos Deputados, Bolsonaro e o presidente do Senado Federal


Para conter preços, governo e Congresso flertam com propostas mais perigosas

A confusão de ideias no governo Jair Bolsonaro (PL) sobre como reagir à alta dos preços dos combustíveis cresce na proporção da ansiedade com a aproximação das eleições.

Pressionados pela estagnação nas pesquisas de intenção de voto, o presidente e seus aliados do centrão superam os padrões tradicionais de irresponsabilidade e despreparo intelectual. Sem medir consequências, empilham propostas desconexas em série e ensaiam um intervencionismo destrutivo para a economia.

Sem conseguir por ora um acordo para o congelamento do ICMS sobre derivados de petróleo aprovado no ano passado, objeto de disputa entre União e estados no Supremo Tribunal Federal, o governismo também pressiona pela votação de um projeto que limita em 17% o imposto estadual sobre combustíveis, energia elétrica, transportes e telecomunicações.

Já aprovado pela Câmara dos Deputados, o novo texto ainda tramita no Senado e sofre objeções de governadores e prefeitos, que apontam perdas anuais de até R$ 83,5 bilhões e querem compensações do Tesouro Nacional.

Deve-se reconhecer, nesse caso, que as alíquotas do ICMS são muitas vezes excessivas —e que as administrações regionais têm se beneficiado de enorme crescimento de arrecadação tributária.

Não se descarta um acordo que restrinja o corte de ICMS aos combustíveis, reduzindo assim o impacto nas receitas, que a União rejeita compensar. Mas, como tal negociação ainda pode levar algumas semanas e o Planalto anseia por resultados rápidos, aumenta a pressão por alternativas mais danosas.

Uma delas é a decretação de calamidade pública, o que abriria espaço para despesas fora do teto constitucional, de modo a permitir que o governo conceda subsídios para reduzir os preços da gasolina e do diesel na bomba.

Além de frágil juridicamente, a medida é temerária porque enfraqueceria ainda mais as regras fiscais e tenderia a descambar para uma nova farra de gastos eleitoreiros —um golpe de morte no que resta de credibilidade na gestão das contas públicas.

Outra péssima ideia é interferir diretamente na política de preços da Petrobras, o que colocaria em risco a saúde financeira da companhia e muito provavelmente levaria a judicialização por parte de acionistas minoritários.

Recorde-se ainda que o Congresso ameaça aprovar decreto legislativo para conter reajustes das tarifas de energia elétrica nos estados, o que não só desorganizaria o setor como geraria desconfiança sobre todas as concessões de serviços públicos à iniciativa privada.

Providências tresloucadas contra um problema conjuntural provocarão danos maiores e mais duradouros à frente. A esta altura, resta torcer para que Bolsonaro perceba os riscos da insensatez.

Folha de São Paulo

A Primeira Onda "Femista": de feminismo, muito pouco.




Reduzir toda a história do feminismo num ato de vitimização mesquinho é o que tende a caracterizar a 3ª vaga feminista (ou 1ª vaga femista, se preferirem), que de feminismo tem muito pouco. 

Por Joana Sousa Lara (foto)

O cenário que se põe não é nunca fácil de dissecar, no entanto, passem-me a faca de corte. Esta terça-feira levava os olhos pelo artigo da Maria João Faustino, que não pretende de alguma forma apoiar a posição de Amber Heard no processo contra Johnny Depp. Ainda assim, num artigo que fala sobre o que é ser mulher numa sociedade patriarcal, ter, como capa, uma figura pública que não foi dado como provado ter sido vítima de violência doméstica, num caso que até ao dia seguinte se encontraria sem veredicto, é estupidamente curioso.

A famosa imagem de Rosie The Riveter, criada como propaganda durante a 2ª Guerra Mundial faria, de certo, mais sentido à causa. Esta seria readaptada para a representação do empoderamento feminino a partir da década de oitenta. Hoje em dia, é considerada um dos grandes símbolos da resistência feminista.

Se queremos falar de feminismo, que o façamos com cabeça, tronco e membros, por favor. Faz-me imensa confusão que o erro deste tipo de pensamento comece na distorção do significado etimológico, o que infelizmente é comum a ambos os sexos. Vamos a factos:

O que é o feminismo? É um movimento político, filosófico e social que procura a igualdade de direitos entre homens e mulheres. É crucial não confundir com o conceito de femismo que, à semelhança do machismo, incentiva a superioridade da mulher em relação ao homem.

Apesar de existir uma maioritária discordância característica dos tempos, foi pela República de Platão que o filósofo atribuiu ao género feminino uma capacidade natural para governar e defender a Grécia Antiga, tal como qualquer homem.

É machismo ir buscar um exemplo masculino a favor da igualdade de género? Não, mas não temos de ir por aí: Mary Wollstonecraft já falava de igualdade de direitos durante o século XVIII. Abominava as noções dominantes de que as mulheres são adornos indefesos do lar e enfatizava a noção de que a sociedade cria “gentle domestic brutes”, que ainda hoje se emprega tão bem. A ambos os sexos, por sinal. A chave estaria na reforma educacional, que permitisse a igualdade no acesso a oportunidades, independentemente do género.

Em ambas as vagas do feminismo foram conquistados grandes feitos, esses sim para todas. A primeira onda feminista, que remonta o final do século XIX e o início do século XX, conhecida pela organização dos primeiros movimentos feministas (como as Suffragettes) e suas marchas pelo direito de sufrágio, que abriram o caminho para a incontornável Convenção de Seneca Falls (1848). Aí se discutiram importantes resoluções, que se traduziram na Declaration of Sentiments. Apesar de o objetivo ter sido parcialmente cumprido em 1920, pela aprovação da 19ª Emenda, existiam ainda algumas nuances raciais que não permitiram o sufrágio generalizado.

A segunda onda feminista nasceu durante a década de sessenta, prolongando-se durante vinte anos, desta vez com um foco incisivo no papel da mulher na sociedade. The Feminine Mystique, de Betty Friedan, reflete a dificuldade sentida no desenvolvimento das suas capacidades criativas e intelectuais, porque não lhe seria permitido pensar além de esfregar o chão ou fazer o jantar para a família.

Esta vaga não só proporcionou o direito de possuir cartões de créditos em seu nome ou o de contrair empréstimos, como pôs um tema importantíssimo em cima da mesa: a violência doméstica e a legislação contra o assédio sexual no local de trabalho. Foi também durante esta época que o ERA – Equal Rights Amendment – veria a sua aprovação pelo Senado americano em 1972. Deixo sensivelmente o caso de Roe vs Wade para outras núpcias.

Isto é o verdadeiro significado de feminismo, Maria. Empoderar alguém não deve nunca ser feito à Lagardère, tenha o que tiver entre as pernas. O problema com as generalizações é precisamente este: dão cocó.

Todas somos loucas, porquê? Amber Heard é considerada vítima de violência doméstica e abuso sexual a priori, porquê? O que é feito da presunção de inocência?

A luta femista, que ganhou bastante expressão através do movimento Me Too, descredibiliza e tira enfâse às mulheres que iniciaram a discussão sobre a igualdade de direitos e oportunidades. Reduzir toda a história do feminismo num acto de vitimização mesquinho é o que tende a caracterizar a 3ª vaga feminista (ou 1ª vaga femista, se preferirem), que de feminismo tem muito pouco.

Tal como a legislação das quotas de género (Lei n.º 62/2017), que estabelece um regime de representação proporcional entre mulheres e homens em órgãos de administração e de fiscalização, pertencentes a entidades do sector público empresarial, retira qualquer mérito a quem se proponha a exercer funções deste tipo. Porque é que eu deveria ter uma oportunidade maior de ascender a um cargo, só pelo que tenho entre as pernas e não pelo meu valor intelectual? O argumento que suporta esta medida baseia-se num conceito de equidade de género que simplesmente não vejo. Onde é que pode ser medido algum tipo de justiça, se na prática não estamos a avaliar absolutamente nada?

O caso Heard vs. Depp mostra-nos que a utilização proveitosa do género para exploração de um problema relacional, subtrai qualquer crédito a quem realmente sofre deste tipo de situações. As verdadeiras vítimas de violência doméstica, de abuso e assédio sexual, são associadas a estas práticas ressabiadas e pessimamente informadas do que é (ou pelo menos do que devia ser) a luta por um dos valores fundados durante a Revolução Francesa.

A violência doméstica é um problema demasiado sério para ser atirado desta forma. Não é algo que esteja exclusivamente afecto a um dos géneros, e a derradeira prova está presente na deliberação final deste julgamento.

Não Maria, nem todas somos loucas. Eu, pelo menos, que posso dar-me ao luxo de falar do assunto sem ser automaticamente considerada misógina, não me considero louca e muito menos a favor da utilização da carta da vítima. Não usem os ovários como se fosse um abajur do IKEA, sob o perigo de retrocedermos em toda uma evolução que já vem desde os tempos de Platão. Tenhamos respeito pala História e todos os seus antecessores. Respeitem os que abriram portas e janelas, para podermos dizer e fazer em liberdade, todos os dias. Veritas numquam perit, disse Séneca, citado por Depp. E disso podem ter toda a certeza.

Observador (PT)

Desemprego, ideologia e dívida impagável: como o Estado criou uma bolha no ensino superior dos EUA.




Eis o grande legado do incensado Obama. 

Por Maria Clara Vieira (foto)

Com oito das dez melhores universidades elencadas entre as melhores do mundo em 2022, os Estados Unidos são, há décadas, referência internacional em ensino superior – um sistema cujas joias da coroa são representadas pela Ivy League, a liga que reúne, entre outras instituições, as celebradas Harvard, Yale e Columbia.

Diferentemente do Brasil, as grandes universidades americanas, bem como faculdades de médio e pequeno porte, são majoritariamente particulares: as bolsas são concedidas, em teoria, por mérito, enquanto o restante dos estudantes deve arcar com os custos do curso escolhido. Uma engrenagem simples e eficiente que, em menos de duas décadas, graças a uma mistura de má gestão e ideologia, se transformou em uma bola de neve econômica que não para de crescer.

Cerca de 44 milhões de americanos detêm, juntos, uma dívida de mais de 1,7 trilhão de dólares com o governo americano – valor superior ao saldo do PIB do Brasil em 2021, estimado em 1,6 trilhão de dólares. Trata-se, majoritariamente, de jovens e adultos que cursaram o ensino superior na última década; graduados, mestres e doutores que fizeram empréstimos que chegam à casa dos 50 mil dólares (quase 240 mil reais, na cotação aproximada da data da reportagem) por seus títulos, não encontraram espaço no mercado de trabalho e não têm ideia de como vão pagar a dívida.

Enquanto a ala mais radical do Partido dos Democratas, unida a outros grupos de ativistas, pressiona o presidente Joe Biden pelo perdão integral do montante trilionário - apelando até para a “justiça racial” -, estudantes e pais frustrados enfrentam as perguntas que passam ao largo das soluções fáceis: um ensino superior cada vez mais caro, enviesado e sem garantias de retorno financeiro ainda vale a pena? Se o montante das dívidas não tende a diminuir, quem pagará as próximas? Aos brasileiros, cabe também o questionamento: o que a crise do financiamento estudantil americano tem a ensinar sobre o futuro da educação no país?

A espiral da intervenção: do cheque em branco de Obama ao calote em massa

O caminho da crise é um retrato fidedigno da “espiral do intervencionismo” prevista pelo economista austríaco Ludwig von Mises, segundo o qual a esquerda tende a criar novas intervenções estatais para corrigir os desastres causados por suas próprias criações. Calcado em empréstimos fornecidos por bancos privados e garantidos pelo governo federal, ajustados às necessidades do cliente, o sistema de financiamento estudantil nos Estados Unidos foi criado em 1965 e levou mais de quatro décadas para alcançar a marca dos 500 bilhões de dólares. Tudo mudou quando o democrata Barack Obama chegou à Casa Branca.

A partir de 2010, o governo americano tornou-se o único credor dos empréstimos estudantis, executando, nas palavras da ex-secretária de educação do governo Donald Trump, Betsy DeVos, uma “aquisição federal completa do sistema”.

“A Secretaria de Educação passou a ser responsável pela maior carteira de empréstimos diretos de todo o governo federal. Os empréstimos estudantis federais são a segunda maior fonte de dívida do consumidor nos Estados Unidos, atrás apenas da dívida hipotecária. Os americanos contraem mais dívidas estudantis do que cartões de crédito ou empréstimos para carros. Do dia para a noite, o departamento se tornou, em essência, um dos maiores bancos do país”, escreve DeVos, em seu novo livro “Hostages No More” (“Reféns Nunca Mais”, sem tradução para o português), que será lançado este mês e foi obtido em primeira mão pela Gazeta do Povo.

O resultado: em apenas seis anos - de 2007 a 2013 - o valor chegou à casa do trilhão. Diante dos maus resultados, a administração democrata cumpriu rigorosamente o ciclo vicioso do intervencionismo e dobrou a aposta:

"Em vez do plano de pagamento fixo usual de dez anos, os alunos receberam uma nova opção de plano de pagamento com base em quanto ganhariam após a formatura. O cálculo do governo Obama de que federalizar empréstimos estudantis seria uma fonte de dinheiro foi baseado em apenas na pequena porcentagem de beneficiários que escolheriam a opção de pagamento baseada na renda. Mas - surpresa! - os estudantes recorreram a essa modalidade em número muito superior às suas projeções. Quando o governo faz empréstimos e depois diz aos devedores que eles não precisam pagar, haverá um déficit. E alguém paga a conta", narra a ex-secretária.

Finalmente, em março de 2020, no início da crise do coronavírus, as dívidas estudantis com o governo federal chegaram ao fatídico valor de 1,6 trilhão de dólares. E, tudo isso, às custas de famílias de baixa renda:

"A mídia quer que todos acreditem que os empréstimos estudantis são principalmente dos pobres. Isso seria, para usar uma frase do momento, uma fake news. De acordo com dados do Federal Reserve, os 40% mais bem remunerados entre as famílias devedores respondem por quase 60% do total da dívida pendente dos empréstimos estudantis. Mais da metade do montante vem de famílias com pós-graduação, que representam apenas 14% do total de famílias americanas. Em suma, isso significa que o perdão de empréstimos estudantis em massa é um Robin Hood reverso - uma transferência dos pobres e da classe média para os ricos", alerta Betsy DeVos.

O problema da superprodução de elites

A crise das universidades americanas conta com um outro elemento agravante: a falência do próprio modelo universitário em capacitar os alunos para o mercado de trabalho, que não dá conta de absorver todos os pós-graduados que se formam anualmente. O ciclo vicioso de empréstimos, afinal, não garante a qualidade dos programas oferecidos nem do corpo docente – nos tempos correntes, não garante sequer que os alunos sejam livres para debater o que quiserem.

"Existem mais de 11 milhões de vagas não-ocupadas nos Estados Unidos, e a taxa oficial de desemprego é de 3,6%. Geralmente, o objetivo das faculdades de quatro anos é produzir alunos completos, em vez de fornecer treinamento para uma profissão específica. Os graduados muitas vezes recusam os 'empregos braçais' e anseiam por mais empregos políticos em Washington do que o número de cargos disponíveis. Mais jovens deveriam escolher escolas de comércio baratas em vez de programas de artes liberais de quatro anos", explica o especialista em educação da Heritage Foundation, Adam Kissel, em entrevista à Gazeta do Povo.

"Subsídios federais maciços para dívida estudantil levaram as universidades a aumentar os preços. Quando os estudantes pagam caro por diplomas universitários, muitas vezes saem acreditando que merecem empregos de elite. As faculdades mantêm essa pretensão ensinando-lhes que se tornarão parte da elite e terão um papel na mudança da cultura dos Estados Unidos para a esquerda. Muitos graduados acreditam que um diploma universitário lhes dá um status para comandar aqueles que são menos instruídos", avalia Kissel.

O cenário remete também ao conceito proposto pelo cientista e estatístico russo-americano Peter Turchin: a superprodução de elites. Para Turchin, trata-se de um problema que está na raiz da fragmentação da sociedade e é um desencadeador de crises severas.

“Ondas passadas de instabilidade política, como as guerras civis do final da República Romana, as Guerras Religiosas Francesas e a Guerra Civil Americana, tiveram muitas causas interligadas e circunstâncias exclusivas de sua época. Mas um traço comum nas épocas que estudamos foi a superprodução da elite. Os outros dois elementos importantes foram a estagnação e declínio dos padrões de vida da população em geral e o aumento do endividamento do Estado”, explica o estudioso, em artigo de 2013.

“A superprodução da elite geralmente leva a mais competição intra-elite que gradualmente mina o espírito de cooperação, seguido por polarização ideológica e fragmentação da classe política”, prevê Turchin. Qualquer relação com o cenário político contemporâneo, portanto, não é mera coincidência - nem, tampouco com o cenário brasileiro, que há anos forma doutores para o desemprego, seja através de universidades públicas sucateadas e sustentadas às custas dos mais pobres ou programas de financiamento que têm tudo para acabar como nos Estados Unidos. A solução, contudo, tampouco passa por uma completa deslegitimação do ensino superior.

"O ecossistema universitário dos EUA é extremamente diversificado. Muitas faculdades foram por um caminho sem volta, ideologicamente. Em vez de tentar reformá-las, é melhor construir ao redor delas, como a nova Universidade de Austin [a “universidade dos cancelados” - leia aqui a reportagem], e criar credenciais alternativas, como substituir a métrica dos diplomas por capacidade de aprendizado”, propõe Kissel. “Além disso, o financiamento do governo deve mudar drasticamente de faculdades e universidades de quatro anos para faculdades técnicas de dois anos”. Trata-se de uma reforma urgente, de cujo sucesso depende, em muito, a prosperidade das próximas gerações.

Gazeta do Povo (PR)

Ainda somos uma nação?




Nos últimos tempos, estamos nos esquecendo de que somos uma nação, de que somos um povo com uma identidade coletiva compartilhada que não exclui outras identidades ou o sentimento de pertencimento a grupos menores dentro dela. 

Por Diogo Schelp 

Todos os anos, a paróquia do meu bairro fecha a rua em frente à sua igreja para dois finais de semana seguidos de festa junina. Em outros anos, não vi tanta gente quanto neste sábado (5). Talvez por ter sido o primeiro dia de festejo depois de dois anos de interrupção do evento, por causa da pandemia. As pessoas deviam estar com síndrome de abstinência de pescaria no balde, do bingo no salão da igreja, do forró tocado em alto volume nas caixas de som antigas e estouradas. Fiquei observando a pequena multidão e pensando como aquela cena poderia nos inspirar a pacificar as diferenças que extrapolam a política e corroem nossa identidade como nação.

O que vi foram centenas de pessoas compartilhando da mesma alegria de estar de pé, no meio de uma rua, conversando em rodas de amigos com um vinho quente nas mãos, comprando fichas de 1, 2, 5 ou 10 reais, ilustradas no verso com imagens de santos de junho, nos desorganizados caixas da igreja para, em seguida, gastá-las nas barraquinhas enfeitadas com bandeirinhas de papel.

Qual é o povo que entra numa fila, em uma noite fria, para comprar milho verde com margarina, canjiquinha com canela, sanduíche de pernil ou para comer doces exatamente iguais aos que são vendidos na padaria que fica a poucos metros dali (sem fila e com lugar para sentar)? Só mesmo um brasileiro para ver graça em atrações culinárias tão singelas e para considerar que elas ganham um sabor extra quando servidas sob uma barraca de lona por um casal de idosos que você encontra nas missas ou que podem ser seus vizinhos, mas com quem você nunca teve a oportunidade de conversar antes.

A nação é uma construção ideológica, alicerçada em uma identidade por semelhança. Como brasileiros, temos muita coisa em comum. Aderimos de forma mais ou menos homogênea a um conjunto de valores, de gostos, de interesses e de repertórios culturais comuns.

Nos últimos tempos, estamos nos esquecendo de que somos uma nação, de que somos um povo com uma identidade coletiva compartilhada que não exclui outras identidades ou o sentimento de pertencimento a grupos menores dentro dela: a identidade político-partidária, a identidade religiosa, etc.

A discussão política no país, porém, tornou-se de tal forma tóxica nos últimos anos que parece haver uma tentativa de anular o direito de ser brasileiro do grupo oposto, daqueles que pensam diferente, que compreendem que o caminho a ser trilhado pelo país é outro.

Essa tentativa de anulação e de exclusão do outro do pertencimento à nação como construção coletiva está presente até mesmo no discurso dos dois principais candidatos à presidência do país. Isso ocorre quando um diz que tem o povo ao seu lado, mas claramente exclui desse imaginário coletivo aqueles identificados como esquerdistas ou progressistas. E ocorre quando o outro retoma o discurso do "nós contra eles" com base em critérios de classe, do "povo" contra as elites econômicas.

Precisamos voltar a discutir que tipo de nação queremos ser com base naquilo que temos em comum, na nossa identidade coletiva compartilhada. Quais são nossas aspirações mais amplas? Queremos alcançá-las fomentando a cisão e o ressentimento ou buscando a união?

No momento em que voltarmos a entender que somos todos brasileiros, e que as diferenças políticas são formas distintas (que podem e devem ser questionadas e debatidas, mas com moderação e civilidade) para alcançar soluções para os mesmos problemas, teremos mais chances de progredir como nação.

Observando-se os frequentadores da festa junina da paróquia do meu bairro, não era possível saber quem era petista, quem era bolsonarista ou quem era "terceira via". Eram todos brasileiros. Não apenas na superfície, mas também na essência. Ainda bem.

Gazeta do Povo (PR)

Um país fora dos trilhos - Parte 2




Uma única linha diária de passageiros mantém viva a magia de viajar de trem no Brasil. 

Por Dagomir Marquezi 

Embarcar na Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) é como sentar ao lado de Harry Potter no Hogwarts Express. Não é um trem-bala, não exibe nenhum tipo de luxo ou tecnologia de ponta. Mas permite aos seus privilegiados passageiros viajar de volta à magia que nos foi roubada. E ter um fiapo de esperança de que esse absurdo pode ser um dia revertido.

Se você quiser viver essa aventura, é bom saber que ela está temporariamente mais curta. Normalmente, a EFVM liga as capitais do Espírito Santo e de Minas Gerais. Mas as intensas chuvas do início do ano provocaram desde abril a interrupção entre as cidades de Timóteo e Belo Horizonte. Uma erosão foi identificada no quilômetro 493, na cidade de Antônio Dias. Agora, o grande trem verde-amarelo cobre a distância entre Cariacica (subúrbio de Vitória) e Timóteo (MG). Um trem vai, outro volta. E no dia seguinte tem mais.

Começa a jornada

Eu viajei até Vitória (de avião) para pegar o último trem. Passagens podem (e devem) ser compradas on-line. Existem duas categorias: para quem quer a classe econômica, o preço do trecho atual está em R$ 52. Na classe executiva, com poltronas mais confortáveis, a passagem sobe para R$ 82.

Para embarcar, apareci na Estação Pedro Nolasco, em Cariacica, às 6 e meia da manhã de um sábado. A viagem do dia anterior havia sido cancelada por luto. Uma equipe de 18 funcionários da ferrovia estava a caminho da estação de Timóteo e o ônibus que os transportava bateu numa carreta, causando a morte de três deles. A tripulação escalada para o sábado nos recebeu com fitinhas negras de luto no peito.

Portões abertos, cada passageiro é encaminhado para um dos carros. (Passageiros usam carros. Vagões são para carga.) O comboio do dia recebeu cerca de 400 passageiros, distribuídos em três carros executivos e cinco econômicos. Existe ainda um carro com adaptação para cadeirantes, que também abriga a tripulação em três pequenas cabines.

O carro-restaurante também está nos trilhos, iluminado, alegre, com suas cadeiras verdes e mesas brancas. Mas ele não é usado desde o início da pandemia com a função original. O que é uma pena, pois refeições num carro-restaurante costumam ser experiências inesquecíveis. Na viagem da EFVM ninguém precisa usar máscara, e vários passageiros se espalham pelas mesas em conversas animadas. De qualquer jeito, a cozinha-lanchonete está funcionando normalmente, distribuindo as refeições nos assentos.

Os dez carros estão ocupados. E, como se a gente estivesse na Suíça, o trem começa sua jornada exatamente na hora prevista — nem um segundo a mais, nem um segundo a menos. Ele é puxado por uma veterana locomotiva GE Dash9 40BBW — um monstro de 4 mil cavalos de força e 192 toneladas made in USA, pintada de rosa, com o número de identificação 1288 sobre os para-brisas. Os carros foram comprados na Romênia há sete anos e mostram suavidade, estabilidade e silêncio quando começam a se mover.

São 7 horas de uma manhã de sol e, pelo menos para mim, o Brasil acabou de voltar aos trilhos.

Em companhia de um rio

A Estrada de Ferro Vitória a Minas (ou EF-262) começou a nascer em 1904, com uma ligação entre a capital do Espírito Santo e Natividade, com apenas 30 quilômetros de extensão. Transportava café e passageiros. Quatro anos depois, o foco mudou para o transporte de minério de ferro a partir de Itabira. Só em 1994, segundo a Wikipedia, a EFVM atingiu Belo Horizonte.

Quando a ferrovia voltar a ser usada em toda a extensão, vai somar 664 quilômetros, com 30 pontos de embarque e desembarque, servindo a 42 municípios. A Vale mantém uma segunda linha de passageiros na Estrada de Ferro de Carajás. As condições são semelhantes às da EFVM, mas a viagem não é diária. A Carajás liga São Luís do Maranhão a Parauapebas, no Estado do Pará. É um empreendimento mais “social” que turístico, o que inclui um carro para cursos e atividades comunitárias. Mas ela não tem o charme nem a paisagem que corre

Uma hora depois da partida da Estação Pedro Nolasco, o trem já passou por Flexal e Fundão, que são subúrbios de Vitória. As marcas da degradação urbana ficam para trás.

Uma rodovia costuma destruir o ambiente por onde passa. É a situação clássica: na estrada surge um posto, que gera uma pequena vila, que degrada tudo ao redor. A estrada de ferro dificulta esse processo. Uma linha ferroviária costuma preservar naturalmente seus arredores, e a Vitória a Minas é uma prova viva disso.

Às 9h02, o trem dá uma rápida parada na Estação Mascarenhas/Baixo Guandu. A partir daí, os passageiros vão contar com uma companhia grandiosa por quase todo o restante da viagem: o majestoso Rio Doce, que vai correr paralelo à linha, à direita do trem.

A essa altura, o carrinho do lanche já passou com salgadinhos, sanduíches, sucos e um café de coador que cai muito bem. Boa parte dos passageiros já dormiu com o balanço soporífero sobre os trilhos. A criançada olha para fora e vê o glorioso Vale do Rio Doce passando pela janela.

“Como você pode chorar aqui?”

Um trem é o oposto da neurose individualista de um avião. Os passageiros não precisam chutar o encosto do banco da frente para não ter os joelhos esmagados. Não ficam presos a uma cadeira, amarrados por um cinto. Você tem muito espaço e liberdade. Não existem avisos de “permaneçam sentados com os cintos afivelados pois passaremos por uma turbulência…”.

Aliás, não existem cintos de segurança num trem. O comando das operações da Vale em Tubarão (ES) controla tudo em seus monitores. Sabem com antecedência até se algum carro está parado sobre os trilhos em algum cruzamento.

Os passageiros podem se levantar a qualquer momento e caminhar centenas de metros atravessando carro por carro, observando outras pessoas, curtindo outro carro se tiver lugar disponível. De tempo em tempo, o pessoal da manutenção passa tirando qualquer sinal de sujeira dos corredores.

Essa segurança, esse relaxamento e essa liberdade acabam gerando um clima de confiança e aproximação entre os passageiros. Conversas entre desconhecidos acontecem espontaneamente. Gestos de solidariedade brotam do nada. Crianças podem ser administradas com tranquilidade, pois há espaço para que se movimentem, e monitores de televisão passam o tempo todo longas-metragens produzidos pela Pixar e pela Marvel (leve seus próprios fones de ouvido).

Uma cena resume o bem-estar generalizado a bordo. Um menininho chora porque vai ter de desembarcar na próxima estação. Um senhor, evidentemente usuário de muitos anos da ferrovia, diz à criança em tom amistoso, com um sorrisão sob o bigode branco: “Como você pode chorar aqui? Você está viajando de trem!”.

E então as coisas melhoram um pouco mais. Chega a hora do almoço. O funcionário passa de cadeira em cadeira perguntando o que o passageiro vai querer. Pergunto sem muita esperança se ele tem alguma opção vegetariana. “Omelete de queijo”, responde. Meia hora depois, chega a caixinha plástica com a omelete, um arroz e uma microssalada. Não é um flan d’epinards au poires do Orient Express, mas custa R$ 20 e está uma delícia. O Brasil inteiro conhece a fama da cozinha mineira, mesmo nos pratos mais simples.

Uma crise sem prazo para acabar

Às 13h03, o trem chega à maior estação do percurso: Presidente Valadares. Em praticamente todas as outras paradas, o processo de embarque e desembarque é muito rápido, geralmente um minuto. Funcionários saem antes para ajudar passageiros com dificuldades de descer.

Para evitar confusão, só se entra e sai por uma única porta do trem inteiro (geralmente no carro econômico 1). Em Valadares, a parada aumenta para oito minutos e é possível descer à plataforma para tirar fotos. Logo os comissários nos convidam a subir de novo. E a viagem continua, a aproximadamente 70 quilômetros por hora. Em termos de transporte, é o equivalente ao slow food.

Paramos em cidades que provavelmente você, como eu, nunca tinha ouvido falar: Pedra Corrida, Periquito, Frederico Selow, Ipaba. Nos alto-falantes, surge a voz do chefe do trem, Rogerio Brangion. Ele dá as boas-vindas e se coloca à disposição em caso de algum problema.

“Vendemos mais que passagens”

O chefe é uma espécie de capitão do trem, responsável pelo seu funcionamento nos mínimos detalhes. Como definir em quais estações o trem vai parar, dependendo da demanda ou não dos passageiros. Rogério tem uma saleta com um laptop e um serviço de comunicação com o qual acerta os detalhes com o maquinista.

Seu trabalho anda mais leve, por causa de uma crise. “A gente transportava 2,5 mil passageiros por dia por trem, e as passagens tinham que ser compradas com boa antecedência”, diz Rogério. “Na época, a locomotiva puxava cinco carros executivos e 13 de classe econômica.” Um trem saía cheio de Vitória, o outro igualmente cheio de Belo Horizonte. Os dois se cruzavam mais ou menos no meio do caminho.

Aí veio a pandemia de covid. Ela obrigou a empresa a deixar os vagões bem mais vazios, com todo mundo usando máscara. E trem não combina com distanciamento social, muito pelo contrário. Quando a pandemia começou a ser controlada, a Vale descobriu uma série de problemas estruturais no trecho entre Belo Horizonte e a cidade de Timóteo. Um período anormal de fortes chuvas ameaçou a linha com quedas de barreiras.

Os trens de carga continuam fazendo o trecho completo, mas a empresa preferiu evitar arriscar com os trens de passageiros. Os comboios, que saíam lotados de Belo Horizonte, passaram a partir quase vazios da cidade de Timóteo, com pouco mais de 90 mil habitantes.

Até quando vai essa interrupção? “Ninguém sabe”, diz o chefe. “Alguns falam em menos de um mês, outros falam que até o fim do ano não libera.” Existe o perigo de o serviço ser encerrado? “A Vale nem pensa nisso”, diz o chefe, com firmeza. E a consciência de que ele comanda mais do que um meio de transporte. Ele é o encarregado de manter funcionando uma instituição, um pedaço de nossa memória, a esperança da volta de um meio de transporte ao mesmo tempo racional, seguro e altamente afetivo.

“Outro dia, entrou uma senhora que me disse emocionada que havia 40 anos tinha o sonho de andar de trem uma vez na vida”, conta Rogério, com o sorriso tranquilo da missão cumprida. “Por isso eu digo que nesse trem a gente vende mais do que passagens. A gente vende sonhos.”

Ponto final

Às 15h28, o trem faz sua última parada: Estação Mário Carvalho, em Timóteo. A viagem durou oito horas e 28 minutos de puro prazer. O mesmo percurso de carro, segundo o Google Maps, demoraria apenas uma hora a menos. Mas enfrentaria a quarta rodovia mais perigosa do Brasil (segundo levantamento da Confederação Nacional do Transporte): a BR-381.

No dia seguinte, às 11h47 em ponto, o grande trem vai fazer o caminho contrário. Para quem vive nessa região (ou na grande maioria dos países do restante do mundo), essa magia acontece todos os dias. Para mim, e para o restante dos brasileiros que conseguem viajar de vez em quando pela EFVM, a magia é um momento fugaz que passa na janela, como as águas barrentas do Rio Doce.

Revista Oeste

Tropas da Ucrânia resistem em cidade-chave




As tropas ucranianas resistiam diante de efetivos russos "mais numerosos e poderosos", na cidade estratégica de Severodonetsk, anunciou nesta segunda-feira o presidente Volodimir Zelensky, enquanto a Rússia alertou para o envio de mais armas ocidentais a Kiev.

Zelensky indicou que suas tropas enfrentam forças russas "mais poderosas" em Severodonetsk, cidade estratégica no leste que vem sendo bombardeada há semanas. "Estamos resistindo, mas eles são mais numerosos e mais poderosos", disse a repórteres em Kiev. O líder ucraniano informou que o comando do país tomaria "decisões de acordo com a situação".

"Os combates são intensos em Severodonetsk. Nossos defensores conseguiram contra-atacar e libertar metade da cidade, mas a situação se agravou para nós", declarou horas antes Sergei Gaidai, governador da região de Lugansk, ao canal de televisão ucraniano 1+1, sem revelar mais detalhes.

"Os russos destroem tudo com sua tática habitual de terra arrasada, para que que não reste mais nada por defender", acusou.

Com base em comunicações interceptadas do comando russo, o governante advertiu para uma possível intensificação da ofensiva sobre esta cidade industrial "até 10 de junho".

Para Moscou, que há alguns dias havia assumido o controle quase total da cidade, conquistar Severodonetsk seria uma alavanca para assumir completamente a bacia de mineração de Donbass.

A resistência ucraniana em Severodonetsk "provavelmente continuará captando a atenção das forças russas na região de Lugansk e provocará vulnerabilidades nos esforços defensivos russos na região de Kharkiv (nordeste) e ao longo do eixo meridional", analisou no domingo o Instituto dos Estados da Guerra (ISW) dos Estados Unidos.

Como o governo americano já havia feito, o Reino Unido anunciou que fornecerá para a Ucrânia lança-foguetes de longo alcance (80 quilômetros), ignorando as advertências contrárias do presidente russo Vladimir Putin.

- 'Filme de terror' -

Os disparos de artilharia ficaram mais intensos em Severodonetsk e na vizinha Lysychansk, onde o aposentado Oleksandr Lyakhovets conseguiu escapar de sua casa e salvar o gato das chamas provocadas por um bombardeio russo. "Atiram sem parar... é um filme de terror", contou à AFP o homem, 67 anos.

Lysychansk, cidade vizinha de Severodonetsk - separada apenas pelo rio Donets -, foi um dos pontos visitados pelo presidente Zelensky no domingo, em uma viagem que serviu para "constatar a situação operacional na linha de frente", segundo o governo.

As forças russas continuavam sua ofensiva em outras frentes no leste da Ucrânia. Segundo o Ministério da Defesa russo, suas tropas atacaram três depósitos de armas e um depósito de combustível perto da cidade de Kodema, na região de Donetsk.

Kiev alertou que a situação na região de Kherson, um pouco mais ao norte, era crítica. Não há "redes de telefonia móvel e internet, alimentos, remédios e dinheiro". E em Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, novos ataques russos atingiram uma fábrica de carros blindados perto de Lozova, segundo Moscou.

Pelo menos 10 pessoas morreram na região nas últimas 24 horas, de acordo com Kiev. A Ucrânia disse que repeliu sete ataques em Donetsk e Lugansk. Mas as tropas russas, admite, ocupam um quinto do território e impuseram um bloqueio aos portos do Mar Negro, provocando temores de uma crise alimentar global.

"Atualmente, 20 a 25 milhões de toneladas de cereais estão bloqueadas e, neste outono, esse número pode subir para 70 a 75 milhões de toneladas", alertou Zelensky. Em contrapartida, o Exército ucraniano assegurou nesta segunda-feira que fez recuar a frota russa em mais de cem quilômetros da costa.

O chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, acusou o Kremlin de "chantagem" por paralisar as exportações, e afirmou que são confiáveis as informações de que está roubando a produção ucraniana.

- Mísseis de longo alcance -

Os ucranianos pedem há várias semanas lança-foguetes para que consigam atacar as posições russas e, ao mesmo tempo, posicionar suas baterias mais distantes da frente de batalha.

No domingo, as autoridades ucranianas afirmaram que o conflito com a Rússia virou uma guerra de desgaste e que precisam do envio constante de ajuda militar para derrotar o exército russo, que já ocupa 20% do território da Ucrânia.

O Reino Unido prometeu enviar lança-foguetes M270 MLRS, com um alcance de 80 quilômetros, que "aumentarão significativamente as capacidades das forças ucranianas", anunciou o ministério da Defesa britânico em um comunicado.

A decisão foi tomada em "estreita coordenação" com Washington, que anunciou na semana passada o fornecimento de equipamentos do sistema Himars, lança-foguetes que permitem disparos múltiplos e são instalados em veículos blindados leves com alcance similar aos dos equipamentos do Reino Unido.

Especialistas militares destacam que este alcance é ligeiramente superior ao de sistemas análogos russos, o que permitiria à Ucrânia atacar a artilharia inimiga sem ser atacada por esta.

O chanceler russo, Serguei Lavrov, também fez um alerta aos países ocidentais a respeito do envio de armas de longo alcance à Ucrânia. "Quanto mais armas de longo alcance enviarem, para mais longe do nosso território as empurraremos".

Por outro lado, Lavrov foi obrigado hoje a cancelar uma visita à Sérvia, um dos poucos Estados europeus que se mantêm próximos de Moscou, depois que vários países vizinhos lhe fecharam o espaço aéreo.

Em entrevista coletiva, Lavrov descreveu como "inconcebível" e "escandalosa" a decisão dos três países europeus, um gesto considerado "hostil" pelo porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.

Em sua batalha diplomática, Moscou ampliou a lista de americanos que não podem entrar em seu país, e Washington ordenou a apreensão de dois aviões pertencentes ao oligarca Roman Abramovich, considerado íntimo de Putin.

AFP / Estado de Minas

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