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quinta-feira, março 03, 2022

Segurança pública não é violência - Editorial

 



Ao lado de casos de sucesso na segurança pública, como são as câmeras nos uniformes policiais, observam-se ações políticas que fomentam a violência e a baderna

Ao lado do sucesso das câmeras no uniforme, ações políticas fomentam baderna.

Aspecto fundamental da vida em sociedade, a segurança pública afeta todas as pessoas e empresas. Ninguém está imune à desordem, à violência, ao crime e à sensação de insegurança. Tal constatação deveria conduzir a um consenso mínimo sobre políticas públicas para a área, identificando prioridades e os meios disponíveis para realizá-las. No entanto, observam-se ideias e ações políticas diametralmente opostas que, mais do que diferenças ideológicas, revelam uma grande confusão sobre a própria concepção de segurança pública. Há gente se aproveitando do tema para a mais vil politicagem.

Constatam-se, de um lado, avanços significativos na área de segurança pública, como são os bons resultados advindos do uso de câmeras em uniformes das polícias. Cada vez mais governos estaduais e municipais adotam a tecnologia. Segundo levantamento do Estadão, além de São Paulo, Santa Catarina e Rondônia – que já usam as câmeras de forma permanente –, nove Estados têm feito testes com os equipamentos. Guardas municipais também têm usado a tecnologia.

Trata-se de investimento público que melhora a segurança da população. As câmeras corporais filmam a atividade policial, monitorando a legalidade das condutas e colhendo provas. Como era previsível, o uso da tecnologia diminuiu drasticamente a taxa de letalidade policial. O equipamento também propicia uma melhor coordenação da atividade policial, ao fornecer a localização precisa dos agentes e das ocorrências.

O uso de câmeras corporais é um poderoso caso de sucesso de política pública na área da segurança. Vale lembrar que a transparência também beneficia diretamente o bom trabalho dos policiais. Com o registro das evidências, as ações policiais em defesa da lei podem ser facilmente justificadas. Diante da incontestável eficiência da tecnologia, o Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp) está elaborando uma diretriz sobre as câmeras corporais, para orientar e fomentar sua adoção em todo o território nacional.

Ao lado dessas experiências positivas, verificam-se também ações políticas que, sob o pretexto de aumentar a segurança pública, trazem na verdade riscos para a população. Nessa rota de retrocesso e violência, o bolsonarismo tem notório protagonismo.

Se as câmeras corporais são uma excelente notícia para o País, é simplesmente estarrecedor constatar o crescimento do número de registros de armas. Em 2021, a Polícia Federal licenciou mais de 204 mil artefatos para a população civil, segundo informou o jornal O Globo. Em 2020, foram 177 mil licenciamentos e em 2019, 94 mil. Em 2018, último ano do governo de Michel Temer, a Polícia Federal havia licenciado 51 mil peças. Os números não incluem as armas utilizadas por caçadores, atiradores e colecionadores (CACS), controladas pelo Exército.

O progressivo armamento da população civil, que contraria a Constituição e o Estatuto do Desarmamento, revela o quão nefasta é a permissividade do governo de Jair Bolsonaro, que reduziu o controle e as restrições relativas às armas de fogo. Recentemente, contrariado com uma notícia que mostrava como armas obtidas por meio da licença para CACS abasteciam o crime organizado, Bolsonaro reafirmou sua enorme confusão e ignorância sobre o tema. “Estamos no caminho certo. Cidadão legalmente armado (no campo ou cidade) além de segurança para si e sua família, é a certeza que nunca será escravizado por nenhum ditador de plantão”, escreveu no Twitter.

Não há segurança pública se o cidadão precisa se armar. Cabe ao poder público prover a segurança de todos. Um presidente da República que, sob o pretexto de proteger o cidadão, libera o uso de armas está admitindo sua mais cabal incompetência em realizar um serviço que compete ao Estado prestar.

Além disso, como nos tempos de mau militar, Jair Bolsonaro segue atiçando paralisações e motins das forças de segurança estaduais. Isso é grave baderna ilegal e irresponsável. Segurança pública é proteção do cidadão, dentro da lei. Não é violência, é cidadania.

O Estado de São Paulo



Ao lado de casos de sucesso na segurança pública, como são as câmeras nos uniformes policiais, observam-se ações políticas que fomentam a violência e a baderna

Ao lado do sucesso das câmeras no uniforme, ações políticas fomentam baderna.

Aspecto fundamental da vida em sociedade, a segurança pública afeta todas as pessoas e empresas. Ninguém está imune à desordem, à violência, ao crime e à sensação de insegurança. Tal constatação deveria conduzir a um consenso mínimo sobre políticas públicas para a área, identificando prioridades e os meios disponíveis para realizá-las. No entanto, observam-se ideias e ações políticas diametralmente opostas que, mais do que diferenças ideológicas, revelam uma grande confusão sobre a própria concepção de segurança pública. Há gente se aproveitando do tema para a mais vil politicagem.

Constatam-se, de um lado, avanços significativos na área de segurança pública, como são os bons resultados advindos do uso de câmeras em uniformes das polícias. Cada vez mais governos estaduais e municipais adotam a tecnologia. Segundo levantamento do Estadão, além de São Paulo, Santa Catarina e Rondônia – que já usam as câmeras de forma permanente –, nove Estados têm feito testes com os equipamentos. Guardas municipais também têm usado a tecnologia.

Trata-se de investimento público que melhora a segurança da população. As câmeras corporais filmam a atividade policial, monitorando a legalidade das condutas e colhendo provas. Como era previsível, o uso da tecnologia diminuiu drasticamente a taxa de letalidade policial. O equipamento também propicia uma melhor coordenação da atividade policial, ao fornecer a localização precisa dos agentes e das ocorrências.

O uso de câmeras corporais é um poderoso caso de sucesso de política pública na área da segurança. Vale lembrar que a transparência também beneficia diretamente o bom trabalho dos policiais. Com o registro das evidências, as ações policiais em defesa da lei podem ser facilmente justificadas. Diante da incontestável eficiência da tecnologia, o Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp) está elaborando uma diretriz sobre as câmeras corporais, para orientar e fomentar sua adoção em todo o território nacional.

Ao lado dessas experiências positivas, verificam-se também ações políticas que, sob o pretexto de aumentar a segurança pública, trazem na verdade riscos para a população. Nessa rota de retrocesso e violência, o bolsonarismo tem notório protagonismo.

Se as câmeras corporais são uma excelente notícia para o País, é simplesmente estarrecedor constatar o crescimento do número de registros de armas. Em 2021, a Polícia Federal licenciou mais de 204 mil artefatos para a população civil, segundo informou o jornal O Globo. Em 2020, foram 177 mil licenciamentos e em 2019, 94 mil. Em 2018, último ano do governo de Michel Temer, a Polícia Federal havia licenciado 51 mil peças. Os números não incluem as armas utilizadas por caçadores, atiradores e colecionadores (CACS), controladas pelo Exército.

O progressivo armamento da população civil, que contraria a Constituição e o Estatuto do Desarmamento, revela o quão nefasta é a permissividade do governo de Jair Bolsonaro, que reduziu o controle e as restrições relativas às armas de fogo. Recentemente, contrariado com uma notícia que mostrava como armas obtidas por meio da licença para CACS abasteciam o crime organizado, Bolsonaro reafirmou sua enorme confusão e ignorância sobre o tema. “Estamos no caminho certo. Cidadão legalmente armado (no campo ou cidade) além de segurança para si e sua família, é a certeza que nunca será escravizado por nenhum ditador de plantão”, escreveu no Twitter.

Não há segurança pública se o cidadão precisa se armar. Cabe ao poder público prover a segurança de todos. Um presidente da República que, sob o pretexto de proteger o cidadão, libera o uso de armas está admitindo sua mais cabal incompetência em realizar um serviço que compete ao Estado prestar.

Além disso, como nos tempos de mau militar, Jair Bolsonaro segue atiçando paralisações e motins das forças de segurança estaduais. Isso é grave baderna ilegal e irresponsável. Segurança pública é proteção do cidadão, dentro da lei. Não é violência, é cidadania.

O Estado de São Paulo

Ex-chanceler federal Schröder tem que romper com a Rússia




Gerhard Schröder (dir.) e Vladimir Putin confraternizam em Moscou, em março de 2018

Por Alexander Görlach*

Ao manter cargos em estatais russas, Gerhard Schröder não compromete apenas a reputação do Partido Social-Democrata, mas da Alemanha como um todo. Se ele não renunciar, o Parlamento deve agir.

A invasão da Ucrânia pela Rússia forçou algumas figuras públicas alemãs a repensarem sua posição. O clube de futebol FC Schalke 04 cancelou seu contrato de patrocínio recentemente renovado com a estatal de energia russa Gazprom; o concurso de canção Eurovisão se realizará no futuro sem a Rússia. Só uma se aferra tenazmente àquele país e ao ditador no Kremlin: Gerhard Schröder.

O ex-chanceler federal (1998-2005) tornou-se uma hipoteca pesada para os social-democratas da Alemanha. Tempos atrás, ele já havia caído no ridículo ao declarar que Vladimir Putin era um "democrata puro". Mas o fato de Schröder não tomar uma posição clara e condená-lo, nem mesmo diante da invasão da Ucrânia, é indigno de um antigo chefe de governo da República Federal da Alemanha e, no fim das contas, uma vergonha.

Assim, está absolutamente correto o recém-eleito chefe do Partido Social-Democrata (SPD), Lars Klingbeil, exigir de Schröder que corte todos os seus contatos de negócios com a Rússia. Entre outros cargos, o alemão integra o conselho de administração da Gazprom e é até mesmo presidente do conselho do conglomerado petroleiro estatal Rosneft, dirigido por Igor Sechin, um homem de confiança de Putin.

No entanto, é significativo o fato de que seja sequer necessário exigir que Schröder dê esse passo: o ex-chefe de governo não tem nem noção nem consciência ética de seu modo de agir.

Caso siga se recusando a se distanciar de Putin e continue sendo pago pela Rússia, lhe serão retirados o escritório e os funcionários financiados pelo contribuinte alemão. Já houve iniciativas nesse sentido, mas que não tiveram seguimento.

Num momento em que, pela primeira vez desde que Schröder perdeu a chefia de governo em 2005, um social-democrata, Olaf Scholz, volta a encabeçar o governo federal em Berlim, não é sustentável seu antecessor estar publicamente se contrapondo aos esforços pela paz e estabilidade na Europa.

Chantagem ou teimosia: tanto faz

A situação recorda o estado da União Democrata Cristã (CDU) em 1999, na época do escândalo das doações. O então chanceler federal da Alemanha, Helmut Kohl, recebera doações ilegais em nome de seu partido e, invocando sua "palavra de honra" dada, recusou-se a revelar o nome do doador.

Cedendo à pressão partidária, Kohl renunciou à presidência honorária de sua legenda. Além disso, tornou-se um pária, cujo comportamento comprometeu seriamente a reputação que angariara como "chanceler da Unidade Alemã" e "grande europeu".

Por isso, é melhor a CDU pensar bem antes de ceder à tentação de se aproveitar do comportamento pouco inspirador de Gerhard Schröder para fazer joguinhos de oposição. Assim como naquela época nos quadros democrata-cristãos, hoje em dia são numerosos os social-democratas escandalizados com o comportamento de seu ex-chanceler federal.

O antigo chefe de governo compromete a reputação da Alemanha. Esse estado de coisas não pode perdurar, perante a situação em que se encontra todo o continente europeu.

Não faz diferença se Vladimir Putin tem algo na mão contra Schröder, ou se o ex-chanceler é "só" um velho teimoso, dono da verdade, incorrigível: os partidos democráticos do Parlamento federal devem, conjuntamente, destituí-lo dos seus privilégios, com os quais segue se apresentando como representante da democracia alemã.

*Alexander Görlach é membro sênior do Carnegie Council for Ethics in International Affairs e pesquisador associado do Instituto de Religião e Estudos Internacionais da Universidade de Cambridge.

Deutsche Welle

Rússia, o efeito bumerangue




Guerra econômica contra Putin começa a afetar também países do Ocidente

Por Vinicius Torres Freire

Estados Unidos, União Europeia e aliados declararam guerra econômica contra a Rússia. Mas tentaram evitar tiros que saíssem pela culatra, como proibir a compra de petróleo, gás e grãos russos, o que faria o preço dessas commodities explodir.

Não daria certo, em geral. Algum tumulto econômico mundial haveria. Mas não está dando certo também no caso de energia e comida.

Os preços de petróleo, trigo, milho, por tabela o da soja e das carnes, estão subindo muito não apenas por medo do futuro. Estão subindo porque empresas e bancos do "Ocidente" evitam negócios com a Rússia por conta própria, mesmo sem sanções de seus governos.

EUA, UE e aliados confiscaram o dinheiro que os russos guardam no exterior, as reservas internacionais que qualquer país tem. Proibiram os negócios de suas empresas e finanças com os maiores bancos russos. Vão até comprar armas para que ucranianos matem russos. Mas permitem negócios com energia, agricultura, remédios, equipamentos médicos etc.

Por conta, empresas deixam de comprar energia na Rússia. O barril do Urais, "marca" de petróleo russo, está sendo vendido a 11% menos que o Brent, "marca" negociada em Londres e preço de referência mundial. Isso quer dizer que tem petróleo russo sobrando, mesmo em um mercado mundial apertado.

Por falar nisso, o Brent subiu mais de 9% nesta terça, para US$ 107, alta de 38% só neste ano.

Empresas e bancos americanos e europeus temem negócios com a Rússia. Temem fazer operação que possa ser considerada ilegal pelos governos de seus países. Temem calote, pois a Rússia pode ficar sem moeda "forte" para pagar as contas; asfixiada, impõe cada vez mais controles de capitais: medidas para impedir a saída de dólares, euros etc.

Por vezes, as empresas não conseguem crédito para financiar suas compras. Ou não podem pagar o seguro contra calotes ou o de transporte ou o frete marítimo, carésimos. Navios nem passam pelos portos de Ucrânia e Rússia no Mar Negro, bloqueados pela marinha de guerra; navios mercantes já levaram tiro. As maiores fretadoras do mundo já disseram que vão evitar portos russos.

As exportações bloqueadas de grãos pelo mar Negro, embora pequenas nesta época, pressionam os preços. Mais importante, há o risco de que grãos russos saiam do mercado, de que a Ucrânia não consiga fazer seu plantio ou de que falte fertilizante no mundo inteiro.

Rússia e Ucrânia vendem 30% do trigo no mercado mundial, 20% do milho. A Rússia é o maior exportador de fertilizante. Tem quase 8% do mercado de exportações de petróleo (dado de dezembro). A asfixia financeira russa pode dar em calote da dívida externa, o bastante para causar acidentes.

As taxas de juros da dívida de governos dos EUA e da Europa caíam muito nesta terça-feira. Isto é, investidores mais compram do que vendem esses títulos. Procuram um ativo seguro, no tumulto. Também acreditam que a guerra vai conter o crescimento econômico, levando os bancos centrais de EUA e da União Europeia a serem mais comedidos na campanha de alta de juros para combater a inflação já bem alta.

Mas a inflação não vai subir mais, dado o choque de preços? Não subiria mais, sem alta de juros? A desaceleração econômica provocada pela guerra será suficiente para conter a carestia? Os argumentos parecem disparatados.

Em suma, mesmo tratando apenas do curtíssimo prazo, o mundo virou do avesso em poucos dias e ainda vai ser muito retorcido nos tempos por vir. De mais imediato, o que se pode dizer é que os tiros da guerra contra Putin em parte são um bumerangue contra o "Ocidente".

Folha de São Paulo

O paradoxo dos empregos




Onda de demissões voluntárias de um lado do mundo, desemprego recorde do outro e escassez generalizada de talentos em todo lugar: como desatar esse nó?

Por Ana Maria Diniz (foto)

O mundo está de ponta cabeça! Vivemos um enorme paradoxo. É possível pensar que em uma ponta do planeta, a mais pobre, hemisfério sul em geral, o emprego seja a coisa mais desejada e sonhada pelas pessoas como algo quase inatingível? E que, na outra ponta, o canto mais rico e mais instruído da sociedade, daqueles que tiveram mais oportunidades na vida, inclusive de estudar, o trabalho formal esteja sendo desvalorizado e até mesmo desprezado? Chegamos ao absurdo de desejos tão opostos, numa sociedade que vive ao mesmo tempo, no mesmo planeta, na mesma era? Difícil de conceber essa ideia, mas é o que está acontecendo atualmente. A onda generalizada e global de demissões voluntárias está em escalada, em ritmo recorde, no mundo todo. Foi deflagrada em abril do ano passado uma avalanche monumental de abandono de empregos jamais vista. As pessoas estão pulando aos montes do barco do trabalho, até então, o "meio de transporte" que as levaria a uma vida melhor. E o mais surpreendente é que uma boa parte dos retirantes não sabe quando - nem se - irá voltar para o jogo. Mas, afinal, para onde estão indo essas pessoas? O que estão de fato buscando? Como vão se sustentar? São perguntas que ainda estão longe de ter respostas acertadas.

Só nos Estados Unidos, em torno de 47 milhões de pessoas deixaram os seus empregos no ano passado nessas condições. Para efeito de comparação, é como se toda a população da Espanha tivesse pedido as contas nesse período. Vários outros países experimentam versões e tons dessa mesma tendência. Na Alemanha, cerca de 2,5 milhões de empregados, 6% da força de trabalho, deixaram seus postos no mesmo período. Na Inglaterra, 400 mil avisos foram cumpridos em um único trimestre, o maior número já registrado no país em três meses. Os dados proliferam e alguns são acachapantes. Como um que foi obtido em uma pesquisa recente da Microsoft: nada menos do que 41% dos trabalhadores de todo o mundo estão pensando em desistir, em dizer um alto e sonoro “tchau, eu não trabalho mais aqui!" para os seus respectivos chefes. Esse percentual salta para 54% quando a Geração Z é considerada isoladamente. Por outro lado, no Brasil, com mais da metade da população vivendo na pobreza e ao menos 13 milhões de desempregados, as pessoas dariam a vida por uma chance de receber um salário digno.

O burnout, a falta de flexibilidade das empresas, as preocupações com a saúde e a vontade de passar mais tempo com a família lideram a lista dos possíveis gatilhos que detonaram a atual debandada, dizem os especialistas. Não há dúvidas de que a pandemia teve um papel muito importante nisso. Além de ter levado à deterioração da saúde mental e física de boa parte da população planetária, a crise trouxe espaço e tempo para colocar as prioridades em perspectivas. Isso provocou um questionamento de valores, levando a uma reflexão sobre o que é realmente importante na vida e as respostas que, muitas vezes, vão contra a manutenção do status quo.

Mas só esses fatores não explicam um realinhamento do mercado de trabalho dessa magnitude, com potencial para virar os negócios, a economia e a vida pelo avesso, como o que vem se desenhando. Anthony Klotz, professor de administração da Universidade A&M do Texas, nos Estados Unidos, estudioso do fenômeno das demissões, que previu e cunhou o termo a Grande Renúncia, a retirada em massa de trabalhadores já vinha acontecendo ao longo da última década, com as taxas de renúncia aumentando expressivamente, ano a ano. A reconfiguração das relações entre capital e trabalho já estava em curso, segundo Klotz, a crise sanitária só acelerou esse processo.

Diante da tela do computador, ou no período de inatividade forçada, muita gente se deu conta que trabalhava muito, mas recebia muito pouco em troca, que esforço e trabalho duro não eram suficientes para qualquer um ser e ter qualquer coisa, permitindo aos menos favorecidos de vários cantos do globo subir pelo menos alguns degraus da escada social e melhorar de vida, como aconteceu com as gerações de seus pais e avós. Na verdade, essas pessoas já sabiam disso há um tempo, mas seguiam iludidas, se esquivando desses fatos sobre os quais a pandemia lançou luz.

Toda essa movimentação agravou o problema de escassez de trabalhadores no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, 94% das empresas relatam muita dificuldade para contratar. Por conta da gravidade da situação, o presidente Joe Biden anunciou que tinha inúmeros vistos de trabalho para profissionais com habilidades extraordinárias e acima da média em várias áreas sobrando e, contradizendo as políticas migratórias que prevaleceram por anos no país, convidou efusivamente estrangeiros de todos os lugares a se mudarem para lá a fim de ocupar milhões de vagas ociosas.

No Brasil, o cenário também é complicado: de cada dez empresas, cinco não encontram gente para os cargos disponíveis, inclusive nas funções mais básicas. No entanto, a situação brasileira é exponencialmente pior do que a americana e de outros países desenvolvidos. O descompasso entre o que as empresas buscam e a qualidade do nosso capital humano é gritante. A assimetria entre o perfil dos empregos disponíveis e as (poucas) habilidades dos milhões que buscam um emprego no país constitui um enorme obstáculo, condena o país à estagnação, prejudica os negócios e detona qualquer chance de evolução pessoal entre os menos favorecidos.

Para piorar, os nossos talentos, os poucos que conseguimos desenvolver por causa da educação medíocre que temos, estão deixando o país como nunca. A fuga de cérebros está a pleno vapor por aqui, inclusive em novo formato, sem a necessidade de passar pelo aeroporto. Com a ascensão do trabalho remoto, muitos profissionais estão sendo recrutados por empresas e órgãos internacionais à distância para trabalharem virtualmente, sem ter que se mudar do país e com a vantagem de ganhar em dólar ou outra moeda mais valorizada que o real. Este não é um problema só das empresas, é uma questão de interesse nacional. Os talentos são o bem mais precioso de um país e mantê-los aqui deveria estar no topo da nossa lista de prioridades.

Precisamos começar já a agir em duas frentes: temos que habilitar e requalificar os trabalhadores brasileiros com as aptidões necessárias para participar da economia agora e, ao mesmo tempo, direcionar esforços para a formação e retenção de novos talentos. Sem profissionais bem preparados e gente talentosa, as atividades que demandam menos estudo, oferecem salários baixos e são praticadas na informalidade, vão continuar a crescer em ritmo muito maior do que aquelas que exigem mais qualificação, pagam melhor e podem colocar o país na mesma fronteira tecnológica em que se encontram as nações mais desenvolvidas, como já vem acontecendo desde 2012, como mostra um estudo da FGV Ibre, de novembro.

A Grande Renúncia é o prenúncio das inúmeras e enormes rupturas que estão por vir. O mundo está se transfigurando em velocidade supersônica, a começar pelo mercado de trabalho. Se o Brasil não conseguir escapar da armadilha da baixa produtividade na qual se meteu, vamos ser esmagados pelo trem-bala que vai conduzir os países rumo ao desenvolvimento e ao progresso neste século. Se isso acontecer, não teremos outra chance: seremos varridos de vez para baixo do tapete da história.

Valor Econômico

Rússia sob sanção - Editorial




Medidas tendem a derrubar a economia do país, mas impacto sobre Putin é duvidoso

Sanções econômicas dificilmente derrubam regimes ou mesmo autocratas de turno. As retaliações e o isolamento impostos a Coreia do Norte, Cuba, Irã ou Venezuela são exemplos notórios do impacto limitado desse tipo de instrumento de conflito ou punição.

Acreditar que as medidas contra a economia da Rússia possam colocar em perigo iminente o poder de Vladimir Putin é especular contra as probabilidades conhecidas, pois. De resto, parece haver pouco conhecimento acerca do esquema de sustentação do líder russo.

Está evidente, entretanto, o efeito imediato das sanções na economia do país. Os danos serão tanto maiores quanto mais tempo durarem o conflito e as retaliações.

De pronto, a Rússia foi submetida a uma crise de pagamentos externos. O país ficou sem acesso a parte de suas reservas em moeda forte, por decisão de Estados Unidos, União Europeia e aliados.

As autoridades econômicas russas, portanto, têm de lidar com uma crise de confiança ampliada por essa nova restrição, mas com meios reduzidos de fazê-lo.

É difícil evitar uma desvalorização aguda do rublo, o que vai provocar mais inflação. A fim de combater a carestia e o descrédito na moeda, nos bancos e nos títulos de dívida, elevam-se brutalmente as taxas de juros. Tal aperto monetário contribuirá para desaceleração ainda maior da economia.

Os maiores bancos russos foram banidos dos mercados americano e europeu e do sistema principal de pagamentos internacionais. A medida dificulta a realização de negócios, elevando riscos e custos.

Além do mais, empresas e bancos ocidentais temem punições de seus países por burlar as sanções, inadvertidamente. Temem ainda o risco de inadimplência da contraparte russa, sujeita à escassez de moeda forte ou outros óbices.

Assim, cancelam-se operações, o que afeta até o comércio de petróleo ou de grãos, que não foi objeto direto de retaliações. Grandes fretadoras de navios mercantes do mundo evitarão atracar nos portos russos; companhias ocidentais rompem parcerias ou desinvestem no gigante da Eurásia.

O país pode perder até sua fonte restante e contínua de recursos, as exportações, que colocam no azul seu balanço de pagamentos, que lhe rendeu US$ 21 bilhões em janeiro deste 2022 e US$ 120 bilhões em todo o ano passado.

No médio prazo, a escassez de recursos externos e as restrições a compras de alta tecnologia ocidental vão estrangular ainda mais a atividade econômica.

Sem solução ampla do conflito com o Ocidente, o que vai muito além da guerra na Ucrânia, a perspectiva da Rússia é de empobrecimento a perder de vista.

Folha de São Paulo

O perigo da invasão russa para a minoria grega na Ucrânia




Muitos gregos vivem na cidade ucraniana portuária de Mariupol e em seus arredores. A região está sob ataque dos russos há dias. Doze gregos morreram até agora, e Atenas protesta.

Por Kaki Bali

Odessa, Mariupol, Sebastopol: os nomes dessas cidades ucranianas soam familiares, quase nativos, aos ouvidos gregos. A área na costa do Mar Negro desempenha um papel importante na mitologia grega. A Revolução Grega de 1821 foi preparada pela "Filiki Eteria" (Sociedade dos Amigos), uma organização secreta fundada em Odessa. Os gregos vivem nesta área há milhares de anos, e hoje são uma minoria calculada entre 100.000 e 150.000 pessoas. 

Poucos deles vivem em Odessa, a maioria está em Mariupol e em 29 vilas nas proximidades da cidade portuária do leste da Ucrânia.

Nos primeiros cinco dias da invasão russa na Ucrânia, 12 membros da minoria grega foram mortos em Sartanas. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores da Grécia, eles foram vítimas de bombardeios das forças russas, o que levou a pasta a apresentar um "forte protesto" junto ao embaixador russo em Atenas.

No entanto, a embaixada russa respondeu com um post no Facebook, em tom imperioso, instando todos os políticos, analistas e jornalistas gregos a "levar a mensagem a sério". Segundo a embaixada, as forças armadas russas não realizaram nenhuma operação militar em Sartanas – e soldados ucranianos é que seriam os culpados pelas mortes dos gregos. 

O Ministério das Relações Exteriores grego respondeu prontamente que as declarações feitas pela embaixada russa eram falsas.

Mariupol está perto da chamada linha de contato entre separatistas pró-Rússia e o exército ucraniano na região de Donetsk. A cidade é estrategicamente importante.

Nesta terça-feira (1/03), o prefeito de Mariupol, Wadym Boychenko, disse que mais de 100 moradores já foram feridos em ataques aéreos russos na cidade. "O número de civis feridos está crescendo a cada dia", disse Boychenko, segundo a agência Unian. "Hoje há 128 pessoas em nossos hospitais. Nossos médicos nem vão mais para casa", acrescentou.

Atenas expressa preocupação

No início da crise na Ucrânia, o governo de Atenas expressou sua preocupação com a minoria grega em Mariupol. Em 31 de janeiro de 2022, o ministro das Relações Exteriores grego, Nikos Dendias, esteve na região e assegurou aos gregos no leste da Ucrânia que a Grécia queria protegê-los. 

De fato, planos de evacuação foram feitos em Atenas para os gregos ucranianos forçados a deixar suas casas devido aos combates. Além disso, durante uma visita a Moscou em 18 de fevereiro, Dendias instou seu homólogo russo, Sergei Lavrov, a proteger a comunidade grega no leste da Ucrânia. No entanto, Mariupol é contestada desde 22 de fevereiro.

'Mariupol está sob fogo desde o início da guerra na Ucrânia'

A cidade mais "grega" da Ucrânia

De acordo com o último censo, 91.548 gregos vivem na cidade portuária do mar de Azov, que tem cerca de 500.000 habitantes. Além do ucraniano e do russo, eles falam um dialeto grego único, que chamam de "língua romena". Lá, vivem há séculos, ao lado das minorias armênia e azerbaijana - e, desde 2014, com muitos refugiados ucranianos que fugiram para a cidade antes da invasão russa da Crimeia.

Mariupol significa "cidade de Maria" em grego. O local foi fundado por um decreto de Catarina, a Grande, em 1778, perto de um assentamento cossaco. 

Destinava-se a servir como novo lar para os gregos quando eles tiveram que fugir da Crimeia para evitar os turcos que ocupavam a península. A colonização grega das margens do Mar Negro já havia começado no século 6º.

Mas as raízes da cultura grega nesta região remontam há ainda mais tempo. Já nos tempos antigos, os gregos viviam em colônias ao redor do Mar Negro. Desde então, tem havido uma presença ininterrupta no que hoje é o leste da Ucrânia. E, apesar das bombas russas, a maioria dos gregos quer ficar lá.

Mudança de visão sobre a Rússia

A luta por Mariupol está sendo acompanhada muito de perto na Grécia. As mortes em Sartanas podem levar a uma mudança significativa na opinião pública sobre a Rússia. Tradicionalmente, grande parte da sociedade grega tem uma atitude bastante positiva em relação à Rússia, alguns até falam de uma amizade eterna "com o irmão mais velho e loiro".

A maioria da população de ambos os países pertence à Igreja Ortodoxa. Gregos e russos nunca lutaram entre si. Ioannis Kapodistrias, que se tornou o primeiro governador do estado grego livre após a independência do Império Otomano em 1828, já havia sido ministro das Relações Exteriores da Rússia czarista. Também nos últimos tempos, a Grécia tentou funcionar mais como uma ponte entre o Ocidente, do qual se sente parte, e a Rússia. Atenas sempre foi muito compreensiva com as preocupações de Moscou.

Isso acabou agora. Três dias após a invasão russa na Ucrânia, o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, decidiu fornecer equipamento militar às forças armadas ucranianas. Isso foi um ponto de virada. Além disso, a Grécia também mandou ajuda humanitária a Kiev. O material foi enviado para a Polônia em dois aviões e de lá será levado para a Ucrânia.

Deutsche Welle

A crise da Ucrânia também tem sua Quarta-Feira de Cinzas




Além dos efeitos gerais da crise ucraniana na economia global, as sanções econômicas contra a Rússia também podem afetar as cadeias de produção e comércio do nosso agronegócio

Por Luiz Carlos Azedo (foto)

Misturar marchinha de carnaval (no caso, o samba do Macarrão, que falava da Guerra do Iraque no carnaval do Bloco de Segunda de 1991) com análise da situação internacional, como fiz ontem, também tem seu dia de ressaca. Meu amigo José Luiz Oreiro, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), em seu blog, publicamente, não deixou por menos. Segundo ele, a coluna de ontem, intitulada “Não adianta ficar Putin, a Ucrânia já ganhou”, seria um exemplo clássico do erro que o personagem Don Victor Corleone no filme O poderoso Chefão 3 advertira ao seu sobrinho: “Não odeie seus inimigos, pois isso afeta o seu julgamento”.

Como trato os assuntos com objetividade, e não com o fígado, vou resumir as críticas de Oreiro, que discorda da tese de que Putin já perdeu a guerra do ponto de vista moral e político. Oreiro argumenta o seguinte:

1— O objetivo de uma guerra não é (necessariamente) ganhar pontos com a opinião pública mundial, ou mostrar superioridade moral sobre o resto da comunidade de nações, mas (i) destruir as forças do inimigo e (ii) ocupar os objetivos estratégicos definidos nos planos de ação militar. A Rússia, após apenas cinco dias de conflito, chegou às portas de Kiev e Kharkiv, as mais importantes cidades do país, praticamente cortou o acesso da Ucrânia ao mar de Azov e está prestes a conquistar todo o litoral da Ucrânia no Mar Negro, deixando o país sem nenhuma saída para o mar.

2— A não ser que a Otan esteja disposta a escalar o conflito, mandando tropas para lutar na Ucrânia, o que converteria o confronto na Terceira Guerra Mundial, é uma questão de tempo até que a Rússia assuma o controle das regiões que realmente importam na Ucrânia do ponto de vista militar. Nesse contexto, a Rússia, não a Ucrânia, já ganhou.

3— Uma hipótese plausível é que Putin não esteja querendo lançar, neste momento, um ataque dessa magnitude para não criar um ressentimento incurável entre os ucranianos. Não parece que a Otan esteja, no momento, disposta a intervir militarmente para salvar a Ucrânia.

4— As analogias com a Guerra do Iraque, na qual Estados Unidos e Reino Unido concentraram forças para um ataque arrasador, e com a retirada de Napoleão Bonaparte da Rússia, em 1812, após a conquista de Moscou, não têm sentido. O que poderia levar Putin a bater em retirada seria o custo das sanções econômicas sobre a Rússia.

Sanções econômicas

5— Existe muito jogo de cena nas sanções econômicas do Ocidente sobre a Rússia. A exclusão do sistema Swift não atingiu os pagamentos dos países europeus ao gás importado da Rússia, o que garante, por si só, a continuidade de parte importante das exportações da Rússia para a Europa. O suposto congelamento dos ativos dos oligarcas russos atinge apenas os que eles tenham em bancos na Europa e nos EUA, não o grosso de suas aplicações financeiras que estão em paraísos fiscais.

6— As sanções econômicas têm um efeito bumerangue sobre o Ocidente: o aumento dos preços do petróleo, gás, trigo, milho, óleo de girassol e soja irá produzir um aumento da inflação não apenas na Rússia, mas no mundo inteiro, podendo obrigar os Bancos Centrais da Europa, da Inglaterra e dos Estados Unidos a antecipar a elevação da taxa de juros, prevista apenas para o segundo semestre. A elevação dos juros, combinada com a aceleração da inflação, seria um balde de água fria na recuperação das economias dos Estados Unidos e União Europeia.

7— O lado doméstico desse imbróglio é que as chances de reeleição de Jair Bolsonaro irão virar pó nos próximos meses, quando os efeitos econômicos da guerra da Ucrânia atingirem em cheio a economia brasileiro. É melhor o “Messias” já ir se acostumando com a ideia de ter que passar a faixa presidencial para Luís Inácio Lula da Silva em 01/01/2023.

Os dois últimos comentários de Oreiro são sobre temas que não abordei na coluna. No primeiro aspecto, creio que precisamos aguardar um pouco mais para avaliar seus efeitos sobre a economia russa. As cadeias globais de produção e comércio, que hoje operam em rede, estão ancoradas na institucionalidade da economia mundial. Pela primeira vez, essa institucionalidade está sendo utilizada de forma coordenada pelos Estados Unidos, Canadá e a União Europeia, que operam um bloqueio comercial e financeiro em escala sem precedente contra a economia da Rússia.

Existe muita semelhança entre a narrativa política de Bolsonaro e a de Putin, mas o flerte do presidente brasileiro com o líder russo pode ter efeitos maiores do que apenas isolar o Brasil ainda mais entre os líderes mundiais e a opinião pública do Ocidente. Além dos efeitos gerais da crise ucraniana na economia global, as sanções econômicas contra a Rússia também podem afetar as cadeias de produção e comércio do nosso agronegócio.

Correio Braziliense

Um Brasil altivo e ativo, mas do lado errado




Não nos enganemos. A injustificável invasão da Ucrânia pela Rússia tem apoio tanto de Bolsonaro como de Lula

Por Paulo Sotero* (foto)

A incapacidade de nossas elites dirigentes de identificar o interesse nacional, que as impele a subir no muro sempre que a realidade impõe uma escolha clara, produziu um efeito surpreendente na guerra desencadeada pela criminosa invasão da Ucrânia pela Rússia. Desta vez, o Brasil optou – com firmeza – pelo lado errado.

Inspirado, senão incentivado, por seu mentor, Donald Trump, admirador declarado de Vladimir Putin, o líder brasileiro viajou a Moscou duas semanas antes do ataque para posar em casa de mediador, papel que não tem condição intelectual ou política para exercer. Na volta, justificou a viagem afirmando que ela fora motivada pela preservação de interesses comerciais do País – hoje reduzido a um fazendão exportador de matérias-primas agrícolas e minerais de baixo valor agregado.

Vozes dissonantes, como a do vice-presidente Hamilton Mourão, e inúmeras outras manifestações indicam que a sociedade brasileira não aprovou a embaraçosa sortida diplomática de Bolsonaro e está alinhada com a comunidade internacional na condenação da Rússia, patente desde o início do conflito e expressa pela esmagadora maioria dos países-membros das Nações Unidas na segunda-feira passada. Mas não nos enganemos.

A posição assumida pelo capitão presidente tem respaldo na direita e na esquerda brasileiras. Ela foi endossada pelo ex-chanceler Celso Amorim, principal porta-voz e conselheiro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais. Espantosamente, Amorim defendeu a viagem de Bolsonaro à Rússia em entrevista ao blog de Bela Megale, no O Globo, como uma decisão correta. “Foi a viagem certa, no momento certo, com a pessoa errada, mas a pessoa que tem, né?” O ex-chanceler justificou a viagem de Bolsonaro dizendo que denunciar a Rússia seria “um sinal de submissão a uma agenda de Washington que não tem cabimento”. A declaração de Amorim torna explícita a posição petista de se opor aos Estados Unidos mesmo quando a postura americana tem o respaldo de todas as democracias dignas de respeito na Europa, nas Américas, no Japão e em toda parte.

Da declaração de Amorim se conclui que, estivesse ele de volta ao governo com Lula, o apoio do Brasil à invasão da Ucrânia teria sido uma decisão perfeita e irrepreensível. Mas os cidadãos e cidadãs brasileiros concordam com tamanha estupidez?

Não se trata de pergunta retórica. A continuar o franco favoritismo do ex-presidente nas enquetes de opinião sobre as eleições presidenciais de outubro, a tese petista passará por um teste de realidade, já que as consequências militares, humanitárias, políticas e econômicas da inominável agressão russa a seu vizinho estarão vivas e presentes se o líder do Partido dos Trabalhadores for reconduzido ao poder, em janeiro do ano que vem.

Ações, declarações e posicionamentos do governo ilustram já há algum tempo a desorientação e perda de relevância internacional do Brasil – um país à deriva, desfigurado pela mediocridade, pela pusilanimidade e pelo despreparo de seus líderes para atuar nos tabuleiros internacionais que interessam ao Brasil.

Este não é o primeiro grande fiasco da diplomacia brasileira. Mas será o mais danoso. Doze anos atrás, estimulado pelo então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a colocar seu considerável prestígio internacional a serviço da negociação de um acordo nuclear entre o Irã e os cinco membros permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, Lula, aconselhado por Amorim, anunciou em Teerã, com estardalhaço, as bases de um entendimento que alinhavara com o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, e o líder da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, um autocrata até hoje no poder. Surpreendidos pelo anúncio público de princípios de um entendimento sobre o qual não haviam sido consultados, os governos de Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra bloquearam a presepada e aprovaram sanções contra o Irã por violação de seus compromissos de signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear.

O episódio levou a um curto-circuito das relações entre o Brasil e os Estados Unidos nunca superado e apenas remediado no governo de Dilma Rousseff, graças ao interesse de Washington de ver o Brasil numa posição de protagonista nas negociações da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas em Glasgow, no ano passado, que Bolsonaro fez de tudo para sabotar.

A crise internacional desencadeada pela insana irresponsabilidade de Putin é a mais grave desde o fim da guerra fria e não deixa espaço para poses diplomáticas. Isolado e desacreditado, o Brasil pagará alto preço pela insensatez do apoio de Bolsonaro a Putin e o endosso de Lula, via Amorim, ao tresloucado gesto. E é bom que pague, para aprender a se comportar como a nação digna e civilizada que julga ser.

*Jornalista, é pesquisador sênior do Brazil Institute no Wilson Center, em Washington

O Estado de São Paulo

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