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Ricardo Della Coletta e Talita FernandesFolhaPress
O tom que o presidente Jair Bolsonaro adotou para se referir à escalada de tensões no Oriente Médio nesta sexta-feira (3) opôs as alas militar e ideológica do governo. Os militares tentaram em vão que Bolsonaro não endossasse o ataque em Bagdá autorizado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que matou o general iraniano Qassim Suleimani.
A ação dos EUA levou a um acirramento da crise dos EUA com o Irã. O líder supremo do país persa, aiatolá Ali Khamenei, pediu vingança implacável e anunciou três dias de luto nacional.
EM OUTRA LINHA -Depois de manter silêncio durante toda a sexta-feira, Bolsonaro decidiu expor a posição brasileira em uma entrevista ao jornalista José Luiz Datena, na TV Bandeirantes. O presidente preferiu seguir a linha sugerida pelo ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e pelo assessor especial Filipe Martins (expoentes do setor mais ideológico do governo). Bolsonaro então surpreendeu os militares e criticou fortemente o regime iraniano, dizendo que o ataque norte-americano se justifica num contexto de combate ao terrorismo.
“A nossa posição é a de se aliar a qualquer país do mundo no combate ao terrorismo. Nós sabemos o que em grande parte o Irã representa para os seus vizinhos e para o mundo”, declarou Bolsonaro.
ATENTADO À AMIA -Ele também disse que Suleimani teve envolvimento no atentado de 1994 à AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), que vitimizou 85 pessoas. Procuradores argentinos acusaram formalmente o governo do Irã de planejar o ataque, mas a Justiça argentina jamais aceitou essa versão.
“A vida pregressa dele [Suleimani] era voltada em grande parte para o terrorismo. E nós, tudo o que pudermos fazer para combater o terrorismo, assim o faremos”, acrescentou o presidente.
DISPUTA INTERNA – No Planalto, houve disputa até mesmo o formato que a declaração tomaria. O Ministério das Relações Exteriores chegou a preparar uma nota sobre o tema, mas ela não foi divulgada antes da manifestação de Bolsonaro na entrevista televisiva.
O ministro do GSI (Gabinete de Segurança Internacional), general Augusto Heleno, se reuniu em duas ocasiões com Bolsonaro na sexta-feira e pediu que o Brasil mantivesse uma posição de neutralidade no conflito.
A avaliação de Heleno e de outros assessores militares é que o Brasil não ganha nada em se alinhar aos Estados Unidos na crise no Oriente Médio.
CONSEQUÊNCIAS – Os militares se preocupam ainda as consequências das falas de Bolsonaro para as relações do Brasil com o Irã e outros países árabes.
Embora o risco de o país se converter em um alvo para grupos terroristas ser considerado pequeno, tanto militares quanto auxiliares da ala pragmática consideram que as relações diplomáticas e até mesmo as comerciais podem ser sim afetadas, e o Brasil registrou um superávit de US$ 2,2 bilhões com o Irã em 2018.
Esse dado, e o fato de o Brasil ser um grande exportador de produtos como milho, soja e carne para o Irã, fez com que o Ministério da Agricultura também defendesse comedimento na posição adotada pelo Palácio do Planalto.
PRESSÃO EXTERNA – Mas os EUA e Israel atuam junto ao governo Bolsonaro para que as autoridades brasileiras adotem um discurso mais duro com o Irã, considerado pelos dois países um forte desestabilizador no Oriente Médio.
Já cientes de que não conseguiriam convencer Bolsonaro a não apoiar publicamente a operação dos EUA, alguns auxiliares do presidente tentaram reduzir danos.
Eles pediram que o governo mencionasse a importância do respeito ao direito internacional, para que a fala não fosse uma “carta branca” a uma medida unilateral dos EUA.