Publicado em 9 de março de 2025 por Tribuna da Internet

A cada discurso, Lula prejudica o governo e seus ministros
Eliane Cantanhêde
Estadão
Ao ameaçar o agronegócio com “medidas drásticas”, caso os preços dos alimentos não caiam, o presidente Lula não apenas deu uma de Donald Trump como desautorizou o seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que se esfalfaram para dar garantias para a sociedade, produtores, distribuidores, atacadistas e redes de supermercados de que não haveria “soluções heterodoxas”. Todo o esforço foi jogado no lixo.
Neste momento tenso no Brasil e no mundo, Lula subiu no palanque justamente num evento do MST e no dia do anúncio de um PIB animador para, mais uma vez, matar a boa repercussão do PIB e conquistar manchetes amargas por toda parte, reforçando a percepção de que insiste em repetir os erros de Dilma Rousseff e descambar perigosamente para uma esquerda sem rumo.
MÉDIDAS DRÁSTICAS – Acenar com “medidas drásticas” é desmentir Alckmin e Fávaro, que vinham negando categoricamente taxação, que remete ao desastre do Pix e às loucuras de Trump; controle de preços, que traz de volta o fantasma dos “fiscais de Sarney”; e cotas de importação, que os produtores não querem nem ouvir falar. E onde fica Fernando Haddad, que tem muito a ver com o comemorado crescimento de 3,4% em 2024?
Lula tem razão ao reclamar dos preços de café, ovo, milho…, como qualquer um faz, mas dizer que “não quer brigar com ninguém” é coisa de quem está exatamente buscando briga. E logo com quem?
Ora, com o agronegócio, que historicamente já tem um pé atrás com ele e o PT, sofreu bastante com seca, cheias, fatores externos e disparada do dólar em 2024 e, depois de ser a “pièce de résistance” nas duas recessões de Dilma e na pandemia, recuou 3,2% no PIB de 2024. Desta vez, o bom desempenho da economia foi graças à indústria e a serviços.
ARMAS LIMITADAS – É verdade que o governo tem instrumentos limitados para conter a inflação da mesa do brasileiro, mas zerar o imposto de importação de café, carnes e açúcar, por exemplo, não deve mudar nada, só atrai dúvidas de especialistas quanto à eficácia e mais animosidade entre produtores, preocupados com a competição.
O Brasil é grande exportador e o impacto de corte de impostos em importações modestas tende a ser pequeno, mas serve para alimentar as críticas do agro.
E, assim como no debate sobre o pacote da segurança de Ricardo Lewandowski, os governadores de oposição também jogaram na fogueira da polarização a proposta de Alckmin de zerar o ICMS (imposto estadual) de alimentos. O que está na mesa não é a comida do povo e nem mesmo as alegadas dificuldades econômicas dos Estados, é principalmente a disputa eleitoral e as ambições de 2026.
BATER DE FRENTE – Para reforçar a imagem de esquerda, Lula não se satisfaz em potencializar as recentes medidas populares, como a própria proposta para alimentos, impedir o aumento de 6% na conta de luz no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, liberar o FGTS de quem tinha optado pelo saque-aniversário e a isenção do IR para renda até R$ 5 mil. Ele precisa também bater de frente com o agro, o mercado, a “turma de cima”. O que lucra com isso?
Nesta segunda-feira, Gleisi Hoffmann volta ao Planalto, agora na Articulação Política, e Alexandre Padilha, ao Ministério da Saúde. Ela foi chefe da Casa Civil e ele ocupou o mesmo cargo no governo Dilma, de onde conduziu o “Mais Médicos”, que a categoria rejeitou e retaliou depois ao apoiar maciçamente Jair Bolsonaro em 2022 – depois de todas as suas manifestações e decisões macabras na pandemia.
Lula despachou Dilma para o banco dos Brics para mantê-la bem longe, mas Dilma nunca esteve tão próxima.