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Há 5 anos, OMS declarou pandemia: Brasil tinha futebol lotado e Bolsonaro minimizava o vírus11 de março de 2025 | 07:35Há 5 anos, OMS declarou pandemia: Brasil tinha futebol lotado e Bolsonaro minimizava o vírus
Há cinco anos, as oitavas de final da Champions League, maior campeonato de futebol da Europa, aconteciam em Paris com as portas fechadas ao público. No mesmo dia, no Maracanã, 60 mil pessoas se aglomeraram para assistir a uma vitória do Flamengo na Libertadores.
Os jogos aconteceram em 11 de março de 2020, dia em que a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou oficialmente o início da pandemia da Covid-19. O vírus já circulava no Brasil, mas apenas 69 casos tinham sido confirmados até aquele momento —e a primeira morte ocorreria no dia seguinte, em São Paulo.
As duas situações contrastantes mostram os diferentes estágios do vírus —e as diferentes respostas políticas— no mundo. A Europa e os Estados Unidos, onde o coronavírus já circulava em larga escala e fazia crescer o número de mortos, já tomavam medidas para evitar o contágio, restringindo viagens e promovendo lockdowns.
No Brasil, o então presidente Jair Bolsonaro (sem partido à época), iniciava a retórica que marcaria seu mandato e a resposta brasileira à Covid.
Em 2020, a doença mataria quase 195 mil brasileiros e, em 2021, enquanto o resto do mundo já vacinava sua população e reabria fronteiras e comércios, morreriam mais de 424 mil brasileiros, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
“Rapidamente foi perceptível que a postura brasileira seria o negacionismo”, afirma Deisy Ventura, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).
No dia 9 de março, Bolsonaro afirmou em evento esvaziado em Miami, nos EUA, que o coronavírus estava sendo superdimensionado e culpou a mídia.
Apesar das declarações de Bolsonaro, os primeiros sinais de atuação davam a entender que haveria uma preocupação com o vírus: a repatriação dos brasileiros em Wuhan, na China, epicentro da Covid no início do surto; e, em fevereiro, a declaração de emergência sanitária pelo então ministro da Saúde, Henrique Mandetta. Na Educação, o então ministro Abraham Weintraub já admitia a possibilidade de transferir as aulas para o modelo remoto, o que de fato aconteceu na semana seguinte, em 17 de março.
O governo dava orientações contraditórias no início da crise. No dia seguinte à declaração da OMS, Bolsonaro apareceu de máscara em sua live semanal e desencorajou apoiadores a fazerem manifestações previstas em seu favor, afirmando que a população deveria evitar que o vírus se espalhasse.
No dia 16 de março, porém, Bolsonaro publicou um decreto mudando a coordenação da resposta à pandemia para a Casa Civil, comandada pelo general Braga Netto.
“A partir daí, o Ministério da Saúde perdeu o controle da resposta à pandemia”, diz Ventura. “A gente vê um processo absolutamente documentado, por normas e também por atos de gestão, de transferência da cadeia de comando do Ministério da Saúde, até o esvaziamento completo.”
O tom das declarações de Bolsonaro também aumentaria conforme o agravamento da pandemia. Em 24 de março, ele já chamava a Covid-19 de “gripezinha”, expressão que virou emblema de como o governo federal respondeu à crise sanitária —o presidente chegou a negar que tenha usado a palavra, embora haja ao menos dois registros em vídeo.
Globalmente, diz a professora da USP, o mundo também enfrentava dificuldades na resposta ao vírus em razão da presidência de Donald Trump nos Estados Unidos. O republicano, que estava em seu primeiro mandato à frente da Casa Branca, atuou contra mecanismos internacionais de combate à pandemia, como a própria OMS. “Ele não foi tão violento quanto agora no seu segundo mandato, mas restringiu recursos para a cooperação internacional em saúde”, diz Ventura.
Em março de 2020, o mundo acompanhava assustado a Itália se tornar o polo de mortes da Covid. Histórias como a da mulher que ficou dias presa em casa com o corpo do marido, morto pela doença, por causa de uma regra de quarentena, chegavam aos jornais brasileiros. O país europeu, que tem uma das populações mais idosas do continente, começou a bater recordes de mortes, chegando a 919 diárias em 27 de março. Até 4 de abril, havia registrado cerca de 15 mil vítimas da doença.
No Brasil, o pico de mortes da Covid viria em 2021, em meio à recusa do governo federal na compra de vacinas e ao atraso generalizado na aplicação do imunizante. No dia mais letal, 6 de abril de 2021, foram registrada 4.211 mortes.
A professora da USP afirma que houve, na verdade, uma estratégia de disseminação intencional da doença durante a gestão Bolsonaro, com o objetivo de estabelecer a “imunidade de rebanho”. A ideia, que foi tema recorrente de fala do então presidente, é a de que a circulação do vírus e as mortes parariam quando uma alta porcentagem da população tivesse tido a doença.
É a mesma lógica, na verdade, por trás da vacinação. A diferença é que no segundo caso a imunidade de rebanho é atingida sem que haja contração da doença, o que diminui drasticamente o número de mortes.
Como afirmou o infectologista Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), à Folha, em dezembro de 2024, “todas as pandemias terminam da mesma forma, com o atingimento de uma boa imunidade populacional. A diferença é que você pode atingir isso com milhares de mortes ou milhões de mortes”.
Angela Boldrini/FolhapressPoliticaLivre