Charge do Iotti (Zero Hora)
Carlos Newton
A política brasileira é um verdadeiro desafio sociológico, filosófico e até antropológico, embora as chamadas ciências humanas estejam totalmente desprestigiadas pelo atual governo brasileiro. Para entender como funciona o Congresso, é preciso fazer doutorado em relações sociais, porque Câmara e Senado são uma espécie de microcosmo da sociedade brasileira, abrigando desde analfabetos a verdadeiras sumidades e intelectuais de grande porte, como Ulysses Guimarães, professor de Direito Constitucional e que era tripresidente numa fase decisiva da política brasileira – ao mesmo tempo, ele comandava a Assembleia Constituinte, a Câmara e o PMDB, que era o partido hegemônico nos anos 80.
FALA SÉRIO… – Parlamentar analfabeto? Fala sério, alguém pode contestar. Mas durante os anos em que trabalhei no Congresso, conheci um deputado que não sabia ler e escrever. Não lembro o nome, apenas que era líder de garimpeiros, virou suplente de Dante de Oliveira (PMDB-MT) e assumiu quando o titular se tornou ministro da Reforma Agrária no Governo Sarney.
O deputado Mário Juruna (PDT-RJ), também tinha dificuldades para ler, assim como Tiririca (PR-SP), com quem trabalhei na TV Manchete e posso garantir que seus programas eram de improviso, porque ele não conseguia memorizar os roteiros. Tiririca foi submetido a testes para poder ocupar o primeiro mandato, sua situação é próxima ao analfabetismo funcional.
APENAS MEMÓRIAS – Nada disso interessa, são apenas lembranças de jornalista, para mostrar que o Congresso reflete a sociedade brasileira. Nós somos assim, Câmara e Senado são apenas extensões da sociedade que elege seus representantes.
O presidente Bolsonaro passou 28 anos na Câmara, mas não captou direito o que significa o Congresso, porque não se envolvia, não participava, era um estranho no ninho, e fazia questão de ser assim, porque era a forma de se eleger (e de eleger a família), representando os militares.
Ao chegar à Presidência da República, Bolsonaro teve a ilusão de estar liderando o processo de uma Nova Política, mas não é bem assim que as coisas funcionam – eleição majoritária é de um jeito, eleição proporcional é de outro jeito, e não se misturam. Justamente por isso, todo presidente precisa formar a base aliada. É assim que funciona.
INÊS É MORTA – Na euforia da vitória e no delírio de vislumbrar a Nova Política, Bolsonaro não deu a devida atenção à base aliada, não deu atendimento às solicitações paroquiais, nada, nada. Logo começou a ser derrotado na Câmara, não se preocupou muito. Quando despertou já era tarde – Inês não só estava morta, como até já tinha sido sepultada, diria o inconsolável Rei Pedro, de Portugal.
Agora, cada votação será um parto de fórceps. A realidade, já repetida mil vezes aqui na Tribuna da Internet, é que a maioria da Câmara é formada pela bancada da corrupção. Os deputados não querem saber de Lava Jato nem de fim do Caixa 2. Na verdade, a Câmara funciona exatamente igual ao Supremo, toda cheia de vícios e regalias.
É por isso que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) não pode ficar no Ministério da Justiça com Sérgio Moro, a Justiça Federal não pode julgar corrupção no Caixa 2, os auditores da Receita não podem investigar crimes conexos às sonegações fiscais, e também o pacote anticrime de Moro não pode ser aprovado. Aliás, sofrerá tantas alterações que mal conseguiremos reconhecê-lo.
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P.S – Caramba! Depois de 28 anos na Câmara, Bolsonaro não conseguiu entender como é que funciona aquela casa? Com muito menos tempo, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre se tornaram grandes mestres. O presidente Bolsonaro agora dependerá deles para governar. No entanto, jamais conseguirá aprovar a reforma da Previdência se os dados permanecerem sob sigilo por ordem de Paulo Guedes. Esta semana, Bolsonaro se jactou de já ter votos suficientes para aprovar a reforma. É Piada do Ano, com toda certeza. Tive frouxos de riso, como diz nosso amigo Francisco Bendl. (C.N.)