Carlos Newton
Agora, com Palocci definitivamente fora do governo, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, anuncia que vai enviar à seção da Procuradoria da República no Distrito Federal as informações prestadas pelo ex-ministro Antonio Palocci. Como se sabe, independentemente da decisão que ia ser tomada por Gurgel, muito antes a seção do DF já havia aberto um inquérito contra o então chefe da Casa Civil, por improbidade administrativa.
Gurgel ficou mal no episódio e tenta se limpar, dizendo que “é da tradição do Ministério Público, infelizmente, que as suas manifestações nem sempre agradem. Ora agrada uns e desagrada outros; ora desagrada outros e agrada uns. É exatamente o que aconteceu”. E acrescentou: “O Ministério Público não pode se pautar para causar simpatia, mas pelo que ele entende que é o exercício exato e correto da sua atribuição”.
No caso de Palocci, Gurgel ressalvou que ao procurador-geral da República cabia examinar matéria tão-somente criminal. “E foi o que eu fiz. Destaquei que há um inquérito civil público instaurado exatamente para apurar eventual ato de improbidade administrativa” – afirmou.
Assim, para inocentar Palocci na esfera criminal, o procurador-geral alegou que não havia na lista de “clientes” nenhum que caracterizasse aquela hipótese em que a atividade do parlamentar é vedada. “A Constituição prevê que quem está no exercício do mandato parlamentar não pode ter contratos com o poder público”, justificou, como se isso constituisse crime (mas não constitui).
E quer dizer que o ilustre jurista somente se preocupou com a parte criminal (uma desculpa realmente bisonha), porque a seção do DF da Procuradoria-Geral da República já havia iniciado um inquérito contra Palocci por improbidade? Foi isso?
Ora, o que o procurador Paulo José Rocha Júnior fez, ao abrir a investigação por conta própria, foi um ato de rebeldia funcional. Sabia que existiam os requerimentos dos partidos de oposição, já encaminhados ao procurador-geral Gurgel, que é seu superior, mas se adiantou e abriu o processo, com base apenas no noticiário da imprensa e nas próprias explicações oficiais da Casa Civil.
O procurador Paulo José Rocha Júnior cumpriu o seu dever, não se curvou aos interesses do governo nem do procurador-geral. Buscou diretamente a verdade, sem intermediários nem escalas. Deu à nação um exemplo de independência e lisura que nos conforta, nessa fase de inegável decadência política.
Enquanto Roberto Gurgel jazia sentado sobre os requerimentos da oposição, redigindo as 37 laudas mais inúteis de sua carreira, Rocha Júnior já havia até intimado a empresa de Palocci (Consultoria Projeto) e a Receita Federal a entregarem até o próximo dia 16 as respostas aos ofícios da investigação acerca do enriquecimento do ministro, perdão, ex-ministro.
Rocha Júnior cobrou da Projeto os seguintes documentos: escrituração contábil, contratos de prestação de serviços e possíveis aditivos, e comprovantes da prestação de serviços feitos, incluindo cópias de pareceres, atas das reuniões e atestados de recebimento.
Da Receita, a Procuradoria cobrou cópias da declaração de Imposto de Renda da consultoria Projeto desde sua criação, em 2006. (Segundo a Receita, o pedido será “respondido na forma da lei”, sem esclarecer se entregará ou não os documentos requisitados, ora vejam só).
Agora, Gurgel se esconde atrás da competência e da honradez de Rocha Júnior, para alegar que pode até enviar à Procuradoria no DF os documentos que recebeu de Palocci, inclusive a lista de clientes. “Eles (os procuradores) já tinham feito uma solicitação dos mesmos documentos. Se não houver duplicidade, vou enviar sim” – disse Gurgel, acrescentando que as informações não serão disponibilizadas a mais ninguém, pois são dados sigilosos. E adianta que, entre os clientes, não havia nenhum relacionado ao poder público.
Para Gurgel, foram “extremamente injustas” as críticas à decisão de arquivar a representação criminal contra Palocci por falta de provas. “O procurador-geral da República se manifesta de acordo com sua convicção. Foi o que eu fiz no caso, apesar dos julgamentos feitos pela imprensa. Fiz isso com a mesma firmeza contra o ministro Palocci no caso do caseiro” – declarou, dizendo que já está acostumado com esse tipo de reação.
Firmeza? Houve tanta firmeza na investigação do caso Francenildo? Na verdade, houve tão pouca firmeza que Palocci escapou incólume. Só agora, seis anos depois, é que a Caixa Econômica Federal comunicou que a ordem para quebrar o sigilo do caseiro partiu do próprio ministro da Fazenda e não de seu assessor Marcelo Netto. Se tivesse havido firmeza naquela época, a Caixa não teria sonegado a informação decisiva, Palocci seria condenado e estaria hoje fora da política, sem condições de prestar tão generosas consultorias. E o caseiro já teria sido indenizado pelo mal que Palocci e sua quadrilha fizeram a ele, covarde e impiedosamente.
Fonte: Tribuna da Imprensa