Por : Laerte Braga
Um dos episódios mais estranhos � para usar uma expressão suave � de todo o processo que envolve a extradição (negada) de Cesare Battisti ocorreu há cerca de um mês, quando a Secretaria do STF enviou o feito ao ministro Joaquim Barbosa, quando deveria tê-lo feito ao relator. Por conta de um pedido de liberdade para Battisti. Um engano segundo um funcionário do STF.
Gilmar Mendes, Ellen Gracie e o presidente da Corte César Peluso estavam nos Estados Unidos chamados a explicar as razões e os motivos pelos quais o Brasil não queria � como não vai � entregar o preso político à sanha do pedófilo Sílvio Berlusconi.
Há muito mais que a simples extradição requerida pelo governo italiano, como pela intervenção descabida desse governo ferindo a soberania nacional do que pode parecer à primeira vista.
Por trás de toda essa pantomima organizada sob a batuta do ministro Gilmar Mendes está a submissão do Judiciário brasileiro a interesses e conveniências do neoliberalismo em todos os seus sentidos, da globalização com seu caráter de �globalitarização�, tudo isso expresso na subserviência do acordo assinado pelo ministro Ari Pendengler (o do chilique com um funcionário num caixa eletrônico) e o Banco Mundial.
Não é de hoje que o governo dos EUA pressiona o governo brasileiro a adotar uma legislação específica contra o que Washington considera �terrorismo�, excluindo, evidente, os norte-americanos. Que por sinal não aceitam o Tribunal Penal Internacional.
Campo de concentração em Guantánamo inclusive com menores presos isso pode.
O STF por maioria de seis votos a três (exatamente os soldados ítalo/americanos sob o comando de Gilmar Mendes) rejeitou as pressões do governo da Itália, a intervenção dissimulada do governo norte-americano e mandou soltar Battisti, sem prejuízo do processo a que responde na justiça estadual do Rio de Janeiro.
Reafirmou a soberania nacional.
É outra luta que se avizinha, pois todo o foco de pressões será deslocado para o Rio de Janeiro.
Todos esses anos de dinheiro público jogado fora � a lei é clara, a Constituição não deixa dúvidas sobre o poder final do presidente da República em casos de extradição � para atender a certamente interesses de quem ganhou dinheiro com tudo isso. E pela porta dos fundos.
Se Battisti se chamasse Daniel Dantas tudo seria mais fácil.
É difícil entender a presença de Gilmar Mendes no STF. Como é fácil compreender a recusa de José Sarney a um pedido de afastamento e investigações sobre o ministro feito por um cidadão brasileiro.
Eles se entendem no processo institucional falido que rege o País e mantém intocados privilégios e absurdos como esse do processo de extradição de Cesare Battisti.
O relator Gilmar Mendes votou pela anulação do ato do presidente Lula que concedeu a Battisti a condição de refugiado ao aceitar o direito do governo da Itália interferir em negócios internos do Brasil (é célebre a entrada do embaixador da Itália no gabinete do ministro, à época que presidia a Corte. Pela porta dos fundos).
Seis ministros � maioria absoluta � votaram contra a extradição e pela imediata soltura de Battisti. Luís Fux (que fulminou Gilmar Mendes em seu voto), Ricardo Lewandovsky, Joaquim Barbosa, Ayres Brito, Carmen Lúcia e Marco Aurélio Mello. Os dois ministros que acompanharam o relator foram exatamente seus companheiros de viagem aos EUA. Ellen Gracie e Cesar Peluzo.
Era visível, até no tropeçar nas palavras e no não conseguir concatenar seu raciocínio, a irritação da ministra Ellen Gracie ao perceber que os interesses ítalo/americanos estavam derrotados e o Brasil até prova em contrário é uma nação senhora de si. Dois ministros se julgaram impedidos e não votaram. José Antônio Toffoli e Celso Melo.
Os ministros alinhados com o governo da Itália e às pressões norte-americanas tentaram de todas as formas desclassificar as razões do presidente Lula para conceder o refúgio e se esqueceram, no quesito direitos humanos, de citar fatos graves e de peso indiscutível na concessão do refúgio. As acusações contra Battisti foram obtidas através de delação premiada e não existem garantias que seus direitos básicos seriam respeitados na Itália, já que foi julgado à revelia com base exatamente nessa figura abominável �delação premiada�, justo por abrir portas para salvar a própria pele e entregar a do companheiro, ou cúmplice.
O ministro Luís Fux lembrou as declarações de um deputado italiano logo no início do caso. �O Brasil não é famoso por seus juristas, mas por suas dançarinas�, para invocar, além dos fundamentos jurídicos, questões de soberania nacional.
A decisão do STF é uma dura derrota para a extrema-direita brasileira em todos os seus campos. A mídia nacional � privada � durante todos esses anos referiu-se a Battisti como �terrorista� e procurou criar na opinião pública condições favoráveis a pressões pela extradição.
Foi vencida também.
Ao final, visivelmente a contragosto, o presidente do STF, ministro Cesar Peluzo proclamou o resultado e determinou a expedição do alvará de soltura do jornalista e escritor Cesare Battisti.
Gilmar Mendes, numa de suas intervenções durante a fala de Ellen Gracie tentou deixar uma porta aberta para futuros processos como esse, já dentro das normas traçadas pelo Banco Mundial e organismos internacionais para judiciários de países submissos ao modelo. Pelo jeito o Brasil continuará sendo soberano. Pelo menos no caso de Cesare Battisti.
Fonte: Jornal Grito cidadão