“A multidão de barrados no baile dos ‘eleitos’ precisa, enfim, tocar seu próprio instrumento, compor sua canção. Só assim a festa infame dos refestelados com dinheiro público começará a acabar”
“Dancei a música que tocava no baile”. Em acorde de sinceridade, o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda agitou, no fim do ano passado, a batuta de maestro para explicar os dobrados dissonantes da corrupção. O baile em questão é o sistema político brasileiro. E a orquestra, segundo ele, é a de “empresas e lobistas que ajudam nas campanhas para terem retorno, por meio de facilidades na obtenção de contratos com o governo”. Mais retumbante impossível. Palocci que o diga, se estivesse disposto a ser vocalista do “projeto” que regeu.
O baile de máscaras da política, que frauda a festa da democracia participativa e barra a cidadania, prossegue madrugada do país adentro. Músicos da moeda sonante seguem tocando alto, com seu diversificado repertório: consultorias, licitações dirigidas. Às suas costas, telões registram polpudos cachês. Como cantou o regente do mensalão do DEM, “ninguém se elege pela força de suas ideias, mas pelo tamanho do bolso”.
Nesse baile da Ilha Fiscal do século XXI, o prefeito da maior cidade da América do Sul, em carreira solo, rompe com sua banda originária e declara-se disposto a formar outra – a trigésima do Brasil. Os sets de dança ainda não foram selecionados, pois não está claro o gosto dos convivas. O crooner do Partido Sem Definição promete música para todo gosto: nem esquerda nem direita, nem governo nem oposição. E, dois pra lá, dois pra cá, referencia-se em JK, irritando a família do saudoso pé de valsa, ao tocar de ouvido o governismo de quem não existe sem a companhia do poder: “Como pode o peixe vivo viver fora da água fria?” Haja fôlego para tanto trombone, sax e trompete...
Súbito, a percussão se agiganta, anunciando mais embalo na festança. Com a tranquilidade de quem toca o violino afinado não mais em palhoças mas em palácios, a voz hoje silente do conselheiro de mansões pouco civis recomendava ao par interesse público-negócio privado que dançasse bem colado. Quando as garrafas das barganhas partidárias já entulham mesas e os dançarinos parecem começar a se cansar dos hits da podridão, eis que adentram o sarau, animadíssimos, os fichas-sujas de 2010! Brotos de barbalhos, tocando bumbos, pandeiros e chocalhos. Tiram cordas ¬- não tão apertadas - do pescoço, para fazê-las vibrar, agudas, no baixo, em violões e guitarras. Ninguém mais irá segurá-los na portaria, pois sua credencial vem da alta Corte, na qual seis músicos eruditos definiram a partitura na contramão do coral de milhões de cidadãos, de muitos tribunais e do Ministério Público Federal. Apoteose da politicalha, murmuram os cansados com tamanho chá de cadeira. Saudosistas do romantismo pré-delubiano observam, desolados, o revival do antigo sucesso que atravessa, pelo esquecimento, a harmonia da ética: “É ou não é, piada de salão?” Para quem quer festa de largo, forró pé de serra e samba na praça, a Reforma Política, em novos cenários, oferecerá tons mais adequados? Afinal, os músicos serão os mesmos de agora, pagos pelos que só querem a dança inter pares, para sua própria diversão.
Mas está em curso um debate, sobre propostas de Reforma Política apresentadas pela plataforma dos movimentos sociais. Também a Frente Parlamentar de Combate à Corrupção listou 94 projetos que reforçam os controles contra o roubo de dinheiro público e pressiona por sua votação. Daí sairá o ritmo para mudanças reais no nosso sistema político, para o qual se busca mobilização similar à da Lei da Ficha Limpa. A multidão de barrados no baile dos ‘eleitos’ precisa, enfim, tocar seu próprio instrumento, compor sua canção e dançar no balanço afroguarani, eurotupi e judárabe tão brasileiro. Só assim conquistaremos uma democracia de alta intensidade, e a festa infame dos refestelados com dinheiro público começará a acabar.
*Formado na Juventude Estudantil Católica, participou ativamente do movimento comunitário do Rio de Janeiro nos anos 80. Professor de Prática do Ensino de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é autor de 25 livros. Foi vereador e deputado estadual pelo PT. Está em seu terceiro mandato na Câmara dos Deputados (Psol-RJ). No pleito de 2010, foi o segundo deputado federal mais votado do estado, com 240.724 votos.
Outros textos do colunista Chico Alencar*