Publicado em 11 de março de 2025 por Tribuna da Internet

Charge do Mário Adolfo (Dito & Feito)
Marcus André Melo
Folha
O julgamento da conspiração de membros da cúpula do governo Bolsonaro tem sido analisado em relação ao seu provável impacto — ganhos e custos — para o governo e a oposição. Mas há outro poder envolvido: o Poder Judiciário. Para o STF, o saldo líquido será certamente negativo em qualquer cenário.
É um truísmo afirmar que, na última década, o STF tornou-se hiperprotagonista do jogo institucional. Não se trata de algo trivial, mas da maior transformação em nosso sistema político pós 88.
VEJA OS FATORES – São quatro os principais fatores explicativos para o hiperprotagonismo do STF: 1) sua jurisdição como corte criminal; 2) o impeachment presidencial de 2016; 3) a contenção de um presidente francamente hostil à ordem constitucional; e 4) como desdobramento desta última, o julgamento da conspiração.
A trajetória linear de expansão do protagonismo está sofrendo radical inflexão, e os desafios da corte são agora de outra ordem de magnitude.
O ponto de partida dessa transformação que se inicia em 2005 é a atuação do STF como corte criminal —sem paralelo em outros países— em um contexto de mega escândalos de corrupção e que levaram centenas de agentes políticos, inclusive presidentes e chefes de poderes legislativos, aos bancos dos réus e à prisão.
ATAQUES POLÍTICOS – Como consequência, a corte atraiu ataques políticos que se intensificaram do julgamento do Mensalão (2012) ao do Petrolão. Por sua vez, o impeachment consolidou, efetivamente, o Supremo como protagonista.
A ascensão de Bolsonaro levou a um outro patamar. Inaugurou uma era de confronto aberto. E aqui há um fato novo crucial: a arbitragem constitucional mudou de chave. Não se trata de conter os excessos do Executivo ou de conflitos interpoderes envolvendo o Legislativo, mas de responder os ataques à própria corte; o que é inédito e deflagra respostas hiperbólicas num crescendo.
O perfil de agente passivo de arbitragem não dá mais conta face às investidas virulentas e sem precedentes do Executivo e aliados. Mas esta resposta —muitas vezes concentrada em decisões monocráticas controversas— tem acarretado custos elevados para o STF. E os desafios institucionais adquiriram agora escala verdadeiramente sem paralelo.
HIPERPROTAGONISMO – A conspiração não envolve apenas ataques difusos à corte mas também planos de assassinato de juízes (evento raríssimo na literatura sobre intentonas e golpes), um dos quais que está ativamente participando do próprio julgamento, inclusive como relator. Este hiperprotagonismo individual que deflagrou cobrará um preço quanto à legitimidade da corte.
Esta anomalia se soma ao padrão — marcado por lealdades pessoais — das nomeações recentes de juízes do STF. A escolha do advogado pessoal do presidente para compor a corte foi objeto de repúdio por muitos analistas pelas suas repercussões futuras. Da mesma forma, a nomeação de um ex-parlamentar, e ex-titular de pasta ministerial, notório no combate aos adversários do governo, vai na mesma direção.
Basta pensar no contrafactual: qual seria o cenário se os juízes fossem membros destacados da comunidade de juristas do país, sem vínculos com os ocupantes do Poder Executivo? Assim, o julgamento será fatalmente percebido como hiperpolitizado —seu custo proibitivo— em um momento crítico para a democracia brasileira.