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sexta-feira, março 14, 2025

INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 CAROLINA COSTA VAL RODRIGUES

Analista Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Brasil ccrodrigues@mpmg.mp.br FERNANDA ALMEIDA LOPES Analista Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Brasil falopes@mpmg.mp.br O tema do controle jurisdicional das políticas públicas é alvo de inúmeros debates na doutrina e jurisprudência pátrias. Isso ocorre principalmente porque o Poder Judiciário tem sido cada vez mais acionado, diante de reiteradas omissões do poder público na efetivação desses programas estatais, com o escopo de impor aos entes públicos uma atuação positiva objetivando dar concretude aos direitos fundamentais mínimos garantidos na Lex Mater. A matéria tem como um dos pontos nodais a separação dos Poderes, sendo constantemente sustentado pelo poder público demandado que o Poder Judiciário não detém legitimidade para interferir na efetivação das políticas públicas, visto que esta matéria estaria inserida no mérito administrativo, cabendo ao Poder Público competente realizá-las de acordo com sua conveniência e oportunidade. É sabido que a formulação e a consecução de políticas públicas configuram matéria, a priori, do Poder Executivo. Todavia, a
348 Direito Público Administrativo • Comentário à Jurisprudência Ingerência do Poder Judiciário na administração pública ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 doutrina e a jurisprudência têm adotado entendimento no sentido de que, quando o ente político descumprir os encargos político- jurídicos que sobre ele incidem, de maneira a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, caberá a ingerência judicial nos atos administrativos, sem que haja violação ao princípio da separação dos Poderes. O artigo 37 da Carta Magna, ao elencar uma série de princípios da Administração Pública, reduziu a discricionariedade administrativa, em razão da possível ingerência interpretativa e revisão judicial, que é feita sob as normas constitucionais e que, de forma alguma, buscam invadir a esfera do Poder Executivo. Diante desse contexto, a atuação do Judiciário revela-se de suma importância, na medida em que este Poder configura a última instância protetora dos direitos existenciais mínimos e serve como meio para impelir o poder público, responsável por atuar em prol da sociedade, a legitimar o poder que lhe foi conferido pelos cidadãos. Nesse sentido, não há que se falar em ofensa ao princípio da separação dos Poderes quando o Poder Judiciário desempenha regularmente a função jurisdicional. É possível ao Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando este se torna inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência deste sobre os atos discricionários do Poder Executivo. Conveniente salientar que a definição e a implementação de políticas públicas são confiadas primordialmente aos Poderes Executivo e Legislativo, mas o Poder Judiciário não pode se desincumbir do encargo de avaliar se a omissão estatal coloca ou não em risco a integridade, a eficácia e a efetividade de direitos declarados no âmbito da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional, consoante já decidiu a Suprema Corte em caso análogo (RE n° 436.996/SP, Rel. Min. Celso de Mello).
349 Carolina Costa Val Rodrigues Fernanda Almeida Lopes ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 Isso porque a atual realidade constitucional exige que o administra- dor se mantenha vinculado às políticas públicas estabelecidas na Car- ta Magna, sem que, no entanto, a extensão de seu poder discricioná- rio seja exageradamente ampla a ponto de inviabilizar o exercício de determinado direito pelo seu destinatário. Ou seja, o conceito de dis- cricionariedade administrativa não pode ser associado à imiscuidade entre os Poderes, a ponto de possibilitar a completa omissão do ente estatal na implantação de determinados serviços públicos. Entende-se doutrinariamente que a discricionariedade administrativa não possui caráter absoluto, conforme lecionado por Di Pietro: [...] o Poder de ação administrativo, embora discricionário, não é totalmente livre, porque, sob alguns aspectos, em especial, a competência, a forma e a finalidade a lei impõe limitações. Daí porque se diz que a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração ultra- passa esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei [...]. (DI PIETRO, 2014, p. 205). A discricionariedade do Poder Executivo, no tocante aos atos administrativos, encontra-se bastante mitigada ante a determinação normativa de atendimento integral dos serviços de saúde, prevista nos arts. 196 e 198 da Constituição da República, por exemplo. Em outras palavras, o exercício do poder político-administrativo não pode ser concretizado somente mediante a implementação dos projetos pessoais de quem gere a coisa pública, mas, sim, com os olhos postos nas prioridades estabelecidas pelo legislador constituinte e, de forma bastante significativa, pelo legislador ordinário. É evidente que a concretização desses objetivos é onerosa na medida em que será necessário ao administrador disponibilizar os recursos orçamentários correlatos. Mas, afirmada judicialmente a inexistência de margem discricionária para o administrador omitir-se no cumprimento de norma que lhe
350 Direito Público Administrativo • Comentário à Jurisprudência Ingerência do Poder Judiciário na administração pública ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 impõe a tutela efetiva de determinado direito, não pode o Poder Executivo criar obstáculo que frustre o sentido da norma. A esse respeito, cabe ressaltar que grande parte das demandas que são levadas à judicialização buscam a garantia de direitos que integram o mínimo existencial, tal como a dignidade da pessoa humana e, na elaboração do orçamento de cada ente político, esse “mínimo” deve ser respeitado. Os direitos fundamentais, previstos no art. 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988, possuem eficácia imediata e, quando inovados, não podem ser descumpridos sob o pretexto de escassez de recursos, a menos que o gestor público demonstre a real impossibilidade de cumprimento da obrigação. A supremacia plena do Poder Executivo como único executor das políticas públicas não pode ser aceita como uma fórmula pronta e acabada, sob pena de não ser possível ao Poder Judiciário arbitrar, na sua plenitude, os conflitos que se estabelecem entre o cidadão e o Estado quanto ao núcleo essencial de direitos fundamentais. Em casos concretos, a exemplo da infância e juventude e da já citada área da saúde, demandas que frequentemente são trazidas ao inistério Público ocasionadas pela letargia administrativa, é razoável dizer que, na maioria das vezes, as irregularidades noticiadas no âmbito do município ou do estado, ambos réus, são derivadas da ausência de planejamento administrativo rigoroso e continuada negligência ou omissão ao longo do tempo. Então, na medida em que o município ou estado são omissos em adotar medidas para cumprir os encargos político-jurídicos sob sua responsabilidade, é aceitável admitir que essa postura pode ser corrigida por via judicial, sem que, com isso, possa se falar em ofensa a qualquer dos princípios constitucionais e administrativos, notadamente no que se refere a separação dos Poderes e reserva do possível. Nesse sentido, é o entendimento da egrégia corte do estado de Minas Gerais, senão vejamos:
351 Carolina Costa Val Rodrigues Fernanda Almeida Lopes ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 REEXAME NECESSÁRIO - APELAÇÃO CíVEL - AÇÃO COMINA- TÓRIA - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO PADRONI- ZADOS PELO SUS - SAúDE - DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA - CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSIVEL - INAPLICABILIDADE - OFENSA À INDEPENDÊNCIA DOS PODERES - INOCORRÊNCIA. - O Poder Público não pode se eximir da sua obrigação de assis- tência aos necessitados pelo simples fundamento de que deter- minados fármacos requeridos não são padronizados pelo SUS, vez que tais normas administrativas que delimitam a prestação à espécies de medicamentos restringem o atendimento, violando os preceitos constitucionais da garantia do direito à saúde, ao bem-estar físico, psicológico e mental, e à dignidade da pessoa humana. - Comprovada a imprescindibilidade de utilização de medica- mentos por pessoa necessitada, estes devem ser fornecidos de forma irrestrita, sendo que a negativa do ente público implica ofensa a uma garantia constitucional. - Não se aplica a Cláusula da Reserva do Possível quando não comprovada a incapacidade econômico-financeira do ente pú- blico, afigurando-se, lado outro, razoável a pretensão de forne- cimento de medicamento a pessoa carente, estando, assim, em harmonia com o devido processo legal substancial. - Não ofende a independência dos Poderes a decisão judicial que, com base na Constituição, determina o fornecimento de medicamentos, vez que a Carta Política, ao estabelecer um siste- ma de pesos e contrapesos para possibilitar o controle recíproco como forma de conter abusos, instituiu o direito de ação do ci- dadão para tornar efetiva essa garantia. (MINAS GERAIS, 2014a). AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PúBLICA. ESTABELE- CIMENTO PRISIONAL. CADEIA PúBLICA DE IBIÁ. CONDIÇÕES PRECÁRIAS DE FUNCIONAMENTO E DAS INSTALAÇÕES. SU- PERLOTAÇÃO. MEDIDA LIMINAR QUE ORDENA A TRANSFERÊN- CIA DOS DETENTOS PARA OUTRA INSTITUIÇÃO PRISIONAL. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. MULTA E PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA ORDEM. REDUÇÃO DO VALOR. DILA- ÇÃO DO PRAZO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
352 Direito Público Administrativo • Comentário à Jurisprudência Ingerência do Poder Judiciário na administração pública ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 - Demonstrada a patente precariedade do estabelecimento pri- sional de Ibiá, advinda da inadequação das instalações e da su- perlotação, justifica-se a manutenção da decisão liminar que determinou a transferência dos presos para outra instituição carcerária. - Embora não se desconheça que o Estado de Minas Gerais, na tentativa de minimizar o problema carcerário, vem criando novas vagas e melhores condições de permanência nos estabelecimen- to prisionais, no caso específico da Cadeia Pública de Ibiá não se verificou nenhuma mudança substancial na precária situa- ção existente, pelo que não se mostra possível a observância da “cláusula da reserva do possível” a justificar a omissão na tomada de providências para a solução dos problemas verificados. - Não deve prevalecer, em análises como a presente, o invocado princípio da separação dos poderes, tendo em vista que o Poder Judiciário não pode quedar-se inerte ante a omissão do Estado em promover as referidas políticas administrativas, tendo em vis- ta a prerrogativa relacionada ao controle da legalidade dos atos da administração. - Comprovadas a ausência de condições mínimas que assegurem a integridade física e moral dos detentos, bem como o risco à se- gurança da comunidade, faz-se mister a manutenção da liminar deferida na instância de origem, que determinou a interferência dos presos. - A imposição de obrigação de fazer, ainda que proferida a ordem contra a Fazenda Pública, pode vir acompanhada de medida de coerção de caráter patrimonial, com a finalidade de compelir ao cumprimento da medida. - Reduz-se a multa aplicada, para que a penalidade seja adequada aos padrões de razoabilidade e receba limitação inicial, com o escopo de evitar-se a apenação desmensurada do ente público. - O prazo para o cumprimento da medida de transferência dos presos deve ser razoável e suficiente para a realização das dili- gências administrativas pelo Estado de Minas Gerais, razão pela qual, no caso, deve ser ampliado. - Recurso parcialmente provido. (MINAS GERAIS, 2014b).
353 Carolina Costa Val Rodrigues Fernanda Almeida Lopes ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 CONSTITUCIONAL - AÇÃO CIVIL PúBLICA - DIREITO À EDU- CAÇÃO BÁSICA E ENSINO FUNDAMENTAL - TRANSPORTE ES- COLAR GRATUITO - CRIANÇA E ADOLESCENTE - ABSOLUTA PRIORIDADE - POLíTICAS PúBLICAS DE ORDEM EDUCACIO- NAL - OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL EM CUMPRIR PRESTAÇÃO POSITIVA IMPOSTA PELA CONSTITUIÇÃO - CON- TROLE JUDICIAL - ADMISSIBILIDADE - OFENSA AO PRINCíPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - INOCORRÊNCIA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - INADIMPLEMENTO - MULTA DIÁRIA - EXIGÊNCIA - INíCIO DO PRAZO - INTIMAÇÃO PESSOAL DO CHEFE DO PO- DER EXECUTIVO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. Incumbe ao Poder Público Municipal assegurar educação ao menor em idade escolar, com absoluta prioridade, propiciando meios que materializem o direito constitucionalmente assegura- do, fornecendo passagem e/ou assumindo para si a efetivação do transporte gratuito, de maneira permanente e contínua, como forma de garantir aos alunos que residem a mais de 1 Km do educandário o acesso à educação infantil e ao ensino fundamen- tal. Não há ingerência indevida nas atribuições do Poder Execu- tivo, mas apenas exercício do controle conferido ao Poder Judi- ciário quando impõe o cumprimento de obrigação de fazer em processo que objetiva a tutela de direitos assegurados à criança e ao adolescente, que, por se tratarem de pessoas em desenvol- vimento, merecem tratamento prioritário por parte dos admi- nistradores públicos. É vedado ao Poder Público, como forma de se eximir em executar política específica visando assegurar o direito à educação, alegar falta de disponibilidade financeira, invocando, para tanto, a lei de responsabilidade fiscal e o princí- pio da reserva do possível, mormente quando já passados mais de vinte e cinco anos de vigência da Constituição da República e vinte e três anos da Lei nº 8.069/90. É cabível a aplicação de multa contra a Administração Municipal em caso de descumpri- mento de obrigação de fazer. O prazo de 90 (noventa) dias para o cumprimento da obrigação, sob pena de multa diária, incide do trânsito em julgado da sentença favorável ao autor da ação civil pública, e somente depois da intimação pessoal do Chefe do Poder Executivo, providência determinada pela Instância Reviso- ra, uma vez que é o responsável pela implementação do encargo. (MINAS GERAIS, 2014c).
354 Direito Público Administrativo • Comentário à Jurisprudência Ingerência do Poder Judiciário na administração pública ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 CONSTITUCIONAL - SAúDE -MEDICAMENTO NÃO FORNECI- DO PELO SUS -COMPROVAÇÃO QUANTO À INEFICIÊNCIA DOS MEDICAMENTOS CONSTANTES NA LISTA DE EXCEPCIONAIS - RESERVA DO POSSíVEL - INAPLICABILIDADE - DEFERIMENTO DO PEDIDO. Em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde, não se há de aplicar a denominada “”Teoria da Reserva do Possível””. Diante da comprovação de que os medicamentos excepcionais fornecidos pelo SUS são ineficazes ao tratamento da doença da qual é a autora acometida, defere-se o pedido de fornecimento de medicamento não constante no Programa de Assistência Farmacêutica. (MINAS GERAIS, 2011). Os juristas mineiros seguem exatamente o entendimento da magistratura superior. O Supremo Tribunal Federal, ao tratar da inércia governamental e da omissão constitucional indevida, assim já decidiu: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONS- TITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PúBLICA. INTERESSES INDIVIDUAIS INDISPONíVEIS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PúBLICO. DIREITO À SAúDE. DEVER DO ESTADO. REALIZAÇÃO DE TRA- TAMENTO MÉDICO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. SITUAÇÃO DE OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PúBLICA. CONCRETIZAÇÃO DE POLíTICAS PúBLICAS PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência desta Corte firmada no sentido de que o Ministé- rio Público possui legitimidade para ingressar em juízo com ação civil pública em defesa de interesses individuais indisponíveis, como é o caso do direito à saúde. II - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que é solidária a obrigação dos entes da Federação em promover os atos indispensáveis à con- cretização do direito à saúde, tais como, na hipótese em análise, a realização de tratamento médico por paciente destituído de re- cursos materiais para arcar com o próprio tratamento. Portanto, o usuário dos serviços de saúde, no caso, possui direito de exigir de um, de alguns ou de todos os entes estatais o cumprimento da referida obrigação. III – Em relação aos limites orçamentá- rios aos quais está vinculada a ora recorrente, saliente-se que o Poder Público, ressalvada a ocorrência de motivo objetivamente
355 Carolina Costa Val Rodrigues Fernanda Almeida Lopes ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 mensurável, não pode se furtar à observância de seus encargos constitucionais. IV - Este Tribunal entende que reconhecer a legi- timidade do Poder Judiciário para determinar a concretização de políticas públicas constitucionalmente previstas, quando houver omissão da administração pública, não configura violação do princípio da separação dos poderes, haja vista não se tratar de ingerência ilegítima de um poder na esfera de outro. V – Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2014a). AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO À SAúDE. FORNECIMENTO PELO PODER PúBLICO DO TRATAMENTO ADEQUADO. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. OFENSA AO PRINCíPIO DA SEPA- RAÇÃO DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA. COLISÃO DE DI- REITOS FUNDAMENTAIS. PREVALÊNCIA DO DIREITO À VIDA. PRECEDENTES. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente progra- mático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O Supremo Tribunal Fe- deral assentou o entendimento de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde. O Su- premo Tribunal Federal entende que, na colisão entre o direito à vida e à saúde e interesses secundários do Estado, o juízo de ponderação impõe que a solução do conflito seja no sentido da preservação do direito à vida. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2014b). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PO- LíTICAS PúBLICAS. SEGURANÇA PúBLICA. DETERMINAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. LIMITES ORÇAMENTÁRIOS. VIOLA- ÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A jurisprudência desta Corte entende ser possível ao Poder Judiciário determinar ao Estado a implementação, em situações excepcionais, de políticas públicas previstas na Constituição sem que isso acarrete contrariedade ao princípio da separação dos poderes. II – Quanto aos limites orçamentários aos quais está vinculado o recorrente, o Poder Público, ressalvada a ocorrência de motivo objetivamente men-
356 Direito Público Administrativo • Comentário à Jurisprudência Ingerência do Poder Judiciário na administração pública ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 surável, não pode se furtar à observância de seus encargos cons- titucionais. III – Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2014c). DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO. MODALIDADES DE COMPOR- TAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PúBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a in- constitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Cons- tituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resulta- rá a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quan- do é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é in- suficiente a medida efetivada pelo Poder Público. - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespei- ta a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Funda- mental. (BRASIL, 2004). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AD- MINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. SISTEMA PúBLICO DE SAúDE LOCAL. PODER JU- DICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORIA DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCíPIOS DA SE- PARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSíVEL. VIOLA- ÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. A controvérsia objeto destes autos - possibilida- de, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede
357 Carolina Costa Val Rodrigues Fernanda Almeida Lopes ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 pública - foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tri- bunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30.4.10. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do “mínimo existencial” e da “reserva do possível”, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção ju- dicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Po- der Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2013). Se é certo que não cabe ao Poder Judiciário, originária e ordinariamente, definir quando e qual política pública deverá ser implementada pelos Poderes Executivo e Legislativo, também é certo que a mora em cumprir os preceitos legais acima mencionados causa dano à sociedade, sendo possível estabelecer provimento de caráter mandamental para a tutela do direito coletivo violado. Destaca-se, ainda, a existência de decisões monocráticas exaradas pela Corte Suprema em casos concretos, versando sobre direitos de crianças e adolescentes, que adotam teses nesse sentido: AI n. 646.079/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 28/11/08; AI n. 725.891/ SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 10/10/08; ARE n. 655.452/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/11/12. Em relação à atuação do Ministério Público em situações similares, o Superior Tribunal de Justiça tem decide: O Ministério Público tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública com o objetivo de proteger interesse individual indisponível de menor carente. Precedentes da Seção: EREsp 485.969/SP, Rel. Min. José Delgado, DJU de 11.09.06 e EREsp 734.493/RS, DJU de 16.10.06.’ (BRASIL, 2008a). 1. O Ministério Público tem legitimidade para propor Ação Civil Pública visando à proteção de direitos individuais indisponíveis do menor. (BRASIL, 2009). I - A Primeira Seção desta Corte tem entendimento, já reiterado, no sentido de que o Ministério Público detém legitimidade para
358 Direito Público Administrativo • Comentário à Jurisprudência Ingerência do Poder Judiciário na administração pública ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 promover, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), mediante ação civil pública, a tutela dos direitos indisponíveis nele previstos, mesmo que se apresentem como interesse individual. Precedentes: EREsp 466861/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki. 1ª Seção. Julgado em 28.03.2007, DJ 07.05.2007; EREsp 684.162/RS, Rel. Ministra Denise Arruda. 1ª Seção. Julgado em 24.10.2007, DJ 26.11.2007; EREsp 684.594/ RS, Rel. Ministra Denise Arruda. 1ª Seção. Julgado em 12.09.2007, DJ 15.10.2007. (BRASIL, 2008b). Outrossim, não obstante o fato de não se incluir, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário a atribuição de formular e de implementar políticas públicas, visto que, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, impende assinalar que, em consonância com a jurisprudência apresentada, notadamente a da Suprema Corte, tem-se que o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar a implementação de políticas públicas assecuratórias de direitos constitucionais reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação ao princípio da separação de Poderes. Conclui-se, portanto, que o administrador público não tem discricionariedade para decidir sobre a oportunidade e a conveniência da implementação das políticas estatais discriminadas na ordem social constitucional, pois tal atribuição restou deliberada pelo constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração. A nova realidade social tem confiado ao Poder Judiciário uma importante missão na busca pela implementação de efetividade das normas constitucionais, evitando-se, com isso, que a Lex Fundamentalis seja considerada apenas um elemento simbólico. Referências BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 4 set. 2014.
359 Carolina Costa Val Rodrigues Fernanda Almeida Lopes ISSN 1809-8487 v. 13 / n. 23 / jul.-dez. 2014 / p. 347-361 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 793074/RS, da 2ª Turma, Rel.: Min. Castro Meira. DJ, Brasília, p. 1, 16 jun. 2008a. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 984.078/SC, da 2ª Turma, Rel.: Min. Herman Benjamin. DJe, Brasília, 9 mar. 2009. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 11 nov. 2014. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp n. 488.427/SP. Rel. Min. Francisco Falcão. DJe, Brasília, 29 set. 2008b. Disponível em: <www. stj.jus.br>. Acesso em: 11 nov. 2014. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 820910 AgR/CE, da Segunda Turma, Rel.: Min. Ricardo Lewandowski, Brasília, 26 de agosto de 2014 DJe, 4 set. 2014a. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 11 nov. 2014. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 801676 AgR/PE, da Primeira Turma, Rel.: Min. Roberto Barroso, Brasília, 19 de agosto de 2014. DJe, 3 set. 2014b. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 11 nov. 2014. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 7688256 AgR/BA, da Segunda Turma, Rel.: Min. Ricardo Lewandowski, Brasília, 12 ago. 2014. Dje, 21 ago. 2014c. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 11 nov. 2014. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RTJ 185/794-796, do Tribunal Pleno, Rel.: Min. Celso de Mello. Informativo STF, Brasília, 4 maio 2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/ documento/informativo345.htm>. Acesso em: 11 nov. 2014. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 642536 AgR, da 1ª Turma, Rel.: Min. Luiz Fux. DJe, Brasília, 26 fev. 2013. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 11 nov. 2014. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.
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https://www.academia.edu/62894264/Inger%C3%AAncia_Do_Poder_Judici%C3%A1rio_Na_Administra%C3%A7%C3%A3o_P%C3%BAblica?email_work_card=thumbnail legislação constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013

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