Carlos Newton
É sabido que no regime democrático os Três Poderes não podem nem devem estabelecer pactos entre si. As regras são claras. Desde a publicação dos pensamentos políticos do nobre francês Charles-Louis de Secondat (1689 -1755), Barão de La Brède e Montesquieu, especialmente o livro “O Espírito das Leis” (1748), a independência dos Poderes passou a ser o mais importante dogma político e principal característica da democracia.
Justamente por isso, sempre que a democracia corre risco institucional, o primeiro pressuposto a ser ameaçado é a separação entre os Poderes, conforme está acontecendo hoje no Brasil, que vive um fenômeno político estranho e preocupante.
FORÇA DAS ARMAS – Geralmente, o ataque aos demais poderes parte do Executivo, por ser o poder que detém a força das armas. Quando o Executivo não aceita decisões de Judiciário ou do Legislativo, quase sempre é por aí que a banda toca. Mas agora a criatividade do jeitinho brasileiro está inventando uma nova versão, que o jurista Sobral Pinto achou que jamais existiria – a democracia à brasileira. Nesse esquema, os Três Poderes aparentemente ficam funcionando na normalidade, mas nos bastidores passam a sofrer manipulação para se tornarem interdependentes.
É preciso reconhecer que se trata de uma fórmula política altamente criativa, uma espécie de democracia mitigada, em que os Três Poderes celebram um pacto de tolerância mútua, em que dirigentes do Judiciário, do Executivo e do Legislativo podem cometer irregularidades e crimes, mas não são investigados.
Nessa democracia esculhambada, os filhos de Bolsonaro e seus assessores (Executivo) ficaram blindados das “rachadinhas”, os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes (Judiciário), além de suas mulheres, livraram-se de apurações do Coaf, da Receita Federal e do Banco Central, e os políticos em geral (Legislativo) ganharam a “compreensão” dos outros Poderes.
CRIME PERFEITO – Com esse esquema genial (ou bestial, como dizem nossos irmãos lusitanos), esses dirigentes brasileiros acreditam terem concebido o crime perfeito, comportam-se como se estivessem no país das maravilhas, na terra do nunca, ou no melhor dos mundos, como homenagem a Charles Dodgson (pseudônimo: Lewis Carroll) e François-Marie Arouet (pseudônimo: Voltaire).
Mas todo crime perfeito tem uma falha. No caso da democracia à brasileira, o problema é a inconfiabilidade do Judiciário, porque o pacto somente foi celebrado por dois ministros do Supremo – o atual presidente Dias Toffoli e seu amigo inseparável Gilmar Mendes, que dizem falar em nome da maioria do Tribunal, mas há controvérsias, diria o velho marxista Francisco Milani.
O Supremo tem onze membros. Toffoli e Gilmar contam com os votos de Ricardo Lewandoski, que representa o ex-presidente Lula da Silva; Marco Aurélio Mello, que representa Fernando Collor; Alexandre de Moraes, que representa Michel Temer; e Celso De Mello, que representa José Sarney. Eles formariam a maioria.
CONTROVÉRSIAS – Acontece que Toffoli e Gilmar na verdade só contam com o voto certo de Lewandowski. Os outros três são problemáticos, porque Moraes se aliou a Toffoli no caso da Coaf, mas isso não significa que compartilhará dessa farsa até o final. Na hora H, pode pensar no futuro e refluir, para não sujar o nome.
Outro problema é Marco Aurélio Mello, acredite se quiser (ou quem quiser…). É o mais imprevisível dos ministros. E tem um detalhe – ele odeia Gilmar Mendes, que o ridicularizou em plenário e defendeu o impeachment dele. Votaria a favor do pacto para proteger Fernando Collor, mas o ex-presidente acaba de completar 70 nos e seus problemas acabaram, porque os crimes prescreveram.
E resta o ministro Celso de Mello, que tem sido o fiel da balança e se aposenta daqui a um ano. Será que o decano do Supremo aceitará jogar a pá de cal no sepultamento da democracia brasileira? Você acredita que fará esse papelão?
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P.S. 1 – O que se esperava dos Três Poderes, na era Bolsonaro, era um pacto que derrubasse direitos adquiridos pela nomenklatura civil e militar, jogasse no lixo os penduricalhos e cartões corporativos, para diminuir as desigualdades sociais. Mas isso seria apenas um sonho no país das maravilhas, na terra do nunca e no melhor dos mundos…
P.S. 1 – O que se esperava dos Três Poderes, na era Bolsonaro, era um pacto que derrubasse direitos adquiridos pela nomenklatura civil e militar, jogasse no lixo os penduricalhos e cartões corporativos, para diminuir as desigualdades sociais. Mas isso seria apenas um sonho no país das maravilhas, na terra do nunca e no melhor dos mundos…
P.S. 2 – A decisão do Supremo nesta quinta-feira não muda nada. Como a delação premiada é algo novo na legislação, a concessão de o réu falar por último nas alegações é um direito mais do que certo, por isso Cármen Lúcia e Rosa Weber votaram a favor. Mas os julgamentos sobre o pacto entre Poderes serão outra conversa. Podem acreditar. Nem tudo está perdido. Como dizia Cazuza, ainda estamos rolando os dados… (C.N.)