Jonathan Campos
Beleza da Ilha do Mel oculta exploração de adolescentesO fim da inocência
Em três anos, 12 meninas de Paranaguá foram para clínicas de recuperação, mas a falta de estrutura as leva de volta para as ruas
12/07/2011 | 00:06 | Texto: Mauri KönigValéria e Suelen* perderam a inocência às margens da estrada de acesso ao Porto de Paranaguá. Na famosa “Rua 24 Horas”, porque ininterrupta a oferta de sexo barato, uma começou aos 12, outra aos 14. Valéria foi resgatada dez vezes pelo Conselho Tutelar, Suelen, 15. Prostituída e viciada em crack, Valéria foi internada uma vez numa clínica de desintoxicação; Suelen, duas vezes. Vítimas de uma família ausente e da omissão dos governos, elas caíram nas redes da exploração sexual. Não são as únicas com o destino traçado. Não há em Paranaguá um só lugar que as possa amparar. Falta um abrigo, uma clínica, uma casa de passagem.
O primeiro resgate de Valéria na “Rua 24 Horas” se deu em agosto de 2008, aos 12 anos. Até em abrigo para órfãos a instalaram na tentativa de mantê-la longe das drogas e da prostituição, mas faltou amparo legal para tanto. Filha de dependentes químicos, e ela também viciada em crack, aos 14 anos ficou seis meses internada para desintoxicação num hospital a 500 quilômetros, em Jandaia do Sul, no Norte do Paraná. Retornou com boas chances de recuperação, mas teve de voltar à realidade de antes, entregue a uma família indiferente e sem acompanhamento social ou psicológico. Destino traçado, voltou para a prostituição.
“Estava cada vez pior”, recorda o conselheiro tutelar Edmilson da Silva Costa. O último atendimento, em abril de 2010, não deixou boas lembranças. Cansada da ineficiência do sistema, Valéria passou a fugir. Os conselheiros insistem na missão, embora não possam fazer plantão na porta da casa dela. Valéria repete uma sina recorrente em Paranaguá, como ilustra a história de Suelen. Abandonada por pai e mãe, ela mora numa favela com a avó cega. Internada uma vez em Jandaia do Sul e outra em União da Vitória, no Sul do Paraná, voltou sem qualquer apoio à mesma vida de antes.
Detrás da câmera
A alvorada ainda demora quando a mulher sacode a menina metida em lençóis puídos sobre a cama improvisada de espuma encardida. “Está na hora”, anuncia em tom grave. O corpo mirrado se contrai, por instinto, e a mão pesada o chacoalha com mais força. Ela se levanta, sonolenta. Sem ter o que pôr no estômago, sai em jejum forçado. É preciso apertar o passo para vencer os seis quilômetros a pé, de modo a chegar até as 6h30, antes que a vejam entrando naquele lugar imundo. Não gosta do que tem de fazer, mas não há outro jeito. Tem 11 anos, e isso que fazem com ela é um crime. Um crime inafiançável.
Quando a lenda vira realidade na Ilha do Mel
A Ilha do Mel tem o acesso mais controlado do litoral do Paraná. Nesse pedaço da baía de Paranaguá, onde não podem entrar mais de 5 mil turistas por vez e 95% da superfície é mata intocável, os encantos do lugar deram origem a histórias fantásticas. Segundo a fábula caiçara, em noite de luar lindas mulheres seduziam visitantes que andavam distraídos pela praia e os arrastavam para a Gruta das Encantadas, fazendo-os desaparecer. A realidade contradiz a lenda não na veracidade dos fatos, mas no papel dos personagens.
Ao completar 18 anos dia 4 de junho, Suelen enfim se viu livre da tutela de conselheiros que, apesar das boas intenções, nada podem fazer além de conseguir estadas inócuas em clínicas de desintoxicação. Ela precisava era de um destino diferente, e quando mais precisou não pôde contar com o Estado. Agora terá de fazer o futuro por conta própria, na Rua 24 Horas. Esse mesmo lugar, a Rua 24 Horas, é o destino quase certo de Carine*, outra dessas meninas dali tiradas e para ali regressadas depois do fracasso do sistema de proteção de crianças e adolescentes de Paranaguá.
Internada pela segunda vez no mesmo hospital de União da Vitória, Carine está prestes a ter alta. O primeiro internamento, em agosto de 2009, aos 15 anos, foi após denúncia pelo Disque 100 de que era explorada sexualmente por um tal Sombra. Agora, perto de deixar o hospital, uma dúvida aflige os conselheiros tutelares: que destino terá Carine? Algo interessada, a mãe bem que tenta ajudar, mas não faz frente à vida precária e às imposições do marido usuário de drogas. Não deu certo para Carine da primeira vez, e há grandes chances de não dar certo outra vez. Para quem aspirava um dia ser modelo, muito em breve ela terá a Rua 24 Horas por passarela.
Carine não é a única. Nos últimos três anos, o Conselho enviou 12 meninas prostituídas e dependentes químicas para clínicas de desintoxicação. “Por falta de estrutura, elas acabam voltando para a antiga vida”, lamenta o conselheiro tutelar Adilson Santos Costa.
Fonte: Gazeta do Povo