Certificado Lei geral de proteção de dados

Certificado Lei geral de proteção de dados
Certificado Lei geral de proteção de dados

quinta-feira, setembro 08, 2022

'Imbrochável, imbrochável!': 5 destaques do discurso de Bolsonaro no 7 de Setembro

 

SEP



Bolsonaro, Luciano Hang e presidente da Portugal no centro da primeira fila da tribuna de honra do 7 de setembro

O presidente Jair Bolsonaro (PL) adotou tom de campanha em discurso na Esplanada dos Ministérios no 7 de Setembro, em Brasília, e chamou o público para votar em 2 de outubro.

"Vamos todos votar. Vamos convencer aqueles que pensam diferente de nós", disse Bolsonaro, que aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenções de voto, atrás do candidato do PT e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Durante o discurso, Bolsonaro disse que há "uma luta do bem contra o mal", puxou gritos para si mesmo de "imbrochável", sugeriu comparação entre primeira-damas e terminou com um "uivo".

Antes do Dia da Independência, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontaram que o presidente correria risco de cometer crimes eleitorais ao participar de manifestações neste 7 de setembro.

A lei eleitoral veda o uso de bens, recursos e espaços da administração pública para a promoção de candidatos, ou seja, quando um agente público se vale da sua função para beneficiar eleitoralmente a si mesmo ou outro candidato.

Antes de o presidente discursar, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, fez um discurso recheado de menções religiosas.

Antes de participar dos eventos na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro também disse que "o bem sempre venceu o mal", após citar rupturas e eleição.

"Queria dizer que o Brasil já passou por momentos difíceis, mas por momentos bons, 22 [revolta tenentista], 35 [intentona comunista], 64 [golpe militar], 16 [impeachment de Dilma Rousseff (PT)], 18 [eleição presidencial] e agora, 22. A história pode se repetir, o bem sempre venceu o mal. Estamos aqui porque acreditamos em nosso povo e nosso povo acredita em Deus", disse.

A seguir, veja as 5 frases que marcaram discurso de Bolsonaro em Brasília no 7 de Setembro:

1. 'Vamos todos votar'

Em meio a dúvidas sobre se adotaria tom de campanha em discursos do Dia da Independência, Bolsonaro conclamou o público a votar nas eleições.

"A vontade do povo se fará presente no próximo dia 2 de outubro. Vamos todos votar. Vamos convencer aqueles que pensam diferente de nós, vamos convencê-los do que é melhor para o nosso Brasil", disse.

2. 'Luta do bem contra o mal'

Após dizer que o Brasil estava "à beira do abismo" há poucos anos, Bolsonaro disse que há "uma luta do bem contra o mal".

"O mal que perdurou por 14 anos no nosso país, que quase quebrou nossa pátria e que deseja voltar à cena do crime. Não voltarão, o povo está do lado do bem, o povo sabe o que quer", disse o presidente.

3. Comparação 'entre primeiras-damas'

Em um momento do discurso, o presidente sugere comparações "entre as primeiras-damas", sem citar nomes.

"Podemos fazer várias comparações, até entre as primeiras-damas. Não há o que discutir. Uma mulher de Deus, família e ativa na minha vida. Não é ao meu lado não. Muitas vezes ela está é na minha frente. Tenho falado para os homens solteiros: procurem uma mulher, uma princesa, se case com ela para serem mais felizes ainda", disse, beijando a primeira-dama em seguida.

4. 'Imbrochável, imbrochável'

Depois de beijar a primeira-dama e dizer "obrigada, meu Deus, pela minha segunda vida", Bolsonarou tentou puxar coro de "imbrochável" para si mesmo. Ele repetiu a palavra cinco vezes seguidas.

5. 'Indireta' ao Supremo

O presidente citou o Supremo Tribunal Federal em sua fala após dizer que "é obrigação que todos jogarem dentro das quatro linhas da nossa Constituição" e dizer que "Deus está ajudando chegar até vocês a verdade".

"Hoje todos sabem quem é o Poder Executivo. Hoje todos sabem o que é a Câmara dos Deputados. Todos sabem o que é o Senado Federal. E também todos sabem o que é o Supremo Tribunal Federal", disse.

Houve vaias no público após o presidente mencionar o Supremo.

Uma das principais bandeiras das mobilizações a favor de Bolsonaro é a crítica ao Supremo, devido a decisões de ministros da Corte que contrariam o governo e atingem seus apoiadores, como a liminar que Edson Fachin deu na segunda-feira (5/9) restringindo o número de armas e munições que podem ser obtidas por CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), sob a justificativa de conter o risco de violência política na campanha eleitoral.

É o caso também das investigações contra o presidente e seus aliados realizadas sob a jurisdição do ministro Alexandre de Moraes, que em agosto determinou uma operação da Polícia Federal contra oito empresários bolsonaristas suspeitos de apoiar a realização de atos antidemocráticos, o que eles negam.

Atos de natureza político-partidária

Antes do início do desfile, o Ministério Público Federal do Distrito Federal divulgou nota na qual diz ter pedido que o Poder Executivo adote medidas para garantir que "os atos oficiais e o desfile cívico-militar de 7 de setembro não sejam confundidos com atos de natureza político-partidária".

"As medidas foram motivadas diante das manifestações político-partidárias agendadas para o mesmo dia, horário e local do desfile cívico-militar que acontecerá amanhã, 7, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF). Nesse contexto, foram distribuídos convites a servidores civis lotados nos ministérios para que comparecessem ao evento", diz a nota.

O órgão disse que solicitou medidas para garantir "a integridade de militares que atuarão no evento e a ida de servidores civis de forma livre, sem coação".

Tribuna de honra com Luciano Hang

Antes, o empresário Luciano Hang, conhecido como 'Véio da Havan', desfilou ao lado de Bolsonaro no evento oficial de 7 de setembro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Após caminhar ao lado do presidente, Hang subiu na tribuna de honra e se posicionou do lado esquerdo de Bolsonaro, na primeira fila. Ele apareceu entre Bolsonaro e o presidente português, Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa.

A tribuna de honra é a área em que ficam as autoridades e onde estariam os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), da Câmara e do Senado, que não compareceram ao evento neste ano.

Hang é um dos oito empresários alvos de operação da Polícia Federal em agosto por suspeita de terem defendido um golpe de Estado caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vença as eleições presidenciais deste ano.

A defesa teria sido feita em um grupo privado de mensagens no aplicativo WhatsApp. A operação foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e faz parte do inquérito que apura o funcionamento de milícias digitais.

Segundo o portal Metrópoles, Hang é um dos integrantes do grupo. Nas reportagens publicadas pelo portal, não há menção de que Hang tenha defendido a realização de um golpe caso Lula vença as eleições.

À BBC News Brasil, a assessoria de imprensa de Hang enviou uma nota informando que o empresário estaria "tranquilo" e negando que tenha falado em golpe no grupo de empresários.

"Que eu saiba, no Brasil, ainda não existe crime de pensamento e opinião. Em minhas mensagens em um grupo fechado de WhatsApp está claro que eu nunca, em momento algum falei sobre Golpe ou sobre STF", disse.

BBC Brasil

Investigação caótica e tentativa de manipular o atentado contra "la Bruja" K




Mesmo quem tem surpresa zero diante da confusão argentina impressiona-se com a maneira como o uso do ato de violência tenta obter vantagem. 

Por Vilma Gryzinski

Os kirchneristas culpam a oposição e a imprensa pelo atentado fracassado contra Cristina Kirchner, oposicionistas desconfiam que tudo foi uma armação, a namorada do agressor mentiu mais do que nos sites onde presta serviços eróticos e apareceu em fotos com a arma usada no crime, o discurso contra o ódio é mais odioso ainda e, provavelmente, existe uma única certeza: como tantos outros casos de enorme repercussão, as investigações vão se enrolar num novelo mais emaranhado do que romance de Borges.

Ah, sim, um ex-agente da CIA, Gustavo Cueto, foi objeto de denúncia apresentada pela Secretaria de Direitos Humanos por dizer que foi um falso atentado e, assim, “animar ou incentivar a perseguição ou o ódio contra Cristina Fernandez de Kirchner e o setor político que ela representa”.

Dessa maneira, o que seria uma entrevista pouco confiável, considerando-se que foi baseada no olhômetro, ganhou mais repercussão. “Acho que ele não estava lá para cometer um magnicídio, mas para criar a aparência de um magnicídio”, afirmou Cueto sobre Fernando Sabag Montiel, o homem nascido no Brasil que apontou contra o rosto da vice-presidente uma pistola Bersa calibre .32 sem acionar o ferrolho que engatilharia a primeira bala. Ele também acha que as grandes manifestações que se seguiram foram uma “reação planejada” antecipadamente.

Isso indica que não conhece a capacidade de mobilização do peronismo, mas é claro que as preferências políticas vão pesar na avaliação de suas palavras – isso já ficou bem demonstrado no Brasil, com os sinais políticos trocados: facada falsa, para os opositores; intrincada trama política para os partidários.

O celular de Sabag, que poderia ajudar a elucidar componentes fundamentais, foi contaminado e detonado pelos agentes federais que deveriam acessá-lo. Em vez disso, conseguiram ressetar o telefone, apagando tudo o que estava guardado nele. É inacreditavelmente incompetente. Ou, para os conspiracionistas, mais um sinal de que aí tem coisa.

Onde tem coisa mesmo: no papel que a namorada de Sabag, Brenda Uriarte, desempenhou. Ela foi presa ao descer do metrô, depois que os investigadores identificaram, pelas imagens de câmaras de segurança, que ela estava presente na cena do atentado fracassado, da qual se retirou tranquilamente. A um canal de televisão, tinha dito que não via o namorado havia dois dias.

Nas fotos recuperadas pela justiça no cartão de memória do telefone ressetado de Sabag, ela aparece posando com a arma do atentado na cintura. Sabag também foi fotografado empunhando a Bersa. As fotos foram feitas há um ano.

Brenda se apresenta também com o nome de Ambar, Sasha e outros pseudônimos, como vendedora de algodão doce na rua, estudante de medicina ou funcionária de limpeza. Já apareceu de cabelos castanhos, ruivos e loiros. Fazia encenações eróticas pagas em serviços de streaming dedicados ao ramo.

Brenda incentivou os conspiracionistas ao dizer no Instagram, antes de ser presa, que da pistola Bersa saiu “um jorro de água”. Também elogiou o libertário Javier Milei por dizer que “os políticos não deveriam ter mais direitos do que os civis”.

Uma pesquisa feita antes do atentado fracassado indicava que Milei, uma novidade na política, poderia ir para o segundo turno na eleição presidencial do ano que vem. É claro que está num dos lugares mais altos dos acusados de discurso de ódio, uma expressão usada, como no Brasil, para criminalizar opiniões políticas divergentes.

Victoria Tondi, do Instituto Nacional contra a Discriminação, um órgão do governo, escreveu um artigo acusando os principais líderes da oposição pelo atentado. “As armas dos odiadores são carregadas pelos Macri, os Bullrich, os Milei”. Outro artigo ao qual contribuiu, na agência oficial de notícias, foi ilustrado por um revólver de cujo cano sai um microfone – uma maneira nada sutil de acusar a imprensa não peronista.

“Não há nenhum projeto que esteja sendo analisado”, disse a porta-voz do presidente Alberto Fernández sobre uma lei contra o discurso do ódio que, obviamente, criminalizaria a oposição. Um assessor presidencial havia declarado, de maneira inequívoca, que “a Argentina tem que avançar na limitação dos discursos de ódio”.

Outro balão de ensaio: o atentado fracassado justificaria nada menos que o encerramento dos processos contra Cristina na justiça.

“Nesse julgamento, brotou a semente que gerou a violência extrema”, disse, com formidável cara de pau, o senador José Mayans. “Queremos paz social? Então comecemos por parar com esse julgamento vergonhoso”. Foi recebido ontem pelo presidente Alberto Fernández.

No julgamento em questão, a acusação pediu doze anos de prisão e cassação dos direitos políticos pela “maior rede de corrupção da história”, envolvendo um bilhão de dólares desviados de 51 obras públicas em Santa Cruz, o berço político do casal Kirchner.

Cristina, que se passava por vítima da justiça – algo que conhecemos bem -, agora tem uma arma que, por sorte, não disparou para ampliar o teatro da perseguição política.

Revista Veja

Imprensa internacional destaca o uso político-eleitoral do Sete de Setembro




Enquanto Bolsonaro discursa, Michelle confere o celular

Por Aline Bronzati

NOVA YORK – Os 200 anos da Independência do Brasil estampam o noticiário internacional desde terça, 6, com destaque para uma mudança na forma como as celebrações acontecem neste ano, às vésperas das eleições de outubro. Grandes agências de notícias e jornais nos Estados Unidos e na Inglaterra mencionam a data, enfatizando um viés eleitoreiro adotado no feriado de 7 de Setembro, que tradicionalmente é dominado por uma festa verde e amarela e desfiles militares.

A CNN enfatizou que as comemorações da data, que deveriam ser apartidárias, foram distorcidas. “Todos os anos, 7 de Setembro no Brasil é um dia de desfiles coloridos, manifestações militares e orgulho nacional, pois o país comemora sua independência do Portugal colonial”, inicia a reportagem da rede norte-americana.

“Mas, enquanto o Brasil se dirige para as eleições presidenciais no próximo mês, o presidente Jair Bolsonaro (PL) parece estar distorcendo o feriado nacional para fins partidários”, acrescenta.

Na mesma linha, a Reuters publicou uma análise sob o título “Bolsonaro convoca comícios para flexionar os músculos no bicentenário do Brasil”. A agência de notícias enfatiza os ataques do presidente Bolsonaro ao sistema eleitoral e o temor de que o episódio visto nos Estados Unidos, quando o ex-presidente Donald Trump não aceitou a vitória do democrata Joe Biden, também se repita no Brasil.

PEDIDOS DE GOLPE – “Os ataques de Bolsonaro contra o sistema eleitoral do Brasil – e os tribunais que o administram – provocaram pedidos de golpe militar de seus apoiadores radicais. Alguns temem que ele esteja preparando as bases para alegar fraude eleitoral como seu aliado dos EUA”, noticia a Reuters.

O britânico The Guardian antecipou a cobertura do dia 7 de Setembro e chamou atenção, em matéria publicada nesta terça, para a preparação do Brasil para um dia de “turbulência”, no qual a celebração do bicentenário foi “sequestrada”.

 “A empolgação da direita com as comemorações de Bolsonaro contrasta com o medo e a raiva progressivos de que um dia de celebração nacional tenha sido sequestrado pela direita bolsonarista”, diz o jornal.

“GUERRA SANTA” – O também britânico Financial Times deu destaque à participação da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e seu tom religioso na “polarizada corrida presidencial” em matéria de terça. Assim como destaca o tabloide, ela também discursou neste 7 de Setembro, evocando novamente Deus, família e liberdade.

Já o norte-americano The New York Times trouxe um artigo do cientista político Miguel Lago, professor da Universidade de Columbia, sobre o pleito no Brasil neste 7 de Setembro, sob o título “Bolsonaro não está se preparando para um golpe. Ele está se preparando para uma revolução”.

Ao narrar os desdobramentos das eleições no País, o especialista chama a atenção para a atuação de Bolsonaro, com ataques frequentes para colocar o processo eleitoral no País em dúvida.

AMÉRICA LATINA – As celebrações em torno da data também despertam o interesse de jornais na América Latina. O professor do Departamento de Relações Internacionais da UERJ, Maurício Santoro, afirma que recebeu muitos pedidos de entrevistas de jornalistas da região, preocupados com as manifestações desta quarta.

“Entre os repórteres da região, há forte percepção do impacto internacional dos riscos às eleições democráticas no Brasil”, escreveu em seu perfil no Twitter.

Durante o desfile cívico-militar, em Brasília, Bolsonaro aproveitou o ato para fazer um discurso político, no qual, novamente, convocou apoiadores para irem às ruas. Além da sua pauta tradicional, que traz Deus e uma posição contrária às drogas e ao aborto, recorreu, novamente, à luta do “bem contra o mal” e fez um ataque, desta vez velado, ao Supremo Tribunal Federal.

A VOZ DE DEUS -“A voz do povo é a voz de Deus”, disse Bolsonaro enquanto a multidão de apoiadores vaiava a Suprema Corte brasileira. “Hoje todos sabem que é o Poder Executivo, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal. Todos sabem o que é o Supremo Tribunal Federal”, disse ele. “Todos nós mudamos. Todos nós nos aperfeiçoamos e podemos ser melhores no futuro.”

“Com a reeleição, traremos para as 4 linhas todos os que ousam ficar fora delas”, disse o presidente da República, que no entanto evitou atacar frontalmente a Corte e os ministros. Durante o breve discurso, Bolsonaro também fez críticas ao PT.

“Sabemos que temos pela frente uma luta do bem contra o mal. Um mal que perdurou por 14 anos no nosso País, que quase quebrou a nossa Pátria e que agora deseja voltar À cena do crime. Não voltarão! O povo está do nosso lado. O povo está do lado do bem. O povo sabe o que quer”, disse.

Nota do blog Tribuna da Internet – Em tradução simultânea, Bolsonaro estaria dizendo que a disputa é no voto e quem ganhar vai tomar posse? Ou será que a voz do povo não representa mais a voz de Deus? Vamos aguardar o segundo discurso (virtual) em São Paulo e o terceiro no Rio, para ter confirmação. (C.N.)

Estadão / Tribuna da Internet

O "missionarismo messiânico" de Putin




Putin tem conseguido algum êxito levando alguns a acreditar que foi a Ucrânia que começou a guerra contra a Rússia e não o contrário. É ouvir o  discurso do comunista Jerónimo de Sousa no final da Festa do Avante. 

Por José Milhazes 

Se antes era a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas “O Sol da Humanidade”, “O futuro radioso da Humanidade”, o “Paraíso Terrestre”, etc., hoje Vladimir Putin acha-se no direito de apresentar o seu país como o baluarte das liberdades e o defensor dos princípios tradicionais. Na História da Rússia, estas ideias messiânicas nunca deram bons resultados e os desastres podem repetir-se.

Nos últimos anos, principalmente depois da invasão da Ucrânia pelas tropas russas a 24 de Fevereiro, o ditador russo tenta-se apresentar como o salvador da humanidade, produzindo discursos e decretos cada vez mais semelhantes a encíclicas papais, mas pouco convincentes. Como será possível levar ao mundo princípios e conceitos que são espezinhados diariamente na Rússia?

Por exemplo, a 5 de Setembro, dia em que um tribunal de Moscovo condenou o jornalista russo, Ivan Safronov, especialista em questões militares, a 22 anos de prisão por “alta traição” e outra “fábrica da justiça” proibiu a publicação do jornal da oposição Novaya Gazeta, o ditador Vladimir Putin decidiu publicar “A concepção da política humanitária da Federação da Rússia no estrangeiro”.

Sublinho “no estrangeiro”, porque na Rússia corre tudo às mil maravilhas.

Um dos objectivos deste “sábio documento” visa “a formação da ideia da Rússia como um estado que preserva cuidadosamente a sua rica história e herança cultural … e em que a vida sociocultural se desenvolve dinamicamente nas condições de … pluralismo de opiniões, ausência de restrições de censura”.

Os exemplos acima citados são apenas dois exemplos de muitas centenas de acções repressivas na Rússia, que vão desde a existência de centenas de presos políticos ao assassinato de líderes da oposição, passando pela imposição de uma impiedosa censura. Como será possível “vender” no estrangeiro a imagem desejada por Putin?

Também não consigo compreender que “história e herança cultural” Putin irá apregoar se elas são quase revistas diariamente ao sabor das descobertas ideológicas do ditador. No campo da história, provavelmente será a última versão revista por ele, de onde desaparecerão nações e povos inteiros, teorias delirantes como aquela de que “a Rússia nunca invadiu outro país”, etc.

No campo da herança cultural, as proibições dos concertos e actuações de músicos e actores que ousam protestar contra a invasão da Ucrânia pelas tropas russas. O último exemplo é o da proibição do concerto da pianista mundialmente famosa, Polina Ossetinskaya, em São Petersburgo no dia 3 de Setembro.

Outros dos grandes princípios que o Kremlin irá vender serão “o apego aos princípios da igualdade, da justiça, da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados… o reconhecimento da identidade nacional e cultural”.

Aqui, verdade seja dita, Putin tem conseguido algum êxito, principalmente na propagação do princípio da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados, ou melhor, na venda da imagem que o seu país não se ingere nos assuntos dos outros, levando até alguns a acreditar que foi a Ucrânia que começou a guerra contra a Rússia, e não o contrário.

O discurso de Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP no final da Festa do Avante, é um eco dessa propaganda putinista: “A escalada da guerra na Ucrânia e a espiral de sanções impostas pelos Estados Unidos da América, a União Europeia e a NATO, com a cumplicidade do Governo português, são indissociáveis da desenfreada especulação e aumento dos preços da energia, dos alimentos e de outros bens de primeira necessidade, do ataque às condições de vida dos povos, arrastando o mundo para uma ainda mais grave situação económica e social”.

Claro que não é Putin e os seus falcões que atiçam a guerra na Ucrânia, que matam milhares de pessoas e destroem aldeias, vilas e cidades. Não, o que está implícito nas palavras acima citadas é que os ucranianos deveriam ter-se rendido e entregue à bondade do Kremlin e que o chamado Ocidente assistisse “impávido e sereno” à carnificina iniciada pelas tropas russas no Leste da Ucrânia em 2014-2015. Isso, segundo os comunistas, é que seria a “paz”.

Outra das grandes missões é que a Rússia quer ser “o guardião e defensor dos valores morais e espirituais, da herança da civilização mundial”. Aqui, alguns dos cantores e artistas que actuaram na Festa do Avante poderão vir a ter sérios problemas se Putin conseguir o seu objectivo.

Penso eu que, a julgar pelo que se passa na Rússia, é perigoso deixar nas mãos de Putin essa tarefa existencial. Prefiro que seja, por exemplo, o Papa de Roma ou o Dalai-Lama a dirigirem a realização de semelhante missão. Mas esta é apenas a minha humilde opinião.

Observador (PT)

Guerra na Ucrânia: qual o risco de desastre na maior usina nuclear da Europa




A agência de energia atômica da ONU lançou um apelo para a criação de uma zona desmilitarizada em torno do complexo nuclear de Zaporizhzhia, ocupado pela Rússia, na Ucrânia.

"Embora o bombardeio em curso ainda não tenha desencadeado uma emergência nuclear, continua a representar uma ameaça constante à segurança e à proteção nuclear com impacto potencial em funções críticas de segurança que podem levar a consequências radiológicas com grande importância em termos de segurança", diz a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em seu último relatório.

Os especialistas encontraram grandes danos na usina nuclear, que está no front da guerra na Ucrânia.

'Especialistas nucleares da ONU fizeram sua primeira inspeção na usina de Zaporizhzhia na semana passada'

"A AIEA ainda está seriamente preocupada com a situação na ZNPP (acrônimo em inglês para usina nuclear de Zaporizhzhia) — isso não mudou", acrescenta o relatório.

Mas, afinal, como os combates podem danificar a usina e quão grave seria um acidente nuclear no local?

O que está acontecendo na usina nuclear?

A Rússia tomou a usina nuclear de Zaporizhzhia no início de março, na segunda semana de sua invasão da Ucrânia.

Os combates entre forças ucranianas e russas se aproximaram da usina, que fica perto da cidade de Enerhodar, e um dos prédios do complexo pegou fogo, causando preocupação em toda a Europa.

A usina tem seis reatores de água pressurizada e vários depósitos de resíduo nuclear radioativo.

Na época, um ucraniano membro da equipe alegou que a usina estava sendo "bombardeada diretamente" e um dos reatores foi danificado.

O incêndio no complexo acabou sendo apagado, mas o incidente foi seguido por uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU — e o bombardeio da usina foi condenado internacionalmente.

A Rússia respondeu alegando que "sabotadores ucranianos" causaram o incêndio.

Desde meados de julho, as preocupações com a segurança da usina de Zaporizhzhia aumentaram, quando as forças russas foram acusadas de efetuar disparos a partir de áreas próximas à instalação.

A agência nuclear da Ucrânia afirma que foguetes russos danificaram parte da usina; a Rússia, por sua vez, acusa as forças de Kyiv de disparar contra o complexo.

Em diversos momentos, a usina acabou tendo cortado seu acesso a fontes externas de abastecimento — cruciais para o funcionamento seguro.

Qual é o pior cenário possível?

'Incêndio começou na usina enquanto as forças russas avançavam'

O risco mais óbvio de um dos reatores ser atingido por um projétil ou foguete é que pode danificar as barreiras externas de contenção. Os reatores são projetados para suportar uma certa quantidade de pressão externa ou dano, mas não o impacto direto de munições pesadas.

Se o escudo ou o sistema de resfriamento de um reator estiver danificado, é provável que ocorra um vazamento de radiação. Há também o risco de uma explosão nuclear ou de hidrogênio.

"Se um foguete atingir um dos reatores, o vazamento de radiação subsequente terá consequências para a Europa, para a Crimeia [anexada pela Rússia] e, claro, para toda a Ucrânia", disse Olha Kosharna, especialista independente em energia nuclear ucraniana, antes do lançamento do relatório da AIEA.

Já o físico russo Andrey Ozharovsky, especialista na eliminação segura de resíduos nucleares, afirmou que se um acidente ocorresse na usina de Zaporizhzhia, causaria a liberação de grandes quantidades de césio-137 radioativo, um subproduto da fissão nuclear, conhecido por sua capacidade de viajar longas distâncias pelo ar.

A dispersão do césio-137 teria consequências potencialmente desastrosas para a saúde humana — e também poderia causar contaminação de terras agrícolas, o que afetaria as colheitas nos próximos anos.

Além disso, dependendo do clima e da direção e da força do vento, países mais distantes podem ser afetados.

Além dos reatores, as instalações de armazenamento de resíduo nuclear da usina de Zaporizhzhia também representam um risco. Se forem atingidas por um foguete ou bombardeadas, intencionalmente ou por acidente, isso teria consequências perigosas, segundo especialistas nucleares.

O que a comunidade internacional pode fazer?

'A usina nuclear tem seis reatores'

Atacar usinas nucleares é proibido pelas Convenções de Genebra. De acordo com o Protocolo 1 adicional às Convenções de 1949, barragens, diques e usinas nucleares não devem ser alvo de ataque se perdas civis "graves" podem resultar de inundações ou radioatividade.

No entanto, uma usina de energia pode se tornar um alvo legítimo de um ataque se for usada para fins militares, em vez de civis.

Regulamentos semelhantes se aplicam a alvos militares situados próximos a outros tipos de infraestrutura perigosa.

A Ucrânia pediu anteriormente para a comunidade internacional "fechar os céus" sobre a usina de Zaporizhzhia — ou seja, fornecer defesas aéreas capazes de impedir qualquer ataque direto à instalação.

Mas parece improvável que isso aconteça, uma vez que os países que apoiam a Ucrânia temem que o ato possa ser interpretado pela Rússia como envolvimento direto no conflito.

BBC Brasil

Democracias iliberais: da Hungria e Rússia à Europa e América.




É possível que esse avanço paulatino que o Ocidente goza como um todo, esse aprofundamento histórico da experiência democrática, seja revertido em uma onda ampla, coerente, coesa, e a próxima roupagem da democracia ocidental seja, em regra, uma corruptela da democracia liberal? 

Por Douglas Donin

A democracia, mais do que um conceito acabado, é uma ideia em permanente mutação e perpétuo movimento, ora avançando, ora recuando, sujeita às apreciações de cada geração e momento histórico sobre a dinâmica da constituição do poder e o sentido, função e papel do Estado frente aos cidadãos. Contemporaneamente, a democracia atinge sua expressão máxima, seu mais amplo alcance, no conceito conhecido como Estado democrático de direito, expressamente adotado pela Constituição Federal de 1988, logo em seu artigo 1º.

O Estado democrático de direito reúne alguns conceitos nucleares. O primeiro é a ideia de que o Estado está submetido, ou vinculado, às leis que ele próprio elabora, limitando o arbítrio e a discricionariedade do poder governante. Chama-se à isso Estado de direito (Rechtsstaat), um Estado submetido ao princípio do império da lei (rule of law), surgido após o período absolutista como resultado das transformações iluministas, mas que é defendido desde os antigos filósofos gregos.

O Estado de direito não se confunde com a democracia em si, embora seja natural que uma democracia, de uma forma ou outra, opere segundo o princípio do império da lei. É perfeitamente possível imaginar casos (e exemplos históricos não faltam) de Estados que, embora obedeçam às leis (e às vezes justamente em razão delas, por elas amparados ou procurando cumpri-las), não eram constituídos pela participação popular ou não tinham como função a concretização dos interesses do povo, como ocorre em períodos de repressão, onde a legalidade, subvertida, é reduzida a legalismo.

Segundo, ele é democrático, o que no caso do Estado democrático de direito, historicamente considerado, adquire um sentido duplo: refere-se à soberania popular, ao princípio de que o poder emana do povo, o seu verdadeiro titular, e também que o poder para o povo se dirige.

Isso descreve uma relação de duas vias entre Estado e cidadão. O cidadão é a fonte e o destinatário do poder, constitui o aparato do Estado por meio dos processos democráticos de seleção de representantes (ou, mais raramente, por meio de processos diretos de participação) com o fim de estabelecer regras, garantias e ações públicas voltadas, ao seu turno, exatamente para a concretização dos direitos dos cidadãos. O Estado, em uma democracia completa, autêntica, é um meio de o povo atingir seus próprios objetivos.

Chama-se a primeira concepção, onde há instituições que habilitam a participação popular na tomada de decisões (eleições, partidos etc.) de democracia formal (ou procedimental) e a segunda, onde o Estado e suas políticas têm como função a concretização dos objetivos, interesses e direitos do povo, de democracia material (ou substantiva). Um regime pode se apresentar como uma democracia meramente formal, ou seja, com eleições, escolha de representantes, campanhas eleitorais, mas ao invés de a atuação estatal se voltar para a concretização dos interesses do povo, pode se concentrar na promoção dos interesses de uma classe governante, facilmente convertendo-se em uma autocracia de fato. Neste caso, o Estado não é um instrumento do povo, mas exatamente o contrário: o povo é instrumento do Estado, o poder utiliza o processo democrático formal, que domina por meio de propaganda, intimidação ou criação de regras eleitorais desbalanceadas, como um meio de justificação, de legitimação, ao seu próprio público interno e à comunidade internacional.

O Estado democrático de direito é frequentemente associado a outros termos bastante próximos e que possuem, com ele, grande área de sobreposição: adicione-se a ele algumas características específicas (existência de uma constituição, sufrágio universal, pluralidade partidária, separação de poderes, judiciário independente e limitada interferência do Estado nas atividades econômicas da sociedade) e temos o que é reconhecido tipicamente como “democracia ocidental” ou, em uma perspectiva histórica, uma “democracia liberal”.

Essa tem sido a principal forma de democracia na Europa e Américas desde o final da Segunda Guerra Mundial, com poucas exceções. Vemos, de tempos em tempos, alguns países abandonando tal modelo de democracia em favor de interregnos autocráticos – principalmente na América Latina, frequentemente vitimada por populismos e caudilhismos.

É possível que esse avanço paulatino que o Ocidente goza como um todo, esse aprofundamento histórico da experiência democrática, seja revertido em uma onda ampla, coerente, coesa, e a próxima roupagem da democracia ocidental seja, em regra, uma corruptela da democracia liberal?

O conceito de “democracia iliberal” de Fareed Zakaria

A experiência de ascensão súbita e coordenada de regimes antidemocráticos na Europa na primeira metade do século passado sugere que a hipótese não é de todo impossível, e uma onda aparentemente coesa e razoavelmente homogênea de experiências populistas, originadas principalmente na antiga órbita soviética e rapidamente trazidas para o restante da Europa e América, dá indícios de que, à sombra da democracia liberal, há um risco de contágio sistêmico de democracias consolidadas do Ocidente por um modelo de democracia iliberal.

“Democracia iliberal” é um termo inicialmente apresentado por Fareed Zakaria em artigo de 1997 para a revista Foreign Affairs. Nele, Zakaria parte de um questionamento feito pelo diplomata americano Richard Holbrooke às vésperas das eleições de 1996 na Bósnia: o que dizer quando uma eleição ocorre de modo livre e justo, mas o povo termina por escolher racistas, fascistas, separatistas e outros agentes publicamente contrários à paz e à integração? Zakaria nota que a preocupação de Holbrooke com a ex-Iugoslávia poderia ser transposta para vários outros locais do mundo, onde governos eleitos ou referendados legitimamente (às vezes de maneira repetida) costumam ignorar os limites constitucionais e privar a população que o elegeu ou aceitou de direitos fundamentais, e que a maior parte dos países que se situam em algum ponto do espectro entre as ditaduras reconhecidas e as democracias consolidadas (países em democratização) são democracias iliberais, onde o povo possui maior proteção às liberdades políticas, e menor às liberdades civis.

Os exemplos utilizados por Zakaria iam do Peru e Argentina, com passados problemáticos envolvendo ditaduras, aos ex-soviéticos Cazaquistão (onde Nursultan Nazarbaev foi eleito e reeleito presidente de 1990 a 2019, quando finalmente renunciou – não sem antes receber do parlamento poderes vitalícios sobre os futuros presidentes) e Bielorússia (onde Aleksandr Lukashenko vem sendo eleito repetidamente desde 1994 e mantém-se ainda no poder). Mas foi a inclusão da Rússia que causou alguma controvérsia: Boris Yeltsin, na época presidente, era visto por muitos no Ocidente como um reformador responsável por grande abertura da Rússia, inserindo-a decididamente no mapa do neoliberalismo típico dos anos 1990 – e que, portanto, não poderia ser chamado de iliberal[1].

De fato, a Rússia passou por um intenso processo de abertura econômica – mas aqui reside um erro que Zakaria, em oposição aos seus críticos, não cometeu: uma democracia liberal não é definida pelo liberalismo econômico. As reformas econômicas liberais de Yeltsin, arquitetadas com radicalismo por Yegor Gaidar justamente com a intenção de servirem como “terapia de choque”, por não estarem acompanhadas de um processo político igualmente liberalizante, foram desastrosas, marcadas pela corrupção, criação de oligarquias e um processo de privatizações controverso, idealizado por Anatoli Chubais, onde as gigantes estatais soviéticas foram adquiridas em processos pouco transparentes com recursos de origem duvidosa – ou mesmo sabidamente fraudulenta ou criminosa. O final do período, Yeltsin ainda instalou no poder Vladimir Putin, egresso dos quadros da KGB, confirmando o destino iliberal da Rússia.

O precursor de Trump e Bolsonaro: o húngaro Viktor Orbán

Outra ex-república soviética, entretanto, viria completar a gestação do modelo iliberal e dar o seu exemplo mais acabado, completo e paradigmático: a Hungria, sob o comando de Viktor Orbán.

Orbán vem de uma linhagem política liberal. Esteve à frente de um movimento jovem de contestação do socialismo húngaro, fundando o Fidesz, seu partido até hoje, em 1988 – um ano antes do fim da República Popular da Hungria e três anos antes do fim da ocupação soviética. Parlamentar de 1990 a 1994 e primeiro-ministro de 1998 a 2002, foi lentamente influenciando o seu partido a abandonar uma orientação liberal clássica e voltada para a integração europeia, com a qual foi fundado, em favor de uma posição mais conservadora, que viabilizou uma unificação das maiores forças da direita húngara, como o Fórum Democrático Húngaro (MDF) – que o Fidesz acabou engolindo, tomando a proeminência.

Em 2002, entretanto, Orbán e o Fidesz perderam as eleições para os socialistas, por uma pequena margem (apenas 2%), em uma eleição extremamente polarizada e disputada. A derrota deixou Orbán, agora na oposição, humilhado: nas palavras de seu conselheiro na época (e depois seu biógrafo) Jozsef Debreczeni, Orbán concluiu que “essa coisa de democracia, onde o poder pode escapar rapidamente da sua mão, não é uma boa coisa”, e se preparou para, “assim que o recuperar, não o deixar escapar nunca mais”.

A guinada do ex-liberal anti-opressão socialista

Em 2006, Orbán não conseguiu formar maioria na sua própria coalizão e também deixou a chance de voltar ao poder escapar, mas nesse ponto já havia iniciado uma guinada radical. Aconselhado por Arpad Habony, um ex-estudante de arte húngaro que passou a ser seu estrategista e conselheiro – e que, no processo de ascensão de Orbán, também se tornou milionário e oligarca –, Orbán mudou o seu jeito de falar, de se vestir, de se apresentar, e enveredou para um populismo muito mais agressivo, com um discurso eurocético (atribuindo à União Europeia a culpa por problemas internos da Hungria), xenófobo (perseguindo agressivamente refugiados e imigrantes), de defesa da família e valores cristãos, estimulando a desconfiança e o medo, e prometendo retomar a Hungria das mãos dos “estrangeiros” – uma vez que o processo de privatizações levado a cabo pelo próprio Orbán, em seu primeiro mandato, viu uma parte das empresas estatais húngaras serem adquiridas por capital externo. Além disso se atribui a Habony a invenção de uma tática que ganhou o mundo e se tornou uma grande ferramenta de Orbán: inundar a mídia com vídeos, fotos e informações adulterados, descontextualizados ou falsos, principalmente, direcionado contra refugiados ou imigrantes.

'Arpad Habony é o ex-estudante de arte húngaro que passou a ser estrategista de Viktor Orbán. Hoje Habony é um milionário oligarca'.

O reposicionamento de Orbán e suas táticas surtiram grande efeito. Com a queda do regime soviético e a abertura econômica, as indústrias húngaras passaram a privilegiar a produção, e não o pleno emprego, o que fez a população conviver de uma hora para outra com medo do desemprego, ou de ter seu posto de trabalho tomado por estrangeiros. A Hungria – um país pequeno e pouco poderoso – fora ocupada por forças estrangeiras em quase todo o século XX (primeiro otomanos, depois austríacos e, por fim, soviéticos), todas elas falando uma língua diferente do húngaro. Poucos locais seriam mais propícios para um discurso xenófobo.

Orbán ainda foi auxiliado por um escândalo fortuito envolvendo o áudio vazado de uma reunião interna do Partido Socialista em 2006, onde o primeiro-ministro deu a entender que o partido mentia sistematicamente, e pela crise de 2008 que atingiu fortemente a Europa. Estavam postas as condições para a vitória esmagadora do Fidesz em 2010, com mais de dois terços das cadeiras do parlamento (68%), o que deixou Orbán, inclusive, com o poder de reescrever a Constituição do país – o que ele não tardou a fazer.

Ele atacou a democracia em três frentes. Primeiro, redesenhou os mapas eleitorais, mudando de fato as regras do jogo de forma a favorecer seu partido (prática conhecida na ciência política como “gerrymandering”). Segundo, interferiu no Tribunal Constitucional Húngaro, passando o número de componentes de 8 para 15, nomeando 7 deles de uma só vez e limitando seus poderes, ao mesmo tempo que dava ao executivo o poder de nomear e exonerar livremente juízes. Também atacou a mídia e a imprensa com um conjunto extremamente repressivo de leis, incluindo ameaças e multas pesadas ao que o governo considerasse de alguma maneira imprensa “inadequado”, ao ponto de hoje se considerar que a Hungria não possui mais liberdade de imprensa.

Em julho de 2014, em um famoso discurso, Viktor Orbán assumiu expressamente o desejo de transformar a Hungria em uma “democracia iliberal”, citando a Rússia de Putin e a Turquia de Erdogan como exemplos de países que estariam mais aptos do que as antiquadas democracias liberais a prosperar no mundo contemporâneo. É motivo para debate se Orbán tinha ou não ciência do termo (e do conteúdo do termo) cunhado por Zakaria ou se foi coincidência. O fato é que, coincidência ou não, Orbán se transformou em uma imagem viva de todo o movimento antecipado por Zakaria, servindo de inspiração declarada para movimentos na Polônia, Áustria, Suíça, Itália, França, Dinamarca e Noruega, entre outros países.

O modelo de Orbán atravessou o Atlântico, principalmente, nas mãos de Steve Bannon, ex-chefe do site Breitbart News – que se definia como “a plataforma da direita alternativa” –, estrategista da campanha de Trump e conselheiro presidencial até 2017. Bannon já se referiu a Orbán como “o Trump antes do Trump”, “o homem mais interessante da cena política atual” e “uma das pessoas mais geniais do mundo”. Sob a influência de Bannon, Trump elogiou repetidamente a “política migratória” de Orbán e adaptou a estratégia já utilizada com sucesso na Hungria e Rússia (principalmente durante a ocupação da Crimeia) de disseminação deliberada de informações adulteradas ou falsas nas mídias convencionais e internet.

Após ser demitido da posição na Casa Branca em 2017, Bannon ainda se viu no centro do escândalo da Cambridge Analytica (empresa de assessoramento eleitoral baseada em coleta de dados da qual foi vice-presidente que atuou não só na campanha de Trump como no plebiscito do Brexit) onde se revelou que perfis psicológicos eram coletados de milhões de pessoas no Facebook sem consentimento. Atualmente, Bannon tenta criar um centro de treinamento para líderes políticos na Europa, vinculado ao que denomina “The Movement”, para difusão do modelo de democracia iliberal de Orbán na Europa e no mundo – apoiado, inclusive, pelo próprio Orbán. Entre os associados ao movimento estão Marine Le Pen, na França, Matteo Salvini, na Itália, e Eduardo Bolsonaro, representando a América Latina.

'Steve Bannon é o estrategista da campanha de Trump e conselheiro presidencial até 2017. Bannon já se referiu a Orbán como “o Trump antes do Trump”, “o homem mais interessante da cena política atual” e “uma das pessoas mais geniais do mundo”.

A instalação do centro ocorreria no mosteiro de Trisulti, edificação medieval na aldeia de Collepardo, mediante uma concessão governamental dada por Roma ao Dignitatis Humanae Institute, organização conduzida pelo conservador inglês Benjamin Harnwell. A ideia ambiciosa de Bannon, o responsável pelo currículo do que classificava como uma “escola de gladiadores” – e que traria nomes como o brasileiro Olavo de Carvalho em seus quadros – seria aliar os movimentos populistas e nacionalistas em ascensão no continente com setores ultraconservadores da Igreja Católica, descontentes com o direcionamento progressista da instituição sob o comando do Papa Francisco, formando e aprimorando líderes políticos nacionalistas e iliberais não só na Europa, como no mundo todo.

O plano de Bannon levou recentemente dois duros golpes: Primeiro, o Governo da Itália, em maio de 2019, revogou o direito de uso do edifício de 800 anos pelo Dignitatis Humanae Institute, alegando descumprimentos contratuais. Não bastasse isso, no início de setembro, Matteo Salvini, ministro do Interior e líder da extrema-direita italiana e do partido nacionalista Liga, até então figura de imenso poder no país, tentou derrubar o governo apresentando moção de desconfiança contra o primeiro-ministro Giuseppe Conti. Com isso buscava antecipar as eleições e assumir como premier, amparado em expectativas de apoio popular que se mostraram superestimadas e domínio da polarização nas redes sociais italianas. Seria um bom cenário para Bannon e os nacionalistas, mas uma aliança de última hora entre o Movimento 5 Estrelas (M5S), anterior aliado de Salvini, e o social-democrata Partido Democrático (PD), o isolou, retirando-o do poder sem arriscar novas eleições. Sua substituta, Luciana Lamorgese, tem um comportamento completamente oposto: é defensora de políticas de acolhimento para imigrantes e refugiados, antes alvos de insistentes e agressivos ataques midiáticos de Salvini. Com isso, a Itália, que antes parecia ambiente propício para os planos de consolidação de movimentos nacionalistas, ao menos temporariamente parece tê-los adiado. E, no resto da Europa, a figura de Bannon parece estar atraindo menos fascínio, após sua desvinculação da Casa Branca e a erupção do escândalo Cambridge Analytica, tornando difícil o estabelecimento de sua academia em outro local.

A Itália, por obra de uma reviravolta política típica dos parlamentarismos, parece ter mudado de rumo momentos antes de se aprofundar no populismo iliberal. Também, é possível argumentar que os Estados Unidos e as nações mais estáveis da Europa ocidental, que gozam de solidez democrática bem superior à da Hungria e da Rússia, possuem anticorpos institucionais – principalmente partidos equilibrados, no caso dos EUA, compromissos democráticos reforçados pelo bloco europeu, na UE, e estabilidade constitucional, inclusive em relação a liberdades históricas de imprensa – que seriam capazes de impedir os fenômenos iliberais de alta intensidade que Orbán e Putin criaram em seus países. Mas o que dizer em países onde a democracia historicamente se mostra frágil, como no caso do Brasil, que conta com uma história entrecortada por períodos autoritários?

*Douglas Oliveira Donin é mestrando em direito civil e empresarial na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista em direito internacional e direito da integração (“A constitucionalidade da entrega de nacionais ao Tribunal Penal Internacional”, 2011), pela UFRGS. Palestrante no Núcleo de Estudos em Direito, Economia e Políticas Públicas (Nedep-UFRGS) desde 2011.

Referências

Kingsley, P. “How a liberal dissident became a far-right hero, in Hungary and beyond”. The New York Times, Nova York, 2018. Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/04/06/world/europe/viktor-orban-hungary-politics.html. Acesso em: 9 ago. 2019.

Paul, C.; Matthews, M. “The russian ‘firehose of falsehood’ propaganda model: Why it might work and options to counter it”. Santa Monica: RAND Corporation, 2016. Disponível em: http://www.rand.org/pubs/perspectives/PE198.html. Acesso em: 9 ago. 2019.

Satter, D. Darkness at dawn: The rise of the russian criminal state. New Haven: Yale University Press, 2004.

Squires, N. “Italy scotches Steve Bannon’s plans to create ‘gladiator school’ for the alt-Right in ancient monastery near Rome”. The Telegraph, [s. l.], 2019. Disponível em: https://www.telegraph.co.uk/news/2019/05/31/italy-scotches-steve-bannons-plans-create-gladiator-school-alt/. Acesso em: 6 set. 2019.

Zakaria, F. “The rise of illiberal democracy”. Foreign Affairs, Nova York, 1997. v. 76, n. 6, p. 22–43,

Zuidijk, D. “Jair Bolsonaro’s son joins Steve Bannon’s nationalist alliance”. Bloomberg.com, Nova York, 2019. Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-02-02/jair-bolsonaro-s-son-joins-steve-bannon-s-nationalist-alliance. Acesso em: 9 ago. 2019.

“Em derrota de Salvini, Itália evita novas eleições com acordo entre partidos antagônicos”. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/08/em-derrota-de-salvini-italia-evita-nova-eleicoes-com-acordo-entre-partidos-antagonicos.shtml. Acesso em: 6 set. 2019.

[1] Apesar do violento episódio da crise constitucional de 1993, quando, sem estar autorizado pela Constituição, dissolveu o parlamento, acuando os líderes da oposição na sede do Soviete Supremo, que terminou bombardeada e invadida pelo exército.

ComCiência

Em destaque

Após declaração de apoio de Jerônimo, prefeito de Lajedão é flagrado em esquema de corrupção

  02 de outubro de 2024 | 15:51 Após declaração de apoio de Jerônimo, prefeito de Lajedão é flagrado em esquema de corrupção exclusivas Falt...

Mais visitadas