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terça-feira, julho 05, 2022

"Confissões do Diabo": o nazista Eichman revela seus crimes do Holocausto em áudios inéditos.




Sessenta anos após a execução de Eichmann, o chefe da logística do Holocausto, um documentário israelense revela as confissões do nazista em sua própria voz. 

Por Isabel Keshner, NYT

Uma série de entrevistas gravadas quando o nazista Adolf Eichmann ainda vivia escondido na Argentina e mantidas por décadas no arquivo do governo alemão revelam as confissões orgulhosas do criminoso de guerra em sua própria voz.

Horas de antigas gravações de áudio, que foram negadas aos procuradores israelenses na época do julgamento de Eichmann, forneceram a base para a série intitulada “The Devil’s Confession: The Lost Eichmann Tapes” (Confissões do diabo: as gravações perdidas de Eichmann, em tradução livre), que gerou um atento interesse em Israel depois de ser veiculada, no mês passado.

Os áudios caíram em várias mãos particulares depois de serem gravados, em 1957, por um holandês simpatizante nazista, antes de finalmente acabarem em um arquivo do governo alemão, que, em 2020, deu aos cocriadores da série — Kobi Sitt, o produtor; e Yariv Mozer, o diretor — permissão para usá-los.

Eichmann foi capturado insistindo que não passava de um mero funcionário que seguia ordens, negando responsabilidade por crimes pelos quais acabou condenado. Descrevendo-se como uma pequena engrenagem no aparato do Estado, encarregado de organizar horários de trens, sua professada mediocridade engendrou a teoria da filósofa Hannah Arendt a respeito da banalidade do mal.

“Se tivéssemos matado 10,3 milhões de judeus, eu diria com satisfação: ‘Muito bem, destruímos um inimigo’. Sei que serei julgado por isso. Mas não posso lhe dizer que foi diferente. Esta é a verdade. Por que devemos negá-la?Para mim, não há nada pior do que uma pessoa que faz algo e posteriormente nega o que fez”.

Os áudios exibidos pela série documental, no entanto, mostram um nazista plenamente consciente da magnitude de seus crimes. A série intercala as horripilantes palavras de Eichmann, em alemão, em defesa do Holocausto, com reencenações de reuniões de simpatizantes nazistas ocorridas em 1957, em Buenos Aires, onde as gravações foram feitas.

Evidências inéditas

Expondo o antissemitismo visceral e ideológico de Eichmann, seu afinco em caçar judeus e sua função na mecânica do genocídio, a série revela ao público pela primeira vez na história evidências que não foram apresentadas no julgamento.

Ele disse aos seus interlocutores que “não dava a mínima” se judeus enviados a Auschwitz sobreviviam ou morriam. No julgamento, ele negou ter conhecimento específico sobre o destino dos judeus; nas gravações, ele afirmou que a ordem era “que judeus aptos para o trabalho fossem mandados para trabalhar, e judeus não aptos para o trabalho fossem mandados para a Solução Final, e ponto”, o que significava sua execução sumária.

“Se tivéssemos matado 10,3 milhões de judeus, eu diria com satisfação: ‘Muito bem, destruímos um inimigo’. Deste modo teríamos cumprido nossa missão”, afirmou ele, em referência ao total de judeus na Europa. As gravações ainda registraram Eichmann esmagando uma mosca que zumbia pelo recinto enquanto descrevia “a natureza judaica” do inseto.

Escutando as gravações hoje, as confissões francas de Eichmann são assustadoras.

“É algo difícil o que lhe estou dizendo”, afirma Eichmann na gravação, “e sei que serei julgado por isso. Mas não posso lhe dizer que foi diferente. Esta é a verdade. Por que devemos negá-la?”. “Para mim, não há nada pior”, acrescentou ele, “do que uma pessoa que faz algo e posteriormente nega o que fez”.

Mozer, o diretor da série documental, que também escreveu o roteiro da obra e é neto de sobreviventes do Holocausto, afirmou: “Isso serve de prova contra negacionistas do Holocausto e é uma maneira de ver a cara real de Eichmann”.

“Com toda franqueza, através da série, as gerações mais jovens saberão do que tratou o julgamento e conhecerão a ideologia por trás da Solução Final”, acrescentou ele.

O documentário foi exibido recentemente para comandantes militares e oficiais das agências de inteligência israelenses — uma indicação da importância atribuída à obra em Israel.

Um julgamento histórico

O julgamento de Eichmann ocorreu em 1961, depois de agentes do Mossad o capturarem na Argentina e o levarem para Israel. Os depoimentos chocantes dos sobreviventes e o absoluto horror do Holocausto são expostos com detalhes assustadores para israelenses e cidadãos de todo o mundo.

A corte contou com abundante documentação e depoimentos de várias testemunhas para fundamentar a condenação de Eichmann. A acusação também obteve mais de 700 páginas de transcrições dos áudios gravados em Buenos Aires, marcadas por correções escritas por Eichmann.

Eichmann afirmava que as transcrições distorceram suas palavras. A Suprema Corte de Israel não as aceitou como evidências, com exceção das anotações por escrito, e Eichmann desafiou o procurador-chefe, Gideon Hausner, a apresentar as gravações originais, certo de que elas estavam bem escondidas.

No livro que escreveu a respeito do julgamento, “Justice in Jerusalem” (Justiça em Jerusalém), Hausner relatou como tentou obter as fitas até o último dia do interrogatório de Eichmann — e notou: “Ele dificilmente teria sido capaz de negar que se travava de sua própria voz”.

Hausner contou que as fitas lhe foram oferecidas por US$ 20 mil, uma vasta quantia na época, e que ele estava preparado para aprovar o gasto, “considerando sua importância histórica”. Mas o vendedor não identificado impunha a condição de que elas não fossem levadas a Israel antes da conclusão do julgamento, afirmou Hausner.

Nazistas na Argentina

As fitas foram gravadas por Willem Sassen, jornalista holandês, oficial da SS nazista e propagandista durante a 2.ª Guerra. Enquanto integravam um grupo de nazistas que fugiram para Buenos Aires, ele e Eichmann empreenderam o projeto das gravações almejando a publicação de um livro após a morte de Eichmann. Membros do grupo se reuniam por horas na casa de Sassen semanalmente, onde bebiam e fumavam.

E Eichmann falava sem parar.

Depois dos israelenses capturarem Eichmann, Sassen vendeu as transcrições das gravações para a revista Life, que publicou dois trechos resumidos da fala do nazista. Hausner considerou-os uma versão “cosmetizada”.

Após a execução de Eichmann, em 1962, as fitas originais foram vendidas para uma editora na Europa e acabaram compradas por uma empresa que permaneceu anônima e entregou-as para os arquivos federais da Alemanha em Koblenz, com instruções para que as gravações fossem usadas somente em pesquisas acadêmicas.

Áudios inéditos

Bettina Stangneth, filósofa e historiadora alemã, baseou em parte seu livro de 2011, “Eichmann Before Jerusalem” (Eichmann antes de Jerusalém) nas gravações. As autoridades alemãs tornaram públicos apenas poucos minutos dos áudios, mais de duas décadas atrás, “para provar que existiam”, afirmou Mozer.

Sitt, o produtor do novo documentário, fez um filme sobre Hausner para a TV israelense 20 anos atrás. A ideia de obter as fitas de Eichmann ficou em sua cabeça desde então, afirmou ele. Assim como Mozer, o diretor da série documental, Sitt também é neto de sobreviventes do Holocausto.

“Não tenho medo da memória, tenho medo do esquecimento”, afirmou Sitt a respeito do Holocausto, acrescentando que seu objetivo com o filme foi “prover uma ferramenta de alento para a memória” à medida que a última geração de sobreviventes desaparece.

Sitt se aproximou de Mozer depois de assistir o documentário que ele dirigiu em 2016, “Ben-Gurion, Epilogue” (Ben-Gurion, epílogo), que transcorre em torno de uma entrevista com o primeiro-ministro fundador de Israel que havia se perdido.

As autoridades alemãs e os proprietários das fitas de Eichmann deram aos documentaristas livre acesso às 15 horas de gravações que sobreviveram. (Sassen gravou cerca de 70 horas, mas reutilizou muitos dos caros rolos de gravação depois de transcrever seu conteúdo.) Mozer afirmou que o proprietário das fitas e do arquivo em texto por fim concordaram em dar aos documentaristas acesso ao material, certos de que eles usariam o conteúdo de maneira respeitosa e responsável.

O projeto cresceu e se transformou em uma coprodução de quase US$ 2 milhões, realizada pela Metro-Goldwyn-Mayer; a Sipur, uma produtora israelense anteriormente conhecida como Tadmor Entertainment; a Toluca Pictures; e a Kan 11, a emissora pública de TV israelense.

Uma versão de 108 minutos estreou na abertura do Docaviv, o Festival Internacional de Documentários de Tel-Aviv, nesta primavera. Uma versão de 180 minutos, dividida em três episódios, foi exibida na TV israelense em junho. A Metro-Goldwyn-Mayer busca parceiros para licenciar e colocar a série no ar mundialmente.

As conversas na sala de estar de Sassen são intercaladas com imagens do julgamento e entrevistas com sobreviventes do Holocausto que participaram das audiências. As imagens de arquivo foram colorizadas porque, segundo os documentaristas, os jovens de hoje consideram irrealistas imagens em preto e branco, como se viessem de um outro planeta.

A professora Dina Porat, historiadora-chefe do Yad Vashem, o museu oficial de Israel em memória ao Holocausto, afirmou que escutou no rádio a transmissão do julgamento de Eichmann diariamente, “da manhã até a noite”, enquanto cursava o último ano ensino médio.

“Toda a sociedade israelense estava ouvindo — motoristas de táxi ouviam, foi uma experiência nacional”, afirmou ela.

A professora Porat afirmou que o último grande evento relacionado ao Holocausto em Israel foi provavelmente o julgamento de John Demjanjuk, no fim dos anos 80, e sua subsequente apelação bem-sucedida à Suprema Corte israelense.

“A cada poucas décadas há um tipo diferente de sociedade israelense escutando”, notou ela. “Os jovens de hoje não são iguais aos jovens das décadas anteriores.”

O documentário também analisa os interesses dos líderes israelenses e alemães em uma época de cooperação crescente, e como isso pode ter influenciado os procedimentos do tribunal.

O filme afirma que David Ben-Gurion, o então primeiro-ministro, preferiu que as fitas de Eichmann não fossem ouvidas por causa de detalhes constrangedores que poderiam emergir a respeito de um ex-nazista que trabalhava no gabinete do então chanceler alemão e por causa do controvertido tema de Rudolf Kastner, um judeu húngaro que ajudou muitos judeus a fugir em segurança mas também foi acusado de colaborar com Eichmann.

O Estado de São Paulo

O Ocidente de olho na eleição no Brasil




Governos ocidentais esperam que o pleito encerre a pior fase da diplomacia com o País desde a redemocratização

Por Oliver Stuenkel* (foto)

Amenos de cem dias do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, a grande maioria dos governos ocidentais espera que o pleito encerre a pior fase das relações diplomáticas com o País desde a redemocratização. A “torcida” deve-se menos a uma simpatia pela esquerda brasileira do que à percepção de que, enquanto Bolsonaro for presidente, as divergências com a Europa e com os Estados Unidos serão insuperáveis. Os principais integrantes de chancelarias como as de Washington, Lisboa, Paris e Berlim afirmam que, sem troca de comando no Planalto, não há esperança de se resolverem os impasses em áreas como o combate às mudanças climáticas, o multilateralismo e a defesa dos direitos humanos.

A rejeição não é à direita como um todo, mas a Bolsonaro. Prova disso é que, em anos recentes, líderes de direita, como o ex-presidente chileno Sebastian Piñera e o ex-presidente argentino Maurício Macri, mantiveram boas relações com o Ocidente. A questão é que a postura antiambientalista e “antiglobalista” do mandatário brasileiro e suas falas pouco ciosas com a democracia o levam a ser visto como o principal expoente do trumpismo na atualidade. Isso também faz com que os governos do Norte global enxerguem sua derrota como um sinal de resiliência da democracia brasileira, independentemente de eventuais erros de governos petistas anteriores.

Aos olhos do Ocidente, o maior trunfo de Lula é não ser Bolsonaro, e isso certamente lhe trará um bônus diplomático caso seja eleito. Afinal, países como Alemanha, França e Noruega vêm nutrindo a expectativa de ampliar a cooperação com o Brasil, sobretudo na área ambiental e nos fóruns multilaterais. Diferentemente do atual presidente, é difícil pensar que Lula se envolveria em bate-bocas com líderes europeus, questionaria o resultado das eleições americanas ou defenderia pautas ultraconservadoras na ONU, para citar alguns feitos da atual gestão. Mas o fato de ter uma postura mais condizente com o cargo não significa que Lula seja o queridinho do Ocidente ou que as relações estariam livres de fricções e desavenças.

SEM GUINADAS. Para começo de conversa, é improvável que uma vitória petista trouxesse mudanças significativas na postura brasileira em relação à questão mais premente da política internacional contemporânea: a guerra na Ucrânia. Lula, como o antecessor, tampouco cederia ao desejo americano e europeu de conter a crescente influência econômica e política chinesa na América Latina. Especialmente no contexto da provável piora na relação do Ocidente com a Rússia e com a China ao longo dos próximos anos e do possível surgimento de uma Cortina de Ferro Digital, fruto da “guerra tecnológica” entre Pequim e Washington, preservar laços construtivos entre o Brasil e o Ocidente não será uma tarefa simples.

Além disso, mesmo se vencer de lavada em outubro, é provável que Lula enfrente os mesmos obstáculos perniciosos da polarização extrema que atualmente enfraquecem o governo Biden, com milhões de americanos questionando a legitimidade do democrata. Esse fenômeno limita o espaço de manobra de Biden no âmbito externo. Da mesma forma, um cenário econômico altamente adverso – agravado pela “herança maldita” que o atual governo deixará no âmbito fiscal – fará com que o próximo presidente brasileiro tenha que dedicar muito mais tempo aos desafios internos, reduzindo o espaço para projetos na área internacional e o potencial para contribuições brasileiras no cenário global. Diferentemente da primeira “onda rosa” dos anos 2000, marcada por um boom de commodities que possibilitou gastos sociais elevados e gerou estabilidade política, os presidentes da segunda onda rosa devem enfrentar um cenário muito mais complexo e turbulento.

ENTRAVES? Outro aspecto a se destacar é que, em duas áreas importantes da agenda ocidental em relação ao Brasil – a adesão brasileira à OCDE e a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia –, o principal assessor de Lula para assuntos internacionais, o ex-ministro Celso Amorim, tem deixado em aberto qual seria a estratégia brasileira. Ele argumenta que ser membro da OCDE não traz necessariamente vantagens ao Brasil.

Apesar desses prováveis entraves na relação do Brasil com outras nações ocidentais depois de uma eventual derrota de Bolsonaro, não há dúvida de que um possível governo Lula poderia aproveitar o desejo ocidental de se reaproximar para negociar acordos vantajosos, seja garantindo ajuda bilionária para preservar a Amazônia, seja cobrando medidas concretas para atenuar o impacto econômico negativo das sanções ocidentais à Rússia. Se for bem aproveitada, a lua de mel do governo Lula com o Ocidente pode ser um período altamente produtivo para a diplomacia brasileira. 

*É analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP

O Estado de São Paulo

Em diálogo cabuloso, PCC nega envolvimento com PT: "Nóis tem vergonha na cara, mano".




A facção criminosa PCC se revolta diante das acusações de aliança com o PT: “Nóis mata, mais num manipula foto”. 

Por Paulo Polzonoff

A facção criminosa conhecida como PCC (não confundir com outra facção criminosa de sigla igual, o Partido Comunista Chinês) reagiu às acusações do mensaleiro Marcos Valério publicadas na revista Veja. De acordo com a publicação, o Partido dos Trabalhadores, aquele mesmo de Lula, Dilma, Gleisi e Dirceu, mantém uma relação de longa data com os narcotraficantes.

Entre a alta burguesia petista, a notícia não fez nem cócegas. “Muito estranho ressuscitarem Marcos Valério e até Celso Daniel a poucos meses da eleição”, disse um sindicalista. “Tinha que ser careca mesmo!”, desprezou um professor universitário. “Vocês vão ter que engolir o Lula”, afirmou ou argumentou ou ameaçou alguém que passou atrás de mim agora mesmo e me viu escrevendo esta coluna.

Nas cadeias, contudo, a reação foi bem diferente. Quem viu a notícia pela primeira vez foi Zé Macaxera, 30 mortes e 50 toneladas de cocaína nas costas. Ele recebeu uma notificação em seu celular enquanto jogava Hay Day numa confortável cela do presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau. Ao ver aquilo, Macaxera correu para avisar um superior na hierarquia da organização criminosa, um ruivo que atendia pela curiosa alcunha de Águas Ferruginosas. Meia hora mais tarde, Macaxera foi encontrado morto com algumas centenas de estocadas e uma mensagem escrita à faca no peito: “De notícia ruim nóis num gosta”.

Mas não havia nada que Águas pudesse fazer para conter a disseminação daquilo que o PCC considera a maior ofensa à história da instituição em seus trinta anos de existência. “Assim nós vai tê que acioná o jurídico e até os mano que cuida de nóis lá em Brasília”, disse Alexandre Sem Sobrenome, figura do alto escalão do PCC que alterna períodos dando golpes em velhinhos pelo celular e trabalhando como assessor de imprensa da facção.

Foi graças ao Alexandre Sem Sobrenome que consegui falar com Marcelinho Tchê Quevara, vice-presidente de relações institucionais, head of compliance e chief organizer murderer do PCC. Antes do meu encontro com a renomada fonte, porém, Sem Sobrenome me disse para ser precavido com as palavras, porque “o Quevara é extraordinário (na verdade usou uma rima com “moda”) e muito prestativo (na verdade usou uma rima com “pelica), mas tome cuidado com as perguntas”. E também me aconselhou enfaticamente a fazer a entrevista antes do almoço. Não entendi por quê.

Mocó

Cheguei ao local combinado, um restaurante chamado Mocó, e fui recebido com um abraço efusivo e provocações carinhosas. É que fui trajado com uma camiseta do ***********. Me colocaram para sentar numa dessas mesas de plástico e me serviram uma cerveja pale ale. “Disculpa. A gente tamo sem IPA”, me explicou alguém cujo nome não consegui descobrir, porque logo Marcelinho Tchê Quevara apareceu, se sentou à minha frente e, sem titubear, apontou uma arma em minha direção.

“Ô, Cabeçote, manda matá o Sem Sobrenome. O cara era parça, mais é trairage mandá aqui um cara com essa camisa imunda. Tá careca de saber que eu torço pro *** *****, pô!”. O tal de Cabeçote saiu da sala e temi pela vida do Sem Sobrenome, com quem jamais consegui contato novamente. Engoli em seco como se estivesse num desenho animado. Quase pude ver um balãozinho com “gulp” sobre minha cabeça.

Diante do meu silêncio, Quevara se pôs a falar. “Mais agora que tá aqui, desembucha, por favor [na verdade ele usou uma rima com “orvalho”]. O que é que o senhor qué sabê di nóis?”, perguntou ele. Até mesmo os repórteres mais corajosos hesitam com uma arma na cabeça, mas rezei um Pai Nosso e, de uma vez só, fui questionando todos os quês, quens, quandos, quantos e ondes que considerei necessários. E enquanto esperava pelas respostas que jamais viriam a público, imaginei as notas de repúdio da ABI, FENAJ e Sindijor.

Quevara ficou furioso. “Só num ti mato agora porque ainda num almocei”, disse. “É um absurdo essa coisa di parceria com o PT, tá ligado? Nóis é bandido, mais tem vergonha na cara. Tá pensano o quê?! Nóis num vai na Missa pra pedi voto em ano de eleição. Nóis num é loco. Nóis mata, mais num manipula foto. Nóis esquarteja, mais num chega nem perto duma urna eletrônica. Nóis explode caixa eletrônico, mais num assalta estatal. Tu e seus colega tá falano bobagem. Aquilo o papo é reto, mano. O bagulho é loco, mais tudo tem limite. Tudo!”, continuou.

Por um instante, me esqueci da arma na cabeça e me lembrei do simpático e hoje esquecido Juó Bananère (corre pesquisar no Google). Veja só as coisas que a gente lembra quando está para morrer. Quevara engatilhou a arma, fez mira bem no meio da minha testa e disse: “Só num vô ti matá porque você parece o Lênin. E tamém pra você voltá lá e iscrevê assim bem grande no seu jornal: ‘Em diálogo cabuloso, PCC nega envolvimento com PT’". Comentei que era um ótimo título, mas que, se o distinto cavalheiro me permitisse, eu acrescentaria uma fala dele: “Tu tá brincando com a sorte, truta!”, disse ele, abrindo um riso de ouro, rubi, esmeraldas e cristais Swarovsky. Sempre, pensei. Sempre.

Gazeta do Povo (PR)

Polônia decide reforçar exército com 15 mil soldados

 




Em preparação para uma hipotética invasão russa, governo polonês decide ampliar efetivo e modernizar equipamentos militares. Segundo resultados de simulações, a Polônia resistiria apenas cinco dias às forças russas.

A Polônia decidiu reforçar seu Exército com 15 mil novos soldados neste ano. A medida faz parte do plano do governo de ampliar a capacidade militar do país e melhorar os resultados obtidos em simulações de uma hipotética invasão da Rússia.

O ministro da Defesa da Polônia, Mariusz Blaszczak, anunciou nesta segunda-feira (04/07) que oito mil dos 15 mil novos recrutas estarão aptos e capacitados para operações após a conclusão de um treinamento básico de 28 dias. Blaszczak afirmou ainda que, a partir desta semana, outros mil jovens recrutas começam o período de instrução em 16 quartéis espalhados pelo território polonês.

O programa de expansão do Exército polonês inclui duplicar o número de efetivos, aumentar os gastos em defesa para até 3% do Produto Interno Bruto (PIB), além de modernizar os equipamentos, com, por exemplo, a compra de 250 tanques Abrams e 32 caças F-35.

O presidente do partido governista da Polônia, Jaroslaw Kaczynski, afirmou na sexta-feira em visita a cidade de Kielce que é importante "mostrar para nossos inimigos que não vale a pena atacar" e sublinhou que a doutrina de defesa da Polônia consiste apenas em "defender a fronteira no rio Vístula, porque a invasão significaria que milhões de poloneses morreriam como em Bucha", referindo-se à cidade ucraniana localizada nos arredores de Kiev, onde centenas de civis foram encontrados mortos após a saída das tropas russas.

Na região mencionada por Kaczynski, onde está localizada a fronteira com a Rússia, um ano e meio atrás, as tropas da Polônia realizaram exercícios para simular um ataque da vizinha Rússia.

Polônia não resistiria cinco dias à força russa

Na citada simulação militar, descrita pelo presidente polonês, Andrzej Duda, como "a maior mobilização desde 1989", concluiu-se que, perante uma invasão russa, a Marinha e a Força Aérea da Polônia seriam praticamente suprimidas nos primeiros cinco dias de combate, bem como todas as forças terrestres a leste do rio Vístula.

No entanto, de acordo com informações militares divulgadas pela imprensa polonesa, se desde o início do hipotético conflito fosse escolhida uma linha defensiva ao longo do rio Vístula e a Força Aérea transferisse as aeronaves para bases alemãs para sobreviver aos primeiros ataques, seria possível conter o avanço dos invasores até que a ajuda pudesse ser recebida.

Na mais recente cúpula da Otan, foi anunciada a instalação do quartel general do 5º Corpo do Exército Americano na Polônia. No encontro de líderes, além disso, a Rússia foi classificada como a "mais significativa e direta ameaça" para a aliança.

Deutsche Welle

Kamikases

 




A PEC aprovada no Senado na semana passada é a batalha decisiva de um governo que não vê diante de si nenhuma perspectiva séria de reeleição

Por Denis Lerrer Rosenfield* (foto)

O governo Bolsonaro está em seu estertor. Só isso explica um conjunto de medidas eleitoreiras, ao arrepio da lei e da Constituição, visando exclusivamente à sua reeleição. Qualquer pudor, qualquer respeito constitucional e qualquer compostura com os recursos públicos foram simplesmente desconsiderados. Propostas de governo e futuro de país tornam-se fora de moda, como se a moda fosse deixar terra arrasada para outro governante. Se o presidente tivesse um sentido mínimo de responsabilidade e uma visão de Estado, saberia que, após ele, se ele mesmo for eventualmente reeleito, há todo um país a ser reconstruído.

Institucionalmente, o País está arrasado, embora mantenha a aparência jurídica da normalidade. Exemplo disso, entre tantos outros, está a agora dita PEC Kamikase, cujo nome vem bem a propósito, visto que é um rombo nas contas públicas, uma espécie de morte politicamente produzida. Lembre-se que os kamikases eram pilotos japoneses que, no final da guerra, nas batalhas do Pacífico, lançavam seus aviões carregados de explosivos contra os navios aliados. Ou seja, tratava-se de ataques suicidas, assim planejados.

Ora, a dita PEC é uma missão suicida no que diz respeito às contas públicas, à responsabilidade fiscal e, portanto, ao combate à inflação e à redução da dívida pública, produtora no médio prazo de mais miséria e menor crescimento. É a batalha decisiva de um governo que não vê diante de si nenhuma perspectiva séria de reeleição. Não sem razão – se razão nisso há –, ainda recorre a um inexistente “estado de emergência”, para que o presidente não seja responsabilizado por irresponsabilidade fiscal ou por crime eleitoral. Note-se que, em vez de obediência à Constituição, recorre-se a uma gambiarra jurídica para evitar qualquer julgamento e condenação. O desrespeito à Constituição adota, paradoxalmente, uma forma constitucional.

Talvez não haja maneira melhor de enfraquecer uma democracia do que aparentemente segui-la, abandonando os seus valores, princípios e acordos relativos ao bem público. As instituições vão-se erodindo, como se nada estivesse acontecendo. O cinismo é completo, pois as bocas estão cheias de palavras que nada significam, apesar de tencionarem algo dizer. Na superfície, a normalidade continua vigorando, quando essas mesmas bocas se tornam vorazes na apropriação dos recursos públicos, que são, como se deveria saber, dos cidadãos, fruto dos impostos.

A contrapartida ao enfraquecimento democrático consiste nesta voracidade de parlamentares que passaram a controlar o Orçamento. O governo Bolsonaro está abdicando de governar, transferindo essa função a deputados e senadores que passariam a ter uma espécie de reserva de mercado no destino desses recursos. O dito orçamento secreto, que de secreto não tem mais nada, passaria a ser impositivo, segundo alguns deputados, levando qualquer governo progressivamente à imobilidade. O governo não mais governaria e o Parlamento só legislaria para melhor abocanhar sua fatia dos impostos. Do ponto de vista governamental, é propriamente kamikase!

Nesta tentativa de apagamento da democracia, do ato mesmo de governar em função do bem público, o presidente investe contra as urnas eletrônicas, como se fosse esse o grande problema nacional. Fome, miséria, inflação e, portanto, o desespero de milhões de brasileiros não fazem parte de suas preocupações. Tudo é manobra diversionista.

Não deveria, então, surpreender que a candidatura do ex-presidente Lula progrida, pois está conseguindo capturar para si um forte sentimento antibolsonarista, expressão de um país que começa a fartar-se de tanta pantomima e irresponsabilidade. E isto que as propostas petistas são atrasadas e nada oferecem de concreto no que diz respeito ao enfrentamento dos grandes problemas nacionais. Aliás, se falassem menos, poderiam avançar mais, uma vez que Bolsonaro joga contra si mesmo, fazendo o jogo do seu adversário principal. Se fosse petista, estaria apostando na radicalização bolsonarista.

Nada disso, porém, é brincadeira, por mais fanfarronice que se faça presente. É claro que a cobertura é muitas vezes politicamente correta, porque o discurso social não deixa de aparecer sob a forma de Auxílio Brasil, auxílio taxista, auxílio caminhoneiro ou outro grupo qualquer que o presidente procure privilegiar. Privilégio que se deve unicamente ao projeto reeleitoral, exclusiva preocupação bolsonarista. Os próprios senadores, infelizmente, caíram nesta arapuca, demonstrando falta de descortino político.

E isto no contexto mais geral de uma investida contra o processo eleitoral propriamente dito, via questionamento das urnas eletrônicas. Talvez o presidente Bolsonaro seja o único político do mundo a reclamar de fraude num processo eleitoral que o elegeu! Por coerência, deveria ter apresentado uma representação contra sua própria vitória. Agora, com a derrota se aproximando, o seu alvo passa a ser a própria democracia. Os bolsonaristas estão se tornando kamikases.

*Professor de filosofia na UFRGS 

O Estado de São Paulo

Guerra na Ucrânia: quantas pessoas já morreram no conflito




Um ataque aéreo russo em um prédio na cidade Lysychansk, na região de Luhansk, matou quatro pessoas que estavam se abrigando no local.

Por Sarah Habershon, Rob England, Becky Dale e Olga Ivshina*

Na vizinha Severodonetsk, mais dois morreram após um dia de bombardeios russos.

Outra pessoa morreu quando as forças ucranianas bombardearam os arredores da cidade de Donetsk.

Mais quatro foram mortos quando as forças russas abriram fogo em Sadivska, na região de Sumy, no nordeste da Ucrânia.

Os mortos nesses ataques — todos eles em apenas um dia de junho — são civis, acredita-se.

Mortes como a deles representam mais de um terço das registradas na Ucrânia desde 24 de fevereiro, de acordo com a análise da BBC News sobre dados do Armed Conflict Location and Event Data Project (Acled) — um grupo sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos que registra violência política.

Especialistas dizem que o número total de mortes registradas provavelmente são subestimados e que o real deve ser muito maior.

Ucrânia e Rússia afirmam que o número de mortos chega a dezenas de milhares, mas suas afirmações se contradizem e não há meios de verificá-las de forma independente.

Para se tentar calcular o custo humano da guerra, é necessário olhar para uma série de fontes, incluindo as Nações Unidas (ONU), governos nacionais e esforços de monitoramento independentes.

Onde as pessoas estão morrendo?

Este mapa mostra onde as mortes foram relatadas durante a guerra, até meados de junho.

As áreas sul e leste da Ucrânia, ao longo da fronteira com a Rússia, onde a invasão terrestre começou, sofreram com mais violência.

Os dados são da Acled, que conta episódios individuais de violência, como confrontos armados ou ataques aéreos, e suas localizações. Os dados são confirmados pela imprensa local e organizações parceiras, o que significa que o número de mortes relatado é menor do que de outras fontes.

Mortes relatadas onde a localização foi registrada

De 24 de fevereiro a 24 de junho. O tamanho dos círculos representa o número de mortes. O contador indica o total acumulado de mortes. Fonte: Acled

A Rússia anexou a Crimeia em 2014.

No total, a Acled registrou mais de 10 mil mortes na Ucrânia desde o início do conflito.

Mariupol (no sudeste), Kharkiv (nordeste) e Bilohorivka (leste) registraram os maiores números de mortes.

Quantos civis morreram?

Baseado nos dados da Acled, a BBC identificou cerca de 3,6 mil mortes de civis até meados de junho. A ONU confirma cerca de 4,7 mil mortes durante o conflito até o final de junho.

Ambos afirmam que seus números devem estar muito abaixo do real, por causa dos desafios na verificação de informações de guerra.

A ONU procura confirmar cada morte usando registros policiais, hospitalares ou civis.

Mas os dados da Acled incluem apenas aqueles associados a um evento específico confirmado — e deixa de fora pessoas que morreram por outros motivos, como fome ou falta de assistência médica.

Isso é importante em lugares como Mariupol, que passou muito tempo sitiada, com muitos civis presos na cidade.

"No total, nós estimamos [além das mortes confirmadas] que pelo menos 3 mil civis morreram em cidades sitiadas porque elas não conseguiram atendimento médico e por causa do estresse sobre sua saúde em meio às hostilidades", afirma a chefe da Missão de Monitoramento dos Direitos Humanos da ONU na Ucrânia, Matilda Bogner.

Como os civis estão sendo mortos?

A principal causa de mortes de civis na Ucrânia são bombardeios e ataques aéreos, de acordo tanto com a ONU e com a análise da BBC.

No entanto, quase mil civis foram mortos em ataques em curta distância, sugerem os dados da Acled — muitos deles, na época do cerco à capital ucraniana, Kiev.

De acordo com a Convenção de Genebra e outros tratados internacionais, atacar civis ou a infraestrutura vital para sua sobrevivência de forma deliberada é crime de guerra.

O procurador-geral da Ucrânia acusa a Rússia de cometer milhares de crimes de guerra durante o conflito, incluindo ataques diretos a civis.

A Rússia nega todas as acusações.

Quantos soldados morreram?

O número de baixas militares é uma informação sensível, porque ele forma a narrativa de quem está ganhando a guerra, diz Gavin Crowden, da entidade independente Every Casualty Counts, que faz contagem de mortes em conflitos.

"Ambos os lados estão muito atentos a isso", diz ele.

A Ucrânia não divulgou nenhuma estatística oficial sobre soldados mortos durante a guerra.

Mas, no início de junho, um assessor presidencial ucraniano disse à BBC que de 100 a 200 soldados ucranianos estavam morrendo na região de Donbas todos os dias.

Em abril, a Rússia disse ter matado cerca de 23 mil soldados ucranianos.

A Rússia raramente divulga suas próprias baixas militares.

A contagem de mortes mais recente foi em 25 de março, quando foi divulgado que 1.351 soldados russos haviam morrido desde o início da invasão.

Em abril, o governo do Reino Unido divulgou que cerca de 15 mil soldados russos haviam morrido.

A Ucrânia divulga com frequência números sobre mortes de militares russos — e alega que cerca de 35 mil russos morreram até o final de junho.

Nenhum desses dados pôde ser verificado. A ONU não considera confiáveis os números divulgados pelos envolvidos no conflito.

No entanto, pelo menos 4.010 óbitos de soldados russos foram verificadas individualmente pela BBC News Russian (serviço de notícias em russo da BBC), que vem registrando os nomes dos soldados que morreram desde o início da guerra.

Dos identificados, 685 eram oficiais e quatro eram generais. A maioria dos mortos são de patente inferior, como cabos e sargentos.

Esses soldados, cujos corpos foram repatriados para a Rússia, foram identificados pelo nome na imprensa estatal, mídia social, em relatórios oficiais de autoridades locais ou em conversas com pessoas que os conheciam.

O número de soldados cujos corpos permanecem na Ucrânia ou ainda não foram identificados é desconhecido.

"Todos os dias, a guerra tira dezenas de vidas de civis e de combatentes", diz Bogner. "Se vidas humanas importam, esses números falam por si."

*Colaboraram Jana Tauschinski, Libby Rogers e Kateryna Khinkulova.

BBC Brasil

A guerra da Ucrânia




A guerra da Ucrânia ajuda a expansão da OTAN

Por Mario Vargas Llosa (foto)

O mais importante na reunião da Otan em Madri, na semana passada, foi que a Turquia tenha levantado seu veto, em troca de certas concessões, para que Suécia e Finlândia se incorporem ao tratado de defesa atlântica. Uma vez mais se comprova, deste modo, que Vladimir Putin se equivocou com sua invasão à Ucrânia, pois essa medida arbitrária, irracional, intimidadora teve como consequência um fortalecimento da aliança atlântica.

Tanto Suécia como Finlândia mantinham sua neutralidade, à que renunciaram por temor, em razão dessa absurda guerra desatada pela Rússia contra a Ucrânia. Nenhum desses países quer ser invadido pelo gigantesco vizinho.

Mas talvez a notícia mais importante destes dias tenha sido o anúncio da líder do Partido Nacionalista Escocês, Nicola Sturgeon, de que em 19 de outubro de 2023 será realizado um referendo em que os escoceses votarão se querem independência do Reino Unido, algo que foi rejeitado há seis anos, em junho de 2016, quando a maioria dos escoceses votou a favor de continuar a aliança de vários séculos.

O governo britânico se opõe radicalmente a esse novo referendo por uma razão muito simples: desta vez, os nacionalistas escoceses poderão vencer. E por uma razão muito eloquente: a Escócia é a favor da Europa, pois vende a maioria de seus produtos ao continente e, em geral, não caiu bem entre os escoceses o triunfo do Brexit, ou seja, a separação do Reino Unido da União Europeia, no referendo no qual o atual primeiro-ministro, Boris Johnson, após vacilar entre ambas as opções, desempenhou um papel muito principal. Desde então, mesmo que ainda haja uma maioria de britânicos favoráveis a esta opção, aquela diferença diminuiu, de modo que é possível afirmar que qualquer das duas opções poderia alcançar a vitória. Para o Reino Unido, obviamente, isto seria grave, ainda mais porque essa separação não trouxe ao país as vantagens econômicas (dependentes dos EUA) que seus partidários anunciavam caso o Reino Unido se separasse da Europa.

No atual episódio, sem dúvida nenhuma, chama a atenção uma vez mais como a iniciativa de Vladimir Putin de invadir a Ucrânia foi precipitada e serviu, contrariamente aos seus cálculos, para reforçar a aliança atlântica em vez de debilitá-la. Isso ocorreu num momento em que a Otan recebia muitas críticas e até mesmo havia vozes que pediam sua supressão.

Nestes dias, semelhante pensamento não ocorreria a ninguém: este tratado atlântico de defesa é visto pelos países centro-europeus como uma garantia de que eles não serão invadidos pela Rússia e de que, se isso ocorrer, eles desfrutariam do apoio militar unânime da Otan.

Os nacionalistas espanhóis, sobretudo os catalães, costumam recorrer com frequência ao exemplo da Escócia e assinalar que ambos os casos – da Catalunha e da Escócia – são idênticos. Isso não é correto. A Escócia era um país devidamente conformado e independente, até que se uniu ao Reino Unido no século 18 (ainda que os estudiosos do tema assinalem que a Inglaterra fez correr muito dinheiro entre os que defendiam a aliança). E em 2014 houve uma consulta sobre a independência realizada plenamente de acordo com a lei.

Esta união tem sido proveitosa para os dois países até agora, mas o Brexit abriu uma distância entre eles, que, sem dúvida, terminará cedo ou tarde em um referendo que decidirá o pertencimento à Europa da terra escocesa.

Diga-se de passagem, o Brexit é uma das realizações mais disparatadas do primeiro-ministro britânico e está longe de ser uma opção decidida por uma maioria dos britânicos, como mostra a eleição dos nacionalistas escoceses, que acreditam que sua hora chegou.

A Escócia era um país perfeitamente formado, com um governo independente e vários tratados com diferentes países, quando se uniu à Inglaterra, já a Catalunha nunca (ou melhor colocado, apenas por dias ou horas) deixou de ser parte da Espanha nem teve anteriormente essa independência que os separatistas reivindicam, que, por sua vez, nunca tiveram a maioria do país a seu favor.

Mas sigamos ao centro da questão, que é a decisão de Vladimir Putin de invadir a Ucrânia, acusando seu governo de ser constituído por uma quadrilha de nazistas e recordando que o país sempre esteve unido à Rússia – nação que teria muitos vínculos com o passado ucraniano, cuja língua boa parte da população considera como sua, pois se fala e se escreve em russo por lá. Este argumento não é relevante, pois significaria que, por exemplo, o Haiti ainda pertence à França por razões históricas e culturais (o Haiti pertenceu à França, e seus cidadãos falam francês).

São muitos os países que mudaram de status no transcorrer dos séculos sem que por isso as antigas capitais reivindicassem algo como a propriedade dessas sociedades que passaram, às vezes, por muitas mãos até constituir-se independentes.

Repito aquilo que já disse: a decisão de Putin de invadir a Ucrânia e fazê-la pagar por sua “desobediência” foi grave para todo o mundo, pois dessa decisão poderia suceder um acidente que levaria os países mais comprometidos com a ação bélica a recorrer às bombas atômicas. De fato, o papa já considera que a terceira guerra mundial começou. Esperemos que ele esteja equivocado, pois se assim for, o mundo inteiro poderá arder, e muitos milhões de seres humanos poderão ser vítimas.

O pior da atual situação, que poderia se agravar, é a chuva de bombas que está caindo sobre a Ucrânia e a quantidade de mortes que ocorrem nesse canto da Europa. As consequências serão sem dúvida duradouras, e quando se tenham apaziguado as intemperanças que levaram a este mal-entendido, Rússia e Ucrânia permanecerão inevitavelmente inimigas. Enquanto isso, muitas pessoas já morreram e o apoio da Europa e dos EUA aos ucranianos, que parece ser bem grande, abre uma tensão que poderia causar feridas profundas e difíceis de curar.

É verdade que velhos sábios, como Kissinger, recomendam que algumas concessões sejam feitas à Rússia para que esta guerra termine, mas isso não será fácil, entre outras motivos porque a Ucrânia, que tem defendido sua integridade com grande coragem e a ajuda de todos os países democráticos, não concordará facilmente em fazer essa concessão.

E, enquanto isso, continuam morrendo não apenas ucranianos, mas também centenas ou milhares de soldados russos que foram aerotransportados para uma guerra que não esperavam nem queriam.

A reunião em Madri dos governantes dos países-membros da Otan só poderia ter apaziguado aqueles que, neste e em outros casos, apostam na derrota integral do inimigo. Nesta circunstância, não há inimigo que valha, pois a Rússia tem bombas atômicas e o próprio Putin poderia recorrer a este arsenal fazendo o mundo inteiro viver uma onda de suicídio coletivo.

É verdade que a Ucrânia não pode ser invadida sob o pretexto de ter um governo de “nazistas”; mas a solução deste conflito, a não ser que o mundo decida pôr fim à sua existência, passa pelo diálogo e – ainda que pareça difícil neste momento – pela serenidade das partes envolvidas.

O conflito está em marcha e há muitos mortos. Faz falta agora um pouco de sensatez e que os adversários principais entrem em acordo sobre uma fórmula que pareça satisfazer a ambos, mesmo que a coisa não seja assim e sempre vá haver, como em todo conflito que se resolve, vencedores e vencidos.

O Estado de São Paulo

Putin e a guerra da Ucrânia: as democracias vencerão as autocracias?




A tese do ensaio 'O Regresso da História e o Fim dos Sonhos', de Robert Kagan, é reforçada à luz dos conflitos recentes. 

Por João Pereira Coutinho 

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, os ocidentais abriram a boca de espanto. Guerra? Isso não tinha sido abolido em finais do século 20? Entendo o pasmo. Mas ele se explica pela situação de anormalidade em que o Ocidente viveu depois da queda do Muro de Berlim.

Durante toda a história, a rivalidade entre potências era um fato natural. Nossos antepassados jamais alimentaram a ideia infantil de que as guerras tinham sido abolidas. Como lembrava Churchill, a história da humanidade era a história dos seus massacres.

Isso mudou depois de 1990. A União Soviética desapareceu. A nova Rússia, quebrada e desmoralizada, já não era uma ameaça. Mesmo a China, se pensarmos bem, ainda estava combalida depois dos protestos de Tiananmen. O Ocidente confundiu uma pausa extraordinária com o fim da própria história. Essa, pelo menos, era a tese de Robert Kagan em "O Regresso da História e o Fim dos Sonhos". O ensaio foi publicado em 2008, lido por essa altura —e relido à luz do presente.

Engraçado como certos autores, que subestimamos no passado, acabam regressando com uma força e sabedoria que nos envergonha. Kagan é um caso: em inícios do século 21, o seu pessimismo realista me parecia exagerado.

Hoje, depois da invasão russa da Ucrânia, é difícil não concordar com as suas sentenças lúcidas e proféticas.

A primeira delas é filosófica: os herdeiros do iluminismo sempre acreditaram que a história só tem um sentido —um mundo cada vez mais livre e pacífico, onde os povos trocam ideias e mercadorias sem ceder aos instintos primitivos do nacionalismo e do ressentimento.

O fim da Guerra Fria parecia ser a materialização desse historicismo: a democracia triunfava sobre propostas rivais. Até a China, integrada no comércio mundial, acabaria por criar a sua classe média e por abrir as comportas ao liberalismo político. A Rússia, essa, já fazia parte do clube. Ou quase.

Era uma crença que ignorava a própria experiência histórica: a autocracia foi sempre a regra, não a exceção. E nada garantia que metade do globo não preferisse soluções autocráticas, por mais que isso ofendesse as nossas cabeças iluminadas.

Como sempre aconteceu, não é apenas a democracia que exerce o seu charme sobre a espécie Homo sapiens; a autocracia também tem os seus fãs. Como lembrava Kagan, o fascismo esteve em voga na América Latina nas décadas de 1930 e 1940; o comunismo conquistou o Terceiro Mundo nas décadas de 1970 e 1980.

Nada está determinado, eis o ponto do autor. O retorno da rivalidade entre democracias e autocracias pode ser incompreensível para os europeus pós-modernos (e pós-nacionalistas), que ainda têm na memória as duas guerras destrutivas que ofereceram ao mundo.

Mas essa rivalidade não seria incompreensível para um diplomata do século 19, que nunca teve ilusões sobre os limites do direito e das instituições internacionais e que sempre entendeu o fascínio da conquista e da força bruta.

De certa forma, Vladimir Putin pertence ao século 19. Ou talvez ao século 18, como ele próprio fez questão de ilustrar recentemente: Pedro, o Grande reconquistou território para a Rússia nas guerras contra a Suécia. Ele, Putin, está apenas a seguir os passos do seu antecessor. Onde está o drama?

Em 2008, a análise de Kagan parecia demasiado crua e dissonante. Até para a Otan, que na sua reunião de 2010 afirmava perante Dmitri Medvedev, então presidente da Rússia, que era do interesse da aliança uma parceria estratégica com Moscou.

Doze anos depois, essa reunião em Lisboa parece coisa de outro planeta. Basta ler a nova doutrina da Otan, apresentada em Madri, que considera a Rússia "a ameaça mais significativa e direta à segurança dos aliados e à paz e estabilidade na região euro-atlântica", sem esquecer o "desafio sistêmico" que a China representa.

Por outras palavras: tal como Robert Kagan antecipou, a história regressa —e, com ela, regressam os velhos conflitos entre potências. No primeiro round, as democracias liberais triunfaram sobre as autocracias. Como vai ser no segundo?

Nossos filhos saberão responder melhor a essa pergunta.

Folha de São Paulo

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