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terça-feira, julho 05, 2022

As diferenças entre avanço da esquerda na América Latina e 'onda rosa' de duas décadas




Colombiano Gustavo Petro é último dos esquerdistas eleito presidente na América Latina

Por Gerardo Lissardy

Um após o outro, diferentes países latino-americanos elegeram governos de esquerda e uma nova onda política parece estar ocorrendo na região.

Desde 2018, líderes à esquerda do espectro político chegaram à presidência do México, Argentina, Bolívia, Peru, Honduras, Chile e Colômbia.

O fenômeno pode se completar nas eleições de outubro no Brasil, na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem ampla vantagem nas pesquisas de intenção de voto.

Embora outros países da região tenham escolhido governos de diferentes correntes políticas nos últimos anos, uma vitória de Lula deixaria as sete nações mais populosas da América Latina e suas seis maiores economias nas mãos da esquerda.

Para alguns, tudo isso evoca o que aconteceu no subcontinente durante a primeira década deste século, quando três em cada quatro sul-americanos passaram a ser governados por presidentes de esquerda.

Mas há enormes diferenças entre aquela "maré rosa" que cobriu a América Latina e a atual onda progressista, que, segundo especialistas, corre o risco de ser mais limitada.

O termo "maré rosa" ou "onda rosa" (do inglês "pink tide") para descrever a guinada à esquerda na região durante o início dos anos 2000 foi usado por Larry Rohter, então correspondente do jornal americano New York Times, durante a eleição de Tabaré Vásquez no Uruguai.

Segundo Rohter, a chegada do socialista ao poder fazia parte de "não tanto uma maré vermelha... e sim uma rosa", em alusão à substituição do vermelho, cor associada ao comunismo, por um tom suave de "rosa", para indicar a ascensão dos ideais social-democratas.

Anteriormente, a expressão havia denominado uma fase nas políticas nacionais durante a qual eleições, em meados da década de 1990, foram vencidas por figuras como o primeiro-ministro francês Lionel Jospin (do Partido Socialista) e o primeiro-ministro britânico Tony Blair (do Partido Trabalhista).

Um "degradé"

Em um contexto de fúria com os políticos, desigualdade e estagnação econômica, o voto dos latino-americanos nos últimos tempos tem sido pendular: da esquerda para a direita e agora novamente para a esquerda.

A regra nas eleições democráticas na região é a vitória da oposição.

"O importante é mudar de lado para ver se as coisas melhoram, porque o grau de descontentamento na América Latina nunca foi maior do que agora", diz Marta Lagos, diretora da pesquisa de opinião regional Latinobarômetro, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

"A cada dia, a ideologia está se tornando menos relevante nas eleições", acrescenta. "As pessoas estão se aglomerando no centro político para o lado que os eleitores do centro se inclinam. Eles dão a vitória aos governantes."

Uma coisa que os candidatos de esquerda na região têm em comum — e parece ajudá-los a atrair esses votos centristas cruciais — é sua maior ênfase na ação do Estado para diminuir a desigualdade econômica.

Antes, os presidentes de esquerda se distinguiam por serem mais radicais, como o venezuelano Hugo Chávez, ou moderados, como Lula ou a chilena Michelle Bachelet.

'Hugo Chávez, Evo Morales, Lula e Rafael Correa foram protagonistas da "maré rosa" dos governos de esquerda nos anos 2000'

Os governantes da nova onda são muito mais heterogêneos.

Lagos os divide em quatro tipos diferentes de esquerda: nova (onde coloca os presidentes eleitos no Chile e na Colômbia), populista (México), tradicional (Argentina, Bolívia e Honduras) ou ditatorial (na opinião dele, Venezuela, Nicarágua e Cuba, onde estão no poder há anos).

E hoje alguns líderes de esquerda parecem mais dispostos do que no passado a se distanciar de outros na região.

Antes de ser eleito presidente do Chile, Gabriel Boric criticou a repressão aos dissidentes em Cuba e na Nicarágua e, após sua vitória eleitoral, disse à BBC News Mundo em janeiro que "a Venezuela é uma experiência que fracassou".

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, falou em fevereiro de "uma esquerda covarde", algo que muitos interpretaram como uma resposta a Boric.

'Com apenas 36 anos, chileno Gabriel Boric é o presidente mais jovem da região'.

Enquanto isso, o presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro, chamou Maduro de "ditador", embora esteja se preparando para restabelecer as relações com o governo dele.

Heinz Dieterich, sociólogo alemão que cunhou o conceito de "socialismo do século 21", ao qual Chávez se referiu posteriormente em 2005, descarta que essa expressão possa ser aplicada hoje ao que está acontecendo em países da região, como Chile, Argentina ou Bolívia.

"Nenhum desses governos quer o socialismo do século 20, que é o socialismo de Cuba", diz Dieterich à BBC News Mundo. "Mas eles também não querem um socialismo do século 21 porque isso significa superar a economia de mercado e ter um Estado forte que possa controlar as corporações."

"A vida é muito diferente"

Talvez a maior diferença entre a onda esquerdista do passado e a onda atual na América Latina seja o cenário em que elas surgem.

Entre 2000 e 2014, o boom internacional das commodities (matérias-primas oriundas do setor primário e negociadas nas bolsas de valores) deu aos presidentes da região um cheque gordo para investir em programas sociais e projetos estatais de todos os tipos.

'Ex-presidentes como o equatoriano Rafael Correa, o boliviano Evo Morales e o próprio Chávez chegaram a modificar as constituições de seus países e exerceram diferentes mandatos consecutivos'

Isso, por sua vez, consolidou um amplo apoio político-eleitoral com maiorias legislativas para os governos, que conseguiram reformas e reeleições em todos os lugares.

Ex-presidentes como o equatoriano Rafael Correa, o boliviano Evo Morales e o próprio Chávez chegaram a modificar as constituições de seus países e exerceram diferentes mandatos consecutivos.

Agora, com uma guerra na Europa, inflação crescendo e alta dos preços, tanto para crédito quanto para insumos, as economias da região estão encontrando mais dificuldades para tirar vantagem do aumento dos preços das commodities.

E os governos podem gastar muito menos do que seus cidadãos desejam, em tempos de pandemia de covid-19 e instabilidade social.

"Implementar políticas de esquerda com muito dinheiro é uma coisa, agora eles não terão esses recursos", diz professor da UFRJ

Isso contrasta com a agenda dos antigos líderes da "maré rosa", de Chávez a Lula, que priorizavam a exploração de petróleo.

De fato, as diferenças persistem: Lula disse recentemente que a ideia de Petro, da Colômbia, criar um bloco anti-petróleo com líderes regionais progressistas "não é real" neste mundo.

Outros presidentes de esquerda, como o mexicano Andrés Manuel López Obrador e o boliviano Luis Arce, também apostam nas indústrias extrativas.

No entanto, talvez nisso a nova política que Boric e Petro estão propondo hoje esteja em melhor em sintonia com a sociedade do que a antiga política, assinala Lagos.

"Existe uma consciência ambiental na América Latina", diz o diretor do Latinobarômetro. "Então qualquer política ambientalmente correta vai ter um grande apoio da população."

BBC Brasil

Século XXI - democracia & economia




O Brasil estará muito bem posicionado se conseguirmos demonstrar nossa capacidade de celebrar as nossas eleições com altivez e valores

Por Sérgio Rial (foto)

Inacreditável como aspectos da história retornam. Estudar a história nos permite entender como tendemos a repetir os mesmos padrões de comportamento, independentemente dos avanços tecnológicos. Guerra, inflação e visões políticas extremadas do mundo sendo articuladas como panaceia à miríade de problemas atuais.

Não é a primeira vez que vemos isso, e o século XX tem inúmeros exemplos que demonstram o que a corrida pelo poder ou a hegemonia causaram de dor e miséria.

Estamos em uma fase pós-pandemia e um conflito armado acionou uma nova forma de guerra: a econômica. A inflação será sentida por todo o planeta e impactará cada um de nós, trazendo inegavelmente um acirramento das condições socioeconômicas de muitos. Isso tudo após dois anos de uma pandemia que seria inimaginável que pudesse acontecer.

Além das grandes incertezas econômicas no planeta, vivemos uma fase de simplificação excessiva acerca de problemas complexos: redesenho feroz de cadeias de suprimento, fretes marítimos em mãos de poucas empresas - impondo aumentos em mais de 60% em dólares nos últimos anos -, a transição energética se tornando mais política e menos científica, além da tecnologia gerando novos modelos, mas colapsando o que ainda sobrou da revolução industrial.

Não há uma economia forte na ausência de um modelo político forte com uma democracia que se renova. Boa regulação é fundamental; excesso ou ausência da mesma prolifera o pior de uma economia de mercado. Sou um entusiasta da importância de agências reguladoras lideradas por equipes independentes, competentes tecnicamente e capazes de ajudar a dirimir novos dilemas em uma sociedade tecnologicamente voraz. A Anvisa se mostrou um bom exemplo disso.

Ataques à democracia enfraquecem o tecido econômico em médio prazo. Críticas são fundamentais, e nenhuma instituição está imune a ser criticada, mas há uma diferença importante entre a crítica promovendo a mudança e o ataque promovendo a desconstrução. Imagine se as eleições deste ano, portanto a democracia, fossem exaltadas em cada discurso de cada candidato concorrendo a cargos políticos.

Líderes empresariais precisam demonstrar continuamente o apoio ao fortalecimento das nossas instituições. Um professor(a) é uma instituição em si. Promove o único processo democrático de ascensão socioeconômico: a educação. A valorização de um professor vai além de fomentarmos remuneração e formação corretas, mas pelo respeito que a sociedade exibe à posição que representa. O mesmo pode ser dito sobre o/a bombeiro/a, o/a policial, o/a médico/a e outras profissões. Em um ano eleitoral, temos uma grande oportunidade de demonstrar nossa maturidade como nação. Sei que muitos não acreditam. Eu acredito.

Muitos se sentem desesperançados. Quando olho ao redor do mundo, sigo otimista com o Brasil. O sonho brasileiro tal qual o sonho americano só será possível se nós, como sociedade, nos recusarmos a desistir de nós mesmos. Sim, é muito difícil. Às vezes, existirão os aproveitadores com fórmulas mágicas ou com modelos ou políticas que visam se aproveitar da desesperança. Existem cérebros privilegiados em nosso país e líderes irrefutáveis. Precisamos todos ajudar mais, não adicionando mais verdades absolutas, mas dúvidas de como juntos podemos seguir construindo uma nação mais próspera e justa. Isso só a política pode fazer e a economia segue.

O Brasil saiu na frente no combate à inflação. Estamos tendo um desempenho da economia melhor do que o esperado. Desemprego ainda alto, mas abaixo de dois dígitos, sinais irrefutáveis que em uma base relativa tomamos uma série de decisões corretas. Tendo dito isso, a miséria também aumentou - paradoxos do mesmo sistema.

Os grandes grupos multinacionais estão nesse momento revendo sua base geográfica industrial. A dependência do modelo chinês se mostrou uma vulnerabilidade que muitos irão rever. O Brasil estará muito bem posicionado se conseguirmos demonstrar nossa capacidade de celebrar as nossas eleições com altivez e valores. O resultado não importa, o que importa é o exercício da vontade de cada um de nós. Parece pouco, mas sem esse direito fundamental não se pode pensar em um futuro próspero.

A economia agradece.

Valor Econômico

Aumento do Auxílio Brasil não trará votos para Bolsonaro, diz cientista político




Para Felipe Nunes, diretor da Quaest, forte polarização política tornou eleitor mais politizado e crítico.

Com pacotão social, Bolsonaro tenta evitar derrota em primeiro turno para Lula

Por Mariana Schreiber, em Brasília

A menos de três meses do primeiro turno da eleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) caminha para aprovar no Congresso um controverso pacotão de benefícios sociais que podem somar mais de R$ 40 bilhões.

A proposta de alteração da Constituição, que já foi aprovada no Senado e será analisada nesta semana na Câmara dos Deputados, inclui o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e o repasse de R$ 1 mil para motoristas autônomos comprarem combustível, entre outras medidas.

O pacote é visto na campanha de Bolsonaro como fundamental para o presidente subir nas pesquisas de intenção de voto, que indicam hoje uma possível vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já no primeiro turno.

O impacto da medida, porém, deve ser nulo, na visão do cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest, empresa que vem realizando mensalmente pesquisas sobre intenção de voto e sentimentos dos eleitores brasileiros.

Esses levantamentos mostram que o Auxílio Brasil não conseguiu melhorar a avaliação de Bolsonaro. Na verdade, entre os que recebem o benefício, seu desempenho é até pior: de acordo com a pesquisa de junho, 51% dos beneficiários têm percepção negativa do atual governo, contra 47% dos que não recebem o auxílio.

Para Nunes, isso é reflexo de uma maior politização do eleitorado, que ficou mais crítico ao analisar medidas de curto prazo do governo.

"O impacto (eleitoral) é zero, ou seja, não tem nenhuma diferença estatisticamente significativa na avaliação do governo Bolsonaro quando a gente compara as pessoas que recebem o auxílio com as pessoas que não recebem", ressalta.

"Essa evidência é muito clara de que esse tipo de política não funcionou para os efeitos eleitorais que o governo esperava", acrescenta.

Além da ineficácia dessas medidas, Nunes também considera que o recente escândalo de corrupção envolvendo o Ministério da Educação, com a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, dificulta a missão de Bolsonaro de expandir sua base de apoio para além do eleitorado mais fiel que o acompanha hoje.

Apesar disso, diz que é cedo para cravar que Lula vencerá no primeiro turno. Na sua avaliação, a disputa em São Paulo será central para definir isso. Se o candidato petista continuar na frente no principal colégio eleitoral do país, suas chances de liquidar rápido a disputa aumentam, afirma o diretor da Quaest.

"Se o presidente não for capaz de virar o jogo em São Paulo com uma mínima margem à frente do Lula, é muito difícil que o cenário nacional seja diferente (do que apontam as pesquisas hoje), porque, sem vencer em São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, o PT foi capaz de ganhar (a eleição presidencial de) 2006, 2010, 2014. Imagine o que significa o PT ter vantagem nesse estado", analisa.

Nunes, que há poucas semanas esteve em Nova York conversando com investidores internacionais, diz que o mercado já "precificou" uma possível vitória de Lula: ou seja, a vantagem do petista na corrida eleitoral hoje não deve trazer instabilidade como ocorreu em 2002. Na verdade, sua visão é de que há até uma preferência maior pela volta do petista nesse segmento do que pela reeleição do atual presidente.

"Não há uma rejeição do mercado financeiro a uma possível continuidade do Bolsonaro, mas, hoje, o meu sentimento é que eles preferem que o Lula volte ao governo, principalmente pela questão da estabilidade política que ele poderia gerar", acredita.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida na quinta-feira (30/06).

'Para Felipe Nunes, forte polarização política tornou eleitor mais politizado e crítico'

BBC News Brasil - Bolsonaro tenta aprovar no Congresso um grande pacote de benefícios sociais. Se de fato sair do papel, isso pode provocar uma recuperação do presidente na disputa eleitoral?

Felipe Nunes - É comum, em anos eleitorais, vermos a máquina governamental funcionando com o objetivo de tentar melhorar a sensação de bem-estar do eleitor. Acontece nas prefeituras, nos governos estaduais e, claro, no governo federal. A diferença agora é que o nível de politização e de informação do eleitor aumentou muito nos últimos anos, o que faz com que ele esteja mais crítico em relação a esse tipo de medida de curto prazo. E ficou um pouco deflagrada a ideia de que o auxílio estaria sendo criado como uma tentativa de solucionar um problema político eleitoral, e não (seria) uma agenda de fato em que o governo acredita.

Eu pessoalmente acho que o efeito é menor do que o governo tem apostado até aqui. O máximo que essas políticas (de curto prazo) conseguem fazer é diminuir a vontade das pessoas de reclamarem do governo. Elas, em momento nenhum, criam identidade, paixão, admiração pelos líderes políticos. E sem admiração, sem confiança, sem paixão pelos políticos, isso não se transforma em votos.

BBC News Brasil - O que dizem as pesquisas da Quaest sobre o impacto do Auxílio Brasil para o voto?

Nunes - O impacto é zero, ou seja, não tem nenhuma diferença estatisticamente significativa na avaliação do governo Bolsonaro quando a gente compara as pessoas que recebem o auxílio com as pessoas que não recebem. Ou seja, não tem nenhuma diferença de opinião ou de atitude movida, ou pelo menos correlacionada, com o recebimento ou não do auxílio. Essa evidência é muito clara de que esse tipo de política não funcionou para os efeitos eleitorais que o governo esperava.

O que a gente percebe é que o eleitor de baixa renda tem um nível de interesse em eleição, um nível de politização, maior do que tinha em 2018 e 2014. Essa politização, esse maior conhecimento de informação, contribui para um cenário de mais dificuldade de persuasão em relação aos projeto e às políticas.

BBC News Brasil - Essa maior politização está relacionada à forte polarização política do país?

Nunes - Exatamente. De 1994 a 2002, o Brasil vivia o que eu chamo de polarização política. Ou seja, PT e PSDB tinham agendas diferentes, mas a sociedade não estava polarizada. A partir de 2006 começamos a vivenciar o que a gente chama de polarização social que é quando essa polarização política vai pra sociedade e a gente começa a ver grupos políticos votando de maneira diferente: homens votam de um jeito, mulheres de outro; pobre vota de um jeito, rico de outro; Nordeste vota de um jeito, o Sul de outro.

Só que agora, depois de 2018, há uma polarização afetiva. O que é isso? As pessoas não se identificam mais como adversárias politicamente, elas se identificam como inimigas. Ou seja, o grau de radicalização chegou a tal ponto que o sentimento é que o outro é meu inimigo e não o meu adversário.

Isso faz com que as pessoas tenham mais interesse em buscar argumentos, a receber informações para poder participar desse debate público. A política hoje chegou nas mesas de bar, nos almoços de família, as pessoas estão cada vez falando mais sobre isso, algumas com mais informação, outras com menos, mas o fato é que essa polarização quase que exige que as pessoas tenham mais informação pra não parecerem bobas nas conversas com seus pares.

BBC News Brasil - O fato de o cenário econômico já vir de um processo longo de piora, com inflação em alta e renda em queda, reduz também o efeito dessas medidas a poucos meses da eleição?

Nunes - Meu primeiro ponto é que políticas de curto prazo tendem a ter menor retorno eleitoral. Mas tem outro componente: essas mesmas políticas, independentemente se são de longo ou de curto prazo, quando são combinadas com processos inflacionários muito críticos, o efeito positivo (da transferência de renda) é anulado pelo efeito negativo do aumento dos preços. Isso aconteceu tanto no caso do auxílio emergencial nos anos anteriores, como também tem acontecido com o Auxílio Brasil nesse ano.

BBC News Brasil - Embora o programa de transferência de renda tenha mudado de nome, há um legado do Bolsa Família que é muito associado ao governo PT. Isso também atrapalha o ganho de dividendo político para Bolsonaro com o Auxílio Brasil frente ao seu principal adversário hoje, o ex-presidente Lula?

Nunes - Não adianta nada o governo propor mudanças políticas, projetos, se ele não conseguir estabelecer uma comunicação clara e direta com o eleitor que faça com que o eleitor reconheça o atual governo como responsável por essas medidas. Eu acho que houve aí um erro na estratégia de comunicação do governo. O outro ponto é que o concorrente principal do Bolsonaro é um candidato que não levanta nenhuma dúvida a respeito da continuidade ou não dessas políticas.

Quando a gente junta esse equívoco de comunicação com o fato de que o principal opositor não é uma ameaça ao fim dessa política, você não tem incentivos para que o eleitor pense neste atributo como relevante na hora do voto.

BBC News Brasil - O Sr. mencionou a diferença de votos entre homens e mulheres. Em 2018, havia uma rejeição maior do eleitorado feminino a Bolsonaro na campanha, mas isso acabou perdendo força, e ele foi eleito com apoio da maioria desse grupo. O cenário é diferente agora?

Nunes - Mulheres conservadoras, mulheres evangélicas foram fundamentais para o crescimento do Bolsonaro na reta final da eleição de 2018. Isso está bem documentado em pesquisa. A diferença é que a agenda do governo Bolsonaro nos últimos três anos fala diretamente sobre os interesses que as mulheres vocalizam de maneira mais transparente. Eu estou falando dos posicionamentos que o governo teve durante a pandemia, como negação da vacina, negação do uso de máscara. Posições desse tipo afetam as mulheres em primeiro lugar porque são elas que se preocupam com os filhos, com as questões privadas de dentro de casa.

Mas tem um segundo componente que é o efeito do agravamento da crise econômica que não está pautada sobre o desemprego. Não é o desemprego que está aumentando, é a inflação, e isso afeta a mulher que organiza as compras de casa, que lida com a alimentação dos filhos. Ou seja, as duas agendas, a da pandemia e da economia, falam diretamente sobre os interesses das mulheres, mais especificamente do que os homens, o que gera esse racha mais explícito que a gente acompanha nas pesquisas.

BBC News Brasil - Pesquisa da Quaest de junho mostrou que o eleitor do Bolsonaro confia bastante na capacidade do presidente de combater a corrupção, mas o governo agora enfrenta o escândalo do suposto desvio de recursos por meio de pastores no Ministério da Educação e risco de uma nova CPI. Qual o impacto disso para a eleição?

Nunes - Em 2018, corrupção era, na cabeça do eleitor, o principal problema do Brasil. Hoje é a economia. Esses recentes escândalos mais próximos ao presidente não têm efeito, na minha avaliação, sobre o eleitor do Bolsonaro, aqueles 25% que classifico como fã-clube bolsonarista. É um grupo que tem atitudes completamente alinhadas ao presidente, independentemente do que acontece na versão pública do governo. Na minha opinião, até pela rejeição ao PT, esse grupo vai continuar com esse apoio.

O problema desses escândalos, dessas acusações, está justamente no que a gente chama de eleitor que poderia ser do Bolsonaro, mas também poderia ser do Lula. É aquele que não é ideológico nem pra esquerda, nem para direita, e vota de acordo com seu estado de bem-estar social. Esse eleitor, numa discussão sobre corrupção, ele tinha menos argumentos para dizer: "olha, o governo Bolsonaro se envolveu com corrupção e tal". A partir desses últimos escândalos, isso caiu por terra e vai dificultar a capacidade do eleitor bolsonarista tradicional de convencer esse eleitor a vir para o lado bolsonarista. Ele portanto vai ter mais incentivos para ir paro lado de lá, que é o lado do Lula.

'Ex-ministro da Educação Milton Ribeiro admitiu em áudio priorizar dois pastores com dinheiro do governo federal'

BBC News Brasil - Diante desse cenário difícil para Bolsonaro atrair o voto de centro, o Sr. considera provável Lula vencer no primeiro turno, ou há obstáculos?

Nunes - Eleição não é só racionalidade, eleição também é emoção. E as eleições brasileiras são marcadas por choques exógenos que mudam completamente o quadro, como facada (em Bolsonaro, em 2018), a queda do avião do Eduardo Campos (em 2014). Ou seja, há fenômenos imponderáveis, as coisas ainda podem mudar.

Agora, se tem um fator que eu acho que é preponderante pra entender se haverá ou não mudança desse quadro, é a eleição do Estado São Paulo. De todas as eleições brasileiras pós-redemocratização, a única em que o (candidato presidencial do) PT venceu São Paulo foi em 2002. Hoje o Lula está na frente em todas as pesquisas que são publicadas no estado de São Paulo, o que indica que São Paulo se transforma no campo de batalha: é o local que o presidente vai ter que conseguir virar o jogo, abrir vantagem, pra conseguir que o resultado seja diferente (do que apontam as pesquisas hoje).

Se o presidente não for capaz de virar o jogo em São Paulo com uma mínima margem à frente do Lula, é muito difícil que o cenário nacional seja diferente, porque, repito, sem vencer em São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, o PT foi capaz de ganhar (a eleição presidencial de) 2006, 2010, 2014. Imagine o que significa o PT ter vantagem nesse estado.

Então, a disputa entre Tarcísio (de Freitas, pré-candidato do Republicanos apoiado por Bolsonaro) e (o petista Fernando) Haddad (pelo governo de São Paulo) passa a ser a eleição realmente mais importante para entender se a decisão (na eleição nacional) vai se dar pró ou contra Lula, no primeiro ou no segundo turno.

BBC News Brasil - Apesar da dificuldade de Bolsonaro, as pesquisas indicam que Tarcísio é um candidato competitivo em São Paulo?

Nunes - Sim, até porque ele fala com um público pra além do bolsonarismo. Todo os candidatos de São Paulo estão tentando dialogar com o centro. O Haddad está tentando dialogar com o centro. O Tarcísio está tentando dialogar com o centro. O Rodrigo Garcia (governador pré-candidato à reeleição pelo PSDB) também. Ali é que está na disputa.

O Tarcísio se transforma no candidato mais importante para tentar salvar o governo de um vexame. Nenhum presidente que tentou a reeleição perdeu até agora na história brasileira: Fernando Henrique, Lula e Dilma foram reeleitos. Bolsonaro seria o primeiro.

BBC News Brasil - Enquanto Bolsonaro enfrenta dificuldades nacionalmente, o que explica essa competitividade maior do Tarcísio em São Paulo?

Nunes - A eleição de São Paulo está muito fragmentada, ao contrário do Brasil. O Haddad tem percentual de voto alto, Tarcísio tem percentual de voto alto, mas há outros nomes. O Márcio França (pré-candidato do PSB) e o próprio (atual governador) Rodrigo Garcia se colocam como adversários importantes.

Então, para o Tarcísio basta ter 20% para garantir um segundo turno, já que há outros candidatos fortes. É diferente da disputa presidencial: para que haja segundo turno, o Ciro Gomes (pré-candidato do PDT) tem que crescer em cima do eleitor do Lula. A Simone Tebet (pré-candidata do MDB) tem que crescer em cima do eleitor do Lula. Do contrário, fica cada vez menos provável que esse cenário (de haver um segundo turno) aconteça.

'Apesar de mal avaliado pela maioria da população, Bolsonaro mantém uma base fortemente mobilizada'

BBC News Brasil - A terceira via hoje tenta ultrapassar Bolsonaro e disputar o segundo turno com Lula. Considera possível, tendo em vista que o presidente tem a máquina pública e a projeção do cargo de presidente?

Nunes - Eu acho que mais do que a máquina pública, o Bolsonaro conseguiu construir algo que é muito relevante: Bolsonaro é uma liderança popular. Ele tem grupos organizados no Brasil inteiro que defendem o seu projeto político, defendem a sua maneira de governar, a sua forma de conduzir os processos políticos. Eu diria que, tirando ele e Lula, nenhum outro político nacional conseguiu fazer isso de maneira tão organizada.

E isso é o que cria dificuldades para Tebet, paro Ciro crescerem no processo. Eles teriam que encontrar um caminho que é justamente o de tirar votos do Lula, quando na verdade hoje o que a gente está observando é o contrário: o eleitor do Ciro tem alta propensão de, na reta final da eleição, migrar paro Lula. Porque ele até gosta mais do Ciro do que do Lula, mas já que o Lula é quem tem chance de ganhar a eleição contra o Bolsonaro, como o eleitor do Ciro rejeita mais o Bolsonaro do que o Lula, ele acaba podendo fazer uso daquilo que a gente chama voto estratégico para já definir a eleição logo de cara.

BBC News Brasil - Qual sua avaliação sobre as escolhas dos candidatos a vice-presidente: Geraldo Alckmin no caso de Lula, e general Braga Netto no caso de Bolsonaro?

Nunes - Essas escolhas dizem muito (sobre as estratégias dos candidatos). O que Lula está tentando fazer é dar para o mercado e a classe política um recado de moderação. Ele está dizendo o seguinte: "olha, se vocês não gostarem do que eu fizer, me tirem, o vice é o Alckmin", um político que se aliou à direita muitas vezes, sempre foi de centro, governou São Paulo com uma agenda muito clara.

No caso do Bolsonaro é o inverso. Ele está radicalizando. Ela está dizendo: "olha, vocês estão achando que eu sou o problema, pode ser muito pior, vocês podem ter um Braga Netto no governo". Eu acho que a escolha do presidente Bolsonaro já é quase uma preparação para uma possível derrota. Caso ele perca, continua tendo apoio de um setor importante da sociedade que são as Forças Armadas.

Então, enquanto o Lula modera para tentar dar um recado e aumentar suas chances de vitória, o Bolsonaro radicaliza com essa escolha, dando um recado de certo tensionamento institucional, ou do que poderia ser o pós-eleição. Eu digo isso porque a Tereza Cristina, do ponto de vista eleitoral, agregaria muito mais à campanha, se o objetivo do presidente fosse eleitoral e não de uma certa preparação do que pode vir mais a frente.

BBC News Brasil - Vê risco de, em caso de derrota do Bolsonaro, termos algum tipo de turbulência nas ruas envolvendo Forças Armadas, ou algo parecido com a tentativa de invasão do Congresso dos Estados Unidos após a derrota de Donald Trump para Joe Biden?

Nunes - Acho que haverá uma tentativa, caso aconteça (a derrota do presidente). Acho que Bolsonaro está preparando alguns argumentos muito fortes para, caso perca, ele conseguir explicar para sua base que perdeu por fraudes nas urnas, ou porque o sistema é corrompido, ou porque o Supremo... Ele está preparando justificativas que ajudem a explicar a derrota, e ao mesmo tempo, com apoio de, pelo menos, uma parte das Forças Armadas, conseguir criar uma confusão para atrapalhar o que seria o governo de um opositor seu.

Agora, eu não acredito que o mercado, a imprensa, os setores econômicos queiram entrar num processo de ruptura real ou de golpe. Acho que será muito mais uma movimentação política no sentido de dificultar a governabilidade e a estrutura política de Lula caso ele vença a eleição, do que de fato uma ruptura em si como a gente observou em 1964.

BBC News Brasil - Lula tem tido alguns encontros com empresários. Como está o clima na elite econômica com relação a essa aproximação e a possibilidade de vitória do petista?

Nunes - Há 20 dias, eu estive uma semana inteira em Nova York (EUA) a convite do banco Genial dando palestras para grupos de investidores internacionais que têm interesse no Brasil. O que eu pude perceber lá é que há um movimento de uma certa precificação da possibilidade do Lula ser presidente de novo.

Ao contrário do que aconteceu em 2002, quando houve uma especulação financeira enorme (diante da perspectiva de eleição do Lula) que gerou instabilidade no país, esse ano eu vi um cenário diferente. Achei que os investidores internacionais aceitariam com uma certa naturalidade uma eventual vitória do Lula. Não ficariam chateados se o Bolsonaro vencesse, mas também não tem qualquer tipo de rejeição forte a um possível terceiro governo Lula.

Eu acho que isso se replica também nos setores econômicos brasileiros. A reação desses setores é de compreender que há uma possibilidade real de que o Lula seja presidente novamente, e com isso as pessoas já precificam esse processo, o que acaba criando um cenário normal para essa mudança política de um presidente mais à direita, para um presidente mais à esquerda.

BBC News Brasil - O fato de Lula já ter sido presidente, com um governo pragmático, contribui para essa aceitação?

Nunes - É uma mistura da memória que as pessoas têm do governo, mas também pelas escolhas que ele está fazendo. A escolha do Alckmin (como candidato a vice-presidente) é um exemplo disso. E Lula tem dado declarações públicas em reuniões com empresários de que quer voltar a gerar estabilidade no país. São sinais de discurso e de posicionamento que acabam ajudando na formatação de uma visão menos crítica. Embora, isso não queira dizer, nem no caso da população, nem no caso da elite brasileira, que haja qualquer perdão em relação a escândalos de corrupção.

Eu gosto sempre de lembrar que metade da minha amostra (das pesquisas eleitorais da Quaest) diz que o Lula foi corretamente punido pela Lava Jato. Não é que as pessoas perdoaram, acham que ele virou inocente. É que na opinião delas, e eu acho que isso se estende ao mercado financeiro, as escolhas do governo Bolsonaro são piores do que as escolhas de um eventual terceiro governo Lula.

BBC News Brasil - O governo Bolsonaro tem resultados econômicos ruins e se afastou da agenda liberal. Por que sua percepção é que o mercado não ficaria chateado com a vitória de Bolsonaro?

Nunes - Os investidores internacionais olham para o governo e reconhecem que o governo fez uma arrumação econômica que veem como positiva. Estou dizendo o que eu ouvi, principalmente na atuação do Banco Central, eles acham que houve mais acertos do que erros. Muitos elogiam o ministro Paulo Guedes. Então, não há uma rejeição do mercado financeiro a uma possível continuidade do Bolsonaro, mas, hoje, o meu sentimento é que eles preferem que o Lula volte ao governo, principalmente pela questão da estabilidade política que ele poderia gerar.

BBC Brasil

"Bolsonarismo usa YouTube para colocar eleições em xeque"




Número de vídeos publicados em canais alinhados a Bolsonaro com referências ao STF, ao TSE e a seus ministros vem crescendo desde setembro. Objetivo é questionar sistema eleitoral e instituições, diz pesquisadora.

Por Bruno Lupion

Canais do YouTube que apoiam narrativas políticas alinhadas ao presidente Jair Bolsonaro vêm publicando cada vez mais vídeos com menções a tribunais superiores ou aos seus ministros, em grande parte com teor hostil. Em setembro de 2021, foram 185 referências a esses temas, e em junho de 2022, 1.409.

O monitoramento é feito pela pesquisadora Letícia Capone, do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio, que aponta que o YouTube é hoje a rede social "onde as narrativas mais sensíveis sobre a democracia e as instituições são construídas e disseminadas" pelo ecossistema bolsonarista, com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao sistema de votação.

A estratégia que motiva a produção de cada vez mais conteúdo contra as Cortes e seus integrantes, segundo Capone, é colocar em xeque a rigidez do sistema eleitoral e a legitimidade das instituições, para facilitar um eventual movimento posterior às eleições de questionamento do resultado. "Esse não seria um fenômeno novo, visto o que ocorreu no Capitólio, após a derrota de Donald Trump nas eleições norte-americanas", afirma.

A rádio Jovem Pan, emissora que na década passada especializou-se no nicho antipetista e hoje é ouvida e respeitada por parcela importante dos bolsonaristas, aparece com destaque no monitoramento de cerca de 600 canais no YouTube, que abrange canais filiados a variadas linhas ideológicas e da imprensa profissional.

No período de 20 a 26 de junho, três programas da Jovem Pan – Os Pingos nos Is, Jovem Pan News e Pânico – tiveram, somados, 26,8 milhões de visualizações no YouTube. Para comparação, o portal de notícias UOL, um dos maiores do país, teve 4,5 milhões no mesmo período. A CNN Brasil, 3,3 milhões.

DW Brasil: Como é a pesquisa e quantos canais são monitorados?

Letícia Capone: Acompanhamos canais e perfis de diversos campos políticos, da direita, do centro, da esquerda, além de perfis e canais ligados à imprensa, focando nos que fazem um debate relacionado às pautas políticas nas redes. No YouTube, cerca de 600 canais são monitorados.

Segundo o monitoramento, de 20 a 26 de junho, três programas da rádio Jovem Pan – Os Pingos nos Is, Jovem Pan News e Pânico – tiveram, somados, 26,8 milhões de visualizações no YouTube. Para comparação, o portal de notícias UOL, um dos maiores do país, teve 4,5 milhões no mesmo período, segundo sua pesquisa. Qual é o papel da Jovem Pan no ecossistema bolsonarista hoje?

A Jovem Pan tem um papel de centralidade na linha argumentativa que busca dar coerência às pautas alinhadas ao governo. O que a gente observa é que os outros canais que fazem parte desse sistema de apoio em torno do presidente Jair Bolsonaro muitas vezes fazem referências aos programas da Jovem Pan. Eles adotam e ampliam o marco narrativo estabelecido ali.

A Jovem Pan propaga o discurso estabelecido pelo presidente e seu núcleo duro?

Na verdade, há um constante diálogo entre a Jovem Pan e esse ecossistema de canais e perfis em torno de Bolsonaro. A Jovem Pan é uma emissora que mistura programas com conteúdo factual e programas com conteúdo opinativo, e normalmente as discussões começam a partir da pauta dessa emissora. Outros canais e perfis vão amplificar marcos narrativos que começam, pela nossa observação, na Jovem Pan.

Qual é a função e a relevância do YouTube na rede bolsonarista como um todo?

O YouTube vem se configurando como um espaço onde as narrativas mais sensíveis sobre a democracia e as instituições são construídas e disseminadas. Dentro desse ecossistema específico da extrema direita, cada rede social cumpre uma função. No Instagram e no Facebook, os perfis pessoais, especialmente os de políticos, têm maior proeminência. Já no YouTube, os canais de mídias e blogs têm centralidade maior.

Sobre o que os vídeos no ecossistema da extrema direita no YouTube têm falado com mais frequência?

O que chama a atenção é uma tendência desse campo em conferir maior importância aos temas envolvendo os ministros [de tribunais superiores] e as instituições do Judiciário. O presidente Jair Bolsonaro foi o nome com mais menções de setembro de 2021 a março de 2022, seguido por conteúdos relacionados aos tribunais e aos ministros, um conteúdo que ganha maior relevância, em termos quantitativos, do que a agenda envolvendo os pré-candidatos, como Lula e Ciro Gomes.

O que explica a estratégia da extrema direita de produzir conteúdo sobre as Cortes e os ministros?

Algumas pesquisas apontam uma tendência de esvaziamento da importância do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral para esse campo. Isso se soma à produção de conteúdo que coloca em xeque a rigidez do sistema eleitoral e a legitimidade das instituições, que pode facilitar um movimento posterior às eleições de questionamento dos resultados. Esse não seria um fenômeno novo, visto o que ocorreu no Capitólio, após a derrota de Donald Trump nas eleições norte-americanas.

Como essa narrativa sobre o processo eleitoral modificou-se nos últimos meses e em que ponto está agora?

A extrema direita variou a mobilização de argumentos em torno do sistema eleitoral brasileiro. Em um primeiro momento, foram mobilizados temas relacionadas ao voto impresso, e o enquadramento foi o da interferência do Judiciário na votação da PEC [sobre voto impresso] e o da necessidade da intervenção pelo uso do artigo 142 [da Constituição]. Com o passar do tempo, outros argumentos foram sendo mobilizados, também com base na Constituição, como a necessidade da auditagem pública dos resultados das eleições, narrativas em torno da existência de uma sala secreta [no TSE] e da obsolescência das urnas eletrônicas utilizadas no Brasil. Outro tema que também ganha centralidade nas redes de apoio ao presidente é a relação entre as Forças Armadas e o TSE e a constante tensão entre essas instituições, a partir do momento em que o TSE convida as Forças Armadas a compor a Comissão de Transparência que acompanha o processo eleitoral.

Pela métrica de vocês, a extrema direita tem desempenho muito melhor em termos de visualizações no YouTube do que os canais de esquerda e de centro e os da mídia profissional. Isso é resultado da amostragem de vocês, ou a extrema direita de fato tem mais sucesso no YouTube?

Nossas pesquisas têm como objetivo ter um ponto de isenção na observação do espectro político como um todo. Não dá para estabelecer uma relação de causa e efeito, mas a gente percebe que existe um alinhamento da agenda e de enquadramento dos canais e perfis da extrema direita, e isso certamente facilita a difusão das informações e a consolidação de uma quantidade maior de canais dentro desse campo político, assim como uma quantidade maior de visualizações.

A extrema direita vai melhor no YouTube do que o centro e a esquerda?

O que a gente observa é que houve uma aposta de fato da extrema direita em adotar o YouTube como uma plataforma importante para as suas comunicações, assim como o Telegram. Talvez esse objetivo não tenha sido cumprido de forma tão eficiente pelo campo mais alinhado às pautas progressistas, mais localizado na esquerda. Com o desenvolvimento de novas redes sociais isso vai se redesenhando, mas, no YouTube, o que a gente observa é que de fato existe uma predominância das pautas e dos canais relacionados à extrema direita.

O YouTube tem agido para conter a expansão de ataques a instituições da democracia e ao sistema eleitoral?

O TSE vem estabelecendo alguns acordos com plataformas de redes sociais, é uma medida que aponta para um caminho. Mas ainda existe um conjunto de agendas que pode avançar. O YouTube vem adotando algumas ações, especialmente nos últimos meses, como retirar conteúdo falso e desinformativo relacionado às eleições. Outra ação é a rotulagem de alguns vídeos com conteúdo sensível, o Instagram fez isso de forma consistente nas postagens relacionadas a vacinas e à covid. Isso aponta para um caminho de práticas que podem melhorar a comunicação que circula nas redes sociais.

É suficiente? O que mais poderia ser feito?

Existem mais ações que podem ser tomadas. Por exemplo, incorporar nas suas políticas de moderação e nos termos de uso, como em outras partes do mundo já incorporam, a defesa da integridade do sistema eleitoral e das instituições. Outra ação é dar mais transparência às ações de moderação, de remuneração dos canais e de anúncios políticos que circulam nas redes.

Deutsche Welle

Bolsonaro 'dilmou' nos gastos públicos em busca da reeleição




Bolsonaro dilmou porque quer se reeleger a qualquer custo e porque, assim como as pessoas que apoiam políticos cegamente, ele está enfrentando um quadro de autoengano. 

Por Diogo Shelp (foto)

Quando uma pessoa gosta de um político, não há que fazer. Os ouvidos se fecham para os eventuais absurdos de suas declarações, a vista embaça ao ler as manchetes com fatos negativos sobre seus atos e a mente se embaralha na tentativa de encontrar justificativas para decisões que, racionalmente, seriam consideradas decepcionantes. É assim com quem nega a ficha corrida de Lula, com quem garante que Dilma Rousseff foi uma grande "presidenta", com quem acha os arroubos de Ciro Gomes lindos, e assim por diante. Trata-se de um quadro de autoengano, que agora se manifesta nos apoiadores que não enxergam que o presidente Jair Bolsonaro dilmou.

Bolsonaro dilmou porque, a exemplo da ex-presidente Dilma em 2014, está promovendo uma gastança desenfreada e injustificável para vencer as eleições deste ano. Os gastos públicos de Dilma no ano da sua reeleição foi um portento, ultrapassando a arrecadação pela primeira vez desde o Plano Real, 20 anos antes. O Tesouro sofreu rombo recorde de 17,2 bilhões de reais.

O tamanho do estrago da PEC do Desespero, a Proposta de Emenda a Constituição aprovada no Senado que aumenta o valor do Auxílio Brasil e distribui dinheiro para caminhoneiros, taxistas e para subsidiar o transporte nos estados, ainda está para ser descoberto. Fala-se inicialmente em 42 bilhões de reais acima do teto fiscal, que se somam a outros 100 bilhões para uniformizar o ICMS e derrubar o preço dos combustíveis. Mas é bem possível que a gastança, até as eleições, vá muito além disso. Afinal, a PEC na qual Bolsonaro dilmou está alicerçada na decretação de estado de emergência, que permitirá ao governo seguir atirando dinheiro pela janela.

Muito já se falou sobre as consequências disso. Em primeiro lugar, se existe a tal situação de emergência que justificaria arrombar o teto de gastos, do ponto de vista da situação social dos brasileiros, então ela está aí há bastante tempo, pelo menos desde início de 2021. Houve até sinais de melhora nos últimos meses, apesar do aumento da inflação. Então porque isso não foi feito antes, em vez de aos trancos e barrancos a poucos meses da eleição?

Em segundo lugar, a gastança pública pressiona os juros, afasta investidores, atrapalha o crescimento econômico, entre outros impactos que começarão a ser sentidos no médio e longo prazo. Em resumo, a PEC foi pensada para agradar uma parcela do eleitorado com benesses imediatas, mas a conta vai chegar salgada, para todos, depois das eleições.

Não é a primeira vez que Bolsonaro dilmou. Ele foi acusado de dilmar quando fez a primeira troca de presidente da Petrobras (e, se é assim, dilmou do mesmo jeito outras duas vezes) e quando ameaçou demitir o presidente do Banco do Brasil por causa do fechamento de agências, uma medida de gestão necessária para a saúde financeira do banco, no início de 2021.

E Bolsonaro dilmou de novo quando enviou ao Congresso Nacional, no ano passado, um orçamento com um déficit de quase 50 bilhões de reais.

Por que Bolsonaro dilmou, se ele fala das políticas dos governos petistas como se fossem o próprio fogo do inferno?

Bolsonaro dilmou porque quer se reeleger a qualquer custo e porque, assim como as pessoas que apoiam políticos cegamente, ele está enfrentando um quadro de autoengano.

O autoengano se caracteriza pela atitude de iludir-se em relação à realidade, para evitar ter de se confrontar com verdades inconvenientes. O autoengano faz as pessoas se verem sempre como vítimas, não como donas de seus destinos e de suas escolhas. O autoengano faz as pessoas negar seus erros, mesmo que apontem os mesmos erros para outros. É aquela história do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

O autoengano é a enfermidade dos hipócritas.

Gazeta do Povo (PR)

Santos Cruz resiste à ala bolsonarista do Podemos




O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo de Jair Bolsonaro (PL), ameaçou se desfiliar do Podemos se o partido apoiar o presidente nesta eleição. Demitido em junho de 2019, após cinco meses no cargo, Santos Cruz disse que o chefe do Executivo não cumpriu nada do que prometeu na campanha eleitoral.

A tendência da cúpula do Podemos é não fechar aliança nacional na disputa presidencial, mas a maioria dos deputados e senadores da legenda apoia Bolsonaro. "Se o partido decidir por isso, estou fora. Saio", disse o general ao Estadão.

Amigo do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, Santos Cruz entrou com ele no Podemos, em novembro do ano passado. Desde que o ex-juiz da Lava Jato migrou para o União Brasil, há três meses, o militar foi sondado para concorrer ao Palácio do Planalto. Na sua avaliação, porém, os políticos do Podemos estão hoje mais preocupados com suas próprias candidaturas do que com a eleição presidencial.

Para cumprir as exigências da cláusula de desempenho, o Podemos terá de eleger uma bancada de pelo menos 11 deputados federais. Hoje, o partido tem oito. A meta é conquista ao menos 25 cadeiras na Câmara e quatro no Senado.

Responsável pela articulação política com o Congresso nos primeiros meses do mandato de Bolsonaro, o general virou alvo dos filhos do presidente e foi defenestrado. O maior embate ocorreu com o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), responsável pelas redes sociais do pai.

Agora, Santos Cruz diz que Bolsonaro tem tentado usar as Forças Armadas como instrumento político para um projeto pessoal de poder e repudia os ataques feitos às urnas eletrônicas. O general avalia concorrer a um cargo eletivo pelo Distrito Federal, mas não anunciou qual seria. "Tem de definir isso, ver se o Podemos tem interesse ou não de lançar candidato próprio (a presidente)", disse Santos Cruz.

A presidente nacional do Podemos, Renata Abreu, disse que a definição sobre candidaturas ocorrerá "nas próximas semanas". O Podemos deve liberar os diretórios regionais. Nos bastidores, no entanto, dirigentes do partido admitem que a preferência da maioria é por um segundo mandato do presidente.

O senador Marcos do Val (Podemos-ES) disse que "muito provavelmente" estará com Bolsonaro. Já Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava Jato no Paraná, declarou que, se houver um segundo turno entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), apoiará o atual chefe do Executivo. Deltan vai concorrer a uma vaga de deputado federal pelo Podemos-PR.

PALANQUE

O líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), disse que o Podemos está no mesmo palanque de Bolsonaro em alguns Estados, como no Rio de Janeiro, onde o partido apoia a reeleição do governador Cláudio Castro (PL-RJ), e no Ceará. Lá, a sigla vai apoiar o Capitão Wagner (União Brasil) para governador. Tanto Castro quanto Wagner têm o aval de Bolsonaro. "Não há nenhuma manifestação do Podemos ainda em relação à eleição nacional, mas nos Estados há uma grande proximidade", disse Portinho.

Mesmo assim, Renata e o líder do partido no Senado, Álvaro Dias (PR), rejeitam o apoio formal a Bolsonaro e, pessoalmente, indicam disposição de endossar um projeto de terceira via. Ao ser questionado sobre qual seria o melhor nome para a Presidência, Dias ironizou: "Barack Obama".

Estadão / Dinheiro Rural

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