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quinta-feira, junho 09, 2022

Economia global crescerá 5 vezes mais que brasileira em 2022, diz OCDE




No relatório anterior, OCDE estimava alta de 1,4% para o PIB brasileiro

Por Daniela Fernandes, De Paris 

A economia brasileira deverá crescer apenas 0,6% em 2022, enquanto o avanço da economia mundial será de 3%, segundo estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado nesta quarta-feira (8/6).

A alta da inflação, a guerra na Ucrânia, a lenta recuperação do mercado de trabalho e as incertezas políticas por conta das eleições presidenciais em outubro são alguns dos fatores que contribuem para a "desaceleração considerável" da atividade econômica no país, na avaliação da entidade.

Em seu estudo semestral com previsões para a economia mundial, a OCDE revisou para baixo as estimativas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro em 2022. A previsão era de aumento de 1,4% no último relatório, divulgado em dezembro.

As projeções de expansão do PIB global neste ano também foram reduzidas de 4,5% para 3% em razão dos efeitos da invasão da Ucrânia pela Rússia. "O preço da guerra pode ser ainda mais elevado. O conflito afeta a distribuição de alimentos básicos e de energia, alimentando a alta da inflação em todo o mundo, ameaçando particularmente os países mais pobres", afirma a economista-chefe da OCDE, Laurence Boone, no documento.

A economia brasileira vai crescer menos em 2022 do que a de vários países da América Latina, como a Colômbia (6,1%), Argentina (3,6%) e México (1,9%), segundo as estimativas.

A OCDE ressalta que, apesar das exportações brasileiras de commodities estarem ganhando força, a inflação alta — que deve atingir 9,7% neste ano, nos cálculos da organização — entrava a expansão do consumo, afetando o desempenho da economia.

As eleições presidenciais acrescentam incertezas, contribuindo para manter os investimentos abaixo do potencial até o próximo ano, afirma o estudo. Em 2023, a economia brasileira deverá crescer 1,2%, prevê a OCDE.

Segundo a organização, em razão da deterioração do clima econômico no Brasil, as previsões de crescimento são limitadas neste ano e no próximo. A inflação e o aperto monetário, com aumento dos juros, restringem a demanda doméstica e externa. Além disso, os salários não estão se recuperando rápido o suficiente para compensar o fim do auxílio emergencial durante a pandemia e a alta nos preços, diz o estudo.

A inflação no Brasil deve começar a diminuir com o aperto monetário e a redução de incertezas após a eleição presidencial, mas voltará a aumentar no início de 2023, diz o relatório, quando o embargo europeu ao petróleo da Rússia entrar em vigor.

"A inflação no Brasil permanecerá alta em 2023 e não deve atingir a meta no horizonte de projeção", afirma o relatório divulgado nesta quarta.

'Inflação alta foi um dos fatores apontados para previsão de desaceleração da economia brasileira'

Além disso, a prolongação da guerra na Ucrânia continuaria aumentando os custos dos insumos agrícolas, como fertilizantes, "restringindo severamente a produção agrícola e as exportações."

Para manter a sustentabilidade fiscal e combater o aumento das taxas de pobreza no país, o Brasil precisa, na avaliação da OCDE, dar continuidade a "reformas ambiciosas que foram iniciadas para melhorar a produtividade e o emprego."

Na avaliação da entidade com sede em Paris, gastos públicos mais eficientes permitiriam "fortalecer o quadro fiscal no médio prazo, o que criaria espaço para investimentos públicos produtivos e ajudas sociais bem direcionadas, além do reforço da confiança dos investidores."

"Como a guerra na Ucrânia levou a um aumento mais acentuado nos preços dos alimentos e da energia, reforçar o apoio por meio de programas sociais bem direcionados é fundamental para proteger os mais vulneráveis", diz o estudo.

Desmatamento

O estudo com previsões para a economia mundial foi divulgado na véspera da reunião ministerial anual da OCDE, onde o processo e as condições de adesão de novos membros, incluindo o Brasil, será discutido. O encontro terá a presença dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Casa Civil, Ciro Nogueira.

As práticas e políticas ambientais do Brasil e dos demais candidatos integram as condições para a entrada na organização. Os aspectos que deverão ser cumpridos nesta área e em outros temas podem ser aprovados nesta reunião ministerial com representantes dos 38 países membros.

No estudo divulgado nesta quarta, a OCDE recomenda que o Brasil "reforce devidamente" as leis que impedem o desmatamento ilegal "para proteger recursos naturais como a Amazônia.

A OCDE também recomenda que o Brasil explore mais fontes alternativas de energia, como a eólica e a solar, e aumente investimentos em sistemas de transporte público, o que beneficiaria trabalhadores de baixa renda e reduziria ainda a poluição do ar e a dependência em relação a automóveis, diz o documento.

BBC Brasil

'Nada para me desculpar': Merkel defende ligação com Putin e veto à Ucrânia na Otan




Merkel deu entrevista na terça-feira pela primeira vez desde que deixou o cargo, no ano passado

Por Patrick Jackson

Em sua primeira grande entrevista desde que deixou o cargo, a ex-chanceler alemã Angela Merkel defendeu sua atuação no cargo em relação ao presidente russo Vladimir Putin.

Merkel disse que "não tem nenhum motivo para se desculpar" por sua resposta à anexação da Crimeia da Ucrânia pela Rússia em 2014, quando apoiou as sanções contra os russos.

Ela também defendeu sua oposição à adesão da Ucrânia à Otan. Merkel tem sido acusada por alguns críticos de deixar a Alemanha vulnerável ao buscar relações comerciais com a Rússia.

O gasoduto Nord Stream 2 para transportar gás natural russo diretamente para a Alemanha foi construído enquanto ela era chanceler e só foi suspenso por seu sucessor, o chanceler Olaf Scholz, pouco antes da Rússia invadir a Ucrânia em 24 de fevereiro.

Sob pressão para impor novas sanções, a Alemanha está lutando para reduzir sua dependência da energia russa sem prejudicar sua própria economia.

Mas Merkel disse que a Europa e a Rússia são vizinhos que não podem ser ignorados. "Temos que encontrar uma maneira de coexistir apesar de todas as nossas diferenças", disse ela.

A invasão foi "não apenas inaceitável, mas também um grande erro da Rússia", disse ela ao jornalista e autor alemão Alexander Osang em uma entrevista televisionada pela emissora ARD.

'O gasoduto Nord Stream 2 vai da costa do Báltico da Rússia ao nordeste da Alemanha'

"Se começarmos a voltar ao longo dos séculos e discutir sobre qual pedaço de território deve pertencer a qual país, então só teremos guerra", disse ela. "Isso não é uma opção viável."

Ela defendeu as sanções impostas à Rússia em resposta à anexação da Crimeia e o papel da Alemanha na manutenção do processo de paz de Minsk, que tinha como objetivo pôr fim aos combates no leste da Ucrânia em 2014-15.

O processo de paz, argumentou ela, deu tempo à Ucrânia para se desenvolver como nação e fortalecer suas forças armadas.

"Eu não tenho que me culpar por não me esforçar o suficiente", disse ela. "Eu não vejo que eu tenha que dizer 'isso foi errado' e é por isso que não tenho nada para me desculpar."

Ela se opôs à adesão da Ucrânia à Otan em 2008, porque queria evitar uma escalada de tensões com a Rússia e porque a própria Ucrânia não estava pronta, na sua visão. "Não era a Ucrânia que conhecemos hoje", disse ela. "O país não era estável, estava cheio de corrupção."

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, cujo país permanece fora da aliança da Otan apesar da ajuda ocidental desde a invasão, descreveu a decisão da Alemanha em 2008 como um "erro de cálculo".

Na terça-feira (7/6), Merkel, que deixou o cargo há seis meses, disse ter "o maior respeito" por Zelensky e ficou impressionada com "a coragem e a paixão" com que os ucranianos lutam por seu país.

BBC Brasil

Petróleo e gás alimentam disputas na América Latina




Bolívia quer rever preços de gás vendido ao Brasil, Nicarágua quer trocar o petróleo dos EUA pelo do Irã. A invasão da Ucrânia pela Rússia provoca turbulências no mercado energético latino-americano.

Por Tobias Käufer

Depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, a crise de energia se abate com força total também sobre a América Latina. Não se passa um dia na região sem notícias e especulações sobre o setor energético: Nicarágua considera passar a comprar petróleo do Irã, não mais dos Estados Unidos; Bolívia quer renegociar o fornecimento de gás para o Brasil.

"Não há uma disputa comercial entre o Brasil e a Bolívia, mas sim um conflito sobre o negócio operacional", retifica Roberto Goulart Menezes, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. O acordo entre os dois países para fornecimento de gás entrou em vigor em 1999, com validade de 20 anos, porém não foi prorrogado desde 2019.

Então, enquanto os brasileiros seguem pagando sete dólares por MMBTU (million British thermal units, equivalentes a 26,4 metros cúbicos), a Argentina desembolsa pelo mesmo volume de gás 19 dólares – o preço do mercado, que a Bolívia quer impor também ao Brasil.

Em plena campanha presidencial, contudo, novas negociações sobre o gás adquirem carga emocional. O presidente populista de direita Jair Bolsonaro acusa o governo boliviano socialista de intencionalmente querer prejudicar Brasília. Por sua vez, a ala do adversário Luiz Inácio Lula da Silva rebate que os bolsonaristas propagam notícias falsas sobre o país vizinho.

Turbulências de fundo político no comércio de energia

Além das alterações econômicas, também há no mercado internacional turbulências de abastecimento por motivos políticos. Recentemente o jornal nicaraguense crítico ao governo La Prensa noticiou que o presidente Daniel Ortega e sua esposa e vice-presidente Rosario Murillo estariam planejando remanejar as importações de petróleo.

Em vez de comprar do inimigo ideológico Estados Unidos, o governo sandinista passaria a negociar com o Irã. Desse modo, Manágua – que é objeto de condenação internacional devido a graves violações dos direitos humanos – estaria seguindo a mesma lógica que tantos outros países: comprar energia daqueles com que se esteja ideologicamente afinado.

No fim de junho, o presidente argentino, Alberto Fernández é esperado na cúpula do G7, na Alemanha, como representante latino-americano. Os países industrializados estão muito interessados na jazida de xisto argentina de Vaca Muerta. Para poder extrair gás ainda mais intensivamente, o país precisa de investidores internacionais, e o encontro das sete principais economias é uma boa oportunidade para contatos.

Outro evento que atrai atenção é o retorno furtivo da Venezuela ao cenário da economia mundial. Os EUA decretaram sanções contra o país mais rico em petróleo do mundo, inclusive impedindo os negócios com a companhia estatal PDSVA, o que praticamente impossibilita exportações para países mais abastados.

O governo socialista venezuelano também é alvo de críticas internacionais por violações dos direitos humanos. Apesar disso, recentemente Washington relaxou as sanções, e agora há esperanças de que em breve o governo de Nicolás Maduro receba sinal verde para exportar seu petróleo.

No entanto, "a crise que dura quase uma década na Venezuela enfraqueceu extremamente sua capacidade de exploração de petróleo", explica Goulart Menezes. Assim, a dilapidada indústria petrolífera do país necessita investimentos internacionais para retomar a produção. A primeira parceira seria a americana Chevron, que recebeu de Washington permissão para negociar diretamente com Caracas no sentido da retomada das relações comerciais.

Anuncia-se briga pelo lítio

Na atual crise, o Brasil está nitidamente mais bem situado do que seus vizinhos latino-americanos. Segundo o professor Menezes, "a diversificação de sua matriz energética, com mais fontes eólicas e solares, contribui para reduzir o emprego de usinas termelétricas dependentes do gás".

Nesse ínterim, já se prepara na região a próxima luta pela distribuição: empresas dos EUA, Europa e China têm grande interesse nas abundantes reservas latino-americanas de lítio, matéria-prima essencial para a produção de baterias para carros elétricos e smartphones.

As nações ricas nesse metal leve, como México, Argentina, Bolívia e Chile, querem garantir que lucrarão com essa demanda e não serão passadas para trás. Para tal, adotam estratégias diversas: México e Chile querem que os contratos vão sobretudo para as empresas estatais, enquanto a Argentina aposta na economia privada.

Deutsche Welle

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O que Bolsonaro e Biden devem discutir em primeiro encontro




Amazônia, crise de alimentos e democracia devem estar na pauta do encontro entre os dois presidentes

Por Mariana Sanches, Los Angeles

Levou um ano e meio para que esse aperto de mãos acontecesse, mas na próxima quinta-feira (9/6) o ato deve se concretizar: o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o líder americano Joe Biden se falarão pela primeira vez, em Los Angeles, Califórnia.

Os líderes devem discutir como lidar com a escassez de alimentos e com a inflação de combustíveis decorrentes em parte da Guerra na Ucrânia, planejar como otimizar cadeias produtivas no continente e garantir suprimento de minérios, comentar aspectos da democracia nos dois países e trocar informações sobre pautas de meio ambiente. A expectativa da diplomacia de ambos os países é que o clima da conversa seja amistoso, sem caneladas ou indiretas espinhosas.

O encontro, pré-condição para que Bolsonaro comparecesse à Cúpula das Américas, organizada pelos americanos, deve encerrar simbolicamente o que o presidente brasileiro qualificou como um "congelamento" das relações entre os dois maiores países das Américas desde que Biden chegou ao poder, em janeiro de 2021.

"Ele (Biden) enviou uma pessoa especialmente pra conversar comigo e ali eu botei as cartas na mesa, eu falei da mudança do comportamento dos EUA com o Brasil quando o Biden assumiu. Com o Trump estava indo muito bem, tínhamos muitas coisas combinadas para fazer no Brasil. Quando entrou o Biden, simplesmente houve um congelamento. Da minha parte, não mudei minha política com eles", disse recentemente Bolsonaro.

O histórico

Admirador explícito do ex-presidente Donald Trump, Bolsonaro ecoou falsas alegações de fraude nas eleições presidenciais dos EUA de 2020, sugerindo que Biden seria um presidente ilegítimo.

A atitude irritou a Casa Branca, que também via em Bolsonaro uma figura tóxica para sua agenda de defesa do meio ambiente, democracia e direitos humanos. Diante de pressões de congressistas mais à esquerda no partido Democrata, Biden optou por relegar a seu gabinete o relacionamento com o Brasil, enquanto se envolvia pessoalmente muito mais com com a Argentina, por exemplo, tendo falado por telefone várias vezes com o presidente Alberto Fernandez, a quem convidou para visitar a Casa Branca, em Washington, em julho.

'No início do governo Biden, ele se envolveu pessoalmente mais com Argentina do que com Brasil'

Do lado brasileiro, Bolsonaro demonstrou insatisfação com comentários de Biden em relação à Amazônia brasileira, que vem acumulando índices cada vez mais altos de desmatamento nos últimos anos, e disse que a gestão do americano era "um governo mais de esquerda, um governo que tem quase uma obsessão pela questão ambiental. Então isso atrapalha um pouquinho a gente".

Além disso, as repetidas manifestações de Washington de que Bolsonaro deveria deixar de lançar dúvidas sobre o sistema eleitoral no país incomodaram Bolsonaro, que tem ameaçado não aceitar o resultado das urnas citando supostas fraudes, jamais comprovadas, de uma maneira que parte dos Democratas identificam como semelhante às atitudes de Trump nos EUA, que desaguaram na invasão do Capitólio.

As circunstâncias

Mas, dezoito meses após o início do governo Biden, as circunstâncias particulares dos dois líderes fez com que uma foto de ambos ganhasse valor para seus interesses políticos.

'Bolsonaro é admirador do antecessor de Biden, Donald Trump'

Para Biden, que viu Fernandez e Bolsonaro visitarem o presidente russo Vladimir Putin, em Moscou, apenas duas semanas antes do início da Guerra na Ucrânia, e que enfrenta uma crescente rivalidade com a China por áreas de influência global, receber Bolsonaro em um evento que pretende projetar liderança americana em relação às Américas se tornou essencial. Ainda mais depois que o presidente mexicano, Andrés Manuel Lopes Obrador, resolveu se ausentar da Cúpula em protesto pela exclusão dos governos de Venezuela, Cuba e Nicarágua do evento, que a Casa Branca qualifica como ditaduras.

Diante da possibilidade do fiasco de ser o anfitrião de um evento sobre Américas sem os dois maiores países da América Latina, Biden resolveu oferecer a Bolsonaro o encontro privado, que poderia atraí-lo a Los Angeles. O presidente americano enfrentará dentro de cinco meses eleições de meio de mandato para o legislativo. A inflação mais alta em 40 anos no país e as dificuldades do democrata de aprovar projetos como o seu programa para o meio ambiente ou para a área social indicam que o partido do presidente pode perder sua maioria no Congresso.

Para o presidente brasileiro, que aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para o pleito presidencial de outubro, perder 4 dias de pré-campanha no Brasil para viajar aos EUA e correr o risco de ser mais uma vez ignorado por Biden fazia com que Bolsonaro preferisse não ir à reunião.

Mesmo após o encontro marcado, o brasileiro fez questão de dizer que Biden o ignorou no encontro do G-20, no Japão em 2019. "Passou como se eu não existisse. Mas esse foi um tratamento pra todo mundo por parte do Biden, não sei se é a idade (do Biden), o que que é", afirmou Bolsonaro há alguns dias, ecoando teorias frequentes entre a direita americana, de que o presidente americano, de 79 anos, estivesse senil.

"Para Bolsonaro, o encontro é bom negócio porque dá a ele a possibilidade de rebater as críticas de que está isolado mundialmente, de que não é recebido por ninguém importante", afirma o professor de relações internacionais Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas.

O mesmo motivo, segundo auxiliares de Bolsonaro, teria pesado para levá-lo a se encontrar com Putin em Moscou, em fevereiro. A projeção internacional é assunto caro às redes bolsonaristas, que já fizeram circular capas falsas da revista americana Time que estampavam Bolsonaro como um líder de relevo global.

Daniela Campello, cientista política da FGV e pesquisadora do Wilson Center, vai ainda mais longe. "Ao excluir do evento líderes que considerou como antidemocráticos e oferecer a Bolsonaro não só um convite para o evento, mas um agrado como uma reunião privada, os EUA empoderam Bolsonaro e anulam sua defesa da democracia em nome de seus próprios interesses", diz Campello.

Questionado pela BBC News Brasil sobre como concilia seus parâmetros democráticos com os questionamentos repetidos de Bolsonaro sobre um processo eleitoral no qual os EUA afirmam ter confiança, um alto funcionário da Casa Branca afirmou que "o que eu diria sobre a decisão de fazer esta reunião é que o presidente Bolsonaro é o líder democraticamente eleito do Brasil, país com o qual os Estados Unidos compartilham um conjunto significativo de interesses e preocupações comuns. Obviamente também temos algumas discordâncias com o presidente e o governo do Brasil, que também serão objeto do que tenho certeza que será uma conversa franca entre os dois líderes. Francamente, é disso que tratam as relações internacionais. E eu não acho que ninguém deveria ficar chocado com essa reunião".

Reservadamente, diplomatas americanos disseram à BBC News Brasil que evitar o contato pessoal com Bolsonaro por tanto tempo foi um erro da política internacional de Biden. Ao fazer isso, o presidente americano teria agido pensando exclusivamente em sua política doméstica, e enfraqueceu a posição americana na região, atitude que precisaria ser mudada mesmo que a ação de Biden agora possa ser amplamente explorada eleitoralmente por Bolsonaro. A preocupação dos americanos, no entanto, é adotar postura mais olímpica possível, para evitar interpretações de que suas ações agora pesam favoravelmente para um lado, ou para o outro na disputa.

"A questão das eleições brasileiras cabe realmente aos brasileiros decidirem. E os Estados Unidos têm confiança nas instituições eleitorais do Brasil, que se mostraram robustas. Mas a conversa entre o presidente (Biden) e o presidente Bolsonaro vai abranger uma ampla gama de tópicos", disse há poucos dias o assessor da Casa Branca para a América Latina Juan González.

'Bolsonaro no G20 em 2019: presidente se queixou de ter sido ignorado por Biden no encontro'

Afinal, o que ambos dirão no encontro?

Assim como Gonzalez, os diplomatas brasileiros também afirmam que os dois presidentes têm uma longa lista de assuntos a tratar e que assuntos espinhosos não necessariamente devem ser priorizados.

"São temas que incluem tudo, desde comércio e investimentos, até cooperação em ciência e tecnologia no Espaço, passando por operação em defesa, em saúde, e nossa cooperação nos foros regionais e multilaterais", disse à BBC News Brasil o embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva, secretário de Américas do Itamaraty.

Do lado americano, o entendimento é que a conversa, que deve durar entre 20 e 30 minutos, é uma possibilidade de estabelecer pontes e não de repetir críticas já amplamente veiculadas, como a preocupação com as ameaças à democracia brasileira.

Diplomatas americanos dizem que as repetidas manifestações de confiança no processo eleitoral e desejo de eleições limpas e justas, como na entrevista dada à BBC News Brasil pela subsecretaria de Estado Victoria Nuland, devem liberar Biden da necessidade de comentários mais duros.

Os americanos, no entanto, dizem conhecer o estilo de Bolsonaro e sabem "que as coisas podem dar errado".

Às vésperas de seu embarque para Los Angeles, nesta terça (7/6), Bolsonaro voltou a fazer comentários sobre a possibilidade de fraude no pleito americano de 2020. "Quem diz (sobre fraude nas eleições dos EUA) é o povo americano. Eu não vou entrar em detalhe na soberania de um outro país. Agora, o Trump estava muito bem e muita coisa chegou para a gente que a gente fica com o pé atrás. A gente não quer que aconteça isso no Brasil", afirmou Bolsonaro em entrevista ao SBT.

É improvável que seja feito qualquer anúncio mais substancioso de acordos ou parcerias, segundo as fontes ouvidas pela reportagem.

Em abril deste ano, Biden chegou a dizer que os americanos deveriam pagar aos brasileiros pela conservação da Amazônia - uma ideia que ele já havia mencionado durante a campanha presidencial de 2020, mas a diplomacia americana nega que qualquer proposta desse escopo, especialmente envolvendo valores, esteja na mesa.

O governo Biden tem repetido publicamente elogios às metas de combate ao desmatamento e redução de gases poluentes firmadas pelo Brasil na COP-26, no ano passado, embora afirmem não ver ainda ações práticas do governo brasileiro para alcançá-las.

O tema da Amazônia, no entanto, pode ser trazido à tona de maneira mais tensa por causa do desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira no Vale do Javari (AM) esta semana. A Líder da Articulação para os Povos Indígenas do Brasil Sônia Guajajara chamou a atenção para o assunto do enviado especial climático de Biden, John Kerry, que participa da Cúpula. Kerry afirmou querer acompanhar de perto os desdobramentos do caso, sem solução até o momento. Na noite desta terça, o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes, Gregory Meeks, divulgou comunicado em que pedia "ações rápidas" às autoridades na busca pelos desaparecidos.

Já Bolsonaro deve repetir a importância do Brasil como espécie de celeiro do mundo, tema que tem ganhado relevância nos EUA diante da crise global de falta de alimentos impulsionado pela guerra da Ucrânia. Sozinhas, Rússia e Ucrânia respondem por 30% de todo o trigo consumido no mundo.

Os EUA já expressaram interesse que o Brasil aumente ao máximo sua safra, um pedido difícil de atender frente à escassez de fertilizantes, importado sobretudo da Rússia. Para o ex-embaixador dos EUA no Brasil Thomas Shannon, esse deveria ser um ponto de especial atenção.

"Não sei se haveria muito o que poderíamos fazer em relação à produção de fertilizante no curto prazo. Mas seria possível que os americanos liderassem um esforço do continente americano para juntos combater o problema de escassez de alimentos e estabilizar os preços. Isso é algo que poderia ser feito juntos", afirma Shannon.

Atualmente, os americanos já não impõem sanções sobre fertilizantes e tem tentado cooperações técnicas que possam aumentar a eficiência no uso dos produtos na lavoura e estimulado sua produção doméstica do material. Mas no Agronegócio brasileiro tais medidas são vistas como pouco eficientes para resolver o problema no curto prazo. O Brasil advoga que EUA e Europa revejam e eliminem qualquer efeito nocivo de sanções no processo logístico de envio, via navio, dos fertilizantes ao Brasil.

No tema da migração, Biden deve elogiar o fato de o Brasil ter disponibilizado vistos humanitários para cidadãos da Ucrânia, do Afeganistão e da Síria, em guerra, e da Venezuela e do Haiti, países em calamidade social. Além disso, recentes cooperações de inteligência entre os dois países resultaram em desmantelamento de redes de tráfico humano. Para o Brasil, no entanto, a agenda prioritária no tema seria um tratamento mais humano aos brasileiros indocumentados deportados do país, que costumam ser transportados com algemas e relatam maus-tratos e humilhações enquanto detidos pelo sistema de migração americano. Avanços nesses quesitos, no entanto, não parecem prováveis.

A questão da produção de minérios deve ser outro tema tratado no encontro. Os americanos têm buscado meios de fortalecer cadeias produtivas chamadas de "near shoring", ou desglobalizar a produção. Essa é uma resposta a crises disruptivas da economia trazidas pela pandemia, que implicou em escassez de uma gama de produtos, de máscaras hospitalares a chips de computador. É possível que o presidente Bolsonaro tente convencer Biden a retirar tarifas sobre chapas de aço produzidas no Brasil, uma medida protecionista imposta na gestão Trump que dificulta a exportação entre os países. A falta do material prejudica a indústria americana. Atualmente, a grande beneficiária da medida imposta contra o Brasil é justamente a Rússia, que também produz esse tipo de chapas.

Há ainda expectativa de que o presidente brasileiro evite polêmicas no tema e se abstenha de citar, por exemplo, sua defesa à exploração de minérios em terras indígenas.

'Conversa entre Bolsonaro e Biden levou um ano e meio para acontecer'

Resultados

Não passou despercebido pelo governo brasileiro que lideranças indígenas críticas à gestão Bolsonaro como Toya Manchineri, membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, a COIAB, estarão em Los Angeles, participando de um fórum paralelo dedicado à sociedade civil.

Junto com o Washington Brazil Office, a Amazon Watch, o Movimento Sem Terra e outras entidades, Manchineri deve participar de um protesto contra Bolsonaro em frente à prefeitura de Los Angeles, nesta quarta (8/6). Mais de 70 ONGs ambientalistas e de defesa dos direitos humanos do Brasil também enviaram essa semana uma carta ao presidente Biden em que pedem para que o mandatário americano confronte diretamente o brasileiro sobre suas posições em relação à democracia e alertam para o risco de fortalecer políticas bolsonaristas supostamente opostas à agenda da administração americana.

"Ao ver o Biden apertando a mão do Bolsonaro é como ver os EUA aprovando as políticas que este governo tem adotado. É preciso que os americanos não se deixem usar como instrumento para ganhar aprovação pelo presidente brasileiro", diz Manchineri.

A despeito das acaloradas reações eleitorais e políticas, analistas se mostram céticos em relação a consequências práticas do diálogo entre os dois presidentes. "Os americanos esperam que Bolsonaro acabe perdendo a eleição e deixe o Planalto. E Bolsonaro espera que Biden perca a maioria no Congresso nas eleições no fim do ano e se torne um governo paralisado", afirma Stuenkel. Seria tarde demais, para os dois líderes, para que sua conversa pudesse mover as engrenagens das relações bilaterais. A se cumprir a previsão de Stuenkel, o aperto de mãos aguardado por um ano e meio deve acabar sendo pouco além de um mero aperto de mãos.

BBC Brasil

Passagem de russos deixa marcas da guerra no sul da Ucrânia; combates se acirram no leste




O exército ucraniano obteve algumas vitórias e libertou várias localidades no sul da Ucrânia, incluindo o vilarejo de Shevchenko, visitada pela reportagem da RFI. Os habitantes se sentem aliviados, mas consternados com o rastro de destruição deixado pelos russos. No leste da Ucrânia, os combates continuam acirrados.

Em frente à escola, é visível uma enorme cratera. Um estigma profundo da passagem do exército russo, que bombardeou o vilarejo e ali se estabeleceu temporariamente antes de ser repelido.

Dimitro, um soldado ucraniano relata: "Foi um bombardeio de foguetes Totchka-U. Não sei o que os russos pretendiam. Talvez eles pensassem que estávamos lá, mesmo sendo uma escola. Nós tomamos a aldeia, foi felicidade e amargura ao mesmo tempo. Quando os russos se vão, eles deixam apenas destruição para trás”.

Os ucranianos chamam isso de “paz russa”, quando o exército russo passa e depois parte, deixando para trás um campo de ruínas.

Ouvindo as notícias em seu antigo rádio, Mykolai Ivanovich balança a cabeça diante da destruição e cai em prantos ao lembrar de sua terra natal finalmente libertada."Nós estamos felizes. A Ucrânia sempre será a Ucrânia. A Ucrânia foi e será. Eu nasci aqui. Meus pais nasceram aqui e foram enterrados aqui. Quando a morte chega, você precisa estar perto de seus pais.”

"Não sei se a guerra vai acabar"

Mancando com uma perna machucada, Mykolai Sergeievich aponta para um foguete atrás de sua casa. O idoso não sabe se ele já foi detonado e diz que está revoltado com essa arma. Ele manda um recado aos russos: “Vão para casa. Deixem nossa terra. Permaneceremos fortes e não entregaremos a Ucrânia à Rússia. Não sei se a guerra vai acabar, ou se nossos povos poderão ser amigos.”

Shevchenko fica a apenas alguns quilômetros da frente de batalha e as bombas continuam caindo na área. Mas o exército ucraniano garante que está preparando um grande contra-ataque para libertar todo o sul do país.

Leste da Ucrânia

Já na parte oriental da Ucrânia, forças nacionais e russas travavam "combates intensos" nesta terça-feira (7) nas ruas de Severodonetsk, uma cidade estratégica na região leste do Donbass.

"Nossos heróis mantêm suas posições em Severodonetsk. Os combates intensos nas ruas continuam", disse o presidente Volodymyr Zelensky na segunda-feira (6) à noite, poucas horas depois de alertar que as unidades russas eram "mais numerosas e mais poderosas".

O prefeito de Severodonetsk, Oleksandr Striuk, declarou que a "situação muda a cada hora", com "os combates urbanos intensos" na cidade, a mais importante que Kiev mantém sob seu controle na região de Lugansk.

Essa cidade industrial é "o coração do objetivo do inimigo", afirmou o Estado-Maior ucraniano no primeiro boletim de terça-feira, que também indica ataques com aviões e helicópteros na região vizinha de Donetsk.

As duas regiões do leste da Ucrânia formam a bacia de mineração do Donbass, controlada parcialmente por separatistas pró-Rússia desde 2014 e objetivo prioritário de Moscou desde que renunciou à conquista de Kiev.

"Os principais esforços do inimigo se concentram em uma tentativa de controlar totalmente Severodonetsk e 'bloquear' as tropas de Kiev na cidade vizinha de Lyssychansk", afirmou o exército ucraniano.

"Nossos soldados mantêm o controle de Severodonetsk, os combates continuam na zona leste", acrescentou o comunicado militar.

Chantagem do trigo

A invasão determinada pelo presidente russo Vladimir Putin em 24 de fevereiro, ao lado das dificuldades persistentes nas cadeias abastecimento provocadas pela Covid-19, provocam o temor de uma escassez global de alimentos.

Os dois países em guerra produziam antes do conflito 30% das exportações mundiais de trigo. Mas o bloqueio russo dos portos do Mar Negro provoca a paralisação de até 25 milhões de toneladas de cereais, advertiu Zelensky.

"No outono (no hemisfério norte, primavera no Brasil), o número pode alcançar 70-75 milhões de toneladas", acrescentou o presidente.

Além do bloqueio, autoridades ucranianas denunciaram que a Rússia está roubando suas reservas de cereais para vendê-las em seu próprio benefício, acusações que a diplomacia dos Estados Unidos considerou "confiáveis".

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, acusou Putin de tentar uma "chantagem" contra as potências ocidentais para que concluam as sanções contra Moscou.

"Um bloqueio naval russo no Mar Negro impede que a colheita ucraniana siga para seus destinos normais", disse Blinken. "Tudo isto é deliberado".

Kiev anunciou que discute a criação de corredores marítimos com Turquia e Reino Unido e a exportação de quantidades menores por via terrestre com a Polônia ou os Estados bálticos.

Além disso, Kiev anunciou que suas Forças Armadas provocaram o recuo da frota russa em mais de 100 quilômetros da costa.

RFI / DefesaNet

Nunca nos renderemos (We shall never surrender)!




Putin avaliou-nos na Geórgia, anexou a Crimeia e invadiu a Ucrânia. Finalmente reagimos. Mas se demonstrarmos fraqueza, Putin fará o que quiser onde bem entender.

Por Vicente Ferreira da Silva

1 Esta frase de Churchill descreve perfeitamente o que se vivencia na Europa e nossa resolução. Contra aqueles que defendem ideias totalitárias só há uma posição: uma reafirmação inequívoca dos princípios democráticos. Não é suficiente dizer. Também é preciso agir. A Democracia e a Liberdade têm custos.

Adicionalmente, ao evocar Churchill e o contexto que originou a expressão de tais palavras, somos recordados para o que está hoje em causa. Na altura, a escolha oscilou entre defender ou comprometer os nossos princípios. Na altura, apesar de todos os avisos, a ameaça nazi foi ignorada.

Chamberlain não estava disposto a prescindir da sua política de apaziguamento. Tanto, que mesmo após o Anschluss, chegou ao ponto de sancionar o desejo de Hitler sobre os Sudetas, uma região da Checoslováquia (1938). Só depois da intensa pressão diplomática do governo britânico (e francês), é que Edvard Beneš, o Presidente da Checoslováquia, concordou com as exigências de autonomia dos Sudetas. Ainda nesse ano, a Conferência de Munique, que Chamberlain classificou como o momento de “paz para o nosso tempo”, entregou à Alemanha os distritos dos Sudetas. Este foi o primeiro sinal de uma verdadeira concessão e já sabemos o que aconteceu em seguida.

As tácticas de Hitler eram simples. Através de apoiantes locais, preferencialmente com ligações étnicas e politicamente organizados, actos de subversão eram executados com o objectivo de provocar justificação para uma intervenção militar alemã. Quem foi o homem de confiança de Hitler nos Sudetas? Konrad Henlein.

A História é o maior dos Professores. É fundamental aprender as suas lições. Como tal, é imprescindível recordar que mesmo depois de todos estes acontecimentos, havia quem, nos corredores do poder britânico, defendesse um acordo de paz com Hitler. Imaginem como teria sido a história se tal tivesse acontecido?

Para um melhor entendimento sobre o que estamos a reflectir, também não podemos desconsiderar as consequências do Protocolo Secreto do Pacto Molotov–Ribbentrop, que definiu as fronteiras das esferas de influência soviética e alemã na Polônia, Lituânia, Letônia, Estônia e Finlândia.

Nem Estaline, nem os bolcheviques foram capazes de ultrapassar a perda territorial resultante do Tratado de Brest-Litovsk (1918). A ratificação do Tratado foi tudo mesmo pacífica. Durante a discussão tida no Comité Executivo Central, quando Lenine disse aos delgados que para salvar a Revolução Mundial era necessário assinar esta paz vergonhosa e que se demitiria se tal não acontecesse, foi acusado de traição. Ora, Estaline viu no Pacto Molotov-Ribbentrop a oportunidade de recuperar o império perdido de Lenin. Como sabemos, em Yalta ele foi mais longe e a influência soviética atingiu outro nível.

2 O rescaldo da Segunda Guerra Mundial representou o início de um novo quadro internacional. Perante o fracasso da Liga das Nações, os líderes dos países aliados iniciaram um novo processo de negociação internacional que culminou na criação de uma nova organização intergovernamental, a Organização das Nações Unidas (ONU) e com ela uma nova regulamentação para o direito internacional. Exemplos-chave são a Carta da ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A Carta da ONU codifica os principais princípios das relações internacionais, desde desde a igualdade soberana dos Estados até a proibição do uso da força nas relações internacionais. Um dos objetivos expressos em seu preâmbulo é “estabelecer as condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes dos tratados e outras fontes do direito internacional possam ser mantidos”, vinculando todos os membros da ONU. A Rússia de Putin não é exceção.

Danielle Young diz que “desde o seu início, qualquer ordem internacional do pós-guerra está sob cerco”. Sim, como vivemos em um mundo de Estados-nações, esta visão é aceitável. As relações internacionais são essencialmente regidas pelo Realismo e pela importância do poder como garantia de segurança. No entanto, é inegável que o presente ambiente internacional é distinto daquele que prevalecia antes da Segunda Guerra Mundial.

Hans Morgenthau, no seu livro de 1948 – Política entre as Nações: A Luta pelo Poder e pela Paz – enumerou os seis princípios do Realismo. Embora tenha enfatizado a importância da dimensão ética da política externa, pouca atenção lhe foi dada pelos decisores políticos. Hoje, infelizmente, dois dos princípios de Morgenthau – o realismo é uma perspectiva consciente do significado moral da acção política; e as aspirações morais de uma única comunidade ou Estado podem não ser universalmente válidas ou partilháveis – estão praticamente esquecidos.

3 Ao longo da história, quantas vezes a língua, a ligação étnica e a “proteção” foram evocadas como argumento para o desrespeitar o direito internacional? Putin e seus apoiantes têm imitado as táticas de Hitler.

As relações entre a Rússia e a Geórgia começaram a piorar após a Revolução da Rosa Georgiana de 2003, que causou a queda de Eduard Shevardnadze e sinalizou uma posição pró-ocidental, visando uma integração europeia e euro-atlântica. Em abril de 2008, as relações entre os dois países atingiram o clímax e, em agosto, a Rússia invadiu a Geórgia. Como foi que Medvedev‎, à data Presidente da Rússia, justificou a decisão? A Rússia queria proteger e ajudar as duas regiões separatistas da Abkhazia e da Ossétia do Sul. Em relação a esta última, Putin também argumentou que a intervenção militar era para proteger os ossetianos de um “genocídio” georgiano. Quem eram os amigos do Kremlin na Abkhazia e na Ossétia do Sul? Sergei Bagapsh e Eduard Kokoyty.

Em 2014, após a perda de influência política do Kremlin devido à Revolução da Dignidade e a consequente deposição de Viktor Yanukovych e do seu governo, a Rússia invadiu a Ucrânia e anexou a Crimeia. Mais uma vez, Putin empregou táticas nazistas. Manifestações pró-russas foram realizadas em Sebastopol, tropas russas mascaradas e sem insígnias ocuparam o Conselho Supremo da Crimeia e Sergey Aksyonov, um apoiante declarado do Kremlin, com a presença de atiradores armados com Kalashnikov e lançadores de foguetes, foi “eleito” primeiro-ministro Ministro da Crimeia.

O que desencadeou a decisão de Putin de invadir a Ucrânia e anexar a Crimeia? Preocupações com a livre expressão do povo da Crimeia. Por isso é que as tropas russas ocuparam a Crimeia. Para garantir liberdade de expressão e de escolha. Curiosamente, enquanto Yanukovych estava no poder, e a Rússia mantinha influência sobre as decisões políticas tomadas em Kyiv, Putin não viu nenhum problema com a liberdade de expressão da Crimeia.

Por fim, qual foi a razão dada por Putin para justificar a invasão da Ucrânia? “Desnazificação”. Curiosamente, o Kremlin não justificou os crimes de guerra cometidos pelas tropas russas, os ataques a civis e, entre outras coisas, o saque e o roubo dos cereais ucranianos.

4 Uma vez mais estamos perante a escolha entre defender ou comprometer nossos valores e princípios. Uma vez mais, os avisos foram ignorados. Todos aqueles, incluindo Henry Kissinger, que dizem que devemos encontrar uma maneira de salvar a face de Putin estão errados.

Continuamos a negligenciar a Doutrina de Karaganov. Continuamos a desconsiderar os conceitos de Dugin. Continuamos a esquecer que, independentemente da época, “império” é a ideia mais duradoura entre as elites russas. Continuamos a ignorar que o regime de Putin é corporativista. Faço esta pergunta. Relativamente à anexação da Crimeia, o que é mais plausível? Um ato de nacionalismo ou um ato de imperialismo russo?

Putin avaliou-nos na Geórgia. Quase nada foi feito. Anexou a Crimeia. Mais uma vez, quase nada foi feito. E invadiu a Ucrânia. Finalmente, estamos a reagir. Mas se a nossa posição enfraquecer, Putin fará o que quiser e onde quiser. No que diz respeito à Europa, o que Putin e apoiantes desejam é: a Rússia quer entrar, expulsar os americanos e manter os alemães em baixo. Algo que só a conseguirão com a dissolução da OTAN.

A última coisa que devemos fazer é salvar a cara de Putin. Nem Putin nem sua comitiva são confiáveis. Obviamente, não estou a defender uma invasão da Rússia para derrubar Putin. Essa tarefa cabe inteiramente ao povo russo. O que é essencial é desmascarar as mentiras de Putin, demonstrar que ele é um déspota autocrático e apoiar aqueles que têm a coragem para o enfrentar através de procedimentos democráticos (eleições).

A mais recente chantagem russa é a ameaça da guerra nuclear. Ou me dão o que eu quero, ou então. Não podemos ceder. Nada nos garante que Putin irá parar. Aliás, o seu comportamento indica que o que certamente acontecerá são mais abusos e cobranças. Se Putin iniciar uma guerra nuclear, não serão apenas nossos filhos que morrerão. As perdas serão globais.

As circunstâncias podem revelar as capacidades das pessoas, mas são as escolhas que evidenciam o carácter. Tanto Putin quanto Zelensky revelam quem são. Nós também o devemos fazer. Como tal, devemos ser dignos daqueles que deram sua última medida de devoção por nós. Devemos mostrar a mesma inabalável resolução e fazer o que é certo.

Só assim honraremos devidamente aqueles que nos permitiram ser o que somos – Churchill, de Gaulle, Roosevelt, Pierlot, Dupong, Adenauer, Monnet, Schuman, Spaak, entre muitos outros.

Observador (PT)

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