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domingo, junho 05, 2022

Bolsonaro desafia TSE: 'Duvido que tenham coragem de cassar meu registro'




Bolsonaro volta a falar sobre 'insegurança' das eleições presidenciais

O chefe do Executivo federal vem durante os últimos meses alegando que as eleições podem ser fraudadas e que as urnas eletrônicas não são seguras

Por Ana Mendonça

O presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a falar sobre a “insegurança” das eleições presidenciais e desafiou ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a cancelarem sua candidatura por disseminação de notícias falsas.

O chefe do Executivo federal vem durante os últimos meses alegando que as eleições podem ser fraudadas e que as urnas eletrônicas não são seguras.

“Tem coisas que fica complicado realmente confiar no sistema eleitoral. Não estou atacando a democracia ou o Tribunal Superior Eleitoral. Eu estou desafiando os próprios ministros do Supremo a, em público, vir debater comigo a questão”, disse Bolsonaro durante visita às obras da ponte da integração Brasil-Paraguai e entrega de trecho de rodovia em Foz do Iguaçu, no Paraná.

As falas de Bolsonaro foram ditas logo depois que Alexandre de Moraes, ministro do STF e vice-presidente do TSE, prometeu indeferir os registros e cassar os mandatos daqueles que se valerem de fake news nas eleições.

“Agora, vai cassar meu registro? Duvido que tenham coragem de cassar meu registro […]. Não tem nenhum maluco querendo cancelar minha candidatura por fake news, é brincadeira […]. Eu defendo a liberdade. Onde está a tipificação das fake news?”, perguntou o presidente.

Questionado sobre a fala de Moraes, Bolsonaro disse que essa “é a visão dele”, afirmando  que “eles não querem conversar conosco”.

“Eles convidam as Forças Armadas a participar de uma Comissão de Transparência Eleitoral, as Forças Armadas detectam mais de 500 vulnerabilidades e apresentam nove sugestões. Não querem acolhê-las. Pior: nem querem debater. Ninguém quer uma eleição sob suspeição”.

Estadão / Estado de Minas

Pedagogia da subordinação




Morte de Genivaldo de Jesus Santos não constitui incidente isolado

Por Oscar Vilhena Vieira* (foto)

A morte por tortura de Genivaldo de Jesus Santos não constitui um incidente isolado na relação entre a população negra e as polícias brasileiras. Nos últimos cinco anos, mais de 18 mil pessoas foram mortas pela polícia, sendo 78,9% negras. Muitas com indícios de tortura e sinais de execução.

O que distingue o caso de Genivaldo, portanto, foi a improvisada câmara de gás montada em plena via pública pelos policiais rodoviários federais para torturar uma pessoa acusada de dirigir uma motocicleta sem o uso de capacete.

Como no caso de Cesar Baptista, recentemente submetido à violência por membros da Guarda Civil Metropolitana, no centro da cidade de São Paulo, as câmaras de celular não tiveram a capacidade de inibir a brutalidade por parte de agentes do Estado. Como se a tortura, tradicionalmente praticada às escondidas, estivesse agora autorizada a ocorrer em público, como alerta de que pretos e pobres jamais terão os seus direitos respeitados nesta terra. Difícil não associar esse recrudescimento da violência de Estado à recorrente apologia de torturadores e regimes que torturam pelo presidente e seus apoiadores.

A tortura transformada em espetáculo nada mais é do que uma forma de pedagogia macabra voltada a assegurar a subordinação racial. Seu objetivo é deixar explícito a todos que as vidas negras não importam. Como nas operações policiais em comunidades, chacinas ou mesmo na manutenção de altíssimos padrões de violência que afetam desproporcionalmente as populações negras (77% das vítimas de homicídios são negras), é a própria humanidade o que se está negando às vítimas.

Mesmo que em alguns estados da Federação, como São Paulo, avanços significativos na qualificação das polícias tenham sido implementados, resultando na redução de índices de homicídios e diminuição da violência policial, o número de pessoas mortas pela polícia no Brasil tem crescido nos últimos anos, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. As mais de 40 chacinas registradas durante a gestão do governador Cláudio Castro, no Rio de Janeiro, ajudam a explicar esse crescimento.

A superação dessa pedagogia de subordinação racial, baseada na violência, que se reproduz desde as nossas origens, exigirá não apenas a ampliação de uma consciência antirracista, mas também profundas reformas no aparato de justiça e segurança. O fato, porém, é que essas transformações somente ocorrerão como decorrência de um alargamento da participação de pessoas negras nas diversas esferas de poder político, econômico e cultural.

Se as ações afirmativas abriram espaço para que a população negra pudesse gozar de um bem antes reservado prioritariamente aos brancos, que é a educação, o movimento negro tem deixado claro que é necessário avançar muito mais na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Nesse sentido é necessário destacar a importância da iniciativa da Coalizão Negra por Direitos de promover e apoiar mais de 50 candidaturas negras ao Congresso Nacional e Assembleias Legislativas ao redor do país, que ocorrerá no próximo dia 6 de junho, em São Paulo.

Sem que pessoas negras venham a ocupar de maneira ampla e efetiva espaços de poder, a democracia brasileira continuará incompleta, e o Estado de Direito, incapaz de assegurar que todas as pessoas, independentemente de sua cor, sejam tratadas com igual respeito e consideração.

*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Folha de São Paulo

Supremo despachante - Editorial




Ao derrubar monocraticamente uma decisão de tribunal superior para favorecer políticos bolsonaristas, Nunes Marques aprofunda a politização do Judiciário

A narrativa oficial bolsonarista sustenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) é um órgão aparelhado por facções políticas minoritárias que ultrapassa sistematicamente as “quatro linhas” da Constituição para impedir que o povo, encarnado no presidente Jair Bolsonaro, exerça sua vontade. Na prática, o verdadeiro incômodo de Bolsonaro é que o Supremo não esteja – ainda – aparelhado pela sua facção para exercer a sua vontade pessoal.

Poucas vezes o presidente se exprimiu de maneira tão cristalina a respeito desse desejo como quando indicou Kassio Nunes Marques para o Supremo. O novo ministro era confiável porque havia “tomado tubaína” com o presidente, numa demonstração inequívoca de amizade – e, como enfatizou Bolsonaro, “a questão da amizade é importante, né?”. Na posse de Nunes Marques, não deixou margem a dúvidas: “Hoje, eu tenho 10% de mim no STF”. 

Por isso, não surpreende que a encarnação de Bolsonaro no Supremo atue como se fosse o presidente em pessoa. Em decisão monocrática, o ministro Nunes Marques derrubou as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que cassaram os mandatos de dois aliados de Bolsonaro: o deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR) e o deputado federal José Valdevan (PL-SE).

Ainda que ministros do Supremo possam ter essa prerrogativa, não deixa de ser afrontosa a anulação monocrática de decisões colegiadas de um tribunal superior, ainda mais quando o placar é 6 votos a 1, no caso de Francischini, e por unanimidade, no caso de Valdevan. O protocolo institucional demanda que casos assim sejam levados ao colegiado do Supremo.

Mais acintosas são as questões de mérito. Segundo o TSE, Francischini infringiu a LC 64/90, por uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político, ao afirmar em uma live que urnas fraudadas não estavam aceitando votos em Bolsonaro. Como agravante, a mentira, claramente voltada a tumultuar o processo eleitoral e manipular o eleitorado, foi dita no dia do 1.º turno das eleições de 2018. 

Já Valdevan teve seu mandato cassado pelo Tribunal Eleitoral Regional (TRE) de Sergipe por ter prestado contas de apenas R$ 353 mil dos R$ 551 mil gastos em campanha. O TSE confirmou a decisão, e a perda do mandato foi declarada pela Câmara.

No caso de Francischini, Nunes Marques alegou que a internet não pode ser equiparada aos “meios de comunicação” de que fala a lei. No caso de Valdevan, alegou que não houve a publicação do acórdão do TSE. Ainda que a tecnicalidade fosse sanável sem mais atritos, o TSE apenas confirmou a decisão do TRE, que deveria permanecer vigente.

Por óbvio, as argumentações são irrelevantes, meros pretextos para um voto decidido de antemão. Bolsonaro obviamente não perdeu a deixa: repetiu as mentiras de Francischini e voltou a fazer acusações superlativas e infundadas ao TSE.

Não foi a primeira vez que Marques fez contorcionismos em nome de seu princípio exegético peculiar: a lealdade a Bolsonaro. Fez o mesmo ao julgar improcedente a ação contra o deputado bolsonarista Daniel Silveira; ao liberar cultos religiosos presenciais no auge da pandemia; ao interromper os julgamentos de decretos que facilitaram a compra de armas; ao decidir reiteradamente contra a CPI da Covid; ou ao negar a prerrogativa dos Estados de determinar a obrigatoriedade de vacinas contra a covid.

“Quem me conhece sabe que não me inibo com nada”, declarou Nunes Marques, em altercação com outro ministro, logo no início de seu mandato. “Para os que não me conhecem, ainda têm um pouco mais de 26 anos para me conhecer”, disse, referindo-se ao longo tempo que lhe resta até a aposentadoria como ministro do Supremo. De fato, o ministro, pouco conhecido até Bolsonaro alçá-lo à Suprema Corte, mostra que não se inibe com nada – nem com a Constituição, nem com as liturgias comezinhas do Judiciário, nem mesmo com o imperativo do bom senso. Mas não serão necessários 26 anos para conhecê-lo. Bastou pouco menos de um para que mostrasse quem é: um fiel despachante de Jair Bolsonaro.

O Estado de São Paulo

Não se pode falar nada, tudo ofende




Por Eduardo Affonso (foto)

Programa jornalístico (hipotético) de televisão. Quatro homens e uma mulher estão a postos para discutir violência sexista. O diálogo se dá entre Carol e Marcelo (nomes fictícios). Na volta do intervalo, Marcelo toma a iniciativa.

— A gente dá uns escorregões às vezes, né?, e a gente tem que lembrar pra não dar um escorregão, e há pouco cê usou uma palavra que a gente não usa mais...

— Supimpa? Lambisgoia? Entrementes? Sirigaita?

— Não, uma palavra racista: denegrir.

— Mas denegrir é tão racista quanto amarelar, ficar vermelho de raiva ou dar um branco...

— Não, Carol. Qualquer palavra ou expressão que associe a cor preta a algo negativo toca num ponto sensível e contribui para a perpetuação do racismo.

— Mesmo que não tenha a ver com cor de pele, como “quando eu era criança, tinha medo do escuro”?

— Sim. Mesmo sem a intenção de ofender, estamos ofendendo e reproduzindo discursos de intolerância. Não pode.

— Não tinha pensado nisso. Que burrice a minha, Marcelo!

— Escorregou de novo, Carol. Chamar de burro alguém carente de inteligência é especismo, uma forma de preconceito que coloca a espécie humana acima das outras e atribui aos animais nossas características mais reprováveis. Ao repetir essas coisas — fazer papagaiada, ser galinha, ou um verme, uma anta, uma víbora —, você discrimina e oprime os animais não humanos.

— Nossa, que loucura!

— Mais um escorregão, Carol. Além de racista e especista, você agora está sendo capacitista e contribuindo para a desqualificação de pessoas com deficiência, com base no prejulgamento em relação a sua capacidade cognitiva. Cada vez que você emprega uma expressão dessas, coloca mais obstáculos à inclusão de pessoas portadoras de distúrbios psíquicos.

— Gente, eu devo estar ficando velha, porque...

— Carol, cê usou outra palavra proibida! Relacionar a idade a certos comportamentos inadequados é etarismo, a marginalização de grupos etários com base em estereótipos. Falas como essa aumentam a dificuldade de inserção de pessoas da melhor idade no mercado de trabalho, levam a disparidades salariais e até ao aumento no risco de doença cardiovascular. Simplesmente, pare!

— Vou ficar atenta, porque essas coisas parecem frescura, mas...

— Frescura? Você acaba de ser homofóbica, transfóbica, nãobinariofóbica, genderfluidfóbica...

— Mas eu não tenho nenhum tipo de objeção à orientação sexual de ninguém! Me sinto confortável com o homossexualismo e...

— Homossexualidade! Homossexuali-da-de. O sufixo “ismo” é usado para identificar doenças!

— Então progressismo, socialismo, modernismo e iluminismo são doenças?

— Carol, não mude de assunto. Por isso que eu quis te chamar a atenção, para que você mesma pudesse se desculpar.

— Tá bom, Marcelo. Mas você me corrigir publicamente e me explicar o que é isso, o que é aquilo, não é mansplaining?

— Bem, não conseguimos falar sobre sexismo neste bloco, então vamos para um pequeno intervalo e já voltamos, para tratar de censura e dos riscos que o fascismo representa para a liberdade de pensamento e de expressão.

O Globo

Crueldade

 

J




Não será fácil desaprender o mal que se espalhou no espírito de parcela dos brasileiros nos anos do governo Bolsonaro.

Por Miguel Reale Júnior* (foto)

Especialmente em tempos cinzentos, é preciso “ter medo do guarda da esquina, mais do que do general”, como alertou Pedro Aleixo quando da instauração do AI-5. Os subordinados adotam com facilidade o abuso do poder se os desmandos não são reprimidos, mas dados como positivos pelos superiores.

Segundo a teoria da aprendizagem formulada por Gabriel Tarde e, depois, estudada por Sutherland, a conduta delitiva se aprende em associação com as pessoas que a consideram positiva, gerando o convencimento de estar a agir de maneira certa. Mesmo em face de condutas cruéis, os freios inibitórios são anulados em decorrência do aplauso ao comportamento malvado vindo de autoridades.

Seria a crueldade inerente à pessoa humana, cujo primitivismo deve ser burilado pelos limites impostos pelo processo educacional? Ou a malvadeza é aprendida nas relações sociais, de acordo com o meio social no qual se está inserido?

Indo mais a fundo: o mal é inerente ao exercício do poder? Será um ingrediente ou um meio pelo qual obrigatoriamente o titular do poder se manifesta para mantê-lo ou para afirmá-lo? Haveria até mesmo com gosto pelo mal?

Essas perguntas tocam no fulcro da questão da violência policial.

As perspectivas – a individual, congênita, e a social – combinam-se, mas sem dúvida têm grande peso o incentivo e o elogio a valores negativos vindos dos superiores. A probabilidade de punição (ou, ao menos, a certeza da reprovação moral da conduta nociva) é essencial para o exercício do poder se dar no limite do respeito aos demais.

Por isso a relação do governante com as polícias que atuam com a força na rua é fator relevante, pois a forma de agir do policial decorrerá do quadro de valores transmitido pela autoridade estatal.

Foi marcante o privilégio com que Jair Bolsonaro tratou a Polícia Rodoviária Federal. Aumentou seu efetivo, garantiu proventos na aposentadoria iguais ao do último salário, compareceu a inaugurações de sedes e visitou postos policiais. Neste ano, repetidamente, mencionou que o aumento salarial da Polícia Rodoviária Federal teria tratamento especial, inclusive equiparando a remuneração de seus quadros superiores à dada à Polícia Federal. A proximidade entre o presidente e a Polícia Rodoviária Federal é manifesta.

A tornar mais significativa essa ligação, Sergio Moro, no Ministério da Justiça, estendeu, inconstitucionalmente, a atribuição da Polícia Rodoviária Federal para além das rodovias, quando é claro o § 2.º, artigo 144 da Constituição, que edita: “§ 2.º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais”. Assim, por portaria ministerial, reiterada em grande parte por André Mendonça como ministro da Justiça, deu-se atribuição para a Polícia Rodoviária Federal atuar em ação conjunta com as polícias militares na área urbana. Ao mesmo tempo, eliminaram-se as aulas de Direitos Humanos previstas no currículo de formação do concursado.

Em consequência, a Polícia Rodoviária Federal, sem expertise para agir em operação policial nas favelas, passou a ser chamada a participar de ações de repressão com o Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio de Janeiro. Veio, destarte, a integrar as forças policiais em duas chacinas na mesma Vila Cruzeiro, na zona norte do Rio, em 11 de fevereiro deste ano, com 8 mortos; e recentemente, em 24 de maio, com o saldo aterrorizador de 23 mortos, sendo metade dos assassinados sem antecedentes criminais.

O presidente da República festejou a ação militar, cumprimentando os policiais pelo morticínio, que “neutralizou vinte”. Negou-se a recriminar, contudo, a crueldade praticada por três policiais rodoviários em Sergipe, que malvadamente lançaram gás lacrimogêneo e de pimenta no porta-malas onde aprisionaram Genivaldo de Jesus Santos, que morreu por asfixia, após ter sido seviciado e empurrado com brutalidade para dentro da viatura.

Esses maus policiais, aos gritos e palavrões, agiram com obsessão para afirmar sua superioridade diante de um pobre cidadão, negro, tido por desprezível: uma pessoa “a ser neutralizada”, como disse o presidente em face dos mortos da Vila Cruzeiro.

Assim, Genivaldo de Jesus Santos, parado pelos policiais por trafegar na moto sem capacete, foi cruelmente morto pela soberba do poder sem controle, em boa parte fruto do aplauso às violências anteriores da corporação.

O poder pessoal do “guarda da esquina” deve estar sob monitoramento, contido por lição de respeito ao direito dos cidadãos, pois, do contrário, abre-se a possibilidade de vir a ser cruel ao ter o mal como meio de afirmação de “autoridade”.

Assim, o exercício do poder, sem o bom exemplo e a fiscalização vindos de cima, viabiliza a instauração do instinto de desumanidade, tendo por consequência a crueldade, que, ensina Montaigne, é o extremo de todos os vícios, a nefasta ausência total de piedade.

Não será fácil desaprender o mal que se espalhou no espírito de parcela dos brasileiros nos anos Bolsonaro.

*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça 

O Estado de São Paulo

O país do zigue-zague




Nosso problema é existencial. Não é a incapacidade de aprender, mas de não saber diferenciar um erro de um acerto. 

Por Fernando Schüler* (foto)

Há uma passagem famosa de Roberto Campos, no Roda Viva, coisa de trinta anos atrás, dizendo que o Brasil não aprende. “Bismarck”, disse ele, “classificava os povos em três grupos: os inteligentes, que aprendem com a experiência alheia; os medíocres, que aprendem da própria experiência, e os idiotas, que nunca aprendem”. O Brasil se encaixaria nesse último grupo. Roberto era um sujeito cáustico, e talvez tenha sido um pouco duro. Afinal, algum tempo depois daquela entrevista fizemos o Plano Real, e em pouco mais de duas décadas conseguimos acabar com o imposto sindical. Cada um pode fazer o seu balanço.

Eu lembrei da provocação do Roberto quando lia sobre a conversa toda em torno de “intervir no preço da Petrobras”. Há uma montanha de dados sobre quanto a companhia penou com o congelamento dos preços do combustível, para “segurar a inflação”, à época do governo Dilma. O ex-conselheiro da empresa Mauro Cunha fala em um custo de 100 bilhões de reais, mas há quem contabilize um valor maior. O preço das ações derreteu, e até hoje pagamos aquela conta. Como se nada houvesse acontecido, escuto agora que é preciso mexer no preço “para não prejudicar a dona de casa”, e não é apenas Lula que diz essas coisas. Temos algum problema, ou é uma espécie de eterno retorno nietzschiano, um tanto prosaico?

Vejamos um exemplo mais estrutural: a reforma administrativa. O Brasil gasta mais de 13% do PIB com funcionalismo, mais do que a Alemanha e a França, mas não me parece haver o menor acordo sobre se isso é pouco ou é muito. Um dos pontos da reforma, que dorme no Congresso, era terminar com as progressões por tempo de serviço. Leio agora que estamos prestes a votar um projeto que dá 5% de aumento a cada cinco anos para nossos magistrados, ou quem sabe para todos os servidores, como sugerem algumas emendas. Pode ser que não passe, mas vamos lá: há alguma convicção sobre essas coisas no Congresso? Gosto de implicar com a avaliação de desempenho dos funcionários, que a Constituição manda fazer. Está lá há 24 anos para ser regulamentada, mas ninguém dá bola. Nem o Congresso nem o Supremo nem as claques que gritam “mito, mito” ou “Lula-lá”. Temos alguma convicção sobre isso? O caso é o mesmo com a reforma tributária ou sobre cobrar ou não mensalidade nas universidades públicas. Até mesmo sobre a privatização da Petrobras. Leio que 38% apoiam e 49% são contra. Acho que o Roberto foi generoso. Nosso problema é existencial. Não é a incapacidade de aprender, mas de não saber diferenciar um erro de um acerto. O fato algo constrangedor de que não dispomos, no mundo político e na sociedade, do menor consenso sobre o que efetivamente queremos como país.

O mesmo acontece com os direitos individuais. Dias atrás vi o ministro Alexandre de Moraes dizer que a liberdade de expressão tem de ter limites, mas “o que não pode é a censura prévia”. Me caiu os butiá dos bolsos, pois o próprio ministro vive decretando censura prévia por aí. Um dos últimos foi a de um jornalista chamado Claudio Lessa. Está lá, na ordem que o ministro deu ao Telegram: tirem esse sujeito do ar. Podia ter processado por calúnia ou injúria, não? Com o “devido processo”, essas coisas cansativas do estado de direito. Mas não. Manda banir. Tanta gente se orgulhou que o cala-boca já tinha morrido, e agora estamos repetindo o erro? Aí que vem o problema: o ministro não acha que é um erro. Talvez nem ache que censura prévia seja censura prévia. De novo, o problema não é a incapacidade de aprender. É a falta de um acordo básico sobre liberdades, direitos individuais, essas coisas sobre as quais um dia imaginamos concordar, mas agora vimos que não.

Leio agora um ótimo livro, organizado pelo colega Marcos Mendes, analisando dezenas de erros que cometemos nos últimos anos. Um deles, relatado pelo economista Tiago Sbardelotto, conta a história da avalanche de subsídios dados pelo governo, sem lá muito critério, nas últimas duas décadas. Mais de dois terços dos benefícios nem sequer continham estudo de impacto fiscal ou medida compensatória, como manda a Lei de Responsabilidade Fiscal. Coisas como o financiamento a rodo de caminhões, via BNDES, com os resultados que todos sabemos. Ao final, ele mostra que o impacto dos benefícios no crescimento foi pífio, mas sobre a dívida pública foi de 22% do PIB. Nossa dívida seria de 52% do PIB, em 2019, e não 74%, caso não tivéssemos dado os subsídios. Fomos concedendo benefícios e “regimes tributários especiais”, sobretudo no período que vai da crise de 2008 até 2015, à base da pressão desse ou daquele setor econômico. Mostramos, no fundo, o que somos: um país vulnerável à captura. País com carga tributária alta e complicada, mas sujeito a infinitas exceções. No fim, perdemos todos, e vamos levando.

Na grande crise de 2015 e 2016, o Brasil quebrou. O PIB caiu 7,2% e mais de 2 milhões de brasileiros cruzaram, para baixo, a linha da extrema pobreza. Em 2016, o Congresso votou o teto de gastos. Ele funcionou, aos trancos e barrancos, como freio ao vício da irresponsabilidade fiscal brasileira e contribuiu para que o país alcançasse a menor taxa básica de juros na série histórica. Pois bem, alguém acha que aprendemos? Escuto agora alguns dos principais candidatos à Presidência dizendo que vão “acabar com o teto” para retomar o investimento público, e por aí fazer a economia crescer. É só um sinal. Podemos publicar livros e fazer o balanço que quisermos. A verdade é que somos mesmo um país sem convicção. Que anda em zigue-zague, sem ninguém aparentemente muito preocupado com isso.

O Brasil fez uma reforma trabalhista, a duras penas, mas esses dias escutei que ela foi feita com “mentalidade escravocrata” e que é preciso reabrir a discussão. Quem sabe até enquadrar o Uber e os aplicativos na CLT, por que não? Levamos alguns anos para tornar obrigatória a execução das emendas parlamentares, para que elas não fossem usadas como moeda de troca, no Congresso. Agora criamos as emendas de relator, que servem exatamente como moeda de troca, no Congresso. Nosso mundo político malandro sacou 5 bilhões de reais do bolso dos contribuintes para financiar suas campanhas, fazendo do Brasil, de longe, a democracia que mais transfere dinheiro público para partidos e políticos. Desculpem se hoje pareço um pouco amargo, mas talvez este seja o momento exato para ser. Momento de olhar para dentro, parar de elogiar os incríveis hábitos dos políticos suecos, e fazer exatamente o oposto.

O país não precisa de unanimidade. Só precisa de uma mínima hegemonia modernizadora, para avançar em um consenso básico em torno de uma frase engraçada que escutei tempos atrás: “Só erros novos, por favor”. Em momentos-chave de nossa história, como na transição democrática, nos anos 80, o país soube produzir um incrível consenso. Não está escrito em nenhum lugar que não possamos fazer isso no plano da economia, da governança pública, de nossa dívida social. No fundo, é esse o debate que precisamos fazer, neste ano em que as esperanças se renovam, uma vez mais, em nossa grande democracia.

*Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

Revista Veja

Varíola dos macacos, hepatite misteriosa, covid: mundo está mais propenso a surtos e epidemias?




Surtos, epidemias e pandemias podem se tornar ainda mais frequentes nos próximos anos, alertam cientistas

Por André Biernath, em Londres

As últimas semanas ficaram marcadas pelo surgimento de dois surtos que preocupam as autoridades de saúde. Primeiro, uma hepatite de origem misteriosa que acomete principalmente as crianças. Depois, o espalhamento da varíola dos macacos por vários países.

Enquanto os cientistas ainda tentam desvendar as origens e as causas dos quadros, vale notar que esses eventos acontecem em meio à pandemia de covid-19, doença causada por um vírus que, até o início de 2020, era absolutamente desconhecido.

E, antes mesmo de o coronavírus dominar o noticiário, na última década vimos graves problemas no Brasil e no mundo relacionados a outros vírus, como ebola, zika, dengue, chikungunya, febre amarela e sarampo.

Será que as crises de saúde em sequência são fruto do acaso? Ou o contexto em que vivemos propicia surtos, epidemias e pandemias?

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que a segunda hipótese é a mais provável: atualmente, o mundo reúne uma série de características que facilitam ainda mais o aparecimento (ou o ressurgimento) de doenças infecciosas.

E, como você vai entender ao longo da reportagem, há pelo menos sete fatores que ajudam a explicar todo esse cenário: o trânsito de pessoas entre os países, a urbanização desenfreada, as mudanças climáticas, a demanda por proteína animal, o maior contato com zonas silvestres, a recusa às vacinas e a falta de profissionais de saúde e vigilância.

Viagens internacionais

Hoje em dia, é muito fácil (e relativamente barato) cruzar continentes e oceanos em poucas horas.

Vamos supor que você queira ir amanhã para o município de Urasoe, no Sul da ilha de Okinawa, no Japão, a 19.382 quilômetros de São Paulo — trata-se da cidade mais afastada do mapa em relação à capital paulista.

É possível chegar lá em 33 horas e 10 minutos de viagem, com paradas em Dallas e Chicago, nos Estados Unidos, e em Tóquio e Okinawa, no Japão.

Em termos práticos, isso significa que você pode se infectar com um vírus no Brasil e, antes mesmo de apresentar qualquer sintoma, estar literalmente do outro lado do mundo.

Dados do Banco Mundial estimam que, no ano de 1990, 1 bilhão de pessoas fizeram viagens de avião. Em 2019, esse número saltou para 4,5 bilhões de passageiros, o que representa mais da metade da população global.

Por um lado, o aumento da mobilidade entre as fronteiras representa a oportunidade de negócios, conexões e contatos com outras culturas. Por outro, ela facilita a transmissão de agentes infecciosos — e pode acelerar ainda mais a eclosão de epidemias ou até pandemias.

Um dos exemplos disso é o zika, vírus que circulava em algumas ilhas do Pacífico e foi trazido ao Brasil a partir de 2014 e 2015, onde causou um sério problema de saúde pública, incluindo o nascimento de bebês com microcefalia.

Nas últimas semanas, aliás, a varíola dos macacos, antes restrita a algumas regiões da África, foi registrada quase que simultaneamente em outros dois continentes, um de cada lado do Atlântico, quando autoridades dos Estados Unidos, de Portugal e da Bélgica anunciaram a detecção dos primeiros casos em seus territórios. Mais uma vez, isso está conectado com a mobilidade global.

'Viagens internacionais ficam cada vez mais rápidas e acessíveis, mas facilitam o trânsito de vírus por diferentes partes do mundo'

Urbanização

A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que, em 1950, dois terços da população mundial viviam em áreas rurais.

A agência estima que, até 2050, essa proporção vai se inverter: em pouco mais de duas décadas, 66% das pessoas viverão nas cidades. E a mudança mais drástica ainda está para acontecer na Ásia e na África.

A grande questão, apontam os especialistas, é que muitos desses novos espaços urbanos já nascem deficientes em infraestrutura, transporte público, habitação, saneamento básico e assistência em saúde.

E isso, por sua vez, cria as condições ideais para que vírus e bactérias prosperem e circulem livremente.

Jogar esgoto não tratado em córregos e nascentes, por exemplo, pode ser fonte de graves infecções gastrointestinais.

Já o acúmulo de lixo em terrenos baldios é o ambiente perfeito para a proliferação de vetores, como o mosquito Aedes aegypti, o transmissor de dengue, zika e chikungunya.

"Não podemos nos esquecer também que os ambientes urbanos são propícios às aglomerações, e sabemos como o contato próximo, especialmente em locais pequenos e mal ventilados, facilita o espalhamento de patógenos", acrescenta o virologista Flavio da Fonseca, professor da Universidade Federal de Minas Gerais.

Mudanças climáticas

O aumento da temperatura média do planeta traz as mais diversas consequências à saúde.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, entre 2030 e 2050, as mudanças climáticas estarão diretamente relacionadas com 250 mil mortes adicionais a cada ano.

Entre as causas desses óbitos, a entidade destaca o aumento de doenças infecciosas, como malária e dengue.

E isso acontece porque os mosquitos transmissores desses quadros se reproduzem justamente no calor e se aproveitam de reservatórios de água que aparecem durante as temporadas de chuva.

Ora, se a tendência é que as temperaturas fiquem cada vez mais altas daqui em diante, isso representa uma grande oportunidade para que muitos vetores ganhem terreno e ajudem a espalhar ainda mais os agentes infecciosos.

'Mosquitos como o Aedes se reproduzem com mais facilidade em temporadas de calor intenso e muita chuva'

"Hoje em dia, observamos a ocorrência de doenças típicas das regiões tropicais em áreas subtropicais. Já temos casos de chikungunya e febre do Oeste do Nilo no Sul da Europa e de dengue na Flórida, nos Estados Unidos", conta o virologista Anderson F. Brito, pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde (ITpS).

Maior contato com animais

Ainda neste tópico, não dá para ignorar o papel que a destruição de reservas naturais pode ter no surgimento de novas enfermidades causadas por vírus, bactérias e outros patógenos.

Dados do Banco Mundial indicam que, em 1990, o mundo possuía 41,2 milhões de quilômetros quadrados de área florestal. Esse número caiu para 39,9 milhões em 2016.

Parece uma redução pequena? A área devastada de mais de 1,3 milhão de quilômetros quadrados em apenas 26 anos é quase equivalente ao Amazonas inteiro (o maior Estado do Brasil) e supera a área de países como Peru, Colômbia e África do Sul.

Do ponto de vista da saúde, isso também representa uma ameaça das grandes para os seres humanos. Isso porque os vírus estão quietinhos lá na natureza, cumprindo seus infindáveis ciclos de replicação dentro de um outro ser vivo.

O avanço das cidades e do agronegócio acaba destruindo muitas dessas reservas naturais, o que desloca os animais e viabiliza o contato deles com os seres humanos. Os vírus, que antes só atingiam uma espécie, podem então "pular" para nós, num processo conhecido como spillover.

"E nós temos uma visão muito antropocêntrica das coisas. Acreditamos que a maior parte dos patógenos afeta a população humana, quando na verdade a maioria desses agentes está na natureza e convive em equilíbrio com seus hospedeiros", complementa Fonseca, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.

"Quando eliminamos esses habitats, o vírus tende a buscar uma alternativa. E quem são geralmente os hospedeiros mais próximos? Nós mesmos", continua.

"Na maioria das vezes, essa interação não dá em nada. Mas há alguns casos em que o patógeno consegue se adaptar bem e começa a evoluir especificamente para a espécie humana, causando novas doenças", completa o especialista.

Um dos mais recentes surtos de ebola, por exemplo, se iniciou na África Ocidental em 2014 e apareceu justamente em regiões com extração de madeira e minérios. Por causa dessas atividades, os seres humanos passaram a ter mais contato com os animais da região — entre eles, morcegos que carregavam esse vírus.

Numa reportagem da BBC Brasil publicada em outubro de 2021, a virologista e patologista Paula Rodrigues de Almeida, professora do curso de veterinária da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul, explicou que os novos contágios costumam acontecer nas chamadas "zonas de interface".

"São ambientes naturais que foram degradados, em que acontece com mais frequência essa exposição da espécie humana aos novos vírus", ensina.

Mais carne no prato

Ainda nessa seara, não dá para ignorar a crescente demanda por proteína animal: a Organização de Comida e Agricultura (FAO) da ONU calcula que a procura global por cortes bovinos vai crescer 81% entre 2000 e 2030. O mesmo aumento poderá ser visto em outros produtos da pecuária, como leite (97% a mais), carne de carneiro (88%), de porco (66%), de aves (170%) e ovos (70%).

A grande questão é que essas criações nem sempre ficam confinadas nas condições sanitárias mais adequadas. A falta de regras e fiscalização faz com que, em muitos países, esses animais sejam mantidos em locais apertados, sem higiene ou até misturados com outras espécies.

É tudo o que um agente infeccioso precisa para sofrer mutações, se combinar e "pular" para as pessoas.

Na pandemia de H1N1 de 2009, que se originou no México, os estudos mostraram que o vírus influenza que causou todo aquele problema era uma mistura de quatro cepas diferentes — duas de origem suína, uma das aves e a outra dos seres humanos.

'Criadouros de aves e suínos sem vigilância são ambientes ideais para que vírus sofram mutações perigosas'

E esse não é um exemplo isolado: ao longo do século 20, a humanidade enfrentou diversas pandemias de influenza, como a gripe espanhola (1918), a gripe asiática (1957), e a gripe de Hong Kong (1968). Elas se originaram a partir da mutação de vírus que circulavam entre as aves.

"Tudo isso só reforça a noção de que a saúde humana não está isolada e precisamos pensar cada vez mais na conexão que temos com a saúde dos animais e do meio ambiente", interpreta Brito.

Recusa às vacinas

O sexto fator da lista tem a ver com a dificuldade cada vez maior de convencer a população sobre a importância de vacinar-se.

Seja por dificuldades na produção e na distribuição das doses, ou pela influência de notícias falsas a respeito do assunto, o fato é que a cobertura vacinal contra muitas doenças está aquém do desejado.

Mesmo no Brasil, que sempre foi visto como exemplo nas campanhas de imunização, a taxa de proteção contra doenças preveníveis cai ano após ano.

A vacina contra a poliomielite, por exemplo, foi aplicada em 100% dos brasileiros que faziam parte do público-alvo da campanha em 2005.

Passados 15 anos, essa taxa caiu para 76%, o que significa que uma em cada quatro crianças não foi devidamente imunizada contra a doença, que pode levar até à paralisia e à morte.

E isso abre alas para que algumas enfermidades voltem a atormentar: o sarampo, que chegou a ser eliminado do Brasil em 2016, voltou com tudo a partir de 2018 e provocou surtos importantes desde então.

Com uma cobertura vacinal abaixo da meta, nada garante que outras doenças infecciosas, como a própria poliomielite, causem sérios problemas depois de décadas sob controle.

"As vacinas são vítimas de seu próprio sucesso", interpreta Fonseca.

"As pessoas deixaram de ver no dia a dia os graves efeitos de muitas doenças infecciosas, como a poliomielite ou o sarampo. Com isso, muitos passaram a não dar a devida importância à imunização", complementa.

'Cobertura vacinal contra diversas doenças despencou no Brasil durante os últimos anos'

Falta de estrutura

Por fim, não dá pra ignorar como a ausência de uma estrutura básica de saúde e de vigilância em muitos lugares faz com que um problema pequeno vire um surto, uma epidemia ou até uma pandemia.

Os profissionais que fazem a vigilância são responsáveis por analisar os registros de saúde e notar se há alguma mudança de padrão — como um aumento anormal de casos, hospitalizações e mortes relacionadas a uma doença específica em determinada região do país.

A partir desses dados, é possível lançar mão de políticas públicas que ajudam a conter o problema. Pode ser necessário reforçar a vacinação naquele local, ou controlar a entrada e a saída de pessoas dali por um tempo.

Nesse cenário, é essencial também contar com um serviço de saúde capaz de atender, diagnosticar e tratar os pacientes da melhor forma possível.

A grande questão é que boa parte do mundo ainda não possui essa estrutura toda. Com isso, muitas doenças podem surgir e se espalhar facilmente antes de serem sequer notadas por autoridades nacionais ou internacionais.

Foi o que aconteceu com a zika no nosso país a partir de 2015. "Hoje, sabemos que o Brasil levou mais de um ano desde a entrada do vírus para identificar que aqueles casos iniciais não eram de dengue, mas, sim, de uma nova doença", lembra Brito.

O virologista destaca que a vigilância moderna não envolve apenas observar o aumento de casos, mas toda uma estrutura tecnológica que consiga sequenciar geneticamente as amostras e identificar o agente causador daquele quadro.

"Ao longo da pandemia de covid-19, a estrutura de vigilância melhorou nos países de renda alta e média, mas não avançou suficientemente nas nações de renda baixa", compara.

"E precisamos entender que enquanto tivermos pontos cegos nos sistemas globais de vigilância, o mundo inteiro continuará em perigo", conclui. 

BBC Brasil

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