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terça-feira, janeiro 04, 2022

Como Bolsonaro se comporta e o que ele parece




Debrucei-me esta madrugada sobre uma versão em papel do Dicionário do Aurélio à procura de uma palavra que definisse com razoável precisão como Bolsonaro se comporta, e o que parece.

Por Ricardo Noblat (esq.)

Pensei em classificá-lo de debochado. Debochado com a cara de todo mundo. Deboche quer dizer devassidão, libertinagem, e logo concluí que está muito aquém do que o país assiste.

Detive-me na palavra escárnio. Gosto dela. É sonora, insolente, redonda. Para pronunciá-la, é preciso abrir os lábios e mostrar os dentes com expressão de cólera ou de riso.

Ocorre que escárnio dá impressão de ser uma palavra mais pesada do que é. Não corresponde aos seus sinônimos mais usuais. Escárnio quer dizer menosprezo, zombaria, desdém.

Pulei a palavra pequenez. Não está à altura da façanha protagonizada por Bolsonaro. Passei ao largo de descabido. Que apenas quer dizer inconveniente, impróprio, inoportuno.

Por comum e vulgar, não perdi tempo com sem-vergonha. Vi-me tentado, confesso, a trocá-la por sem pudor, sem brio – mas esses são termos que soam até elegantes, digamos assim.

Esbarrei na palavra reles. Sem dúvida, é ordinária, vil a maneira como o presidente se exibe. Empurra o país para o rés-do-chão, expressão que me encanta desde a adolescência.

Vagabundo? Se aplicado com sentido pejorativo, e eu jamais faria isso, quer dizer desprovido de honestidade, que age de modo desonesto; malandro, canalha.

Com sentido usual, vagabundo é quem não trabalha ou não gosta de trabalhar; vadio. De fato, pegar no pesado não é com Bolsonaro. Ele ama divertir-se. Sai de férias até quando não deveria.

Voltei algumas páginas do dicionário e pus os olhos em patifaria. Deus seja louvado! Imagino finalmente ter encontrado a palavra certa para definir o desempenho de Bolsonaro – patifaria.

Autor de patifaria é patife. E patife, segundo o Aurélio, quer dizer velhaco, pusilânime, covarde, alguém capaz de mandar às favas todos os escrúpulos para alcançar seus objetivos.

Mesmo assim… Chamar Bolsonaro de patife ainda me parece pouco.

Jornal Metrópoles

Antes tarde do que nunca




Marco legal enuncia que as operações no mercado de câmbio podem ser realizadas sem limitação de valor

Por Gustavo Loyola* (foto)

Em artigo publicado nesta coluna em novembro de 2003, externei minha opinião de que a reforma das leis cambiais era a mais adiada das reformas no Brasil. Entendia que, em plena era da globalização financeira e dos regimes de taxas flutuantes de câmbio, não era cabível que o Brasil operasse com uma legislação cambial que é um verdadeiro “patchwork”, em que se misturam pedaços de normas restritivas datadas da era Vargas, com dispositivos editados a partir dos anos 1990 que já consideram as complexidades dos mercados financeiros contemporâneos.

Como mencionei no citado artigo, o princípio basilar da legislação cambial brasileira é o do chamado "monopólio de câmbio" do Banco Central (antes da Sumoc). O exportador deve compulsoriamente vender as divisas resultantes de suas exportações para a Autoridade Monetária e os importadores somente podem adquirir câmbio para liquidar suas compras externas quando autorizados pelo BC. Na conta de capitais, por esse mesmo princípio, prevalece o sistema de assegurar o direito de saída, apenas aos capitais cuja entrada foi registrada no BC. Esse princípio, embora relaxado a partir de 1990, com o fim do sistema de repasses e coberturas e o desenvolvimento do mercado interbancário de câmbio, persiste até os dias de hoje como base lógica de nossas normas cambiais.

O novo marco legal do mercado de câmbio recentemente aprovado pelo Legislativo, a partir de iniciativa do Executivo de 2019, é uma das mais relevantes reformas levadas a cabo no Brasil nos últimos anos. Não sendo uma revolução radical do marco normativo vigente, traz um grau de flexibilização e de simplificação que deve impactar positivamente na redução dos custos de transação para os agentes econômicos, empresas e pessoas naturais, que transacionam no mercado cambial. Trata-se de mais um tijolo na construção de um regime jurídico mais favorável ao desenvolvimento equilibrado e sustentável do país.

Logo de início vale salientar que um aspecto positivo e relevante da nova legislação é seu sentido gradualista, afastando-se da ideia de um “big bang” no mercado cambial, como pretenderam alguns projetos de lei anteriores apresentados no Congresso e que reduziam a uns poucos artigos a legislação cambial, promovendo uma espécie de terra arrasada no marco legal existente, como corretamente salientou o ex-presidente do BC, Gustavo Franco, quando foi divulgado, em 2005, um projeto patrocinado pela Fiesp e pela Funcex.

Conjugado a esse saudável gradualismo, o texto aprovado deixa espaço para que o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central (BC) regulamentem a partir de agora, com a adequada segurança jurídica, o mercado cambial de forma a mantê-lo compatível com as necessidades ditadas pela evolução da economia e pela introdução de novas tecnologias e processos nos mercados financeiros.

O novo marco legal enterra de vez o princípio do “monopólio de câmbio”, enunciando textualmente já no seu artigo segundo que “as operações no mercado de câmbio podem ser realizadas livremente, sem limitação de valor, observadas as diretrizes estabelecidas pelo CMN e o regulamento a ser editado pelo BC”. Vê-se aqui, contudo, a preocupação correta com preservação da capacidade das autoridades financeiras de disciplinarem o mercado de câmbio, tendo em vista suas implicações macroeconômicas e para a estabilidade financeira, além, por óbvio, da necessidade da prevenção da lavagem de dinheiro originário de práticas criminosas.

Uma das consequências mais positivas do fim do “monopólio de câmbio” é a liberdade que se passa a dar para os exportadores utilizarem mais livremente seus recursos no exterior, inclusive para realizar mútuos e empréstimos. Essa liberdade, aliada a alguns outros aspectos da nova legislação, deverá ter impacto positivo sobre a rentabilidade das exportações brasileiras.

Outro aspecto relevante do mencionado projeto é a maior flexibilização do uso de moeda estrangeira nas transações entre residentes e não-residentes, mas sem abrir mão do curso forçado da moeda nacional. Cabe reconhecer, porém, que há nesse ponto um aspecto mais polêmico da nova legislação que é a faculdade que se dá ao Banco Central para regulamentar contas em moeda estrangeira no País, inclusive quanto aos requisitos para sua manutenção e movimentação. Tal dispositivo, se mal utilizado, pode se tornar um Cavalo de Tróia para nosso sistema monetário.

Uma nota quase pitoresca para finalizar este artigo. O projeto deixa de considerar crime a cobrança de “ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira”, conforme disposto na Lei 1.521/1951, assim como revoga dispositivo que proíbe a “especulação cambial” (Lei 4.182/1920). De fato, antes tarde do que nunca...

*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo

Valor Econômico

Trump, Ivanka e Donald Jr intimados para depor em Nova Iorque

 



Donald Trump Jr., Donald Trump e Ivanka Trump

O ex-presidente norte-americano Donald Trump e os seus dois filhos mais velhos foram intimados pela procuradora-geral de Nova Iorque, Letitia James, para depor no âmbito da investigação em curso sobre os negócios da família.

As intimações de Trump, do filho Donald Trump Jr. e da filha Ivanka Trump, resultam de uma investigação "à avaliação de propriedades pertencentes ou controladas" por Trump e a sua empresa, a Trump Organization, lê-se no documento judicial tornado público esta segunda-feira, citado pela agência noticiosa norte-americana Associated Press (AP).

A tentativa da procuradora-geral de obter o depoimento do ex-presidente norte-americano foi noticiada em dezembro, mas a ação judicial hoje noticiada foi a primeira indicação de que os investigadores estão também a recolher informação sobre Ivanka e Donald Jr..

Espera-se agora que os Trump iniciem procedimentos judiciais para anular as intimações, desencadeando uma disputa legal semelhante à registada no ano passado depois de o gabinete de Letitia James ter intimado outro filho de Trump.

Trump processou James no mês passado, tentando pôr fim à investigação depois de ela o ter intimado a comparecer a 7 de janeiro para um depoimento.

A ação judicial de Trump, intentada num tribunal federal, alega que a investigação violou os seus direitos constitucionais "num esforço mal disfarçado para difamar publicamente Trump e os seus associados".

O processo judicial de hoje constitui a primeira admissão pública por parte da procuradora-geral de que já anteriormente tinha intimado Trump a depor.

Letitia James, uma democrata, passou mais de dois anos a averiguar se a Trump Organization enganou bancos e autoridades tributárias quanto ao valor dos seus bens, inflacionando-o para obter empréstimos com melhores condições, ou minimizando-o para pagar menos impostos.

A equipa de James inquiriu no ano passado Eric Trump, um dos filhos do ex-presidente e executivo da Trump Organization, como parte da investigação.

O gabinete de James foi a tribunal para impor o cumprimento da intimação de Eric Trump, e um juiz ordenou-lhe que testemunhasse, depois de os seus advogados terem abruptamente cancelado um depoimento previamente agendado.

Apesar de esta investigação, civil, ser separada de uma investigação criminal conduzida pelo ministério público de Manhattan, o gabinete de James tem estado envolvido em ambos.

No início de 2021, o antigo procurador do ministério público, Cyrus Vance Jr., obteve acesso aos registos fiscais antigos do magnata do setor imobiliário, após uma disputa judicial de vários anos, que por duas vezes chegou ao Supremo Tribunal Federal.

Antes de deixar o cargo, no final do ano passado, Vance convocou um novo grande júri para ouvir provas enquanto avaliava se haveria de formular mais acusações com base na investigação, pela qual a Trump Organization e o seu diretor financeiro de longa data, Allen Weisselberg, foram em julho indiciados por fraude fiscal.

Weisselberg declarou-se inocente das acusações que alegavam que ele e a empresa teriam fugido ao pagamento de impostos sobre elevados lucros indiretos pagos a executivos.

Ambas as investigações relacionam-se, pelo menos em parte, com acusações feitas em reportagens e pelo ex-advogado pessoal de Donald Trump, Michael Cohen, de que o multimilionário tinha um historial de deturpar o valor das suas propriedades e bens.

O gabinete da procuradora-geral de Nova Iorque emitiu intimações a administrações locais no âmbito da investigação civil para obter os registos fiscais da propriedade de Trump situada a norte de Manhattan, Seven Springs, e de benefícios fiscais que Trump obteve por colocar terras num fundo de conservação.

Posteriormente, Vance emitiu intimações relativas à obtenção dos mesmos registos.

A procuradoria-geral nova-iorquina tem estado igualmente a analisar questões semelhantes relacionadas com um edifício de escritórios de Trump na cidade de Nova Iorque, um hotel em Chicago e um campo de golfe perto de Los Angeles.

O gabinete de Letitia James também obteve uma série de decisões judiciais favoráveis obrigando a empresa de Trump e um escritório de advogados que contratou a entregar uma grande quantidade de registos.

Jornal de Notícias (PT)

A máquina brasileira de fazer tragédias




Neste espaço, tenho escrito semanalmente artigos analíticos sobre Direito. Em razão do fim do ano, pensei fazer um balanço a respeito do tema, mas não deu.

Por André Marsiglia Santos (foto)

As ultrajantes enchentes que nesta semana massacraram o Estado da Bahia me fizeram notar o quão irrelevante seria falar de Direito, enquanto o ano de 21 era ainda martelado por mais uma tragédia.

Tragédia, aliás, esperada.

Digo esperada porque o Brasil é um prodígio construtor de desastres. Nós praticamente temos uma linha de produção. Nesse quesito, somos – e muito – organizados. Miséria, desigualdade, falta de educação são colocados a todo momento em um mesmo recipiente, deixados marinando pelo descaso das autoridades até o ponto certo e… voilà!

Acidentes de todos os tipos são alimentados pela inoperância da administração pública, represas apresentam infiltrações e rachaduras sob o silêncio bem pago de empresas corruptas, epidemias se instalam em meio à estupidez grosseira de um presidente que foi – e continua sendo – omisso.

Parte significativa de nossos mortos pela Covid foi enterrada nesse ano em razão da vacinação tardia da população. E pretende o governo federal – com o perdão do trocadilho – repetir a dose, com a hesitação demonstrada em relação à vacinação infantil, enquanto cresce o quadro mundial de hospitalizações e mortes de crianças em decorrência da doença.

Os alagamentos da Bahia não serão os únicos desse verão. Ainda contaremos muitos mortos afogados e soterrados pela lama dos solos e da gestão pública dos governos estaduais e municipais de nosso país.

A marcha previsível e ininterrupta dessas tragédias que vão sendo sorrateiramente gestadas em silêncio, como os tumores dentro de organismos doentes, nos dá a percepção nítida de que este ano foi mais um dentre os demais, e que os demais serão mais um dentre tantos outros.

E que os tantos outros não serão nenhum, enquanto nos faltar um mínimo de civilidade, de interesse pelo próximo, pelo todo, pelo comum. Nos faltar a ponte civilizatória que Heidegger tão belamente diz prometer mais vida, por se abrir do dia a dia do eu para o dia a dia do mundo.

O governador da Bahia, Rui Costa, a respeito da postura de Bolsonaro ficar alheio aos alagamentos, brincando em um parquinho de diversões em Santa Catarina, disse que esperava dele mais humanidade.

Esperava-se também, governador, mais gestão pública na Bahia, maior preparo para as recorrentes tragédias. No entanto, sem dúvida, enquanto faltar a um presidente eleito o gesto humano mínimo pouco se poderá esperar de qualquer um, de qualquer coisa.

Só importará o balanço do carrossel do presidente no parquinho, girando em torno de seu próprio umbigo, montado sobre uma parcela considerável da população, que gira também neste carrossel, sendo motor potente dessa máquina brasileira de fazer tragédias.

O Antagonista

A fábula do pecado




Uma vez penalizações como as previstas na reforma tributária tendo começado, não há mais limites em sua abrangência

Por Denis Lerrer Rosenfield* (foto)

No século 18, Bernard de Mandeville publicou um livreto de grande repercussão na época, A Fábula das Abelhas. Trata-se de uma espécie de alegoria tendo como pano de fundo a ação dos reformadores religiosos ingleses, que pretendiam reformar o Estado impondo suas crenças e suas formas de comportamento. Procuravam obrigar as pessoas a seguirem os mesmos valores religiosos relativos a gostos e atitudes, numa versão daquela época do que hoje chamaríamos de politicamente correto. As roupagens são diferentes, a essência é a mesma, assim como o alvo: suprimir a esfera da liberdade individual em nome de supostos valores mais “revolucionários” e ditos conforme os casos, em linguagem atual, de “progressistas”. No assunto em pauta, eles se voltaram contra uma sociedade de tipo hedonista – atualmente poderíamos dizer de consumo –, pois seria a representante de valores deturpados ou perversos.

No Brasil atual, num dos fatiamentos propostos como sendo uma reforma tributária, aparece a justificativa de que se trataria de um “imposto do pecado”, algo que, por isso mesmo, deveria ser pago, como se os impostos vigentes para estes produtos, já elevados, não bastassem. Como se trata de uma definição abrangente, os produtos que aí entrariam dependeriam do arbítrio dos que assim os definem. Tabaco e bebidas alcoólicas são hoje os candidatos naturais, sendo já seguidos por produtos com alta dosagem de açúcar e, igualmente, carnes, estas últimas sendo objetos de ambientalistas. Campanhas já se desenvolvem contra esses diferentes produtos, podendo culminar num aumento de tributação de todos.

São tidos por comportamentos pecaminosos ou politicamente incorretos, como se as pessoas não tivessem liberdade de escolha do que consideram como um prazer ou bem seu. No caso do tabaco e, mais recentemente, de bebidas alcoólicas, refrigerantes e guloseimas, há muito tempo os indivíduos sabem de seus efeitos sobre a saúde, tendo o Estado multiplicado as ações nesse sentido. E, apesar disso, pessoas continuam fumando ou bebendo. A cachaça, em particular, é um “bem nacional”, uma imagem de marca! Se isso ocorre, por óbvio, é fruto de uma escolha individual, não tendo o Estado nada que ver com isso. Se as pessoas também não querem fumar, comer ou beber, é um direito delas. Cada um exerce, assim, o seu direito de escolha, sem que isso signifique uma opção entre “virtuosos” e “pecaminosos”, entre politicamente “corretos” e “incorretos”.

Na Fábula de Mandeville, os reformadores religiosos e morais passaram a condenar todo comportamento e crença que consideravam baseados na cobiça, no egoísmo, no prazer e no luxo. Isso é mais ou menos equivalente a contrariar a natureza humana, visto ser esta consideração depreciativa nada mais do que uma condenação moral baseada em outros pressupostos ideológicos. Alguém em sã consciência seria contra a satisfação do eu, do prazer que cada um extrai do que considera um bem para si? Alguém em sã consciência apregoaria que as pessoas deveriam agir contra a realização de seus desejos? Uma sociedade que seguisse um tal padrão obrigatório de austeridade seria uma sociedade voltada contra a própria natureza humana, tendo como consequência as mais diferentes formas de perversão ou, do ponto de vista político, de autoritarismo. Até quando deveremos suportar tais representantes das “virtudes”?

O resultado foi o de que estes reformadores, uma vez tendo conquistado o Poder, começaram a inviabilizar os setores produtivos tidos por “pecaminosos”, seja diretamente, seja indiretamente. Alta tributação e ações indenizatórias, por exemplo, promovidas pelo Estado, terminam tendo como objetivo real, para além do palavrório acerca da saúde e da virtude, a inviabilização de inteiros setores produtivos, destruindo toda a sua cadeia, produzindo desemprego, fechamento de empresas e, inclusive, prejudicando a agricultura familiar e cooperativas. O grande perigo consiste em que, uma vez penalizações deste tipo tendo começado, não há mais limites em sua abrangência, visto estarem baseadas em crenças que têm como objetivo impor padrões de comportamento, ditos de “saúde” ou “virtuosos”.

Na abordagem crítica de Mandeville, aprofundando ainda o que era tido por essencial, em contraste com o inessencial, luxuoso ou supérfluo, a sociedade começou a obedecer a um mesmo padrão de conduta, logo, de produção e de consumo, tendo como resultado a miséria generalizada. No início, as pessoas acreditaram naqueles “virtuosos”, nos representantes do politicamente correto, deram ganho de causa às suas demandas e, posteriormente, foram vítimas de suas consequências. Entre elas, o empobrecimento, o autoritarismo dos governantes e a abolição da própria liberdade de escolha. Acreditaram estar exorcizando o pecado e se tornaram reféns de políticos inescrupulosos que se arvoravam em representantes do “bem” – no nosso caso, daquilo que estimam ser a saúde, como se esta não fosse também resultado da liberdade de escolha.

*Professor de filosofia na UFRGS 

O Estado de São Paulo

Desigualdade social no Brasil

 




Para especialistas, pandemia e governo Bolsonaro somente acentuaram histórica desigualdade brasileira, com aumento exponencial da fome. Melhorar distribuição de renda é tarefa urgente para próximo governo, afirmam.

Por Edison Veiga

Com um ano eleitoral pela frente, os mais graves problemas brasileiros precisam ser colocados em debate. Especialistas ouvidos pela DW Brasil apontaram a histórica desigualdade social, a volta ao mapa da fome e a educação precária como pilares fundamentais que precisam ser atacados com políticas públicas e propostas sérias.

"O maior problema do Brasil hoje é o aumento exponencial de pessoas passando fome e de pessoas em situação de insegurança alimentar", afirma a cientista política Camila Rocha, autora do livro Menos Marx, Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, 55% da população brasileira vive em situação de insegurança alimentar.

"Isso ocorreu por uma combinação da retração econômica, permeada pelo aumento dos preços de alimentos básicos e gás de cozinha, com a inabilidade de combater a pandemia entre pessoas em situação de vulnerabilidade social", diz Rocha.

Ela defende que as soluções possíveis são a ampliação de programas de transferência de renda e aumento de benefícios. "Porém, isso necessariamente precisa ser acompanhado de uma retomada do crescimento econômico", enfatiza. "Do contrário, tais medidas podem ficar comprometidas a médio prazo.”

O historiador Marco Antonio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos e autor de Um País Chamado Brasil, concorda com o ponto de que a fome "voltou a ser um gravíssimo problema nacional". "Milhões estão literalmente passando fome", diz.

"Sucintamente, é a péssima distribuição de renda que aprofunda a desigualdade social", contextualiza ele, que entende como "tarefa primeira, para ontem" a necessidade de que o próximo governante eleito "coloque o dedo na péssima distribuição de renda que gera essa terrível desigualdade social e, por consequência, a fome".

"Este foi o Natal da fome, tristemente. Parece a comemoração, entre aspas, dos três anos do governo [do presidente Jair] Bolsonaro", comenta Villa.

"Desigualdade imoral"

Para o historiador Marcelo Cheche Galves, professor da Universidade Estadual do Maranhão, a desigualdade social brasileira sempre foi imoral "e se tornou mais imoral ainda em um ambiente de pandemia sob um governo de extrema direita". "[O problema] é a base de outras questões", explica.

"A pobreza é um componente de qualquer país capitalista. A questão são os níveis de pobreza minimamente aceitáveis", argumenta. "De que maneira governos que se sucedem assumem ou não compromissos mínimos no combate a essa desigualdade?"

Galves afirma que tal esforço depende de "políticas públicas permanentes" e estas foram "brutalmente interrompidas" pela atual gestão. Como a fome não espera, ele cobra uma "retomada imediata e a ampliação dessas políticas públicas de redistribuição de renda". "Sem malabarismos financeiros para turbinar orçamento em ano eleitoral. Precisamos de política social séria e permanente", enfatiza.

O jornalista, economista e cientista político Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), vê a "questão social de pobreza e crescimento da fome" dentro de um contexto de de "crise política e descrença nas instituições".

"Isso dá margem a uma série de violências e também a discursos populistas", comenta. "E 2022 vai ser decisivo porque veremos como vamos lidar com isso. A população vai votar com todos esses riscos institucionais que Bolsonaro representa. Vamos ver se a escolha será pela civilidade ou pela barbárie."

O sociólogo e cientista político Rodrigo Prando, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie contextualiza as mazelas brasileiras a partir da própria formação histórica do país. "Economicamente, [o país foi construído por] essa estrutura social de grandes propriedades de terra, escravidão e monocultura voltada para a exportação", enumera. "Em termos econômicos, isso fez com que o Brasil se tornasse um país pobre, extremamente desigual."

Além disso, por conta do passado colonial e pré-republicano, o país teve um capitalismo tardio, industrializando-se no século 20. "Assim, a sociedade brasileira se desenvolveu ao longo do século 20. E não houve distribuição de renda: a concentração continuou nas mão de uma elite", pontua.

"Resultado: o Brasil ainda apresenta extrema pobreza em algumas regiões e uma desigualdade enorme. Em uma pista de corrida, a esfera econômica avançou, mas a cultura e a educação não se desenvolveram na mesma velocidade", diz ele.

"Educação precária sustenta círculo vicioso"

Nesse sentido, a educação precária perpetua um sistema deficitário. "A pandemia não mostrou nada de novo, apenas agudizou a situação, os problemas que temos ao longo do tempo", comenta Prando. "As crianças pobres das escolas públicas foram mais prejudicadas do que as crianças ricas das particulares, as regiões Norte e Nordeste tiveram crescimento menor do que o Sudeste, os negros foram mais atingidos pela covid e morreram mais. Isso explicitou uma estrutura social bastante desigual."

Para o pesquisador David Nemer, professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, e autor do livro Tecnologia do Oprimido: Desigualdade e o Mundano Digital nas Favelas do Brasil, os problemas do Brasil atual têm como base o acesso à educação.

"Infelizmente, temos uma educação, a pública e até mesmo a particular, muito precarizada", diz ele. "E hoje as soluções apresentadas pelo governo para resolver esse problema são péssimas. O governo [federal] pensa em militarizar a educação, o que é inconcebível. Outra agenda que os bolsonaristas e parte do Congresso tentam o tempo todo passar é a do homeschooling [ensino domiciliar]."

Nemer avalia que isso é uma maneira "de o governo retirar verba das escolas públicas", delegando às famílias a responsabilidade financeira do ensino. "E isso é obrigação do Estado, não adianta", acrescenta.

Um terceiro movimento que ele vê é o da "evangelização da educação" — nesse sentido, vale ressaltar que o atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, é pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. "A educação tem de ser para pensamento livre, crítico o tempo todo, não imposto", defende Nemer. "Mas são essas as soluções que este governo pensa", diz o pesquisador.

E ao trazer a educação para o centro do debate, ele frisa que o acesso ao ensino é a ponta de um iceberg. "A maioria que estuda em escola pública não tem segurança alimentar, não tem segurança física, vive em área de risco e o Estado o tempo todo negligencia essas pessoas", afirma. "A educação precária sustenta o círculo vicioso da desigualdade social."

Corrupção sistêmica

O filósofo Luiz Felipe Pondé, diretor do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor da Fundação Armando Álvares Penteado, prefere escolher a própria "política brasileira" como o maior problema do país — citando "as duas mais prováveis opções que teremos para 2022".

"Uma é Bolsonaro, que se revelou uma catástrofe. Outra é o retorno do PT [Partido dos Trabalhadores, do ex-presidente Lula da Silva], que é muito responsável pelo buraco em que a gente está, uma verdadeira gangue que provavelmente vai voltar ao poder porque a outra opção se revelou pior do que ela."

Pondé classifica essa situação como "um problema agudo” e diz que a corrupção "é sistêmica e envolve todos os Poderes". "Solução para isso? Talvez daqui a mil anos", afirma.

Deutsche Welle

Eurasia: política de ‘covid zero’ da China não funcionará e problemas na cadeia global seguirão




A Eurasia afirma que a política de "tolerância zero" da China com casos de covid-19 será um fracasso e que essa questão é um dos principais riscos no quadro global neste novo ano. Em relatório, a consultoria diz que a situação da potência é "a mais difícil" na pandemia e que a tática de Pequim não funcionou em 2020, embora tenha tido sucesso inicial. Agora, Pequim enfrenta desafios com a variante Ômicron, muito mais contagiosa, e com o fato de que suas vacinas são menos eficientes diante da nova cepa, alerta. O sucesso inicial da estratégica chinesa impossibilita uma mudança de rumo agora nesta política defendida pelo presidente Xi Jinping, na opinião dela.

A consultoria realizou entrevista coletiva virtual nesta segunda-feira para apresentar o relatório. O presidente da Eurasia, Ian Bremmer, disse que a pandemia "mudou de modo dramático" com a variante Ômicron, mais transmissível e menos mortífera, segundo as pesquisas até agora disponíveis. Nesse quadro, a insistência na política de zero tolerância pelos chineses provocará a persistência de shutdowns em alguns pontos do país com surtos da doença e também em problemas na cadeia de produção. Segundo a consultoria, essa postura da China representa um risco para os países em desenvolvimento em geral.

Para a Eurasia, a China deve fracassar para conter os casos e isso levará a mais shutdowns, mais intervenção estatal e a descontentamento popular. Os problemas do país se somam aos já vistos nas cadeias de produção global, adverte a consultoria. "Dificuldades de embarque, surtos de covid-19, falta de pessoal, de matérias-primas e de equipamentos - tudo isso mais agudo por causa da política de covid zero da China - tornarão produtos menos disponíveis", diz.

A Eurasia também afirma que o quadro fará com que a inflação na China perdure. A consultoria também vê como provável que a inflação global siga elevada, diante de custos crescentes com energia. Isso reforça um sentimento contra os políticos atualmente no poder, avalia, causando instabilidade em alguns países emergentes e afetando eleições na França e nos Estados Unidos.

Para a consultoria, o Partido Democrata do presidente Joe Biden pode perder a disputa de meio de mandato neste ano nos EUA tanto na Câmara dos Representantes quanto no Senado. Essa disputa legislativa "pode ser a de maior impacto na história dos EUA", disse Bremmer. Ele qualificou os EUA como o país "mais politicamente disfuncional, desigual e menos vacinado do G7".

TURQUIA

A consultoria cita ainda a Turquia como um dos principais riscos para o ano. Na opinião dela, o presidente Recep Tayyip Erdogan deve arrastar a economia turca e a posição internacional do país "para novos mínimos em 2022", no momento em que tenta melhorar seu desempenho antes de eleições em 2023. Caso o quadro econômico continue a se deteriorar, a Eurasia enxerga como possível a convocação de eleições antecipadas por Erdogan.

Estadão / Dinheiro Rural

Como o governo manipulou a consulta pública sobre a vacinação de crianças

 




Quando se pretende consultar a opinião da população para embasar uma política pública, é preciso levar a sério o risco de manipulação pela linguagem. Não há nada de democrático quando isso ocorre.

Por Diogo Schelp (foto)

Agendada para receber as últimas manifestações da população neste domingo (2), a consulta pública a respeito da inclusão de crianças de 5 a 11 anos na campanha de vacinação contra covid-19 é um exemplo de como o poder público usurpa um mecanismo democrático para obter o resultado que lhe convém. Desde a justificativa para a consulta até as perguntas feitas para que os cidadãos pudessem "registrar sua opinião" sobre a vacinação de crianças, passando pelo material explicativo disponibilizado pelo Ministério da Saúde, todo o processo induz a um resultado que seja contrário a uma vacinação pediátrica irrestrita.

A própria realização da consulta pública foge ao padrão da inclusão de outros grupos da população na campanha de imunização contra a covid-19, já que bastava a autorização do órgão competente, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que foi concedida no dia 16 de dezembro. O primeiro efeito negativo da insistência em realizar essa consulta pública é o de adiar o início da imunização das crianças.

Mas vamos à manipulação na consulta em si. O Ministério da Saúde (MS) afirma, na apresentação, que o objetivo da consulta pública é "informar e conhecer as dúvidas da população" e "obter subsídios e informações da sociedade" para tomar a decisão de política pública.

O texto, que deveria ser neutro para não influenciar nas opiniões que se pretendia colher junto à população, é tendencioso ao afirmar que "há lacunas ainda no que se refere ao custo benefício desta vacinação". Ora, essa afirmação desmente a própria avaliação da Anvisa ao autorizar a vacinação pediátrica contra covid-19.

O segundo problema reside no documento informativo disponibilizado pela Secovid (Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19) a respeito dos aspectos epidemiológicos da doença, dos efeitos da covid nas crianças e dos aspectos técnicos da vacina da Pfizer para a faixa de 5 a 11 anos autorizada pela Anvisa.

Na avaliação do infectologista e epidemiologista Carlos Magno Fortaleza, da Universidade Estadual Paulista, o documento "enfatiza muito os eventos adversos e pouco os riscos da covid-19 em crianças". Ou seja, o texto elaborado pelo MS minimiza o perigo da doença para as crianças e dá destaque desproporcional para supostos efeitos futuros, não comprovados, da vacina.

O texto pouco aborda os benefícios da vacinação de menores de idade com o produto da Pfizer, o que poderia ter sido feito, por exemplo, com dados disponibilizados pela autoridades sanitárias dos Estados Unidos, onde a imunização desse grupo etário já está sendo feita há meses com bons resultados.

Portanto, ao prestar informações completas e equilibradas, o MS induz a um resultado contrário à vacinação irrestrita das crianças.

Mas o mais espantoso realmente é a maneira como foram elaboradas as perguntas do formulário para colher a opinião dos cidadãos sobre o tema da vacinação de crianças.

São cinco perguntas em que a resposta pode ser "sim" ou "não" e uma questão dissertativa. Elas são elaboradas de forma que quem é radicalmente contra e quem é radicalmente a favor da vacinação das crianças acabam dando a mesma resposta para a maioria das perguntas. Explico.

A primeira pergunta é a seguinte: "Você concorda com a vacinação em crianças de 5 a 11 anos de forma não compulsória conforme propõe o Ministério da Saúde?"

Um cidadão antivacina ou contrário à vacinação de crianças em qualquer circunstância responderá "não" a essa pergunta. Mas o cidadão que é favor da vacinação ampla e irrestrita das crianças, inclusive com a exigência do comprovante para matrícula em escolas ou outras atividades, por exemplo, se encontrará num beco sem saída. Se responder "sim", estará concordando com a tese do governo Bolsonaro de que essas exigências não podem ser feitas. Se responder "não", por discordar da vacinação "conforme propõe o Ministério da Saúde", estará se posicionando também contra a vacinação em geral.

A pergunta é uma armadilha, portanto. Ela engloba duas questões em uma só e induz os cidadãos que são favoráveis à vacinação a responder "sim", mas dentro das condições sugeridas pelo Ministério da Saúde.

O mais honesto seria desmembrar a pergunta em duas. A primeira seria: "Você concorda com inclusão de crianças de 5 a 11 anos na campanha de vacinação contra covid-19?" E a segunda: "Você concorda que essa vacinação ocorra de forma compulsória?"

Quem é a favor da vacinação compulsória responderia "sim" às duas perguntas. Quem é a favor da vacina, mas contra a exigência do comprovante, responderia "sim" à primeira e "não" à segunda. E quem é contra a vacinação em qualquer circunstância responderia "não" a ambas.

A segunda pergunta disponível na consulta pública realizada pelo MS é: "Você concorda com a priorização, no Programa Nacional de Imunização, de crianças de 5 a 11 anos com comorbidades consideradas de risco para covid-19 grave e aquelas com deficiência permanente para iniciarem a vacinação?"

Essa pergunta é totalmente desnecessária e embute o risco de ser usada como desculpa para o governo postergar a vacinação de crianças sem comorbidades. Ora, é evidente que, uma vez disponibilizada a vacina para crianças, se não houver inicialmente doses para todas, será dada prioridade àquelas com comorbidades, exatamente como ocorreu com a vacinação dos adultos e dos adolescentes.

A terceira pergunta da consulta é: "Você concorda que o benefício da vacinação contra a COVID-19 para crianças de 5 a 11 anos deve ser analisado, caso a caso, sendo importante a apresentação do termo de assentimento dos pais ou responsáveis?"

Aqui, mais uma vez, a pergunta confunde quem é a favor da vacinação irrestrita. Se a resposta for "sim", estará dando aval à criação de empecilhos à vacinação, burocratizando-a com a exigência de termo de assentimento dos pais. Se responder "não", pode achar que está de certa forma negando que os benefícios da vacinação possam ser avaliados caso a caso ou que não é "importante" o consentimento dos pais.

Eis a quarta pergunta da consulta pública: "Você concorda que o benefício da vacinação contra a COVID-19 para crianças de 5 a 11 anos deve ser analisado, caso a caso, sendo importante a prescrição da vacina pelos pediatras ou médico que acompanham as crianças?"

Aqui, mais uma vez, a formulação da pergunta induz à resposta "sim". Quem seria contra a prerrogativa de médicos de prescrever a vacina para quem considerem necessário? Mas o verdadeiro objetivo da pergunta é embasar uma exigência de prescrição médica para a vacinação de crianças, conforme já foi proposto pelo Ministério da Saúde. E isso não está claro na pergunta.

A maneira correta, sem rodeios, de perguntar seria: "Você concorda que a vacinação contra a covid-19 para crianças de 5 a 11 anos ocorra apenas mediante a prescrição da vacina por pediatras ou médicos?"

Em resposta a uma pergunta deste colunista, durante entrevista à Jovem Pan News, o ministro Marcelo Queiroga admitiu que poucos brasileiros têm acesso a médicos que possam prescrever a vacina para seus filhos, e que isso pode dificultar a vacinação em massa dessa faixa etária. Diante desse reconhecimento, é de se esperar que a ideia de fazer essa exigência seja abandonada pelo ministro.

A quinta pergunta é: "Você concorda com a não obrigatoriedade da apresentação de carteira de vacinação para que as crianças frequentem as escolas ou outros estabelecimentos comerciais?"

Como se vê, a questão da vacinação compulsória retorna nessa pergunta, mas elaborada de forma a confundir, ao utilizar o termo "não obrigatoriedade". Como bem sabem profissionais de pesquisas de opinião, deve-se evitar perguntas em que é necessário fazer uma dupla negativa para se obter uma resposta positiva.

Ou seja, da maneira como está formulada, quem é a favor da apresentação da carteira de vacinação precisa responder "não" à pergunta. E quem é contra, deve responder "sim". Isso confunde e induz à resposta que o governo quer, o "sim".

A maneira correta de perguntar seria: "Você concorda com a obrigatoriedade da apresentação de carteira de vacinação para que as crianças frequentem as escolas ou outros estabelecimentos comerciais?" Sim ou não, e pronto.

Resta a quem percebeu a tentativa de manipulação da consulta pública contida nas perguntas de múltipla escolha usar a última pergunta, dissertativa, para dizer realmente o que pensa a respeito do assunto. "Você tem contribuições acerca do documento apresentado (Documento SECOVID)? Caso não tenha, por gentileza, escreva "não" no campo abaixo."

Diante do fato de que o governo terá apenas dois dias para tabular as respostas, pois a audiência pública está marcada para 4 de janeiro, qual a chance de que as respostas dissertativas sejam realmente lidas e consideradas? Afinal, foram mais de 17.700 respostas à consulta pública.

Na manipuladora consulta pública elaborada pelo governo de Jair Bolsonaro, responder "sim" a qualquer pergunta faz o cidadão concordar com restrições à ampla vacinação de crianças; responder "não" faz parecer que ele é contra a vacinação.

Por fim, uma observação de outro momento na história brasileira em que se tentou manipular a opinião pública por meio de questionamentos confusos, enganosos. Isso ocorreu em 2005, no referendo das armas organizado no governo Lula.

A pergunta do referendo foi: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?"

A pergunta embutia duas armadilhas. A primeira era a já mencionada necessidade de fazer uma dupla negativa para se obter uma resposta positiva. Ou seja, quem era a favor do direito dos cidadãos de comprar armas precisava responder "não". Quem era contra, respondia "sim".

Uma pergunta mais direta seria: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser permitido no Brasil?"

A segunda armadilha era o fato de que a pergunta não esclarecia a quem se dirigia a possível proibição de compra de armas e munição. A todos os cidadãos? Aos bandidos? Que armas eram essas? O eleitor poderia ser induzido a acreditar que se tratava de uma proibição de comércio ilegal de armas, e acabar votando "sim", por exemplo.

Quando se pretende consultar a opinião da população para embasar uma política pública, é preciso levar a sério o risco de manipulação pela linguagem. Não há nada de democrático quando isso ocorre.

Gazeta do Povo (PR)

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