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terça-feira, outubro 05, 2021

Diz amém que o ouro vem

 



O Brasil capaz de gerar um Ítalo Ferreira está sendo fustigado por agendas desagregadoras. 

Por Carlos Alberto Di Franco (foto)

Natural de Baía Formosa, litoral sul do Rio Grande do Norte, Ítalo Ferreira se encantou pelo surfe aos 8 anos de idade, mas só ganhou a primeira prancha aos 10. Antes disso, surfava com pranchas emprestadas dos primos ou usava as tampas das caixas de isopor do pai, que vendia peixe na cidade.

Em entrevista cativante, logo após a conquista da medalha de ouro em Tóquio, Ítalo encarnou o perfil do brasileiro genuíno. “Eu vim com uma frase para o Japão: Diz amém que o ouro vem. Eu treinei muito nos últimos meses, mas só tenho que agradecer a Deus por tudo isso. Meu intuito é ajudar as pessoas e as famílias. Eu queria que a minha avó estivesse viva para ver isso. Sou muito feliz pelo que me tornei, pelo que fiz pelos meus pais. Sempre pedi para que o sonho fosse realizado e ele aconteceu”, disse o campeão olímpico.

Emocionou-me. Confesso. É o retrato perfeito da grande maioria dos brasileiros: fé em Deus. Esforço, sacrifício, superação. Profundo sentimento de gratidão. Valores familiares arraigados. Generosidade que encanta.

A simplicidade do nosso medalhista suscita muitas reflexões. Na verdade, este Brasil generoso, capaz de gerar um Ítalo Ferreira, um país aberto, diverso e tolerante está sendo fustigado e confrontado por agendas importadas e desagregadoras. Destaco, entre outras, a pressão das políticas identitárias. Não são nossas. Vêm de fora para corroer a alma nacional, substituindo a nação mestiça de 500 anos por uma nova realidade, formada por pretos e brancos, sem se reconhecer no seu passado, na sua história e na sua memória.

Como bem salientou Aldo Rebelo no seu magnífico livro O Quinto Movimento, “é como se nos dissessem: vocês permaneceram 500 anos em pecado, no erro da ideia da miscigenação, façam autocrítica, reconheçam o engano e se mirem na América, dividida em duas raças”.

Rebelo relata um episódio histórico sugestivo. No final do inverno de 1944-1945, no front italiano, um pelotão da Companhia de Comunicações da Força Expedicionária Brasileira (FEB) foi convocado e embarcado em caminhões para uma missão secreta. Viajaram algumas horas, cada vez mais distantes da linha de fogo e, chegando a Florença, desembarcaram em meio a um agrupamento de soldados de várias nacionalidades. Na verdade, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill ia inspecionar os preparativos para a grande ofensiva aliada contra a fortaleza do Eixo no Norte italiano.

Chamou a atenção que o grupamento brasileiro era a única tropa multirracial, com brancos, loiros, morenos, mulatos, pretos, índios e até um nissei. Aquilo deixou todos abismados, perguntando como conseguiam manter um exército com aquela mistura, ao que o sargento Nilton Vasco Gondin, com forte sotaque alemão da cidadezinha de Selbach, no Rio Grande do Sul, respondeu: “Nós somos assim”. Isso era e sempre foi o Brasil. Não podemos permitir que o ouro de nossa cultura multirracial seja destruído.

Um denominador comum sobressai em todos os projetos identitários: a divisão do Brasil em duas cores, os brancos e os não brancos, com os não brancos sendo considerados todos negros. A miscigenação, riqueza maior da nossa cultura, evaporou nos rarefeitos laboratórios dos legisladores.

O Brasil, como todos vivenciamos, nunca foi um país racista. Tem, como é óbvio, pessoas racistas. A cultura nacional sempre foi uma ode à miscigenação. As políticas compensatórias, certamente movidas pela melhor das intenções, produzirão, estou certo, um efeito complicado: despertarão o ódio racial e não conseguirão cauterizar a ferida da desigualdade. A reparação da injustiça, urgente e necessária, deve ser um abraço que une e congrega, e não a promoção de uma luta racial que não tem a cara do Brasil.

Desníveis salariais entre brancos e negros não têm fundamento racista: ganham menos sempre os que têm menos escolaridade. Mecanismos sociais de exclusão têm como vítimas os pobres, sejam brancos, negros, pardos, amarelos ou índios. E o principal mecanismo de reprodução da pobreza é a educação pública de baixa qualidade. Só investimentos maciços em educação podem erradicar a pobreza.

Ao tentar corrigir a injustiça que, historicamente, marcou milhões de brasileiros, cria-se um universitário de segunda classe, que não terá chegado à universidade por seus méritos. O combate verdadeiro ao racismo se trava no campo da justiça, e não no terreno da ideologia e da politização.

Ademais, ao privilegiar etnias, a lei discrimina outros jovens brasileiros pobres que não se enquadram no perfil racial artificialmente desenhado pelo legislador.

Os negros brasileiros não precisam de favor. Precisam apenas de ter acesso a um ensino básico de qualidade, que lhes permita disputar de igual para igual com gente de toda cor.

Não tem havido até agora verdadeiro debate a respeito das chamadas “ações afirmativas”. Ao contrário, a discussão foi interditada. Respira-se um clima de aparente unanimidade. É preciso, creio, buscar o caminho mais eficaz de fazer justiça. E, ao mesmo tempo, não deixar que nossa identidade cultural, nossa miscigenação, uma fonte de riqueza, tolerância e paz, seja sequestrada pela imposição de uma agenda ideológica importada.

O Estado de São Paulo

A cobertura política que facilita a emergência de fascistas




Por Lúcia Guimarães (foto)

Lavar a roupa suja do governo de Donald Trump tem sido uma bonança para a indústria editorial americana. A rotina começou cedo, com o republicano ainda na Casa Branca. Autores revelam um homem corrupto, desequilibrado, ignorante e um traidor dos interesses do próprio país.

O novo exemplo é o livro de uma trumpista de primeira hora, Stephanie Grisham. Ela foi assessora de imprensa da Casa Branca e chefe de gabinete de Melania Trump. Só saltou do navio no dia da invasão do Capitólio, quando a primeira-dama se recusou a interromper uma sessão de fotos de um tapete para se inteirar do ataque terrorista.

O título do livro de Grisham, “I’ll Take Your Questions Now: What I Saw at the Trump White House” (vou responder a suas perguntas agora: o que vi na Casa Branca de Trump), é uma referência ao fato de que Grisham nunca realizou sequer uma das entrevistas coletivas regulares na sala de imprensa da Casa Branca.

Como a maioria dos que servem a canalhas e depois tentam faxinar a reputação para não serem incomodados com vaias em restaurantes, a desculpa de Grisham para o blecaute com a imprensa é pífia: ela confirma que Trump mentia demais e não queria ser citada na imprensa proferindo absurdos.

As revelações vão da gravidade geopolítica à obsessão de Trump com o próprio pênis. No encontro com Vladimir Putin, na cúpula do G20, em 2019, o americano agiu como um vira-latas buscando aprovação do ditador russo e disse a ele: “Vou parecer meio durão com você por alguns minutos, mas é só para as câmeras, depois que saírem a gente conversa”.

Quando a atriz pornô Stormy Daniels ridicularizou o formato do pinto presidencial, Trump telefonou para Grisham do avião Air Force One para informar que seu pênis tinha forma e tamanho ideais.

O que os livros não cobrem em detalhes é o papel da imprensa política em facilitar a ascensão e o desgoverno de Trump. Sim, o jornalismo americano demorou, mas passou a classificar de “mentira” do presidente o que antes descrevia com eufemismos. Mas figuras grotescas como Trump ou Jair Bolsonaro não são simples exceções extremistas. Chegam ao poder, provocam caos e morte em massa a bordo de um sistema que boa parte da imprensa ainda cobre como um território de equivalentes.

Um ex-editor de dois outrora influentes jornais americanos admitiu com singeleza seu papel de cúmplice não intencional na emergência do “fascismo que ameaça a nossa democracia”. Mark Jacob é autor de livros de história e trabalhou nos jornais Chicago Tribune e Chicago Sunday Times.

Numa série de postagens no Twitter, ele lembra que, quando editava reportagens políticas, contava o número de citações de republicanos e democratas, para manter a suposta objetividade. Mas ele conclui que, se antes a corrupção era distribuída entre os dois partidos, nas últimas décadas a decadência ética do Partido Republicano provocou fadiga na mídia, o que ajudou a normalizar o inaceitável.

Afinal, argumenta Jacob, Hillary Clinton usar servidor privado para emails não é o mesmo que George W. Bush mentir para iniciar uma guerra catastrófica no Iraque.

Bolsonaro foi eleito com apoio de jornalistas que vomitam asneiras como “bolsopetismo”, um chocalho ideológico, não um fato. Pouco importa se hoje é criticado por arrependidos. A mídia deve ao público a defesa da democracia, não a neutralidade diante de fascistas.

Folha de São Paulo
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As finanças do céu: a milionária rede dos Legionários de Cristo em um paraíso fiscal




Luis Garza Medina, membro dos Legionários de Cristo, e seu irmão, Dionisio Garza Medina.

A congregação religiosa criou uma estrutura ‘offshore’ com 1,6 bilhão de reais em ativos enquanto o Vaticano investigava a opacidade de suas contas. Os ‘Pandora Papers’ contradizem a Legião, que tinha informado não possuir mais esse tipo de arquitetura financeira

Por Georgina Zerega

México - Os Legionários de Cristo não estão acostumados a falar sobre dinheiro. Dentro desta congregação católica, uma das mais ricas do mundo, poucos são os que conhecem o tamanho de seu império econômico. Os Pandora Papers, o último vazamento a que o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ) teve acesso, abre uma janela para as finanças do céu: os mais altos escalões da ordem religiosa criaram na última década uma opaca rede de fundos fiduciários e subsidiárias que operam em um paraíso fiscal sem deixar rastros de quem está por trás disso.

Sacerdotes e empresários próximos à instituição criaram entre 2010 e 2011 um intrincado esquema que em poucos anos acumulou mais de 295 milhões de dólares (1,6 bilhão de reais) em ativos com investimentos em setores como imobiliário, de tecnologia e petrolífero. A Legião admite ter criado parte da estrutura para “receber donativos”, mas negar ter controle sobre os fundos fiduciários usados para investir em cerca de trinta empresas. A milionária estrutura financeira foi criada durante a intervenção do Vaticano há uma década. Os escândalos de abuso sexual e as finanças opacas dos Legionários de Cristo vinham fermentando durante anos como um coquetel explosivo que finalmente saltou pelos ares. As manchetes dos jornais em todo o mundo se acumulavam às dezenas. Tiveram que limpar a casa e, em julho de 2010, o papa Bento XVI iniciou uma investigação. O escolhido para a missão foi o cardeal Velasio de Paolis, então responsável pelas finanças do Vaticano e homem de confiança do pontífice. Ele teve que sanear a congregação e pôr ordem em um enorme patrimônio financeiro. O processo durou dois anos e meio, e o relatório final prometia a renovação da instituição. Os Pandora Papers agora revelam que, enquanto se gabavam de ter a casa limpa, eles montaram um esquema para absorver dinheiro por meio de três fundos fiduciários na Nova Zelândia. Um destino regular para quem queria fugir dos impostos sobre riqueza.

Em 6 de julho de 2010, três dias antes da nomeação pública de De Paolis, quando o papa já havia notificado a Legião internamente sobre o nome do controlador, a congregação abriu um fundo fiduciário irrevogável (um tipo de estrutura que não pode ser modificada ou encerrada sem a permissão do beneficiário, neste caso, a Legião de Cristo). A entidade, chamada The Retirement and Medical Charitable Trust (fundo fiduciário médico e de aposentadoria, RMCT), estada formatada para “arrecadar doações e fazer investimentos” e, com esse dinheiro, “ajudar financeiramente aposentados, deficientes mentais ou feridos em algum acidente”, de acordo com a ata de criação. Por trás da fachada de beneficência, no entanto, havia uma estrutura composta por dois outros fundos fiduciários que investia milhões de dólares a cada ano em um portfólio exótico demais para uma congregação conhecida por sua doutrina conservadora.

A abertura da RMCT em um paraíso fiscal desmente as promessas feitas pela Legião em 2017. Após a revelação de outra rede em paraísos fiscais nos Pandora Papers, a congregação garantiu que não possuía aquele tipo de arquitetura financeira, e que ela tinha sido algo típico da época de Marcial Maciel, o fundador, falecido em 2008 e alvo de múltiplas queixas de pedofilia. “Hoje a Legião de Cristo não tem empresas offshore [em paraísos fiscais] nem tem recursos em empresas offshore”, disse então o porta-voz da entidade, Aaron Smith. “Foram criadas quando o padre Marcial Maciel era administrador geral e depois foram fechadas”, acrescentou.

O fundo fiduciário RMCT se nutria de dois outros, também estabelecidos na Nova Zelândia com o mesmo agente e sob a mesma direção do primeiro. Em 15 de novembro de 2011, o arquiteto histórico das finanças dos legionários, o padre mexicano Luis Garza Medina, e dois de seus irmãos empresários abriram o Salus Trust e o AlfaOmega Trust, dois fundos fiduciários usados para investir em centenas de projetos em todo o mundo. Milhões de dólares foram injetados nessa estrutura que, segundo dizem eles, vieram de “uma herança familiar”. De acordo com os documentos de criação, ambas tinham 100 dólares (543 reais) de capital inicial e os recursos incorporados posteriormente consistiam em “transferências bancárias” de dinheiro e possivelmente ações do grupo empresarial mexicano ALFA, fundado pela família Garza Medina.

Apesar de afirmarem que o dinheiro inicial injetado nesses fundos fiduciários era próprio, os lucros milionários gerados pelos investimentos foram para a RMCT, o fundo fiduciário da congregação religiosa. Por se tratarem de duas estruturas irrevogáveis, os bens são inacessíveis a todos, exceto ao beneficiário, neste caso, os Legionários de Cristo. O protetor da entidade, uma espécie de vigilante que controla o administrador para proteger o patrimônio, era o mexicano Alejandro Páez Aragón, cunhado de Garza Medina e membro do Regnum Christi, o movimento laico da congregação. Seu sucessor foi Evaristo Sada Derby, um dos sacerdotes históricos da Legião. Sada garantiu que nunca teve “nenhum papel ativo” na AlfaOmega e Salus, e que foi afastado como parte da estrutura em 2014. Páez Aragón foi contatado por sua participação neste esquema, mas não respondeu.

Questionada sobre essa estrutura fiscal opaca, a ordem religiosa justificou a criação da RMCT por ser “um instrumento legalmente estabelecido”. Mas negou ser a proprietária ou que tenha o controle da AlfaOmega e da Salus, onde não existe vestígio direto da instituição, apenas dos seus membros. “Seria incorreto atribuir qualquer decisão, investimento ou atividade desses fundos à congregação”, disse o porta-voz da instituição. Para a Legião, os benefícios milionários que receberam durante uma década dos fundos fiduciários de Garza Medina são uma contribuição generosa que eles não administram. “Não é incomum para membros [da ordem religiosa] e suas famílias escolherem livremente fazer doações para a congregação ou para outras causas religiosas e de caridade”, disse Smith.

Apesar do esforço para separar o fundo fiduciário da RMCT dos outros dois, os mais de mil emails, contratos, registos financeiros e propostas de investimento que fazem parte desta investigação estabelecem ligações diretas entre as estruturas. Por exemplo, o fundo fiduciário da Legião de Cristo preencheu um formulário em 6 de novembro de 2018 na Agência Tributária da Nova Zelândia no qual relata que o escritório Aspen Trust, em nome da AlfaOmega, é um dos que a RMCT constituiu com a congregação dos Legionários de Cristo. A legislação local estabelece a obrigação de reportar acordos econômicos e distribuições recebidas. Com base nessa medida, a RMCT submeteu outro formulário à mesma agência em que comunicou o recebimento de 605.690 dólares (3,2 milhões de reais) pela AlfaOmega em 26 de janeiro de 2017, uma transferência que foi registada no relatório financeiro desse ano.

Não está claro se o Vaticano conhecia fundos fiduciários na Nova Zelândia. Os Legionários de Cristo explicaram que “as instituições religiosas não têm a obrigação de enviar informações detalhadas ao Vaticano sobre a organização ou decisões financeiras internas”. A Santa Sé, por sua vez, se recusou a responder às perguntas, mas esclareceu em uma breve mensagem que a intervenção que fez “se concentrou principalmente na figura do fundador e na estrutura da Congregação”.

Investimentos: de frango frito a imóveis

Desde sua criação, a quantidade de dinheiro dentro da estrutura ancorada nesses dois fundos fiduciários cresceu a uma velocidade vertiginosa. Em 2017, seis anos depois da sua criação, a AlfaOmega tinha ativos de 148 milhões de dólares e a Salus, cerca de 147 milhões (803,6 milhões de reais). O dinheiro fluía de contas em quatro bancos suíços até investimentos principalmente na América e na Europa. Fazia isso por intermédio de duas empresas com sede no Reino Unido: AOG Investments e LUS Investments, encarregadas da execução das operações comerciais.

O local e a data de colocação do dinheiro eram determinados pelas recomendações da empresa espanhola Proaltus Capital, que operava como o agente de investimento dos fundos fiduciários. As apostas financeiras vão de projetos petrolíferos no Caribe a propostas para o desenvolvimento de tecnologia biomédica. Em 2019, eles haviam investido pelo menos 59,2 milhões de dólares (322 milhões de reais) por meio das duas subsidiárias, conforme informado ao registro comercial britânico.

Um milhão de dólares, por exemplo, foi investido nas franquias da Kentucky Fried Chicken, rede norte-americana de frango frito. No entanto, grande parte do dinheiro foi usado para comprar propriedades residenciais em uma dezena de cidades nos Estados Unidos. Muitas das empresas que receberam investimentos dessa estrutura tributária opaca sabiam da origem dos recursos. A Aspen Trust, empresa que administrava os fundos fiduciários, enviava e-mails a potenciais destinatários de investimento informando que o beneficiário da AlfaOmega ou Salus, dependendo do fundo utilizado para a transação, era a RMCT, que, por sua vez, tinha sido criada pela legião de Cristo.

Todas as propostas de investimento foram registradas em resoluções emitidas pelo Aspen Trust. Em 5 de junho de 2013, por exemplo, relataram uma proposta para investir 800.000 dólares (4,35 milhões de reais) na Cordea Savills, um fundo de desenvolvimento imobiliário em Londres. Em 8 de maio de 2015, a proposta de investimento era de 750.000 dólares para o empreendimento imobiliário Barrington Place, na Flórida. Naquele mesmo dia, a Aspen emitiu uma resolução para investir 750.000 no Optimum Europe, um projeto de renovação de transportes europeus.

A milionária estrutura não parece projetada para beneficiar os milhares de membros da instituição, mas alguns poucos, aqueles considerados consagrados. Para chegar a essa categoria são necessárias uma lealdade e uma dedicação superiores aos demais, explica o ex-legionário Erick Escobar. Na escala da consagração existem três níveis, diz ele. “Se você é do primeiro grau, pedirão que contribua financeiramente para a casa local. Se você for de segundo grau, pedirão que ponha seus bens à disposição do Regnum Christi ou da Legião, alguns até nomeiam Legionários de Cristo para administradores de seus bens. Se você for do terceiro grau, você deixa seus pais, sua profissão, seus bens e vai morar nas casas dos consagrados do Regnum Christi.”

Essa política fez com que o patrimônio de grupos abastados no México, benfeitores históricos da congregação, acabasse se fundindo com o dinheiro da ordem. É o caso do arquiteto das finanças dos Legionários de Cristo. Descendente de uma das famílias mais proeminentes do norte do México e herdeiro de uma das maiores fortunas do país, Garza Medina se destacou na congregação por sua inteligência e habilidade com números. Fazia parte do círculo mais próximo de Marcial Maciel e de sua posição construiu uma estrutura econômica tão lucrativa que deu à organização o poder de comprar o silêncio do Vaticano por décadas. O papa João Paulo II ignorou durante anos as centenas de denúncias que chegavam à sua mesa contra o fundador da ordem, um de seus prediletos graças às grandes doações que distribuiu dentro da cúria.

O conglomerado ALFA, um enorme grupo empresarial mexicano que se dedica principalmente à indústria petroquímica, foi fundado pela família de Garza Medina no início da década de 1970 em Nuevo León. Décadas depois, a linha limítrofe entre a fortuna da família e o dinheiro da Legião se tornou muito tênue. Em uma carta enviada por Garza Medina em 2013 ao Aspen Trust, o sacerdote exigia que para os quatro curadores dos fundos fiduciários se escolhesse sempre um legionário, uma pessoa do Regnum Christi e dois membros de sua família.

“Na Legião, cada membro continua sendo o dono de seus bens, mas tem que colocar alguém mais no comando da administração”, justificou o porta-voz da congregação. Embora não seja o caso dos Garza Medina, que não têm acesso ao dinheiro que injetaram na opaca estrutura fiscal. “Os bens foram irrevogavelmente doados aos fundos fiduciários, portanto, a família não tem acesso a eles”, explicou John Lovallo, porta-voz de Garza Medina.

Com a intervenção de De Paolis em 2010, muitos legionários que haviam feito parte do círculo íntimo de Maciel, como Garza Medina, foram afastados das posições-chave. Após sua saída, o esquema financeiro da RMCT se assentou em novos nomes. A maioria dos padres escolhidos por De Paolis para liderar a nova era da congregação na vida pública também assumiu o comando das finanças em paraísos fiscais. Um documento do Aspen Trust data a saída de Garza Medina como administrador da entidade em 2012. Em seu lugar é apontada a entrada do padre alemão Sylvester Heereman, que se tornou diretor da Legião naquele ano.

O poder que Garza Medina acumulara na Legião era tamanho que ainda há dúvidas sobre seu papel atual nas finanças. Uma irmã dele, a jornalista mexicana Roberta Garza Medina, afirma que ele nunca deixou de ser o responsável pelas contas. “Não pode ser destituído. Ele sabe onde estão os recursos, tinha a assinatura para acessar essas contas. A maioria dos bens não está em nome da Legião, mas em nome de laranjas do meu irmão. Não podem lhe tirar isso.” Somente após a morte de Luis Garza Medina e de sua irmã Paulina, também integrante da congregação, os recursos dos fundos fiduciários serão integralmente entregues à Legião de Cristo, detalham alguns documentos.

Na Igreja Católica, onde o simbolismo sempre encontra espaço, os legionários escolhem as palavras com grande precisão. “De alfa a ômega” é sinônimo de eternidade, explica o ex-legionário Erick Escobar. “Significa que Cristo é eterno, que viverá para sempre.” Outros leitores da Bíblia interpretam a união entre a primeira e a última letra do alfabeto grego como a eternidade de Deus. É paradoxal que a estrutura fiscalmente opaca que alimentou as finanças da Legião nas últimas duas décadas tenha sido batizada com as mesmas letras: as que representam a eternidade.

Colaboraram nesta investigação Spencer Woodman (ICIJ), Andrea Cárdenas (Quinto Elemento Lab), Mathieu Tourliere (Proceso), Leo Sisti (L’Espresso).

El País

O escritório panamenho que ajudou a Odebrecht e a elite latino-americana a ocultar fortunas




Escritório do Alcogal, na Cidade do Panamá.

O Alcogal abriu empresas ‘offshore’ para 160 políticos e altos funcionários públicos. Odebrecht foi sua cliente com conta de 30 milhões de dólares para pagar subornos. Também abrigou conta de José Maria Marin, ex-presidente da Fifa, e Paulo Roberto da Costa, ex-diretor da Petrobras

Por Brenda Medina Jesús Escudero Emilia Díaz-Struck

Um dos principais escritórios de advocacia da América Central, chamado Alemán, Cordero, Galindo & Lee, voltou a entrar no modo “redução de danos”. Os Estados Unidos haviam acusado os diretores de um banco privado europeu de aceitar comissões exorbitantes para ajudar seus clientes a lavarem 4,2 bilhões de dólares saqueados dos cofres públicos. Entre esses clientes havia ex-funcionários de alto escalão da estatal petroleira venezuelana, a PDVSA, uma instituição infestada pela corrupção num país mergulhado no caos, além de outros com estreitos vínculos com o governo. O escritório, conhecido como Alcogal, tinha motivos para se alarmar: alguns dos venezuelanos implicados no escândalo eram clientes seus. Tinha aberto empresas fictícias para eles no exterior.

Seguindo um roteiro bastante conhecido, a empresa panamenha montou rapidamente uma equipe para lidar com a emergência e decidiu abrir mão de ser o agente registrado de muitas empresas. O motivo da decisão: “o impacto das notícias negativas” e “o nível de risco que estas empresas representam por causa das pessoas que as integram”, segundo um relatório interno de 2015 redigido em espanhol. Para um escritório de advocacia prestigioso como esse, que representa empresas do porte do Citibank e Pfizer, a criação de pessoas jurídicas para antigos membros do Governo venezuelano poderia acarretar um grande risco de estar colaborando involuntariamente com atividades de lavagem de capitais.

Mas o Alcogal não chegou a representar um papel destacado no setor da sonegação fiscal e ocultação de ativos por recusar clientes de risco.

Nas últimas três décadas, essa empresa panamenha se tornou um ímã para os ricos e poderosos da América Latina e de outras regiões que pretendem ocultar suas fortunas no exterior, conforme mostra um maciço vazamento de documentos empresariais obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês). Estes documentos estão sendo chamados de Pandora Papers.

A empresa serviu de intermediária para mais de 160 políticos e ocupantes de cargos públicos, segundo os documentos. Entre seus clientes houve presidentes panamenhos, um destacado candidato nas eleições do próximo mês em Honduras, o presidente do Equador e o rei da Jordânia. Quase metade dos políticos mencionados nos documentos vazados tinha vínculos com o Alcogal.

Esse escritório também prestou serviços a personagens implicados em alguns dos mais notórios escândalos de corrupção da história latino-americana recente, como a operação de suborno mundial da empreiteira brasileira Odebrecht (agora rebatizada como Novonor), o escândalo internacional de corrupção no futebol conhecido como Fifagate, assim como o suposto saque do patrimônio público venezuelano.

A investigação dos Pandora Papers se baseia em mais de 11,9 milhões de documentos confidenciais de escritórios de advocacia e outros prestadores de serviços em paraísos fiscais. Mais de dois milhões de registros procedem do Alcogal. O ICIJ obteve os documentos e os compartilhou com 150 veículos de imprensa e organizações do mundo todo.

Quase dois anos de apuração por mais de 600 jornalistas iluminam de forma inédita uma economia à sombra, acessível apenas àqueles que tem dinheiro e contatos suficientes. Empresas como o escritório Alcogal impulsionam essa economia, ajudando clientes ricos a encontrarem refúgios onde possam manter seu dinheiro longe dos olhos de inspetores fiscais e investigadores policiais. O preço, geralmente, é pago pelas pessoas comuns. Os Pandora Papers contêm informações sobre mais de 14.000 offshores instaladas em Belize, Ilhas Virgens Britânicas, Panamá e outros paraísos fiscais, criadas pelo Alcogal em nome de mais de 15.000 clientes, em sua maioria desde 1996.

Em uma carta ao ICIJ, o Alcogal declarou que a abertura de empresas “é apenas um aspecto” dos serviços legais que o escritório presta, sempre operando em “pleno cumprimento de todos os requisitos aplicáveis em cada jurisdição onde trabalhamos”. A empresa “leva a cabo em profundidade as devidas comprovações sobre os clientes que são considerados de alto risco, independentemente da natureza da relação ou do serviço”, afirma a carta.

Os documentos vazados mostram que o Alcogal abriu mais de 200 empresas fictícias no Panamá e outras jurisdições a pedido da Banca Privada d’Andorra (BPA), um banco com sede nesse pequeno principado situado entre a França e a Espanha. Algumas destas empresas serviram posteriormente para desviar recursos numa trama de corrupção pública venezuelana, conforme mostram os documentos.

Posteriormente, o governo dos Estados Unidos incluiu o banco numa lista de instituições suspeitas, por ser um “instrumento fundamental para a lavagem de capitais”. A maioria das empresas já foi liquidada, e o Alcogal renunciou a administrar algumas delas pouco depois de o BPA ser incluído na lista norte-americana de instituições suspeitas, em 2015.

Também a pedido do BPA, o Alcogal criou duas empresas fictícias que foram posteriormente usadas pela empreiteira brasileira Odebrecht para depositar 30 milhões de dólares pagos em subornos em troca de contratos para obras públicas no Panamá. Parte do dinheiro foi parar nas mãos dos filhos do então presidente panamenho Ricardo Martinelli, segundo os denunciantes. Os filhos respondem judicialmente pelo caso desde o ano passado, e os promotores recomendaram recentemente que Martinelli —que manteve vínculos pessoais com alguns dos fundadores do Alcogal— também seja processado. A família Martinelli nega as acusações.

Os documentos mostram que em 2000 e 2001, Alcogal abriu duas empresas nas Ilhas Virgens Britânicas para beneficiar Juan Carlos Varela, seu irmão, seu pai e outros sócios. Varela foi vice-presidente de Martinelli e em 2014 o sucedeu na presidência do Panamá. Três meses depois a sua posse, uma revisão interna do Alcogal encontrou denúncias de que ele tinha participado de lavagem de dinheiro para financiar sua campanha política. A empresa afirmou que Varela negou as acusações, baseadas apenas em notícias da imprensa, e não em um inquérito oficial, e o escritório avaliou que as notícias não eram relevantes a ponto de exigir investigações adicionais.

Em 2017, Varela admitiu que durante sua campanha a vice-presidente recebeu doações da Odebrecht, empresa que está no centro de uma das maiores investigações de corrupção já feitas na América Latina, mas negou que o dinheiro fosse um suborno. Ao ICIJ, o político disse que as doações de campanha foram feitas conforme a lei e informadas às autoridades eleitorais.As autoridades panamenhas também recomendaram a abertura de processo contra Varela no caso Odebrecht.

Em 2006, o escritório de advocacia registrou uma empresa no Panamá chamada Karlane Overseas S.A. No ano seguinte, todas as 10.000 ações, menos uma, foram transferidas para Nasry Juan “Tito” Asfura, segundo os documentos. Asfura, então vereador de Tegucigalpa, é um dos principais candidatos à presidência de Honduras nas eleições marcadas para o mês que vem.

No ano passado, o procurador-geral desse país centro-americano pediu a um tribunal anticorrupção que julgasse Asfura, atualmente prefeito da capital hondurenha, por suposto desvio de recursos municipais, mas o Tribunal Supremo decidiu não enviar o caso a julgamento. Através de um porta-voz, Asfura declarou ao Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIPE) e ao Contracorriente, sócios do ICIJ, que não é proprietário da empresa no exterior e não tem investimentos em paraísos fiscais. O banco que ajudou Asfura a criar a Karlene informou aos jornalistas que esta empresa foi usada para comprar terrenos para a família do político e outras pessoas em Tegucigalpa, e desenvolver ali um centro empresarial.

O Alcogal diz ter renunciado a representar as empresas citadas na investigação do caso Odebrecht e alega ter colaborado plenamente com as autoridades. Não fez comentários sobre Varela, Asfura ou qualquer outro cliente, citando as leis de confidencialidade e as “obrigações éticas com nossos clientes”. Sobre o banco andorrano, disse que não havia “nenhum motivo para suspeitar que o BPA Andorra estivesse prestando serviços bancários a clientes de reputação duvidosa”.

Supõe-se que investigar potenciais clientes seja uma prioridade absoluta para os advogados e os agentes financeiros. As normas legais e bancárias internacionais exigem que, antes de aceitar um cliente, prestadores de serviços profissionais como o Alcogal pesem cuidadosamente o risco de que possam estar involuntariamente ajudando a lavagem de dinheiro ou outros delitos. Mas às vezes, segundo os documentos, o escritório não tinha muita certeza sobre quem era o verdadeiro dono das empresas que abria. Permitia que bancos e outras companhias que encaminhavam esses clientes ocultassem a informação, ao confiar que teriam feito um bom trabalho de checagem prévia.

Por exemplo, em 2015, as autoridades das Ilhas Virgens Britânicas solicitaram informações sobre o proprietário e os documentos comprobatórios de uma empresa chamada Firelli International Limited. O Alcogal respondeu que não poderia apresentar esses documentos porque seu cliente intermediário, uma agência de private bank do Morgan Stanley em Miami, se negava a fornecê-los.

Mas o Alcogal sabia o nome de um acionista da Firelli: José Maria Marin, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, hoje caído em desgraça. Marin tinha sido detido um mês antes no âmbito do escândalo Fifagate, um caso de fraude que envolvia subornos em troca dos direitos de exibição dos principais torneios de futebol. Não está claro se Marin era o verdadeiro dono da Firelli, mas documentos judiciais nos Estados Unidos revelaram posteriormente que ele usou uma conta bancária dessa empresa de fachada para receber milhões de dólares em propinas. O dirigente foi condenado a quatro anos de prisão em 2018.

O Alcogal declarou à ICIJ que atualmente não constitui empresas, sociedades fiduciárias ou fundações para um cliente que não revelar a identidade do titular efetivo. As novas leis o obrigam a incluir esta informação em ata, afirmou.

Mesmo enquanto ajudava a manter uma coleção de empresas-laranjas para clientes destacados, o Alcogal tratou de se distanciar de um antigo concorrente caído em desgraça, o escritório Mossack Fonseca, cujos documentos vazados impulsionaram a investigação dos Panama Papers pelo ICIJ em 2016. Depois do escândalo, o Alcogal elaborou uma apresentação chamada “Desmistificação do mundo dos paraísos fiscais”, na qual insistia nas reformas adotadas e na melhora das avaliações relativas ao Panamá por parte de organizações internacionais de combate à lavagem de capitais, conforme mostram os novos documentos.

Um ano depois, durante um evento organizado por um grupo comercial das Ilhas Virgens Britânicas, Ayana Liburd, diretora da filial do Alcogal nesse território caribenho, queixou-se de que os bancos estavam pondo o Alcogal e outras empresas do setor “no mesmo saco” que o Mossack Fonseca.

Uma análise dos documentos dos Pandora Papers feita pelo ICIJ descobriu que, devido às revelações dos Panama Papers, 113 empresas que trabalhavam com o Mossack Fonseca mudaram de agente e passaram ao Alcogal.

“A honestidade não tem preço”

No começo da década de 1980, Jaime Alemán, um jovem advogado filho de um ex-embaixador panamenho em Washington, aspirava a fazer um nome para si. Depois de se graduar na faculdade de Direito da Universidade Duke (EUA) e trabalhar no departamento jurídico do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, Alemán voltou ao seu país em 1981 para trabalhar no escritório de advocacia do pai. Mas não estava contente com o salário e com o tempo que advogados recém-formados como ele levavam para galgar posições na empresa, segundo uma autobiografia que ele lançou em 2014, intitulada Honesty is priceless (A honestidade não tem preço).

As memórias e os documentos vazados revelam um advogado ambicioso, com uma férrea ética do trabalho, que levantava às 4h para ler os jornais, responder a e-mails e fazer ginástica. Entre os arquivos se encontram os meticulosos lembretes que Alemán escrevia para si mesmo, anotando os traços pessoais de um novo contato ou os detalhes de uma interação. “Dei um pouco de rum a ele e ficou contente. É preciso trazer-lhe mais”, diz uma anotação sobre um caddie de um clube de golfe em Maryland.

Depois de trabalhar brevemente como assessor jurídico do presidente panamenho Nicolás Ardito Barletta, em 1985 Alemán recrutou outros três advogados, Carlos Cordero, Aníbal Galindo e Jorge Federico Lee, e fundaram o Alcogal com as iniciais de seus sobrenomes.

Desde o primeiro dia, a empresa se dedicou aos assuntos confidenciais. Em suas memórias, Alemán conta que os primeiros honorários, 25.000 dólares, vieram de um grupo de empresários nicaraguenses que pediu para abrir sociedades anônimas.

Estabelecer empresas desse tipo, escreveu, é um “negócio maravilhoso”, pois permite que os escritórios de advocacia cobrem honorários anuais por servirem como agentes registrados, ou seja, procuradores com poderes de apresentar documentos legais e regulamentares. Os escritórios podem cobrar honorários adicionais para que seus próprios funcionários apareçam nos documentos de constituição como administradores da empresa, escrevia Alemán. Desse modo, o proprietário real ficava oculto da vista do público.

“O cliente se limitava a ir à Suíça (ou Luxemburgo, Andorra, Hong Kong etc.), abria uma conta bancária numerada, cujo beneficiário era uma empresa panamenha, que por sua vez operava de forma totalmente secreta, e não tinha obrigação de pagar impostos nem na Suíça nem no Panamá”, explicava Alemán em seu livro. “As autoridades do país do cliente não tinham nem ideia da existência desses recursos, por isso não podiam cobrar os impostos correspondentes.”

O que Alemán descrevia são os alicerces da economia dos paraísos fiscais: montar empresas de fachada em jurisdições com tributação baixa ou inexistente; nessas empresas, a titularidade fica oculta por trás de administradores que não desempenham nenhuma função significativa na empresa. Trata-se de um negócio volumoso, escrevia Alemán. Quanto mais empresas são abertas, maior é o lucro do escritório.

Mas também é um negócio arriscado. Os clientes que procuram a confidencialidade costumam ter algo a esconder. Foi o caso, na década de 1990, quando o Alcogal criou em paraísos fiscais pelo menos cinco empresas que, descobriu-se posteriormente, foram usadas por Augusto Pinochet, ditador do Chile de 1973 a 1990. No momento de sua morte, em 2006, Pinochet enfrentava acusações de crimes contra a humanidade e pelo desvio de milhões de dólares em recursos públicos.

Nos documentos judiciais, Alemán reconhecia que seu escritório havia criado essas empresas, mas afirmava que naquele momento ignorava a ligação delas com Pinochet. O advogado declarou que seu escritório descobriu essa conexão em 2004 e decidiu se demitir da função de agente registrado. O Alcogal, afirmava ele em uma declaração judicial, tem “uma política muito clara de não prestar serviços a empresas possivelmente vinculadas a atividades ilícitas”.

Conexões de alto nível

Os fundadores e os sócios do Alcogal fazem parte da classe política para a qual seu escritório trabalha. Ao longo das últimas décadas, em várias ocasiões entraram e saíram de cargos no Governo panamenho. Um dos fundadores, Galindo, foi vice-presidente do partido de Martinelli, o Mudança Democrática, e um dos seus assessores na presidência. Cordeiro, o “CO” do nome Alcogal, foi vice-chanceler. Lee, o L da sigla, foi membro do Tribunal Supremo de Justiça e ministro do Trabalho. Alejandro Ferrer, um sócio, foi ministro de Relações Exteriores, ministro do Comércio e juiz do Tribunal de Apelação.

Os membros da família Martinelli são clientes do Alcogal desde pelo menos o final da década de 1990, e o próprio Martinelli foi acionista de uma empresa criada pelo escritório.

Em 2009, o então presidente Martinelli nomeou Alemán para ocupar um cargo que havia sido de seu pai, o de embaixador do Panamá nos Estados Unidos. Em janeiro de 2011 deixou o comando da embaixada. Alemán diz que pediu demissão, e Martinelli afirma que o destituiu.

Anos depois, Martinelli e Alemán discutiram em um casamento. A imprensa noticiou que o advogado chamou o presidente de “ladrão e corrupto” e lhe deu um soco na cara. Martinelli nega que tenha sido atingido. As notícias transformaram Alemán em um herói popular entre os inimigos de Martinelli. Em seu livro, o advogado diz que os dois se reconciliaram mais tarde. Martinelli diz manter uma “relação cordial” com o fundador do Alcogal.

Em 2015, o escritório comunicou às autoridades das Ilhas Virgens Britânicas que tinha criado e mantido uma empresa que pertenceu a um cunhado de Martinelli, Aarón Ramón Mizrachi Malca, depois de a imprensa revelar que essa empresa teria ajudado na aquisição de aparelhos de espionagem fabricados em Israel. Martinelli foi posteriormente acusado de usar esse equipamento para interceptar comunicações de políticos de oposição e outras pessoas.

Martinelli está sendo julgado atualmente por supostamente fazer vigilâncias e monitoramentos sem autorização judicial. Ele nega as acusações e se diz vítima de uma perseguição política iniciada por Varela, que foi seu vice-presidente. Mizrachi declarou ao ICIJ que sua empresa foi absolvida na investigação e que ele próprio nunca chegou a ser investigado ou acusado nesse caso de espionagem.

Em dezembro de 2016, Luiz da Rocha Soares, ex-executivo da Odebrecht, admitiu que sua antiga empresa havia pagado em segredo propinas de 30 milhões de dólares a duas empresas de fachada, a Pachira Ltd. e a Mengil International, em troca de contratos de obras públicas no Panamá. A imprensa brasileira relacionou essas duas empresas com os filhos de Martinelli, Luis Enrique Martinelli Linares e Ricardo Alberto Martinelli Linares. Um dos filhos (não está claro qual) recebeu seis milhões de dólares, segundo relato de Soares publicados na imprensa do Brasil.

Ao final de alguns dias, o Alcogal rompeu o vínculo com as duas empresas e apresentou um Relatório de Atividade Suspeita, após receber informação de que tais empresas estariam sendo usadas para “atividades ilícitas”, segundo versão do próprio escritório. Em circulares internas sobre compliance, o Alcogal escreveu que “considerava” que dois homens aos quais tinha concedido poderes eram os verdadeiros proprietários de cada empresa. Mas em 2017 esses homens declararam às autoridades panamenhas que Ricardo Martinelli Linares estava por trás das duas pessoas jurídicas, segundo o noticiário da época.

Em julho de 2020, os irmãos Martinelli foram detidos em um aeroporto da Guatemala depois que os Estados Unidos os acusaram de pertencer à estrutura de subornos da Odebrecht. Continuam presos à espera de serem extraditados para os Estados Unidos, e negam as acusações.

Referências de um banco dos Pirineus

Na introdução de sua autobiografia, Alemán advertia que uma ala “podre” da sociedade panamenha, especialmente sua classe política, ameaçava o futuro do país. Era necessária uma transformação social, sustentava o advogado, “para evitar uma crise política, econômica e social, como a que países como a Venezuela enfrentam hoje em dia”.

Depois da morte do presidente Hugo Chávez, em 2013, a Venezuela mergulhou ainda mais numa crise política provocada pela escassez de alimentos e remédios, o que fez a inflação e a criminalidade disparar. Trata-se de uma crise que continua hoje em dia. Mais de cinco milhões de pessoas, aproximadamente 17% da população, foram embora do país desde 2014, segundo um relatório da ONG Human Rights Watch.

Embora Alemán atribuísse o naufrágio da Venezuela à corrupção e ao esbanjamento, os Pandora Papers mostram que seu escritório havia aceitado uma série de referências do banco andorrano BPA quando foi procurado para servir como agente registrado de offshores pertencentes a alguns dos mais importantes ex-aliados de Chávez.

O BPA participava de um mercado bancário que prestava seus serviços a estrangeiros ricos. Com o passar do tempo, expandiu-se para outros países, inclusive o Panamá. No mundo dos paraísos fiscais, os private banks frequentemente trabalham em parceria com outros prestadores de serviços, já que muitos clientes ricos querem que suas empresas de fachada tenham contas bancárias.

Em 2007, o banco andorrano encontrou Alcogal, declarava o escritório ao ICIJ, “depois de ter sido apresentado pelo presidente de um banco, que era cliente do Alcogal.

Um sócio do Alcogal, Raúl Zúñiga Brid, ocuparia mais tarde um cargo no conselho de administração como diretor independente da unidade panamenha do banco andorrano, junto com o executivo-chefe do BPA, Juan Pablo Miquel (Prats foi logo acusado pelo organismo andorrano de Previdência Social de sonegar impostos utilizando uma empresa-laranja criada pelo Alcogal no Panamá para desviar recursos do BPA e pagar bonificações a ele e a outros funcionários. Prats negou as acusações. O Alcogal afirma que a participação de Zúñiga no conselho do BPA foi breve e limitada.)

Pouco depois de o relacionamento do Alcogal com o BPA começar, o escritório panamenho abriu a empresa Lairholt Finance Ltd., em Belize, a pedido do banco andorrano. O proprietário da empresa, segundo uma peça de acusação apresentada por promotores do principado europeu, era Javier Alvarado Ochoa, que ocupava cargos influentes no Governo de Chávez, chegando a vice-ministro de Desenvolvimento Elétrico. Em 2011, Chávez o nomeou presidente de uma unidade da estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA).

Ao final de um ano e meio, conforme mostram os documentos, o Alcogal criou duas empresas no Panamá, a Josland Investments S.A. e a Tristaina Trading S.A., para Nervis Villalobos, um engenheiro eletricista que também tinha ocupado altos cargos no Governo sob Chávez, como o de vice-ministro de Energia. Naquela época, trabalhava no setor privado como consultor internacional independente para assuntos energéticos, segundo seu perfil do LinkedIn.

E chegou o escândalo: em março de 2015, a Rede de Controle de Crimes Econômicos do Departamento do Tesouro norte-americano (FinCEN, na sigla em inglês) emitiu uma advertência citando o BPA como entidade financeira de “máxima preocupação pela lavagem de dinheiro”. Estas advertências do FinCEN são pouco frequentes e muitas vezes letais para o banco.

A FinCEN afirmava que o private bank andorrano e seus clientes venezuelanos colaboravam estreitamente com altos funcionários venezuelanos e “agentes registrados” panamenhos para estabelecer empresas-laranjas que os venezuelanos depois usavam para lavar recursos públicos saqueados.

A Rede não identificou os “agentes registrados” nem qualquer das empresas que eles tenham criado. Os nomes dos venezuelanos e suas empresas vieram à tona mais adiante nas peças de acusação dos Governos andorrano e norte-americano e em reportagens da imprensa.

Um dia depois do aviso do FinCEN, o Alcogal deixou de ser o agente de algumas das empresas vinculadas a clientes venezuelanos, conforme mostram os documentos vazados. À medida que mais nomes apareciam no noticiário, o Alcogal rompeu suas relações com outras empresas que tinha criado a pedido do banco andorrano. Os documentos mostram que, em abril, o escritório já havia produzido pelo menos três relatórios internos relacionados com o assunto, incluído um intitulado “Personagens venezuelanos associados com o regime”.

Villalobos, Ochoa e outros altos funcionários venezuelanos e seus familiares, além de empresários espanhóis e norte-americanos, foram imputados pelas autoridades andorranas, espanholas, norte-americanas e venezuelanas. A acusação em Andorra afirmava que Villalobos, Ochoa e outros receberam subornos em troca de favorecimento a empresários que buscavam contratos com a PDVSA. Os suspeitos usaram logo falso contratos dizendo que havia usado serviços de consultoria para justificar a origem de fundos que foram depositados em suas contas de BPA, de acordo com as acusaações. As contas eram controladas através de sociedades de papel.

As autoridades alegam que os executivos da BPA envolvidos no esquema aprovaram as contas inclusive quando a mesma unidade de cumprimento interno expressou suas preocupações pelos seus vínculos políticos. Documentos obtidos pelo EL PAÍS mostram que os venezuelanos supostamente usaram parte dos lucros para manter um padrão de vida elevado na Europa, gastando milhões de dólares em bens de luxo como vinhos, caviar, ternos sob medida e estadias em hotéis cinco-estrelas parisienses.

Um dos recibos mostra que Villalobos comprou dois relógios Rolex através de uma conta que pertencia à Josland Investments, conforme informou este jornal. Os documentos mostram que o Alcogal tinha criado a sociedade anônima no Panamá em 2009.

Nem o FinCEN nem qualquer outra autoridade governamental acusou o Alcogal ou qualquer outro prestador de serviços de crimes relacionados com a estrutura de lavagem de dinheiro do banco andorrano.

Depois que as autoridades andorranas obrigaram o banco a promover uma radical reestruturação, entre outras medidas, o FinCEN retirou o BPA da sua lista de instituições sob suspeita.

Em sua carta ao ICIJ, o Alcogal afirmou ter cooperado plenamente com as autoridades que investigavam o BPA, inclusive compartilhando informações relacionadas aos verdadeiros proprietários, como é habitual quando recebe solicitações desse tipo. E deixou de ser agente registrado de todas as empresas que descobriu estarem envolvidas em atividades ilícitas, afirmava.

Villalobos e Ochoa vivem na Espanha, onde estiverem presos por um período. As autoridades espanholas e americans há dois anos negociam as condições de uma eventual extradição dele para os Estados Unidos e de ser levado a cabo, negociando condições. A Venezuela também pediu sua extradição. Ochoa declinou, por meio de seus advogado a responder as perguntas de ICIJ porque seu caso está pendente na justiça. Villalobos, cujos advogados negaram qualquer tipo de acusação no passado, não respondeu às perguntas enviadas.

Preocupação com as comprovações

Christodoulos Vassiliades, advogado e cônsul-honorário de Belize em Chipre, foi um dos intermediários mais destacados e de mais confiança do Alcogal. Em seu livro, Alemán se refere a Vassiliades como “meu bom amigo”. Desde 2001, conforme mostram os documentos, o Alcogal deu ao escritório de Vassiliades a opção de não enviar determinados documentos que revelassem quem eram os verdadeiros proprietários e diretores das empresas com as quais se envolvia e de onde procedia o dinheiro que fluía para essas empresas – uma ocultação permitida pela legislação das Ilhas Virgens Britânicas naquela época.

Ao longo das duas últimas décadas, conforme mostram os documentos, Vassiliades levou dezenas de clientes para o escritório, entre eles suspeitos de fraude e um oligarca russo que é um aliado próximo de Vladimir Putin.

Os documentos revelam que, quando o Alcogal, em resposta à mudança de regra nas Ilhas Virgens Britânicas, solicitou informação atualizada ao escritório de Vassiliades sobre os diretores de dezenas de empresas, em alguns casos teve dificuldades para obtê-la. Em 2006, Alemán se queixou a Vassiliades de que não entendia o motivo de demorar quase um ano para lhe fornecer um dado, inclusive depois da promessa de que “se manteria como confidencial em nossos escritórios”.

“Querido Chris”, escreveu Alemán ao seu amigo, “eu agradeceria que você me ligasse URGENTEMENTE para falar deste assunto. Se não recebermos os documentos até 23 de junho de 2006, não restará outra opção senão deixarmos de ser Agentes Registrados das 146 empresas”. A informação começou a chegar a conta-gotas nove meses depois, como mostram os e-mails.

O escritório de advocacia disse em nota que não poderia responder a perguntas sobre clientes específicos e que cumpria plenamente as normativas sobre as diligências devidas. Afirmou ainda ter proporcionado informações sobre os beneficiários ativos de todas as empresas que constituiu nas Ilhas Virgens Britânicas.

Em 2009, Vassiliades trouxe um novo cliente ao Alcogal: Galina Telesh, única diretora e beneficiária ativa da Barlow Investing Ltd., uma empresa constituída pelo Alcogal. Quase uma década depois, em 2018, Telesh viajou para dissolver a empresa, e o Alcogal informou às autoridades das Ilhas Virgens Britânicas que ela era ex-mulher do famoso gângster Semion Mogilevich, conhecido como o “chefe dos chefes” da máfia russa, incluído na lista dos 10 fugitivos mais procurados pelo FBI durante seis anos, até ser localizado em 2015 na Rússia.

O escritório de Vassiliades nega “qualquer acusação de que tenhamos alguma conexão”, seja direta ou indireta, com organizações criminais. O Alcogal ressaltou que rompeu relações com a Barlow imediatamente quando “seu intermediário profissional” lhe pediu que assim fizesse.

Na maioria das jurisdições, prestadores de serviços são obrigados a apresentar relatórios de atividades suspeitas —como o que o Alcogal produziu sobre Telesh— quando suspeitam que um cliente esteja relacionado a uma atividade ilícita. As autoridades preferem os relatórios proativos, ou seja, apresentados antes que um prestador de serviços inicie qualquer transação ou atividade, e não depois que a empresa de fachada já foi usada em algum crime. Em uma apresentação descoberta nos documentos filtrados do Alcogal, uma Agência de Investigação Financeira das Ilhas Virgens Britânicas afirma que os relatórios proativos ajudam a minimizar o risco de lavagem de dinheiro. Já os reativos “acrescentam um valor mínimo às investigações para que tenham algum efeito útil”.

Repetidamente, como mostram os documentos, o escritório de advocacia enviou relatórios de atividade suspeita apenas depois que autoridades ou jornalistas divulgavam que seus clientes eram possivelmente corruptos ou estavam implicados em outros crimes.

Uma análise do ICIJ sobre os relatórios de atividade suspeita apresentados pelo Alcogal no Panamá, Bahamas e Ilhas Virgens Britânicas entre 2007 e 2018 mostra que a grande maioria deles, 87 de 109, foram “reativos”. Mais da metade dos relatórios do Alcogal foi produzida depois da investigação dos Panama Papers do ICIJ.

A análise do ICIJ revela que, entre janeiro de 2017 e maio de 2018, o Alcogal apresentou 16 relatórios de atividade suspeita relacionados com pessoas vinculadas ao caso de corrupção da Odebrecht ou a um caso anterior conhecido como Lava-Jato.

O Alcogal foi o agente registrado de várias empresas de propriedade de Paulo Roberto Costa, um diretor de Compras da Petrobras.

Em 2014, Costa confessou que tinha lavado quase 26 milhões de dólares em subornos por sua participação na manipulação de licitações para favorecer a Odebrecht e outras empresas. Conforme mostram os documentos judiciais, para transferir o dinheiro para contas de bancos suíços Costa utilizou empresas instrumentais constituídas no Panamá, inclusive duas para as quais o Alcogal atuava como agente registrado.

O Alcogal afirma ter “um sólido departamento de compliance”, que recebe formação contínua. Os clientes de alto risco são revisados com mais frequência e sob critérios mais rigorosos que os clientes de baixo risco, explica o escritório. O Alcogal afirma cumprir todas as normativas atuais. “Entendemos que o compliance seja um dos principais pilares da prestação de nossos serviços corporativos internacionais, e dedicamos tempo e recursos consideráveis a desenvolver as infraestruturas para que nossos trâmites cumpram as leis e os critérios mais elevados neste âmbito.”

Durante uma reunião para se apresentar às autoridades reguladoras das Ilhas Virgens Britânicas, em 2013, Alemán afirmou que manter o compliance é uma tarefa complicada. “É impossível ter arquivos perfeitos”, dizia, segundo as atas de uma reunião nos documentos vazados. “Temos mais de 10.000 empresas ativas. É enormemente difícil fazer um acompanhamento.”

Alemán reconhecia que o escritório não tinha informação sobre a propriedade de todas as empresas que criava ou que representava como agente registrado. Mesmo assim, afirmava, estava seguro de que seu escritório teria em seus arquivos a maior parte da informação solicitada a respeito de seus clientes.

“A melhor prova é que durmo bem à noite, embora nossos arquivos não sejam perfeitos.”

Colaboraram Delphine Reuter, Valentina Lares, Agustin Armendariz, Andrés Bermúdez e Jennifer Avila

Nas investigações dos Pandora Papers na América Latina participaram repórteres de: La Nación, elDiarioAR, Infobae, El Deber, Agência Pública, Metrópoles, Poder360, Revista Piauí, Ciper, LaBot, CLIP, El Espectador/CONNECTAS, Costa Rica Noticias, Proyecto Inventario, Noticias Sin, El Universo, El Faro, Plaza Pública, Contracorriente, Proceso, Quinto Elemento Lab, Univision, Confidencial, Grupo ABC Color, Convoca, IDL-Reporteros, Centro de Periodismo Investigativo, Armando.info.

El País

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Publicado em 11 de janeiro de 2025 por Tribuna da Internet Facebook Twitter WhatsApp Email Reprodução de foto de Orlando Brito  Mario Sabino...

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