Certificado Lei geral de proteção de dados

Certificado Lei geral de proteção de dados
Certificado Lei geral de proteção de dados

terça-feira, outubro 05, 2021

Mil dias de assombração

 



O governo Bolsonaro comemora mil dias. Já escrevi e falei sobre o tema, analisando a trajetória política desse experimento. Mas ainda não parei para me perguntar como foi possível manter, ainda que de forma precária, a sanidade mental neste país enlouquecido.

Por Fernando Gabeira (foto)

Jamais poderia imaginar um governo tão singular como o de Bolsonaro, no qual crimes e trapalhadas se entrelaçam de tal maneira, tragicômico. Quando comecei a entender de política, o confronto esquerda-direita tinha outros contornos. Nosso bairro proletário era getulista. A simpatia juvenil estava ao lado dos vizinhos. Mas havia gente como meu pai, que votava no brigadeiro Eduardo Gomes.

A encarnação da direita naqueles anos tinha outro perfil. Votem no brigadeiro, diziam as mulheres que o apoiavam, ele é bonito e é solteiro. Até um doce foi criado em homenagem a ele.

Quando Bolsonaro postou aquela famosa cena de golden shower, perguntando do que se tratava, percebi que estávamos num outro momento histórico. A clássica e austera direita dava margem a um sensacionalismo radiofônico que, sob a máscara de moralidade, usava as cenas de crime e sexo para garantir audiência.

Quando o então secretário de Cultura, Roberto Alvim, fez um discurso imitando o líder nazista Joseph Goebbels, dizendo que a arte brasileira seria heroica e imperativa, percebi também um novo tom.

Dificilmente os governos militares que dominaram o país a partir de 1964 aceitariam um discurso abertamente nazista, sobretudo porque um dos orgulhos nacionais foi exatamente a participação na Segunda Guerra no lado oposto a Hitler.

Não só a vulgaridade, mas uma certa visão moderna de inconsequente colagem de ideologias estava em jogo. Assim como uma concepção também muito moderna de que não existe a verdade dos fatos, mas apenas versões. O que é mais um componente assombroso da atualidade.

Alguém definiu assim o diálogo com os novos atores políticos: é como se jogasse xadrez com pombos, eles desarrumam o tabuleiro e saem cantando vitória.

A versão cinematográfica de quase todas as taras do governo pode ser encontrada, em cores, naquele vídeo da reunião de 22 de abril de 2020. Em primeiro lugar, a assombrosa fala de Bolsonaro defendendo que as pessoas se armem para combater a ditadura, insinuando que ela se encarnava nos governadores que defendiam restrições sociais contra a pandemia.

Interessante ver como os generais que o apoiam assistiam calados e satisfeitos com o discurso, algo que no passado seria impensável. Na mesma reunião, o então ministro do Meio Ambiente propunha derrubar as regras ambientais, deixar a boiada passar, enquanto o Brasil se preocupava com a pandemia. No mesmo filme, veremos Bolsonaro dizendo que precisa da PF para proteger a família e aliados e um ministro da Educação propondo a prisão de ministros do STF.

Em Leipzig, no início dos anos 90, cobri manifestações dos skinheads, jovens que têm simpatias pelo nazismo. Creio que posso dizer isto com tranquilidade: entre eles havia mais consciência ambiental que no governo Bolsonaro, para o qual devastar os recursos naturais é um ato de fé.

Há todo um capítulo ainda dos rituais próprios do governo Bolsonaro: conversas no cercadinho, motociatas, o escudo com a expressão “imbrochável”, os dedos imitando armas, empunhar o violão como se fosse um fuzil.

Em termos feministas, isso seria uma masculinidade tóxica. Eu diria, a começar pelas motociatas, uma masculinidade evanescente.

Você monta numa motocicleta, ostenta um escudo de imbrochável e, a cada instante, imita uma arma com os dedos: creio que até um estagiário de psicologia arriscaria a óbvia interpretação.

É difícil classificar tudo isso. Não me parece longe de algo que possa ser descrito como a carnavalização do fascismo. É, ao mesmo tempo, engraçado e letal, uma fanfarra em verde-amarelo com 600 mil mortes na pandemia, milhares de árvores derrubadas, milhões de animais carbonizados.

O Globo

Como alta do dólar elevou fortuna de Guedes em paraíso fiscal no exterior

 




Com alta do dólar, investimentos de Guedes no exterior valem R$ 51 milhões

Por Camilla Veras Mota e Mariana Schreiber, em São Paulo e Brasília

Em quase três anos à frente do Ministério da Economia, Paulo Guedes deu uma coleção de declarações polêmicas — muitas delas envolvendo o dólar, que ficou quase 40% mais caro desde o início do governo de Jair Bolsonaro.

Algumas dessas frases foram relembradas nas redes sociais pelos brasileiros neste domingo (3/10), quando veículos de imprensa mostraram que Guedes mantém US$ 9,55 milhões nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.

Os documentos que revelam que o ministro da Economia é dono de uma offshore milionária são parte de um megavazamento de informações que expôs figuras públicas de diversos países, batizado de Pandora Papers.

As reportagens foram feitas no âmbito do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), do qual fazem parte, no Brasil, a revista Piauí, os portais Metrópoles e Poder 360 e a Agência Pública.

Entre as manchetes compartilhadas nas redes sociais, os brasileiros relembraram um episódio de fevereiro de 2020, quando o ministro afirmou que o dólar alto seria positivo porque "empregada doméstica estava indo para a Disney, uma festa danada".

Antes disso, em novembro de 2019, Guedes afirmou, em visita a Washington, que os brasileiros deveriam "se acostumar" com o câmbio mais alto, que seria um reflexo da nova política econômica, com juro de equilíbrio mais baixo. "O dólar está alto? Problema nenhum, zero", disse, na ocasião.

Mais recentemente, em junho, já com o dólar consistentemente acima de R$ 5, o ministro repetiu, em fala na Fiesp, que ele e sua equipe queriam o "juros mais baixos e câmbio de equilíbrio um pouco mais alto".

O dólar hoje representa, indiretamente, uma das principais pressões sobre a inflação, com impacto que vai dos preços de combustíveis aos dos alimentos, passando inclusive pelos produtos fabricados pela indústria nacional, já que muitos usam componentes importados.

A valorização da Dreadnoughts International

Para quem tem investimentos no exterior, contudo, o dólar mais caro tem um efeito positivo, já que faz crescer o equivalente em reais das aplicações.

Foi isso o que aconteceu com os recursos mantidos na Dreadnoughts International, a empresa offshore fundada por Guedes em setembro de 2014 nas Ilhas Virgens Britânicas.

A alta do dólar desde 2019 fez com que o patrimônio valorizasse pelo menos R$ 14 milhões. Hoje, o equivalente em reais dos US$ 9,55 milhões aportados na empresa é de R$ 51 milhões.

Como as decisões e declarações do ministro têm impacto direto sobre o mercado de câmbio, muitos especialistas enxergam um conflito de interesses direto entre o cargo público exercido por Paulo Guedes e seu papel como investidor.

As offshores não são ilegais no Brasil, desde que os recursos sejam declarados à Receita. A diferença, neste caso, é o fato de que Guedes é servidor público. O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe, em seu Artigo 5º, que funcionários do alto escalão mantenham aplicações financeiras passíveis de serem afetadas por políticas governamentais, no Brasil e lá fora.

Em suas manifestações à imprensa, o ministro tem reiterado que cumpriu o que ordena o código de conduta e que, como manda a norma, informou à Comissão de Ética Pública sobre seus negócios no prazo estipulado, até dez dias após assumir o cargo.

'Em 2019, Guedes afirmou que os brasileiros deveriam "se acostumar" com o câmbio mais alto'

Nesse aspecto, uma outra questão emergiu por meio do Pandora Papers: o caso só foi julgado no último mês de julho, mais de dois anos e meio depois. A Comissão decidiu arquivar sem divulgar suas razões, sob a justificativa de que o caso seria sigiloso por envolver dados sensíveis.

O advogado Wilton Gomes, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), considera "absurdo" o período de dois anos que a comissão levou para avaliar o caso do ministro. Para ele, ainda que exista a questão de sigilo, os motivos que embasaram a decisão são uma questão de interesse público e, por isso, deveriam ser discutidos de forma mais transparente.

Sobre o parecer, ele afirma que a redação do Artigo 5º do Código de Conduta é clara para o caso de Guedes.

"O conflito de interesse está instaurado, por mais que não tenha havido ação deliberada para aquela finalidade. Não é preciso comprovar que ele teve alguma atitude que o favorecesse, mas evitar o conflito de interesse."

Assim, para ele, a conduta correta seria que ou o ministro repatriasse os recursos ou, caso decidisse mantê-los no exterior, que se afastasse do cargo.

Depois da repercussão do caso, por meio de nota, a Comissão de Ética Pública da Presidência afirmou que, diferentemente do que dizem as reportagens, a declaração de Guedes foi analisada em maio de 2019 — essas informações, contudo, não constam nas atas e notas disponíveis no site da comissão e às quais a própria nota faz referência.

Além da questão do câmbio

O potencial conflito de interesses entre o "Paulo Guedes ministro" e o "Paulo Guedes investidor" vai além do câmbio. Uma questão que pode afetar diretamente seus recursos no exterior é a tributação desses valores. Hoje, os rendimentos que pessoas físicas têm com empresas offshore só são taxados quando há saques desses investimentos.

Em uma proposta enviada pelo Ministério da Economia ao Congresso para alterar a tabela do Imposto de Renda e outros tributos estava previsto que essa cobrança sobre ganhos em offshore fosse feita anualmente, em caso de empresas estabelecidas em paraísos fiscais. Depois, porém, isso foi retirado, em comum acordo entre Guedes e o relator da matéria na Câmara, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA).

O parlamentar disse no final de julho que pretendia reincluir a mudança, mas projeto de lei foi aprovado no início de setembro na Câmara sem esse ponto e agora está em análise no Senado. A BBC News Brasil tentou ouvir o deputado por telefone em seu gabinete e no celular, mas ninguém atendeu às ligações.

A proposta de taxar anualmente os ganhos em offshore gerou resistência de setores econômicos que mantêm recursos no exterior. Em evento organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Guedes disse em julho que a ideia foi retirada no Congresso para não complicar a tramitação do projeto de lei.

"O que estiver certo, acertamos aqui com a indústria… 'Ah, não, tem que pegar as offshores e não sei quê'. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Tira. Estamos seguindo essa regra", afirmou.

"Não vamos botar em risco a retomada do crescimento econômico sustentável, que é o que está acontecendo. Então, quero deixar essa mensagem tranquilizadora. Quero agradecer o apoio de todo mundo que está nos ajudando, levando sugestões, dizendo 'ó, cuidado que isso aqui está errado'", continuou o ministro na ocasião.

A advogada Bianca Xavier, professora de direito tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reforça que não há ilegalidade em possuir recursos em uma offshore, desde que os valores sejam declarados à Receita Federal e ao Banco Central (no caso de superarem US$ 1 milhão) e que os tributos sejam pagos corretamente em caso de saques.

Segundo a professora, gerir recursos a partir de uma offshore no exterior, em geral, permite ao investidor pagar menos impostos quando se trata das cobranças sobre a empresa.

Já quando a pessoa saca esses recursos, explica Xavier, ela terá que necessariamente pagar imposto sobre todos os ganhos de rendimento do período.

A vantagem da offshore, ressalta, é que o investidor não precisa pagar esse tributo regularmente, como ocorre no Brasil, mas apenas ao final da aplicação, quando saca. É o chamado diferimento de impostos.

Na sua visão, o ministro não parece estar agindo de modo antiético com relação a seus investimentos em offshore, já que partiu do próprio governo a proposta original de incluir na reforma tributária a taxação anual desses rendimentos. Para ela, é inevitável que o ministro lide com políticas que o afetem diretamente.

"Se for considerar um conflito ético, nenhum ministro da Fazenda poderia falar de Imposto de Renda. Todos nós somos contribuintes. Teria, então, que ser um ministro muito pobre para não ter nenhum tipo de renda. Acho que ele tem que seguir pela impossibilidade", afirma a professora.

No entanto, o ministro pode ser beneficiado por outro ponto desse projeto de lei aprovado na Câmara e que ainda está em análise no Senado. O texto que recebeu o aval dos deputados prevê alíquota reduzida de 6% para quem decidir pagar antecipadamente o imposto sobre bens no exterior incluídos na declaração de Imposto de Renda deste ano (ano base 2020).

A alíquota normal no caso de investimentos em offshore varia de 15% a 27,5%. Ou seja, se isso for aprovado também no Senado e Guedes aderir ao pagamento antecipado, poderia economizar parte do tributo devido.

A justificativa apresentada para essa medida é a necessidade do governo aumentar a arrecadação com a antecipação desse e de outros tributos — o projeto de lei também dá desconto para pagamento antecipado sobre ganho de capital com valorização de imóveis.

Bianca Xavier lembra que a gestão Bolsonaro prometeu atualizar a tabela do Imposto de Renda, o que significa aumentar o número de brasileiros isentos da cobrança e reduzir um pouco os impostos pagos pelos demais.

A antecipação de tributos ajudaria a compensar num primeiro momento essa perda de arrecadação — solução considerada controversa por especialistas, já que a receita menor com a atualização da tabela do Imposto de Renda será permanente.

Presidente do BC também enfrenta questionamentos

À questão tributária, Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp, acrescenta o âmbito regulatório. Paulo Guedes é, junto do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, membro do Conselho Monetário Nacional (CMN), que tem autonomia para aprovar uma série de medidas infralegais que também têm impacto sobre investimentos no exterior.

Campos Neto também foi citado no Pandora Papers. Sua offshore, a Cor Assets S.A, ficava situada no Panamá. À diferente de Guedes, contudo, ele encerrou as operações da empresa em julho do ano passado — mais de um ano depois de assumir a liderança do BC, contudo.

"São dois personagens da alta elite financeira, pessoas com milhões de dólares lá fora, beneficiados pela liberalização que eles mesmo promovem dentro dessa institucionalidade frouxa que alimenta conflito de interesses", diz o economista.

"Ambos têm influência sobre instrumentos de política cambial, fiscal e monetária, e estão conduzindo hoje o maior processo de liberalização financeira desde 1990", completa Rossi, referindo-se à iniciativa de mercados de capitais, conhecida pela sigla IMK, um conjunto de iniciativas que visa desenvolver o mercado de capitais no Brasil.

Entre as medidas aprovadas pelo CMN no âmbito do IMK ele destaca a ampliação das operações com derivativos no exterior, algo que, na sua avaliação, vai na contramão das discussões sobre redefinição do papel do Estado e controles sobre o mercado financeiro após a grande crise de 2008.

"A política fiscal, por exemplo, é mais democrática, passa pelo processo orçamentário, pelo legislativo. Já a política monetária e cambial depende de um conselho [CMN] que lhe dá diretrizes e que não tem representatividade, que toma decisões pouco democráticas e que é pouco transparente."

'O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, diz que não fez nenhuma remessa de recursos ao exterior depois de assumir o cargo atual e que, desde então, não faz parte da gestão das suas empresas'

Guedes e Campos Neto negam irregularidades

Em nota enviada à BBC News Brasil, a assessoria de Paulo Guedes afirma que as atividades privadas dele anteriores à sua posse como ministro foram informadas aos órgãos competentes.

"Toda a atuação privada do ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada", diz trecho da nota enviada.

A nota disse ainda que a atuação de Guedes "sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade".

Já assessoria de imprensa de Campos Neto enviou nota à BBC News Brasil afirmando que todo o seu patrimônio, no país e no exterior, foi declarado à Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Receita Federal e ao Banco Central.

A nota diz ainda que Campos Neto não fez nenhuma remessa de recursos ao exterior depois de assumir o Banco Central e que, desde então, não faz parte da gestão das suas empresas.

Pandora Papers no exterior

Não foi apenas no Brasil que o Pandora Papers identificou políticos como proprietários ou beneficiários de empresas offshore. De acordo com o consórcio, ao todo, 35 líderes o ex-líderes de países em todo o mundo e outros 300 agentes públicos aparecem nos documentos vazados.

Entre as outras revelações feitas pelo consórcio estão informações sobre o uso de empresas offshore pelo ex-primeiro ministro britânico Tony Blair para a compra de um escritório em Londres e a fortuna avaliada em US$ 94 milhões do rei Abdullah Il bin Al-Hussein, da Jordânia, em propriedades nos Estados Unidos e no Reino Unido.

BBC Brasil

Luciano Hang, o empresário patriota que dribla os impostos no Brasil

 




Investigação feita pelo EL PAÍS nos arquivos do ‘Pandora Papers’ revelou que o empresário manteve por quase vinte anos uma empresa em um paraíso fiscal no valor de 112,6 milhões de dólares

Por Marina RossiRegiane Oliveira

São Paulo - O empresário bilionário brasileiro Luciano Hang (Brusque, 58 anos) se define como “patriota que luta pelo Brasil” em sua conta no Instagram. Dono de uma fortuna de 14,3 bilhões de reais, segundo a revista Forbes, Hang orgulha-se do número de empregos que gera no Brasil por meio de sua rede varejista, a Havan. Também é dono de agência de publicidade, postos de gasolina e até usina hidrelétrica. Hang adota um guarda-roupa verde e amarelo espalhafatoso para provar seu amor à pátria. O empresário só não se veste de patriota quando o assunto é o retorno que os impostos podem proporcionar ao país.

Uma investigação feita pelo EL PAÍS e outros veículos brasileiros nos arquivos do Pandora Papers revelou que o empresário manteve por quase vinte anos uma empresa em um paraíso fiscal, no valor de 112,6 milhões de dólares, conforme constava em um extrato de outubro de 2018 (cerca de 416 milhões de reais na época). Por todo esse tempo, Hang não comunicou ao Governo brasileiro sobre a existência de sua empresa, o que configura crime de sonegação fiscal. Os arquivos do Pandora Papers reúnem 11,9 milhões de documentos confidenciais de 14 sociedades de advogados do Caribe, Singapura, Hong Kong, Chipre, dentre outros paraísos fiscais ao redor do mundo.

A empresa de Hang no exterior atende pelo simpático nome de Abigail Worldwide. É por meio dela que o dono da rede de varejo Havan faz seus investimentos no Brasil e em outros países, com uma vantagem que poucos têm: pagar pouco ou quase nada de impostos. Isso porque Abigail está registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal. Ao todo, foram quase vinte anos economizando em tributos que ele pagaria se tivesse esse mesmo dinheiro aplicado no Brasil, que poderiam chegar a até 34%, dependendo da renda. A Receita Federal brasileira considera paraísos fiscais os locais que tributam a renda com alíquota inferior a 20% ou cuja legislação protege o sigilo sobre a composição societária das empresas. Na lista de mais de 60 países que respondem a esses critérios estão as Ilhas Virgens Britânicas, onde a Abigail foi aberta.

Os investimentos da Abigail estão principalmente em ações e títulos de dívida (debêntures) de empresas, muitas delas brasileiras, como Vale, Petrobras e Natura.

Mas se Hang é exibicionista em tudo que o diz respeito à Havan, o mesmo não se pode dizer de sua relação com a Abigail. Embora ela esteja com o empresário desde 1999, só foi apresentada ao Brasil em 2020, quando Hang decidiu lançar um ambicioso plano de abertura de capital da Havan, em plena pandemia. Foi nesse momento que os investidores brasileiros souberam que Abigail integrava o patrimônio da varejista Havan desde 31 de outubro de 2016. Com um dote atualizado em 478,5 milhões de reais (conforme a cotação do dólar de junho de 2020), como consta no prospecto de abertura para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Não há nada de errado legalmente com a Abigail. No mundo dos investidores ela é conhecida como empresa de prateleira (shelf company, no termo em inglês), ou seja, uma companhia aberta em paraíso fiscal, que pode ficar até anos sem atividade à espera de alguém que lhe dê um destino. São compradas por pessoas que têm uma certa pressa de ter uma empresa no exterior — para fechar acordos ou receber pagamentos com clientes estrangeiros, por exemplo —, pois são constituídas num prazo mínimo, em até 48 horas. Mas também são alvo de quem precisa dar uma cara de antiguidade ao seu negócio, já que algumas estão abertas há anos. Era o caso da Abigail, que permaneceu por três anos na prateleira. Foi aberta em 07 de outubro de 1996 em outro paraíso fiscal, na ilha de São Cristóvão e Neves, já com esse nome de origem hebraico, que batizou mulheres especialmente nos anos 50 no Brasil.

A Abigail cruzou o caminho de Hang em 1999, quando os negócios da Havan começaram a ter problemas na Receita Federal. A intermediadora da negociação de compra da offshore foi a Trident Trust, companhia que tem braços em diversos paraísos fiscais e oferece soluções discretas para pessoas ou organizações que querem manter suas atividades ocultas, segundo fontes do mercado. É um serviço análogo ao prestado pela Mossack Fonseca, o escritório de advocacia panamenho que ficou famoso após ter seus documentos revelados pela imprensa mundial em 2016, no que ficou conhecido como Panamá Papers.

Na época em que Hang comprou a Abigail, ele era investigado por suspeita de sonegação de impostos na Havan. A rede crescia a olhos vistos no mercado brasileiro. Inaugurada em 1986 numa saleta de 45 metros quadrados, no pequeno município de Brusque, no sul do país, a Havan se transformou na rede que hoje contabiliza 163 lojas físicas, em 18 dos 27 estados brasileiros. Soma mais de 22.000 colaboradores.

Uma importação ilegal chamou a atenção do Ministério Público de Santa Catarina, que passou a monitorar o empresário desde o início dos anos 1990, conforme explica a procuradora da República Ela Wiecko. À época, Wiecko era subprocuradora do MP de Santa Catarina e integrava a equipe que investigava os movimentos de Hang. Havia indícios de que a empresa não emitia notas por todos os produtos que vendia em suas lojas. O lucro dessa operação — ou seja, o dinheiro não declarado ao fisco — poderia estar seguindo para o exterior, o que poderia explicar a origem do caixa da Abigail. No entanto, não é possível saber de onde surgiu o dinheiro investido. A reportagem procurou o empresário, que não respondeu a esses questionamentos.

Cerco da Justiça

Luciano Hang chegou a responder na Justiça pela acusação de ter simulado vendas da Havan, mentido em seus livros contábeis, falsificado notas, fraudado o fisco e criado contratos sociais “que não correspondiam à realidade”, de acordo com os autos. Após uma investigação iniciada em 1999, foi autuado em 117 milhões de reais pela Receita Federal e em 10 milhões de reais pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Porém, escapou por meio de um programa de refinanciamento que permitiu que pagasse a dívida de quase 130 milhões de reais na época, em suaves prestações.

Esse acordo se tornou parte do folclore jurídico, já que seriam necessários 115 anos para que o empresário quitasse sua dívida com o fisco. A ação penal acabou sendo considerada nula após a 1a Vara da Justiça Federal em Itajaí julgar a denúncia inepta em 2008 por falta de provas. Ao EL PAÍS, Wiecko afirma que “é possível afirmar que a Havan estava enviando dinheiro para o exterior” naquela época. Em outros processos também por evasão de impostos, Hang chegou a ser condenado à prisão. Após sucessivos recursos, no entanto, escapou porque o tempo do processo prescreveu na Justiça.

Embora o cerco se fechasse sobre os negócios do empresário, o MP nunca detectou a existência da Abigail no paraíso fiscal. Foi somente ao flertar com o mercado de capitais, quando protocolou a abertura de capital da Havan, que Hang tomou o cuidado de apresentar a Abigail para a Receita Federal. Ele se beneficiou da lei de repatriação de recursos, sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016. A lei ofereceu as condições mais favoráveis possíveis para quem tinha dinheiro não declarado no exterior e queria legalizá-lo: redução de taxas e multas, que até então poderiam chegar a até 150% do valor não declarado, para apenas 30% sobre o montante total.

Dados do Banco Central mostram que o programa de repatriação fez com que dobrasse o número de pessoas que declararam possuir dinheiro no exterior. Nessa operação, ingressaram no país cerca de 10 bilhões de dólares que viviam à sombra da legalidade. O saldo da Abigail fazia parte desse montante. Seus anos de ostracismo, porém, pesaram na avaliação do mercado diante das ambições de Hang de abrir o capital da rede fundada por ele.

Ainda que no papel a Havan apresente bons resultados — o balanço da empresa anuncia que faturou 10,5 bilhões de reais em 2020, com crescimento de 16,6% do lucro líquido — , isso não convenceu potenciais investidores, que analisaram os números da empresa na sua primeira tentativa de abertura de capital, em outubro do ano passado. Vários problemas foram apontados, a começar pela aparição repentina de Abigail.

A empresa levantou dúvidas. Por qual razão incorporar uma companhia que mantém recursos tão altos em um paraíso fiscal? Por que investir em outros negócios que não sua própria empresa? À reportagem, Hang afirmou que “a Havan realiza investimentos diversificados e os mesmos encontram-se abarcados pela legislação brasileira. Não havendo nenhum tipo de irregularidade nisso”. Por meio de sua assessoria de imprensa, o empresário também disse que “como a empresa promove importações, os investimentos em moeda estrangeira proporcionam uma cobertura natural para a empresa, trazendo proteção para o negócio, tendo em vista a oscilação do câmbio mundial”.

Em um momento em que as instituições buscam cumprir princípios cada vez mais rígidos de boa governança, essas dúvidas acenderam um alerta no mercado. O empresário percebeu o incômodo dos investidores, que não aceitaram avaliar a Havan em 100 bilhões de reais, como ele esperava. E acabou desistindo de levar adiante, ao menos por enquanto, a ideia de ter sua empresa cotada na bolsa. Também pesou contra Hang as ações na Justiça mencionadas no próprio plano de abertura de capital. O Ministério Público do Trabalho acusa o empresário de ter coagido seus funcionários a votarem em Jair Bolsonaro em 2018. Aos investidores, a Havan informou que, caso perca o processo, terá de pagar 25 milhões de reais.

Aos 3,8 milhões de seguidores nas redes sociais, porém, Hang faz marketing do empresário bem-sucedido. “Criar emprego, gerar desenvolvimento e trazer alegria para as pessoas, não tem preço”, diz em uma postagem. “O Brasil que queremos só depende de nós”, estampa a camiseta verde e amarela adotada como uniforme por Hang. “Ser empreendedor no Brasil é ser herói”, ele diz em outra publicação, que leva uma foto dele mesmo vestido de super-herói.

O heroísmo de Hang inclui a intimidade com o poder. O empresário propaga as pautas bolsonaristas, como a defesa da cloroquina, o voto impresso, e a falta de uso de máscara. É também alvo de investigação no Supremo Tribunal no inquérito sobre as fake news, para apurar a existência de uma rede de propagação de notícias falsas com o objetivo de realizar ataques virtuais e desestabilizar a democracia do país. Também foi parar na CPI da Pandemia por supostamente fazer do gabinete paralelo da Saúde, que orientou Bolsonaro no combate à pandemia, acusado de financiar o movimento contra as medidas adotadas por governadores e prefeitos para conter o avanço do vírus. Chegou a ser questionado pelo relator Renan Calheiros, sobre contas no exterior, o que ele admitiu, mas negou financiar sites de notícias falsas. “Temos contas no exterior, temos offshore, deve ser umas duas ou três, declaradas na Receita Federal, e auditadas”, disse o empresário durante a audiência.

Ele responde ainda no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a uma ação por ter realizado supostos atos de abuso de poder econômico, fraude e ilicitude em captação e gastos de campanha nas eleições de 2018. Hang é acusado de ter financiado disparos de mensagens de WhatsApp em massa para favorecer Bolsonaro. Também fez o chamado “impulsionamento” no Facebook: investiu usando uma ferramenta da própria rede social para que o alcance de sua mensagem pedindo votos para Bolsonaro fosse turbinado, prática considerada ilegal pelo TSE. Hang confirmou à CPI ter impulsionado conteúdo pró-Bolsonaro nas eleições, como mostrou reportagem do EL PAÍS na época. Disse, porém, que não sabia que aquilo era proibido. “Tiramos do ar e pagamos multa”, afirmou.

Na minuta de abertura de capital da Havan, o empresário é colocado como um dos fatores de risco de seu próprio negócio. Ali, é reconhecido que a empresa “poderá ter sua reputação impactada de forma adversa em caso de eventual condenação do senhor Luciano Hang”.

Na investigação do Brasil participaram: Marina Rossi e Regiane Oliveira (EL PAÍS); Anna Beatriz Anjos, Alice Maciel, Yolanda Pires, Raphaela Ribeiro, Ethel Rudnitzki e Natalia Viana (Agência Pública); Guilherme Amado e Lucas Marchesini (Metrópoles); José Roberto Toledo, Ana Clara Costa, Fernanda da Escóssia, Allan de Abreu (Piauí); Fernando Rodrigues, Mario Cesar Carvalho, Guilherme Waltenberg, Tiago Mali, Nicolas Iory, Marcelo Damato e Brunno Kono (Poder360).

El País

Brasileiros com ‘offshores’ nos ‘Pandora Papers’ devem à União 16 bilhões de reais em impostos




O empresário Eike Batista e o 'influencer' Jonathan Couto aparecem no Pandora Papers.

66 dos maiores devedores brasileiros de impostos, muitos investigados por esquemas de corrupção, mantêm milhões depositados fora do Brasil, em paraísos fiscais

Por Lucas Marchesini e Guilherme Amado (Metrópoles)

Brasília - Os documentos dos Pandora Papers mostram que 66 dos maiores devedores brasileiros de impostos, cujas dívidas somam 16,6 bilhões de reais, mantêm offshores com milhões depositados em paraísos fiscais. Dentre eles, estão desde o empresário Eike Batista e o inventário do ex-deputado José Janene, estrela do Mensalão e morto em 2010, até desconhecidos do público em geral, mas que figuraram em esquemas de corrupção sob investigação da Polícia Federal.

Offshores são empresas em paraísos fiscais, muito populares entre as pessoas mais ricas do mundo. Elas são criadas por motivos que vão desde economizar no pagamento de impostos —um drible fiscal suavemente chamado de eficiência tributária — até a proteção de ativos contra o risco político ou confiscos, como o que ocorreu no Brasil em 1990. Por estarem localizadas em países com pouca transparência e fiscalização, as offshores também são usadas por quem quer ocultar patrimônio ou por corruptos ou integrantes de organizações criminosas que desejam esconder dinheiro sujo. No Brasil, é permitido ter offshores, desde que declaradas à Receita Federal e, quando seus ativos ultrapassam 1 milhão de dólares, ao Banco Central.

Quando uma pessoa tem seu nome inscrito na Dívida Ativa, o Governo Federal pode pedir ao Judiciário a penhora de bens e a retenção de valores para tentar forçar o pagamento da dívida. Isso é mais difícil em caso de bens no exterior, mesmo quando os bens são declarados.

Para chegar à lista, a reportagem selecionou os nomes de todos os devedores com débitos somados superiores a 20 milhões de reais inscritos na Dívida Ativa da União. Depois disso, esses nomes foram buscados no banco de dados do Pandora Papers. Os resultados foram analisados para excluir casos de homônimos. Ao fazer o cruzamento, o Metrópoles considerou apenas as dívidas em nome da pessoa física e não as relacionadas a eventuais empresas detidas por essas pessoas. Isso porque muitas vezes as dívidas de pessoas jurídicas também são inscritas para as físicas.

Os nomes identificados foram contatados, seja por meio da assessoria de imprensa, seja por outros canais, para que informassem se declararam à Receita Federal e ao Banco Central a abertura da offshore e explicassem a razão de terem criado as empresas.

Leia a seguir alguns dos principais casos de devedores com offshores citados em documentos do Pandora Papers. E, abaixo, a lista completa dos 65 devedores.

Eike Batista

O empresário que chegou a ser a pessoa mais rica do Brasil tem hoje um débito de 3,8 bilhões de reais inscrito na Dívida Ativa. O nome dele está ligado a duas offshores diferentes, a Farcrest Investment e Green Caritas Trust.

A Farcrest foi criada em abril de 2006. Na época, ele ainda estava longe do pico na sua carreira, em 2012, quando foi listado como o sexto homem mais rico do mundo.

A Green Caritas Trust, criada em dezembro de 2011, tinha como objetivo declarado repassar 2,5 milhões de euros para a filantropia. Os recursos viriam de um outro trust no Panamá, o Blue Diamond Trust, que detinha participações em mais de oito empresas. Trusts são estruturas patrimoniais utilizadas na proteção de ativos. Na prática, ele funciona como um contrato entre um trustee, que administra o patrimônio, e o beneficiário, que é o dono dos bens. O documento de criação da offshore aponta a intenção de fazer repasses para a Unicef e outras caridades.

A declaração da finalidade do Green Caritas fez com que fosse mais suave a diligência de risco feita sobre Eike pela Asiaciti Trust, empresa que conduziu os trâmites burocráticos para criar a offshore. “Dado o baixo valor dessa estrutura e o fato de que é puramente para caridade não há necessidade de diligências adicionais”, diz o documento.

Procurado por meio de seu advogado, Eike Batista não respondeu até o fechamento desta reportagem. As transferências para caridade, portanto, não foram confirmadas.

Claudio Rossi Zampini

O empresário Cláudio Rossi Zampini possui negócios de ramos diversos em São Paulo, como a CRZ Telecomunicações e a Flamingo Táxi Aéreo. Zampini aparece diretamente ou indiretamente no quadro social de nove companhias. Ele também possui débitos somados de 1,3 bilhão de reais inscritos na Dívida Ativa da União, referentes a inscrições entre 2014 e 2019.

Zampini aparece como o dono de três offshores criadas entre 2008 e 2011 nas Ilhas Virgens Britânicas. Não há muitas informações sobre a mais antiga, a Lizza Properties, estabelecida em março de 2008, nem sobre a mais recente, Encinita Holdings, criada em 2011.

A segunda é a Flamingo Jet Air, que aparece nos documentos do Pandora Papers como propriedade da Flamingo Táxi Aéreo, uma das empresas de Zampini em São Paulo. O empresário aparece como diretor da offshore. Essa companhia foi estabelecida em 2010. Em 2017 ele informou que a ela detinha 650.000 dólares em um portfólio de investimentos mantido no banco Merril Lynch Miami, nos Estados Unidos.

No mesmo formulário em que ele informa os valores, Zampini afirma ser o dono do Hotel Braston, em São Paulo. Entretanto, no quadro social da empresa não aparece o nome de Claudio e sim o de Andrea Regina de Souza Freiberg e a Blue Cloud Participações. A Blue Cloud por sua vez é de propriedade de uma offshore, a Blue Cloud Enterprises Inc., com sede nas Ilhas Virgens Britânicas.

As relações entre a Blue Cloud e Zampini são abordadas em um processo de 2011 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Nele, é apontada que a criação da Blue Cloud seria um “subterfúgio para para dissimular a gerência de fato exercida por Claudio Rossi Zampini”. Por conta desse entendimento, o hotel foi incluído no polo passivo de ação sobre a dívida de Claudio. O documento agora revelado, em que o próprio afirma ser o dono do hotel, corrobora o entendimento da Justiça.

Questionado sobre a razão para manter as offshores e por que as ocultou, Claudio não respondeu até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.

Jonathan Couto de Souza

Jonathan Couto de Souza é mais conhecido por sua carreira como cantor e influenciador digital do que por sua atividade empresarial na Clean Indústria e Comércio de Cigarros, na qual possui 21% do capital. Ele ficou conhecido por conta de seu casamento, encerrado neste ano, com a influenciadora Sarah Pôncio, casal que é figura frequente nos sites de sobre celebridades.

Souza tem uma dívida de 1,2 bilhão de reais inscrita na Dívida Ativa da União e o acervo possui uma offshore, a Ranfed Investments. Criada em 2016, a empresa não consta na declaração de bens feita por Jonathan em 2020, quando se candidatou para o cargo de vereador no Rio de Janeiro. Procurado por meio de sua produtora, ele não respondeu. O espaço segue aberto para manifestações.

Gustavo Amaral Rossi

Gustavo Amaral Rossi é empresário do setor de postos e tem 543 milhões de reais inscritos na Dívida Ativa da União. Ele foi investigado na operação Rosa dos Ventos, da Polícia Federal, cujo inquérito foi instaurado no início de 2016. A investigação apurava um suposto esquema do pai dele, Miceno Rossi Neto, para sonegar impostos e lavar dinheiro em vendas de combustível, além de crimes contra a organização do trabalho, evasão de divisas, e fraudes envolvendo pedras preciosas e títulos da dívida pública. O esquema envolveria o uso de empresas laranjas para evitar o pagamento de impostos e, assim, aumentar os lucros.

Segundo documentos do Pandora Papers, sua offshore, a Infinity Inc, com sede nas Ilhas Seychelles, foi aberta em dezembro de 2018, quando ele já era investigado pela PF. No processo de diligência conduzido antes da abertura da offshore, a SFM, empresa de Dubais especializada em criar offshores, descobriu que ele tinha sido alvo de uma investigação de corrupção da Polícia Federal, o que não foi um impedimento para que ele conseguisse abrir a empresa.

Procurado por meio da sua advogada, Amaral Rossi não respondeu ao Metrópoles. O espaço segue aberto para manifestações.

Alberto Davi Matone

Um dos usos comuns para offshores é para a compra de de imóveis. Foi o que fez Alberto Davi Matone, fundador do Banco Matone, vendido para a J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Baptista em 2011 e mais tarde transformado no banco Original. Com dívidas com a União que totalizam 92,8 milhões de reais, Matone criou em janeiro de 2013 a Northbush Associates, cujo único ativo é uma mansão em Coral Gables, cidade na Flórida, comprada por 1,8 milhão de dólares em junho de 2014.

O registro de imóveis do condado de Miami-Dade, onde fica Coral Gables, não aponta nenhuma transação após essa data, o que indica que ela ainda é da propriedade de Matone. Além disso, a Northbush Associates aparece como proprietária da casa.

O lote tem mais de 2.000 metros quadrados, sendo 516 deles de área construída. A casa de dois andares, cinco quartos e cinco banheiros é uma relíquia cuja construção começou há quase 100 anos, em 1926. Matone não respondeu aos questionamentos do Metrópoles. O espaço segue aberto para manifestações.

Inventário de José Janene

O ex-deputado José Janene, morto em 2010, aparece como o representante de duas offshores sediadas no Panamá, a Corliss Enterprises e a Kleman Investments. Ambas foram criadas em junho de 2003 quando ele iniciava o terceiro mandato na Câmara dos Deputados.

Janene ficou conhecido por ser um dos pivôs do escândalo do Mensalão, o que quase levou à cassação do seu mandato. Ele acabou absolvido pelo plenário da Câmara em uma votação secreta no fim de 2006.

Caso estivessem declaradas no Brasil, as offshores precisariam estar declaradas no inventário de Janene. A reportagem tentou contato com o representante legal da viúva de Janene para esclarecer a questão, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestações.

Mario Kenji Erie

O empresário Mario Kenji Erie, dono das lojas de roupas Makenji —muito forte na Região Sul, com 19 unidades espalhadas por Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina— foi uma das figuras centrais de uma investigação de corrupção da Polícia Federal, a operação Alcatraz, de 2019. A investigação apura suspeitas de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude em procedimentos licitatórios na compra de equipamentos eletrônicos pelo governo de Santa Catarina.

Há duas offshores de Mario no banco de dados do Pandora Papers: a Flufnstuf Services e a MRKG Enterprises. A primeira foi criada em 2016 e, segundo declarações prestada, teria ativos de somente 10.000 dólares. O objetivo seria manter investimentos financeiros. Já a MRKG foi criada no ano seguinte, com o mesmo propósito. Não há uma estimativa dos valores transferidos para a companhia, mas o documento aponta que os recursos vieram de rendimentos obtidos com seu trabalho e de aplicações financeiras.

Kenji Erie não respondeu aos questionamentos do Metrópoles. O espaço segue aberto para manifestações.

Corina de Almeida Leite

Dona da Cia Agropecuária Monte Alegre, especializada em confinamento de gado e com diversos prêmios internacionais, e sócia da Adecoagro, empresa de Luxemburgo que é uma das maiores em atuação no agronegócio do Centro-Oeste, a empresária Corina de Almeida Leite tem 27,4 milhões de reais inscritos na Dívida Ativa da União. Corina mantém uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas desde 2006, a Etiel Societé Anonyme, que, segundo um documento do Pandora Papers, detinha 500.000 dólares em ações da Adecoagro em 2016.

De acordo com Corina, a offshore está “devidamente declarada na Receita Federal e no Banco Central do Brasil”. A dívida, por sua vez, “está sendo discutida na Justiça, onde foi julgada pelo Tribunal Regional Federal da 1a Região e anulada, por ter sido inscrita indevidamente, referente a um financiamento que já tinha sido pago”. Segundo ela, nada se refere à offshore. Em consulta feita em 22 de setembro deste ano, o nome dela continuava na Dívida Ativa.

Flourish logoA Flourish data visualization

Na investigação do Brasil participaram: Anna Beatriz Anjos, Alice Maciel, Yolanda Pires, Raphaela Ribeiro, Ethel Rudnitzki e Natalia Viana (Agência Pública); Guilherme Amado e Lucas Marchesini (Metrópoles), José Roberto Toledo, Ana Clara Costa, Fernanda da Escóssia, Allan de Abreu (Piauí); Fernando Rodrigues, Mario Cesar Carvalho, Guilherme Waltenberg, Tiago Mali, Nicolas Iory, Marcelo Damato e Brunno Kono (Poder360) e Marina Rossi, Regiane Oliveira (EL PAÍS).

*

Devedores da dívida ativa com nomes ligados a offshores 

Nome, Nome da offshore, Valor inscrito na dívida ativa, Resposta

FERNANDA FAGUNDES DAHRUJ
Beedazzler Trading
R$ 31.193.254,91
No tocante à companhia estrangeira, trata-se de assunto de caráter profissional, logo, nada posso comentar na qualidade de advogada, em acatamento à regra de sigilo

EUGENIO EMILIO STAUB
Solay Properties
R$ 20.338.971,60
Todo o meu patrimônio está devidamente declarado perante às autoridades competentes, e todas as dívidas tributárias estão sob discussão judicial ou parcelamento.

FERNANDO ABS DA CRUZ SOUZA PINTO
Friendship One
R$ 163.433.420,95
Não respondeu às perguntas do Metrópoles

LUIZ ARTHUR ARDUIN
Melhado Finance
R$ 426.325.532,74
Não respondeu às perguntas do Metrópoles

FABIO ZANIRATO BORELLI
Interwine Ventures
R$ 21.461.770,88
Não respondeu às perguntas do Metrópoles

EIKE FUHRKEN BATISTA
Farcrest Investment
R$ 3.794.433.322,81
Não respondeu às perguntas do Metrópoles

MAURO VINOCUR
LBTV Investment
R$ 1.544.368.529,76
Não respondeu às perguntas do Metrópoles

CLAUDIO ROSSI ZAMPINI
Flamingo Jet Air
R$ 1.291.368.844,08
Não respondeu às perguntas do Metrópoles

CHRISTIAN ARGOUD MALAVAZZI
Beringolg Invest
R$ 969.067.538,11
Não respondeu às perguntas do Metrópoles

MARCIO TIDEMANN DUARTE
Sunflowers Operations
R$ 824.988.807,92
Não respondeu às perguntas do Metrópoles

El País

Em destaque

Sem Bolsonaro na disputa, Tarcísio é o mais cotado para enfrentar Lula

Publicado em 11 de janeiro de 2025 por Tribuna da Internet Facebook Twitter WhatsApp Email Por enquanto, Tarcísio ainda nem fala em candidat...

Mais visitadas