Mariana SchreiberBBC News Brasil
Demitido do governo em junho, o ex-ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz hoje quer distância do presidente Jair Bolsonaro. Para ele, Bolsonaro deixou o PSL para criar uma nova sigla, a Aliança pelo Brasil, não por divergência ideológica, mas devido a disputas para controlar dinheiro dos fundos partidário e eleitoral.
“Eu não entraria em um partido hoje do presidente Bolsonaro de jeito nenhum. Ele tem valores que não coincidem com os meus; ele tem atitudes que eu acho que não têm cabimento”, disse, em entrevista à BBC News Brasil.
O senhor tem viajado muito desde que deixou o governo. Já esteve em Nova York, na Coreia do Sul, acaba de voltar do Congo, e em janeiro estará nos Estados Unidos novamente. Que trabalhos tem realizado nesses países? Eu tenho participado de alguns eventos da Organização das Nações Unidas (ONU). Na Coreia do Sul, por exemplo, foi um curso para civis e militares para exercer as funções mais altas nas operações de paz da ONU. Em Nova York, foi um treinamento específico para pessoas que já estão em função, como por exemplo nas Colinas de Golã, em Abyei (região disputada por Sudão e Sudão do Sul), no Western Sahara (Saara Ocidental, território entre Marrocos, Mauritânia e Argélia). E agora fui liderar uma equipe de cinco pessoas, contando comigo, para fazer uma avaliação da violência ali na região leste do Congo, na fronteira com Uganda. Tem vários outros trabalhos também, dentro do Brasil (tenho feito) muitas viagens. Já era uma rotina que eu tinha interrompido para trabalhar no governo por um tempo.
Nas viagens ao exterior, as pessoas perguntam sua avaliação sobre o governo? Qual a impressão que elas têm da gestão Bolsonaro?
As pessoas com as quais eu tenho contato, que se interessam mais por política internacional e acompanham o Brasil, elas realmente ficaram um pouco surpresas com algumas posições do governo, mas veem a eleição do presidente como uma eleição absolutamente normal. Algumas posições é que chamam atenção.
As pessoas com as quais eu tenho contato, que se interessam mais por política internacional e acompanham o Brasil, elas realmente ficaram um pouco surpresas com algumas posições do governo, mas veem a eleição do presidente como uma eleição absolutamente normal. Algumas posições é que chamam atenção.
Por exemplo? – A política externa do Brasil chama muita atenção. Alguns posicionamentos como foi o caso da eleição na Argentina, algumas ideias como trocar a embaixada nossa (em Israel) de Tel Aviv para Jerusalém, o nosso voto na ONU agora em relação ao embargo de Cuba (pela primeira vez o Brasil votou contra a resolução que condena o embargo americano a Cuba; apenas Israel também ficou ao lado dos EUA).
No caso da Argentina, o senhor se refere ao apoio do presidente Bolsonaro à reeleição do Mauricio Macri, que acabou derrotado pelo Alberto Fernández?
Não é bem o apoio à reeleição do Macri, uma coisa até que já se sabia que seria o posicionamento dele, mas em dizer que a Argentina iria fazer uma péssima opção (com a eleição de Fernández), quando é um problema absolutamente argentino.
Não é bem o apoio à reeleição do Macri, uma coisa até que já se sabia que seria o posicionamento dele, mas em dizer que a Argentina iria fazer uma péssima opção (com a eleição de Fernández), quando é um problema absolutamente argentino.
Em mensagem de Natal transmitida em cadeia nacional de televisão, o presidente Bolsonaro afirma que seu governo acabou com a ideologia na política externa. Isso aconteceu?
Acho que não, acho que é completamente ideológica. Desde o discurso de posse do ministro das Relações Exteriores (Ernesto Araújo), quase transformando a Bíblia num plano de governo, e outras como a parte de mudar nossa embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, a maneira como se aproximou dos Estados Unidos. (Quero dizer,) Não se aproximou, porque nós somos próximos dos Estados Unidos, mas a maneira como mostrou essa prioridade sem nenhum cuidado.
Acho que não, acho que é completamente ideológica. Desde o discurso de posse do ministro das Relações Exteriores (Ernesto Araújo), quase transformando a Bíblia num plano de governo, e outras como a parte de mudar nossa embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, a maneira como se aproximou dos Estados Unidos. (Quero dizer,) Não se aproximou, porque nós somos próximos dos Estados Unidos, mas a maneira como mostrou essa prioridade sem nenhum cuidado.
Um alinhamento?Um alinhamento automático. Isso é absolutamente ideológico. Depois, houve um retrocesso (no viés ideológico) do próprio discurso de campanha quando (Bolsonaro) dizia que a China ia comprar o Brasil, que isso não ia ser permitido etc., (e em outubro) acabou viajando para a China. Então você pode considerar até que deu para trás ideologicamente por uma questão de necessidade. O restante foi absolutamente ideológico.
O senhor considera que isso está afetando a imagem do Brasil e a forma como os outros países se relacionam conosco?Sem dúvida nenhuma. Você vê que o presidente Bolsonaro não pôde ir à Nova York receber um prêmio (da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos em maio). Nova York é um lugar internacional que todo mundo vai. O presidente do Brasil não pôde ir por que? Por causa de condutas ideológicas que prejudicaram a imagem dele.
Nessa mensagem de Natal, o presidente começa agradecendo “em especial a grande parte da população brasileira que me deu a missão de ser presidente dessa nação”. Chama atenção ele se direcionar especialmente ao eleitorado dele. Na sua avaliação, o presidente está governando para todos os brasileiros ou está muito focado em sua base eleitoral?
Já passou tanto tempo, um ano depois, não sei se é o caso mais (de agradecer aos eleitores). É a mesma coisa que eu dar parabéns pra você pelo aniversário do ano passado. Eu não vi o discurso, mas o presidente tem que ser presidente para todo mundo. Estamos tendo um problema no Brasil que é o perdedor não reconhecer que perdeu e o vencedor parece que não vê que tem que governar para todo mundo. Logo após a eleição é normal você agradecer seus eleitores. Um ano depois não sei nem se é conveniente. Agora, também tem o lado oposto. Nós estamos vivendo essa polarização, tem dois extremos, tem o extremo ideológico atual e o extremo ideológico dos governos anteriores, basicamente de esquerda.
O presidente demitiu ministros próximos, como o senhor e o Gustavo Bebianno. Além disso, o partido que o elegeu, o PSL, hoje está totalmente fragmentado no Congresso. Na sua leitura, por que o presidente briga com seus próprios aliados? Falta capacidade de dialogar e lidar com as diferenças nesse governo?O que eu vejo é que o partido que elegeu o presidente saiu de 2 para 55 deputados (com a eleição de 2018), sem estrutura, sem liderança firmada, sem ter uma tradição de partido. Então, esse é um primeiro problema, era possível uma fragmentação caso não fosse feito um trabalho de liderança que eu acho que faltou. Outra coisa é que essa fragmentação não é por uma questão ideológica. Não vejo ideologia nessa fragmentação. Eu vejo uma disputa de liderança principalmente por controle de recursos, o fundo partidário é muito forte no Brasil e no ano que vem o fundo eleitoral é outro valor grande (serão R$ 2 bilhões, dos quais cerca de R$ 185 milhões devem ir para o PSL). Então, eu vejo essa divisão, essa briga toda, mais vinculada a controle de recursos de fundo partidário, de fundo eleitoral, do que de discordância em filosofia. Não tem discordância em filosofia, tem briga política por controle (de recursos), por poder, só isso.
Em entrevista recente ao jornalista Pedro Bial, o senhor descartou totalmente participar da criação do Aliança pelo Brasil.
Tem alguns partidos que eu não entraria de jeito nenhum, esse é um deles.
Tem alguns partidos que eu não entraria de jeito nenhum, esse é um deles.
Qual é a sua discordância tão forte, por que o senhor não se vê nesse partido?Em primeiro lugar, eu não entraria em um partido hoje do presidente Bolsonaro de jeito nenhum. Até por uma questão de conduta, não é pela filosofia do partido, não. Ele tem valores que não coincidem com os meus, ele tem atitudes que eu acho que não têm cabimento. Então eu não entraria de jeito nenhum para esse partido, assim como não entraria para o PT, para o PSOL, para outros de esquerda.
Quais valores o senhor vê de tão diferente entre o senhor e o presidente?Em primeiro lugar, a maneira como se conduz as coisas. A maneira de se tratar dos problemas, a maneira de você ser honesto nos seus propósitos e como você lida com as pessoas. A influência familiar, por exemplo, eu acho que não é boa, a sociedade brasileira não aceita. Ela votou no presidente Bolsonaro, ela não votou na família Bolsonaro. Na sociedade brasileira, a gente não gosta nem que parente se meta na vida particular da gente, muito menos num ambiente nacional. O presidente tem uma responsabilidade muito grande e todas essas interferências acabam trazendo desgaste para ele mesmo, eu acredito. É uma coisa que os assessores precisam alertar muitas vezes. São momentos até um pouco mais… não constrangedores, mas mais delicados para os assessores, mas eles têm que assessorar, né?
O senhor tentou alertar o presidente sobre isso?Não só isso, eu acho que no nosso sistema ali você tem dentro do Palácio quatro ministros: Segurança Institucional (general Augusto Heleno), a Secretaria-Geral (Jorge Antônio Oliveira), a Casa Civil (Onyx Lorenzoni) e a Secretaria de Governo (general Luiz Eduardo Ramos). Esses quatro (cujos gabinetes ficam) ali dentro do Planalto, naturalmente são mais próximos, os outros já são mais espalhados na Esplanada, o contato físico é até um pouco menor. Então, quando percebe alguma coisa tem que exercer sua função, dizer com honestidade. Com educação, mas com honestidade. E claro que têm coisas que não são do inteiro agrado da autoridade, mas o meu caso, por exemplo, eu era um assessor que não dependia daquilo como emprego. E por minha característica pessoal também não dependia daquilo emocionalmente, é uma coisa que não me faz falta nenhuma. Pelo contrário, eu deixei de fazer coisas que eu gostava e até mais rendosa (mais bem remunerada) para tentar ajudar dentro de um projeto porque eu acreditava que o presidente Bolsonaro foi a melhor opção na eleição, não tenho dúvida nenhuma. Naquele momento, ele era a melhor opção e, naquilo que ele falava, eu fui lá para tentar ajudar. Agora, é normal o presidente também (trocar ministros). Eu acho que não existe nenhum governo no mundo que começa e acaba com os mesmos ministros. O que não é normal é o que está acontecendo aqui quando você vê a interferência (dos filhos), familiares se metendo no Twitter, dando opinião sobre conduta de ministro. E coisa falsa sendo entregue para o presidente, mas o presidente não quer dizer quem é que entregou a falsidade para ele. Então, esse tipo de atitude são coisas que saem da normalidade.
O senhor está se referindo a um diálogo forjado envolvendo o senhor que foi dado ao presidente?Lógico, isso aí depõe contra meus 40 anos de vida militar, onde você cultua exatamente a honestidade. Então, uns criminosos vagabundos de baixo nível fazem aquilo, entregam para o presidente, incrivelmente ele acredita naquilo e incrivelmente ele até hoje se nega a dizer quem levou aquilo para ele. Então, são coisas que não se pode esperar de uma autoridade que tem essa responsabilidade. [Nota da redação: em maio, circulou nas redes sociais a imagem uma suposta conversa por WhatsApp em que Santos Cruz teria criticado Jair Bolsonaro e seu filho Carlos no dia 6 daquele mês; o ex-ministro diz que a imagem é falsa e que estava em uma viagem de avião no horário da suposta conversa.]
Outro militar que deixou o governo foi o general Maynard Santa Rosa que se demitiu em novembro da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Em entrevista ao UOL, ele disse que o presidente Bolsonaro se cercou de “um grupo de garotos que têm entre 25 e 32 anos que fazem uma espécie de cordão magnético em torno e filtram o acesso”. O presidente se isolou num entorno de jovens mais radicais no Planalto?Em primeiro lugar, eu acho que ele tem todo o direito de escolher quem ele quer. No meu caso, por exemplo, que eu saia do governo está absolutamente dentro de uma prerrogativa do presidente. Não tem nada de anormal. Eu conheço muita gente de 25, 30 anos que é extremamente competente. Eu acho que quando o general Santa Rosa disse isso ele estava se referindo a um pequeno (grupo), alguns que trabalham diretamente dentro do gabinete do presidente que não tem experiência nenhuma para ser um assessor presidencial. Acredito que ele se referiu a essas pessoas. Eu não tenho restrição de idade. Se você olhar aí para a relação de pessoas que foram presas na Lava Jato você não vai encontrar muita gente jovem. Então, idade não tem muito a ver não, o que tem a ver é a experiência e a função da pessoa.
Um desses jovens assessores é o Felipe Martins, que atua principalmente na política externa. Como avalia sua atuação? Eu acho que não tem a mínima condição de ser um assessor de nível presidencial em assuntos internacionais. Isso é o que eu acho, agora, o presidente não acha. Você tem o Itamaraty com uma grande quantidade de pessoas com experiência, mas o presidente tem o direito de escolher quem ele quiser. É uma questão que não envolve nenhum erro. É uma opção do presidente e ele que carregue o peso dessa escolha.
Nessa entrevista, o Santa Rosa também falou sobre sua saída do governo. Segundo ele, isso teve relação com o controle das verbas da Secretaria de Comunicação, pois o Carlos Bolsonaro queria direcioná-las para algum grupo e o senhor teria se oposto. O senhor confirma que seria esse o motivo?Olha, se (Carlos Bolsonaro) queria ou não, eu não sei, porque comigo isso não iria acontecer, sem dúvida. Jamais o Carlos Bolsonaro falou comigo sobre isso, também não adiantaria falar porque se fosse isso eu não iria concordar, porque, em primeiro lugar, ele não tem função nenhuma no governo. Segundo, se ele tem capacidade para gerenciar isso daí, eu digo: põe a chuteira, a camiseta, aquece, entra em campo e vai trabalhar, né? Ficar na posição confortável de crítica também não é o caso. Mas jamais teve esse tipo de proposta para mim. Eu não aceitaria isso. Acho que comunicação de governo não pode ser usada como instrumento de poder, não pode ser usada como instrumento de ideologia. Se não a gente vai cair no erro dos governos anteriores, vamos voltar lá para o PT. A comunicação de governo tem que ser esclarecedora e não pode ser uma área que você utiliza para a manutenção do poder.
Por exemplo, direcionando recursos para pessoas aliadas, blogueiros?Não pode, se não nós vamos voltar para o mesmo problema anterior.
Fala-se na existência de um gabinete de ódio que operaria dentro do Palácio do Planalto, orquestrando ataques a supostos adversários. O senhor se sente vítima disso?Olha, pode ter sido. Isso é um caso policial, isso não é um caso de filosofia, ou de método de governo. Isso é simplesmente um caso policial, é pegar os casos produzidos de falsidade de informação, de injúria, de difamação, tratar disso daí de maneira policial. É fácil você chegar nos autores através de tecnologia existente e processar na forma da lei essas pessoas. Se elas estiverem dentro do Palácio, que sejam processadas, não interessa quem, não tem ninguém acima da lei, nem que trabalhe dentro de um palácio em todas as funções. Então, se existe esse tal gabinete de ódio, acho que existe essa possibilidade de você identificar tecnicamente e mover ação judicial.
Em relação ao que o presidente prometeu fazer na campanha eleitoral e frente ao que aconteceu neste primeiro ano, qual o saldo que o senhor tira do governo?Em termos de resultado, é um governo que acertou em algumas coisas, errou em outras, como é normal em qualquer governo, nada de excepcional. A parte econômica, que sempre foi um problema bastante crítico, teve um crescimento do PIB no mesmo patamar do governo (de Michel) Temer, que tinha 5% de aprovação (contra 30% de Bolsonaro, segundo o Datafolha). Então, não vejo problema nenhum. Em relação à campanha, houve algumas mudanças. A primeira delas: a reeleição. Ele dizia que não iria continuar com a reeleição etc, com quatro meses estava aberta a campanha de reeleição. Outra coisa: o combate à corrupção, que foi o carro-chefe, digamos assim, junto com o antipetismo, o combate à corrupção não ficou tão caracterizado e acho até que em alguns pontos se afastou, se afastou disso aí. E isso aí eu acho que trouxe desilusão para muita gente. A parte política, o destaque acho que ficou para o Congresso que trabalhou. O Congresso foi a grande estrela da política nesse ano.
Ofuscou o papel do Bolsonaro?Não, não ofuscou o presidente porque o presidente se manteve na mídia, mas por outras razões. O presidente se manteve na mídia até por característica de comportamento, não é bem por desempenho político. Então, eu vejo um ano que chama atenção o grupo ideológico, a seita ideológica foi muito ativa e monopolizou muito a atenção da mídia. Para mídia, isso é bom, brigas e acusações e xingamentos e coisa de baixo nível. Então, no total, foi um governo com algumas coisas boas outras coisas não, mas acho que tem alguma expectativa de algumas coisas boas à frente.
Por exemplo, o que o senhor está esperando de positivo?A parte econômica normalmente é uma área que demora a dar resultado. Vamos ver se a área econômica, mais um ano, mais seis meses, oito meses, ela começa dar frutos. Você tem áreas muito boas como é o caso da agricultura com a ministra Tereza Cristina. A parte da infraestrutura é uma parte técnica, né? O Brasil é tão ineficiente em infraestrutura que você pode fechar os olhos e colocar o dedo no mapa e fazer alguma coisa. E o ministro (Tarcísio de Freitas) é bom. A área econômica é boa, eu tenho algumas restrições como cidadão, mas a área é boa. A restrição é que tem que prestar atenção pra não ficar só na matemática financeira, tem que chegar nos mais desfavorecidos.
A última pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que a avaliação positiva do presidente é de 30% na população de forma geral e cai para 22% entre os mais pobres. A que o senhor atribui essa insatisfação maior dos mais pobres? Será que tem a ver com a área econômica?Olha, as pessoas mais pobres foram por longo tempo manipuladas pelo governo com diversos benefícios. Benefícios que você tem que dar para os mais desfavorecidos, não tem saída. Não pode deixar sofrendo, tem que ajudar. Mas você não pode fazer disso daí uma exploração política, se não se torna uma coisa desumana. Eu dou sempre como exemplo o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) na beira das estradas por 15, 20 anos, sem ninguém resolver o problema. Isso aí caracteriza que aquela massa ali tem que continuar daquela maneira. É o caso (da pobreza) do Nordeste: você tem que dar o benefício, mas também tem que resolver o problema. Então, é um público muito sensível, porque tem muita necessidade. A queda (da aprovação entre os mais pobres) que você está dizendo do governo (é) porque o governo está com muitas medidas econômicas, até bastante eufóricas, como ‘ah, a bolsa de valores chegou a 116 mil pontos’, mas o que que isso aí significa lá para o elemento que está necessitado? Não significa nada por enquanto, pode ser (que signifique) na frente. ‘Ah, mas agora a taxa Selic está 4,5%’. Sim, esse juro é bom pra quem? É para o mais pobre? Pode ser para o classe média e baixa que está comprando casa etc, mas para aquele bem necessitado não, isso aí não chegou nele. Então, você tem várias razões para a pessoa necessitada, os mais pobres, terem sempre restrições. O juro caiu para 4,5%, mas a pessoa mais pobre que usa o cartão de crédito como empréstimo paga 300%, é uma coisa absurda. Eu não pago juros porque normalmente eu tenho dinheiro no final do mês para pagar tudo que eu usei no cartão de crédito, mas aquele que usa como empréstimo está num nível muito forte de exploração.
Falta um pouco de sensibilidade para o atual governo ao lidar com esse grupo? Por exemplo, eles anunciaram um programa para combater o desemprego em que os recursos vêm da taxação do seguro desemprego.Você tem que ter muito cuidado, é uma massa muito sensível. Por exemplo, até para as pessoas que não são as mais necessitadas, mas tem algum limite pequeno no cheque especial, (tem que) pagar um percentual para o banco mesmo que não utilize aquele limite. São coisas assim… A área bancária no Brasil é uma das áreas mais bem remuneradas e favorecidas. São poucos bancos que dominam tudo, que tem bilhões de lucros. Então, vejo (a Economia) como uma área muito boa mas a gente não pode nunca esquecer que não é só grandes resultados de matemática financeira, isso aí tem que chegar no pessoal mais pobre.
No caso da corrupção, o senhor me pareceu que se frustrou ou viu uma incoerência na atuação do governo em relação ao discurso de campanha. O que o senhor vê de errado nesse campo nesse governoO combate à corrupção, da maneira que estava estruturada no momento da eleição, você tinha operação Lava Jato, na realidade a Polícia Federal, Ministério Público trabalhando nisso, você tinha o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, hoje renomeado Unidade de Inteligência Financeira). São os instrumentos (com) que você combate corrupção, controlando lavagem de dinheiro. Esses mecanismos sofreram um pouco de desgaste. O Coaf, quando foi para o Banco Central (por escolha do governo Bolsonaro), muitos percebem que ele trocou de nome e reduziu atividade. A própria operação Lava Jato passou, passa por diversos desgastes também. A própria Polícia Federal, teve um período ali de muita pressão sobre o diretor para ser trocado ou não (em setembro, o presidente disse que a PF precisava de uma “arejada” e que Moro podia trocar o diretor Maurício Valeixo, o que não se concretizou). Essas coisas atrapalham. Agora, foi criada uma nova figura de juiz de garantia, tem que ver como é que vai ser. A prisão em segundo instância (foi proibida pelo STF), tudo isso, todo esse conjunto de coisas trouxe um pouco de sensação de que o combate à corrupção está se tornando cada dia mais difícil.