“Sapateiro, não vá além das sandálias” — quando o desconhecimento se transforma em aberração legislativa
A expressão latina “sutor, ne ultra crepidam”, que em bom português significa “sapateiro, não vá além das sandálias”, é um provérbio milenar que carrega uma lição sempre atual: não se deve opinar, legislar ou interferir em assuntos que estão além da própria competência ou conhecimento. E essa máxima cai como uma luva diante do recente episódio envolvendo a Câmara de Vereadores de Jeremoabo.
Tudo começou quando a Deputada Estadual Ludmilla Fiscina, com acerto e senso histórico, apresentou uma moção alusiva à verdadeira data da emancipação política de Jeremoabo, fato que deveria servir de lição de civismo e reconhecimento à história local. Entretanto, ao recordar essa moção, impossível não relembrar o episódio lamentável — e quase trágico do ponto de vista jurídico e institucional — protagonizado pelos vereadores de Jeremoabo, que, movidos pela desinformação e pelo despreparo, tentaram revogar uma lei estadual, contrariando a Constituição Federal, a Constituição Estadual, e até a própria Lei Orgânica do Município.
O que se viu foi uma verdadeira aberração legislativa — um espetáculo de ignorância institucional que só não se concretizou graças à reação firme da população jeremoabense, amplificada pelas redes sociais, pela imprensa independente deste blog, pela lucidez do vereador Zé Miúdo e, sobretudo, pela postura sensata e responsável do prefeito Tista de Deda, que orientou pela busca de pesquisas históricas e jurídicas antes de qualquer tomada de decisão.
Emancipação política: entre o mito e a história documentada
Os registros históricos são claros e incontestáveis. A emancipação política de Jeremoabo ocorreu em 6 de julho de 1925, data em que a então Vila de Geremoabo foi elevada à categoria de cidade pela Lei Estadual nº 1.775. Antes disso, em 25 de outubro de 1831, o povoado havia sido elevado apenas à categoria de vila, o que não representa emancipação municipal, mas apenas uma mudança administrativa dentro de um município preexistente.
E aqui está o ponto central que muitos ignoram — ou fingem ignorar: a elevação de uma vila à condição de cidade não é o mesmo que a emancipação política.
Segundo estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a emancipação municipal está relacionada à criação de um novo município com autonomia política, administrativa e financeira, enquanto a elevação de uma vila a cidade representa apenas uma etapa de desenvolvimento urbano dentro da estrutura já existente.
Ou seja: uma vila elevada não é um município emancipado — são processos jurídicos e históricos distintos.
O que diz a Lei: fatos contra fantasias
Agora, pergunta-se — e a pergunta não cala:
Qual o poder, respaldo legal e competência detém uma Câmara de Vereadores municipal para revogar uma Lei Estadual?
O papel da razão e o valor da prudência
Conclusão: o saber protege, o desconhecimento compromete
A história de Jeremoabo não pode ser reescrita ao sabor de caprichos políticos ou de interpretações equivocadas. Os fatos estão documentados, e as leis são claras.
“Sapateiro, não vá além das sandálias.”Em Jeremoabo, isso deveria ser mais do que uma lição: deveria ser uma norma de conduta pública.
José Montalvão - Funcionário Federal Aposentado, Graduado e Pós-Graduado em Gestão Pública, proprietário do Blog DedeMontalvão, matrícula ABI C-002025
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