Gilberto Abelha/Gazeta do Povo
Três pessoas morreram na queda de um bimotor após a decolagem em Londrina, em janeiro deste ano: 55 dos 901 incidentes ocorreram no ParanáNos últimos dez anos, foram 901 ocorrências. Recomendações de segurança feitas pelo órgão que investiga acidentes não são respeitadas
Publicado em 06/07/2011 | Gabriel Azevedo
Na última década, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) – órgão militar vinculado à Força Aérea Brasileira (FAB) – registrou uma ocorrência envolvendo aeronaves a cada quatro dias. Ao todo foram 901 casos que vão desde pequenas derrapadas na pista até grandes catástrofes, como a do voo 3054, da TAM, que se acidentou no Aeroporto de Congonhas (SP), em 2007, matando 199 pessoas a bordo e em solo, no pior desastre aéreo da história do Brasil.
No mesmo período, o Cenipa emitiu 4.749 recomendações de segurança operacional com objetivo de prevenir novos acidentes e reduzir ao máximo a probabilidade de um desastre voltar a ocorrer nas mesmas circunstâncias. Mas, apesar da importância das orientações, nem todas são seguidas pelas companhias aéreas e pelos órgãos de aviação. Simplesmente porque não têm força jurídica.
A parte mais importante da investigação de um acidente aéreo é o relatório final. Mas o próprio Cenipa explica que o documento não aponta culpa ou responsabilidade e também não tem implicações judiciais. Para que uma recomendação de segurança de voo surta efeito é necessário que o Ministério Público e a Justiça atuem. “Respeito os militares, mas o Brasil é um dos poucos países do mundo em que a investigação de acidentes não está nas mãos de civis”, diz o diretor de segurança de voo do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Carlos Camacho.
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Curitiba
Aeroporto do Bacacheri é recordista em casos no PR
Com nove incidentes nos últimos dez anos, o Aeroporto do Bacacheri, em Curitiba, é um dos recordistas de ocorrências no Paraná. Sozinho, ele concentra quase 20% dos 52 acidentes aeronáuticos registrados no estado desde 2001. O último ocorreu em março deste ano, quando um monomotor caiu sobre um terreno, atingindo uma casa localizada na cabeceira da pista. O piloto Vitor Ascânio Caldonazo, 65 anos, morreu no acidente. Entre as hipóteses para explicar tantos casos estão o tamanho da pista (1.390 metros) e a proximidade do aeroporto com imóveis residenciais.
De todos os acidentes que aconteceram no Bacacheri – o quarto aeroporto mais movimentado da Região Sul, com cerca de 930 pousos e decolagens mensais de aeronaves de pequeno e médio portes –, apenas o último não teve a investigação concluída pelo Cenipa.
Entretanto, apenas o primeiro, que aconteceu em 2001, teve o relatório final divulgado ao público. A investigação do Cenipa apontou que o piloto do avião de uma empresa de táxi aéreo, que perdeu o controle e saiu da pista, fez um diagnóstico inadequado da situação quando decidiu pousar no aeroporto. Chovia no momento. O avião bateu no muro do aeródromo e os três ocupantes – dois tripulantes e um passageiro – ficaram feridos. Entre as recomendações feitas pelo Cenipa e atendidas estavam uma vistoria na sede da empresa.
Localização
Segundo o engenheiro civil Meron Kovalchuk, que trabalhou durante dez anos como controlador de voo em Curitiba, dois fatores podem explicar a quantidade de acidentes envolvendo o aeroporto. O primeiro é a localização. “O Bacacheri está em uma aérea extremamente urbanizada, que não permite melhorias operacionais”, diz.
A outra é o fato de o local abrigar uma escola de pilotos. “Os mais jovens não têm tanta experiência, pilotam de forma menos adequada que um profissional, usam técnicas não exatamente corretas. E também existe a chance de falha mecânica, que pode acontecer em qualquer lugar”, afirma.
Para ele, a criação de um órgão civil, semelhante à Federal Aviation Administration (FAA), que regula a aviação nos Estados Unidos, teria força para obrigar o cumprimento das recomendações. “Este órgão seria totalmente civil, independente, e subordinado ao Congresso Nacional, como acontece em outros países”, afirma.
Para exemplificar como as orientações do Cenipa são, muitas vezes, ignoradas, Camacho cita a tragédia da TAM, em 2007. “Quatro dias depois do acidente, o Cenipa emitiu uma recomendação para restringir, de imediato, o Aeroporto de Congonhas a condições de pista seca. O que não foi atendido. Se fosse um orgão de caráter legal e mandatório, a recomendação seria atendida. Se a recomendação foi emitida, é porque o risco existe”, explica.
O perito e especialista em acidentes aéreos Roberto Peterka concorda. Ele diz que um orgão vinculado ao Congresso abriria a possibilidade de criar ou alterar algumas leis que melhorassem a aviação civil no Brasil. “O Executivo e o Judiciário não têm a mesma visão que o Congresso. Muitas soluções poderiam sair de lá”, diz. Na opinião dele, é o medo de perder o poder que impede a mudança.
Debate
A proposta de transferir a responsabilidade de investigar acidentes aéreos do Cenipa para um órgão civil foi debatida pelo Congresso Nacional em 2009. Na época, três alternativas foram apresentadas. Uma previa justamente a criação de um orgão subordinado ao Congresso. As outras duas propuseram a criação de uma agência ou de uma secretaria dentro do Ministério da Defesa para assumir a investigação de acidentes aéreos.
O deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) foi o relator do projeto criado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Crise Aérea, em 2008, que investigou os acidentes que envolveram aviões da Tam e da Gol, em 2006 (ver cronologia nesta página). Na opinião dele, não há necessidade de se criar outro órgão para fazer algo que o Cenipa faz bem, há muito tempo. “Não teríamos estrutura e nem corpo técnico suficiente para fazer o que eles fazem”, diz.
Sobre as recomendações, que não têm valor jurídico e punitivo, o deputado acredita que o assunto deveria ser debatido no Congresso. “Se existe esta demanda por parte de alguns setores, a lei tem que ser alterada. Mas não há necessidade de criar uma nova burocracia”, defende.
Cenipa apura os fatores que causam acidentes
Nos últimos dez anos, o Cenipa registrou 901 acidentes aeronáuticos. Desse total, 14 não foram investigados por envolverem aeronaves experimentais ou por não terem sido encontrados vestígios das aeronaves acidentadas. Das investigações abertas, 702 foram concluídas e 199 estão em andamento. Desde 2007, o órgão divulga os relatórios finais na internet.
De acordo com informações do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica, as investigações de acidentes aeronáuticos no Brasil seguem os parâmetros estabelecidos pela Organização de Aviação Civil Internacional. Trata-se de um processo que compreende a reunião e a análise de informações que possibilitem a identificação dos fatores que contribuíram para a ocorrência do acidente.
O Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer), do Cenipa, não trabalha com “a causa” do acidente, mas com fatores contribuintes. O tempo de investigação é proporcional à complexidade do acidente. “O único objetivo da investigação de acidente será o da prevenção de futuros acidentes” e “o propósito dessa atividade não é determinar culpa ou responsabilidade”, informa o órgão.
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Fonte: Gazeta do Povo