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segunda-feira, abril 01, 2024

Seis décadas do golpe atestam o compromisso da sociedade com a democracia

Publicado em 31 de março de 2024 por Tribuna da Internet

Tanques em Brasília no dia 1º de abril de 1964

Pedro do Coutto

A posição do governo Lula foi a mais adequada em relação ao dia 31 de março, data em que se completam seis décadas do golpe que derrubou o governo João Goulart. É  oportuno assinalar que o movimento começou na realidade em agosto de 1961, quando liderado por Carlos Lacerda a corrente militar que foi vitoriosa começou a se organizar. Jânio Quadros renunciou e João Goulart assumiu o governo, mas com a criação do parlamentarismo de ocasião, porque foi a solução naquele momento.

O abalo da renúncia de Jânios Quadros estendeu-se no tempo e foi a raiz do golpe de 64 que implantou a ditadura militar que durou 21 anos. A figura de João Goulart sempre inspirou resistências na extrema-direita, embora fosse ele  um homem de centro, como a composição do seu governo em 1961 indica. A luta pelo plebiscito de 1963 acirrou os ânimos e Goulart terminou sendo deposto no golpe em 31 de março de 1964.

RESISTÊNCIAS – Goulart sempre despertou resistências, embora fosse no fundo um moderado. Mas as contradições de seu governo se acentuaram. Jango decretou uma reforma agrária abrangendo terrenos às margens das rodovias, ferrovias e hidrovias. Estabeleceu as bases de uma reforma urbana com a venda dos imóveis aos inquilinos que pagariam através do aluguel o valor dos respectivos imóveis e moradias.

Decretou a estatização das refinarias particulares de petróleo e as medidas que realmente ultrapassaram os limites de um panorama de equilíbrio se transformaram nos fatores de sua queda, uma vez que a sua intervenção se verificava na economia. Mas o episódio marcante foi a reunião com os sargentos no dia 30 de março na sede do Automóvel Club, no Centro do Rio, que, como era previsível, acentuou forte reação de todo segmento militar.

Houve o episódio da prisão dos marinheiros que haviam se rebelado na Semana Santa em 1964 e que deveriam permanecer detidos nas unidades, mas que foram soltos repentinamente. Saíram inclusive em caminhada pelo Centro do Rio e a situação se tornou extremamente difícil, como ficou configurada na reunião de 28 de março no Clube Naval. Foi um episódio há mais de agravamento do universo político de então, formando uma reação militar que se tornou decisiva na queda de João Goulart.

MANIFESTO  – Goulart sempre foi visto com preocupação, desde o manifesto dos coronéis que levou Getúlio Vargas a demiti-lo do Ministério do Trabalho. São episódios que valem ser lembrados para uma compreensão melhor e uma visão mais ampla dos antecedentes da ditadura. Ela encontrou um panorama propício e terminou no golpe de 31 de março.

Passado o tempo, a democracia voltaria a ser objeto de ameaça pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A vitória de Lula nas eleições de 2022 foi no fundo a vitória da democracia que enfrentou o vandalismo de 8 de janeiro que provava a insistência dos grupos radicais pela tomada do poder. Mas, a democracia alcançada nas urnas impediu a investida. Esse panorama deve ser objeto de observação e análise nos dias atuais. E assim será.

Em 1964, o dia de hoje foi duro para Vernon Walters, o coronel diplomata

Publicado em 31 de março de 2024 por Tribuna da Internet

Walter garantiu o aval americano à Revolução de 1964

Vernon Walters garantiu aval americano à Revolução de 64

Elio Gaspari
O Globo/Folha

Na manhã de hoje, há 60 anos, o embaixador americano Lincoln Gordon chegou à sua sala por volta das 9h15. Ele sabia que o golpe estava por dias, mas não sabia que o general Olímpio Mourão Filho, comandante da Região Militar com sede em Juiz de Fora, havia resolvido se rebelar. Quem o avisou que a coisa havia começado foi seu adido militar, o coronel Vernon Walters, um homem corpulento, amigo de militares brasileiros desde a Segunda Guerra Mundial.

Walters ralou durante esse dia. No fim da tarde, achava-se que o general Castello Branco, seu colega de barraca na Itália e chefe do Estado-Maior do Exército, estava encurralado no Ministério da Guerra. (Falso, ele estava num aparelho na Zona Sul.)

Um marechal avisou-o de que uma tropa legalista da Vila Militar marchava para Minas Gerais. Às 19h05 seu prognóstico era sombrio: “A rebelião parece estar perdendo ímpeto”.

NA ESCURIDÃO – Naqueles dias, o Rio de Janeiro penava um racionamento de energia e bairros inteiros ficavam sem luz à noite. Perto das 23h, o marechal Lima Brayner, chefe do Estado-Maior da Força Expedicionária Brasileira durante a guerra, ouviu pancadas na entrada de serviço do seu apartamento de Copacabana, abriu o portinhola e viu, iluminado por uma vela, o coronel Walters.

Brayner disse-lhe: “O Kruel acaba de lançar um manifesto”. “Graças a Deus”, respondeu Walters, um católico devoto.

A adesão do general Amaury Kruel, comandante da guarnição de São Paulo, havia decidido a parada. O marechal Cordeiro de Farias, patriarca de todas as sublevações militares do período resumiria a questão: “O Exército foi dormir janguista e acordou revolucionário”.

No dia 2 de abril, Walters passou pela casa de Castello Branco, em Ipanema. No dia 4, de novo, e também na do ex-presidente, marechal Eurico Dutra (1946-1950). Eleito presidente, no primeiro dia de serviço, Castello convidou-o para um almoço no Palácio do Planalto. Walters presenteou-o com um abacaxi.

NA MITOLOGIA – O coronel Walters entrou na mitologia das intervenções militares americanas como se, com seus seus pés enormes, esmagasse governos. Teria ajudado a derrubar o rei Farouk no Egito (1952), o premiê Mossadegh no Irã (1953), os presidentes Manuel Prado no Peru e Arturo Frondizi na Argentina (1962), noves fora Jango. É um exagero.

Na vida real, ele foi mais que isso. Onde houve encrenca ou mistério, lá está ele. Conversas secretas com chineses e vietnamitas? Foi Walters quem bateu à porta de embaixada chinesa em Paris com um recado do presidente americano Richard Nixon.

Era em sua casa que Henry Kissinger se escondia para negociar com os vietnamitas do Norte. Escândalo do Watergate, que derrubou o presidente dos Estados Unidos? Ele era o vice-diretor da Central Intelligence Agency em 1972, quando a Casa Branca concebeu um estratagema para congelar as investigações do FBI. Walters e o diretor da CIA, Richard Helms, barraram a manobra.

HUMOR SARCÁSTICO – Walters alistou-se no Exército para derrotar o nazismo e continuou na carreira para derrotar o comunismo. Em 1989, ele era embaixador na Alemanha e de sua janela viu o fim do Muro de Berlim. Morreu em 2002, aos 85 anos.

Walters era um interlocutor direto, dotado de um humor sarcástico. Costumava dizer que falava outras sete línguas (francês, italiano, espanhol, português, alemão, russo e holandês), mas não pensava em nenhuma. Seu português tinha pouco sotaque, como o de Roberto Campos.

Quando Fidel Castro lhe disse que estudou com padres, cortou:

— Yo también, pero me quedé fidel.

APARTAMENTO NO RIO – Quando era acusado de saber tudo sobre o Brasil, respondia: “Se eu fosse isso tudo, não teria comprado um apartamento no Panorama Palace Hotel.” (Lançado no Rio nos anos 60, o Panorama foi um mico e hoje é chamado de Favela Hub.)

Walters alistou-se no Exército em 1941 antes mesmo que os Estados Unidos entrassem na guerra. Seu pai teve algum dinheiro, mas perdeu-o na Grande Depressão dos anos 30. Tinha talento para idiomas e lapidou-o na adolescência, como mensageiro de uma companhia de seguros da babel de Nova York. Achou que com isso teria uma boa posição mas, de saída, virou soldado raso.

Um ano depois era tenente, na área de informações, e um coronel mandou que aprendesse português. Em 1943, foi designado para acompanhar oficiais brasileiros nos Estados Unidos e, mais tarde, na Itália. Daí em diante foi intérprete das conversas de presidentes americanos com brasileiros, de Dutra a Médici, de Harry Truman a Richard Nixon. Teve dois padrinhos, o presidente Eisenhower e Averell Harriman, milionário, diplomata, ex-governador de Nova York e grão-duque do partido democrata.

VIROU FLAMENGUISTA – Depois de ter vivido alguns anos no Rio (e virar flamenguista), era adido militar em Roma em 1962, quando o embaixador Lincoln Gordon pediu ao presidente Kennedy que o removesse para o Rio, reforçando o dispositivo militar da embaixada. Walters moveu céus e terra para não sair de Roma, pensou em pedir passagem para a reserva. Em outubro, o coronel desceu no Rio e teve 13 generais para recebê-lo no aeroporto.

Na noite de 13 de março de 1964, ele viu o discurso de João Goulart na casa do general Castello Branco. (O alto da testa de Castello batia abaixo da base do queixo de Walters, que o descreveria assim: “Baixo, robusto. O pescoço muito curto e a grande cabeça dão a impressão de que é corcunda”.)

Walters deixou o Brasil em 1967 como general. Uma semana depois da edição do AI-5, quando havia pressão para que os EUA se afastassem da ditadura, ele escreveu ao secretário de Estado, Henry Kissinger, defendendo a aliança: “Se o Brasil se perder, não será outra Cuba. Será outra China”.

PORTAS ABERTAS – Walters foi adido militar em Paris, vice-diretor da CIA, embaixador nas Nações Unidas e em Berlim. Lá, pelo seu jeitão loquaz, o secretário de Estado, James Baker, evitava-o.

Em 1966, a Polícia Federal prendeu dois americanos com contrabando de minérios na Amazônia. Um poderoso senador foi ao secretário de Defesa e pediu por eles. Walters recebeu o seguinte telegrama: “Apreciamos seus francos comentários se há algo que possa ser feito nesse caso através de seus bons contatos com seus interlocutores militares brasileiros”.

Walters foi a Castello Branco dizendo-se envergonhado por encaminhar a gestão. Dias depois, as celas dos americanos amanheceram com as portas abertas e eles fugiram.

ELE E KISSINGER – O general Walters está no seu gabinete de adido militar na França e recebe uma mensagem de Washington informando que o avião que conduz o secretário de Estado Henry Kissinger para mais um encontro secreto com vietnamitas está sobre o Atlântico e será obrigado a descer no aeroporto de Frankfurt, na Alemanha. Missão: Trazer Kissinger, incógnito, a Paris.

Walters desceu, caminhou até o palácio presidencial e pediu para ser recebido imediatamente pelo presidente francês Georges Pompidou. Expôs o seu caso: precisava de um avião para buscar o secretário.

Quando Pompidou perguntou-lhe o que Kissinger vinha fazer em Paris, respondeu que a viagem envolvia uma senhora. Pompidou emprestou-lhe um jato militar, ele desceu em Frankfurt, atravessou a pista, mandou apagar os refletores e resgatou Kissinger. Seguindo a rotina, levou-o para seu apartamento, onde a empregada jamais soube quem era o hóspede.

Walters escreveu dois livros de memórias, o primeiro, “Missões Silenciosas” muito bom, tem edição em português.

Juiz desafiou a ditadura e condenou a União pela morte de Vladimir Herzog

 


Márcio José de Moraes (à esq.), é um nome na História

Frederico Vasconcelos
Interesse Público

No dia em que o golpe militar de 1964 completa 60 anos, reproduzimos trechos da entrevista concedida, em 2005, pelo juiz federal Márcio José de Moraes sobre a decisão que condenou a União pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog no DOI-Codi .

“Dei a sentença com o AI-5 em vigor. Essa visão, eu me orgulho de ter tido. Seria uma reação, um grito de independência do Poder Judiciário. Já tinha formado a minha convicção, iria condenar a União. O gesto só teria valor, como uma espécie de grito político, de revolta contra a ditadura, se fosse dado sob o clima da ditadura, sob o AI-5”, Moraes afirmou ao editor deste blog.

Desinformado, eu ainda resistia a acreditar que havia tortura e morte. Eu ainda admitia que pudesse haver perseguição política. Mas, na verdade, a tortura e a morte eram coisas que eu tinha dificuldade em acreditar.

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MEMÓRIAS DE UM JUIZ DE VERDADE

(…)

Em 1975, eu estava no escritório de advocacia, compro o jornal e vejo que Vladimir Herzog morreu. Eu realmente fiquei chocadíssimo. Não só pela notícia em si. Mas porque ficou absolutamente claro, para mim, que, na verdade, ele morreu torturado. Não era possível que a pessoa tivesse entrado no DOI-Codi, de manhã, e estivesse morto à tarde.

(…)

Foi um choque pessoal. Caiu por terra a resistência que eu tinha em acreditar que a ditadura estava perseguindo, prendendo, matando prisioneiros políticos. Percebi claramente que tudo era verdade. Tive uma certa crise de consciência, por não ter participado politicamente para tentar evitar que aquilo acontecesse.

(…)

Uma semana depois da morte do Herzog, eu participei do culto ecumênico na praça da Sé. Mas ainda um tanto quanto receoso, porque depois que se deu aquela conscientização pessoal, política, em decorrência da morte do Herzog, eu ainda tinha uma certa dificuldade de me engajar.

(…)
Mas eu não fiquei dentro da igreja. Fiquei no lado, perto de uma pastelaria… Até mesmo, pensando comigo, veja só até onde ia a minha covardia política naquele momento: “Se a cavalaria da Polícia Militar invadir a praça da Sé, como se noticiava, eu me ponho aqui dentro da pastelaria e como um pastel”. Alegaria que estava comendo um pastel…

(…)

Imagine a minha surpresa, quando, três anos depois, em 1978, eu recebo o processo do caso Herzog para sentenciar. Naquele período, tudo podia acontecer. O AI-5 permitia cassar a cidadania, cassar os direitos políticos. O juiz poderia perder o cargo.

(…)

Depois, nem era tanto a aplicação do AI-5, que já dava respaldo à ditadura. Era o medo, na verdade, de que poderia acontecer [com o juiz] o que aconteceu com tantos outros: simplesmente de ser seqüestrado e torturado, como aconteceu com Herzog.

(…)

Mas, eu também tinha, a meu favor, a minha mocidade. Ou seja, essa volúpia no sentido de poder exercer a magistratura com todas as suas condições, apesar do regime militar. Fui advogado de banco e estudei muito o tema da responsabilidade civil do Estado. Sabia que, na sentença do caso Herzog, eu podia dar um passo muito importante na questão da responsabilidade civil.

(…)

Foi uma decisão solitária e muito difícil. Todos aqueles anos de alienação caíram sobre mim. Na verdade, foi a hora que eu cheguei para mim mesmo e disse que, politicamente, eu não poderia mais ficar comendo pastel.

(…)

O laudo era imprestável, assinado apenas por um perito. O perito-chefe assinou sem fazer a autópsia. O laudo, a principal prova da União, não tinha validade. As testemunhas disseram o que acontecia naquelas dependências. Alguns ouviram os gritos de Herzog. Isso foi prova suficiente para me convencer de que Herzog morreu por causa da tortura.

(…)

O Estado era responsável, independente de qualquer circunstância, porque tinha alguém sob sua guarda. Primeiro, eu anulei o laudo. Segundo, valorizei as provas para mostrar que havia tortura naquelas circunstâncias. Terceiro, determinei a abertura de Inquérito Policial Militar para verificar os responsáveis, todas as autoridades policiais e militares que se encontravam no local e que foram responsáveis pela tortura.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – Márcio José de Moraes foi o primeiro juiz a enfrentar a ditadura. Seu exemplo deveria ser seguido por todos os magistrados brasileiros, mas o que se vê hoje é uma Justiça destrambelhada, que transforma em terroristas os cidadãos que deveriam ser julgados apenas por invasão de prédio público e vandalismo. E ainda chamam isso de Justiça. (C.N.)


Sionismo e Israel são projetos coloniais, diz um importante historiador palestino

Publicado em 31 de março de 2024 por Tribuna da Internet

Writer Rashid Khalidi: 'As long as Israel starves and blocks Gaza, there will be violence' | International | EL PAÍS English

Rashid Khalidi explica o que pode acontecer em seguida

Diogo Bercito
Folha

O palestino Yusuf al-Khalidi escreveu em 1899 uma carta para Theodor Herzl, considerado o pai do sionismo moderno. Yusuf se opunha à criação de um Estado nacional judeu na Palestina. Dizia: é habitada por outras pessoas.

Seu sobrinho-trineto faz hoje um alerta semelhante. Em seu livro “Palestina”, Rashid Khalidi afirma que o sionismo e Israel são projetos coloniais que culminaram na alienação da população nativa palestina.

Khalidi, 75 anos, é um dos principais intelectuais palestinos desta geração. É de certo modo um herdeiro de Edward Said, autor do estudo clássico “Orientalismo”, publicado pela primeira vez em 1978. Assim como ele, leciona na Universidade Columbia, em Nova York.

O livro “Palestina” saiu em 2020 nos Estados Unidos, mas só chega agora ao Brasil, pela editora Todavia. Uma de suas teses centrais é a de que os palestinos são alvos de uma guerra há mais de cem anos. Isto é, desde antes de suas terras darem lugar a Israel, em 1948 — ou da campanha militar lançada na Faixa de Gaza por seu Exército em 7 de outubro passado.

O senhor publicou seu livro em 2020 falando em uma guerra de cem anos contra a Palestina. Há agora uma nova guerra acontecendo.
A tese central do livro se mantém. Temos que enxergar o que está acontecendo em Gaza dentro do contexto de uma guerra mais ampla, que é uma guerra para substituir uma população por outra, apagar a identidade de uma população nativa e tomar o máximo possível de terra.

O livro sugere que o sionismo foi desde o início um projeto colonial.
O sionismo sempre disse que é um projeto nacional, o que não é inteiramente falso. É um projeto nacional de judeus do Leste Europeu. Foi uma resposta à perseguição de judeus de lá, que levou à conclusão de que apenas uma entidade nacional poderia proteger os judeus. Nada disso é falso. Mas o sionismo é e sempre foi colonial e usou estratégias coloniais, incluindo a compra e a confiscação de terras e a eliminação da população original. São os métodos clássicos. Foi o que aconteceu na América portuguesa e espanhola, nas colônias britânicas e francesas. Não há diferença nos métodos. Isso sem contar o fato de que os líderes sionistas diziam isso de um modo explícito. Não tinham dúvida de que eram europeus tomando um país de sua população nativa.

É controverso dizer que o sionismo é um projeto colonial. Por quê?
Por causa de uma das campanhas de propaganda mais brilhantes da história que convenceu o mundo, em especial depois do Holocausto, de que a Europa tinha a obrigação de ajudar a criar esse refúgio para os judeus. Há também o argumento bíblico. Protestantes, como nos EUA, creem que há um mandamento divino para os judeus retornarem à terra.

É também controverso dizer que o sionismo é um projeto nacional?
É difícil para muitos aceitar que, com o tempo, uma identidade nacional se desenvolveu entre a população de colonos. É difícil para os palestinos dizerem: os israelenses são um povo e têm direitos, em especial porque esses direitos são exercidos em detrimento dos direitos dos palestinos.

Como essa situação —um projeto colonial e nacional — se resolve?
Há três possibilidades. A primeira é a eliminação da população nativa ou sua redução a um ponto em que podem ser desconsiderados politicamente, como na América do Norte, na Austrália e na Nova Zelândia. A outra possibilidade é a expulsão dos colonos, que aconteceu na Líbia e na Argélia. A terceira é que os colonos sejam aceitos como nativos ou vivam lado a lado com os nativos. É o que vemos na África do Sul — os colonos perderam sua hegemonia, mas permaneceram. Só que estamos longe disso. Ficamos ainda mais longe com o 7 de Outubro.

O seu livro começa em 1917. Por que o senhor escolheu essa data?
É a data da Declaração Balfour [em que o governo britânico apoiou a criação de um lar judaico na Palestina]. Foi quando tudo isso tomou forma. É a data da intrusão dos britânicos. Sem apoio internacional, Israel não teria sido criado. Até então, sionistas buscavam um patrono. Esse apoio mudou com o tempo. Desde os anos 1960, têm sido os EUA.

Qual papel os EUA têm no que acontece hoje em Gaza?
Os EUA são indispensáveis para o genocídio, para o uso da fome como arma, para a morte de milhares de crianças. Sem eles, nada disso estaria acontecendo. Esse apoio vai mudar agora? Não sei. Mas há uma mudança em curso na opinião pública. Israel nunca terá o apoio global que teve. Isso por conta das redes sociais e da mídia alternativa, em especial entre os mais jovens. O que não significa que a política vai mudar, porque aqueles que tomam decisões não mudaram.

Essa mudança tinha começado antes da guerra, o senhor não acha?
Sim. Tem a ver com a ascensão das redes sociais e o total desprezo pela imprensa tradicional. Há também uma nova geração de ativistas entre os palestinos e árabes. Há, ainda, uma sensação entre muitas pessoas de que a luta palestina é semelhante à deles. Afro-americanos e nativo-americanos se dão conta de que é parecido com o que seus avôs viveram: histórias de deslocamento, imigração forçada, discriminação. Reconhecemos uma opressão quando nos deparamos com ela, dizem.

Que papel o Brasil pode ter nesse contexto? Declarações como a do presidente Lula, que falou em genocídio, podem ter algum impacto?
É claro que sim. É necessário um esforço imenso [para alterar a situação]. Quanto mais países mudarem sua posição, haverá mais pressão em Israel e nos EUA. Pode não parecer muito, mas cada país que chama um genocídio de “genocídio” coloca mais pressão.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – Excelente entrevista. Irretocável(C.N.)


Veto a cerimônias sobre 1964 não apaga a realidade dos fatos e a memória viva


Golpe militar de 1964 foi em 31 de março ou em 1º de abril? | CNN Brasil

Tanque bloqueia o trânsito próximo ao Palácio Laranjeiras,

Dora Kramer
Folha

O veto a cerimônias oficiais pode até ser visto como sinal de conciliação, mas não apaga os fatos dos idos de março e o golpe em abril há 60 anos. Os militares sabem disso. Percebem que gestos não substituem a realidade.

E a verdade é que uma ruptura institucional efetivada e prolongada por 21 anos tem teor de gravidade bem maior que a recente tentativa frustrada de golpear as instituições. O tempo não as separa, antes exibe um traço de união a ser mantido no radar de todos.

INSPIRAÇÃO – Os golpistas de lá inspiraram os conspiradores de cá. A diferença é que estes se depararam com circunstâncias diversas, e para eles adversas, das que asseguraram o perverso êxito daqueles.

O empenho do presidente Luiz Inácio da Silva na defesa de sua posse e da democracia em geral realmente não combina com a proibição de que o governo promova atos em memória de episódio perverso da quadra brasileira, cuja história é vasta em episódios assemelhados durante o século 20.

Ocorre, porém, que o veto presidencial é aceno dirigido, não impede ninguém, grupo político ou social, de se manifestar individual e/ou coletivamente para marcar a data com a veemência que considerar adequada.

MEMÓRIA VIVA – É o que está acontecendo até em decorrência da decisão de Lula. A partir das críticas a ele, o debate em torno dos acontecimentos e consequências do golpe de 1964 ganhou dimensão correspondente à importância do marco.

Não há uma decisão de Estado que vede homenagens à memória. Não se exige da sociedade que se submeta a uma decisão de governo. Se a liderança tem suas razões para não liderar, os liderados que atuem sem exigências paternalistas.

Lula faz um movimento estratégico, enquanto militares de alta patente são alvos de investigação e prisão sob os ditames do regime civil. Algo inédito, cujo significado não deve ser subestimado, mas visto como resposta compatível com as nossas peculiaridades. Goste-se ou não, é como fazemos.


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