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quinta-feira, outubro 06, 2022

Eleições 2022: cinco revelações sobre voto em Bolsonaro, segundo os dados




Votação em Bolsonaro neste ano teve diferenças significativas em relação à de 2018, quando ele foi eleito presidente. Confira quais

Por Luis Barrucho, em Londres 

O presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, teve menos votos do que seu principal opositor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no 1º turno das eleições presidenciais brasileiras.

Com 100% das urnas apuradas, Bolsonaro teve 43,20% dos votos válidos e Lula, 48,43%.

Mas a votação em Bolsonaro neste ano teve diferenças significativas em relação à de 2018, quando ele foi eleito presidente.

A BBC News Brasil conversou com Fernando Meireles, pesquisador de pós-doutorado em ciência política no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Confira algumas dessas mudanças com base nos dados levantados e analisados por ele.

'Base eleitoral de Bolsonaro mudou, crescendo pelo interior no país, sobretudo no Norte e Nordeste'

1. Bolsonaro perdeu votos em capitais e ganhou em cidades menores

Na maioria dos municípios, Bolsonaro teve um desempenho muito parecido ao de 2018.

Mas ele perdeu força nas capitais e grandes cidades e ganhou espaço em municípios menores, especialmente naqueles em que onde recebeu poucos votos há quatro anos, indicam os dados.

No primeiro caso, um exemplo é a região metropolitana de São Paulo. No segundo, o Norte e o Nordeste.

Em municípios com menos 50 mil eleitores nessas duas regiões, Bolsonaro melhorou sua votação média em mais de três pontos percentuais. Nos maiores, ao contrário, perdeu mais que isso, assinala Meireles.

No Nordeste, o percentual de votos válidos cresceu por todo o interior dos Estados da região. No Norte, esse padrão quase não teve exceções.

'Bolsonaro melhorou seu desempenho em municípios pequenos onde já teve desempenho ruim, ele melhorou agora'

'Por região, Bolsonaro foi pior nos grandes municípios. No Nordeste, ele melhorou seu desempenho nos menores municípios'

Segundo o especialista, em praticamente todas as capitais, Bolsonaro se saiu pior do que na eleição anterior.

Meireles lembra que o atual presidente teve um desempenho excepcional nas grandes metrópoles em 2018, muito melhor que o de Aécio Neves no 1º turno de 2014, por exemplo.

'Em praticamente todas as capitais, Bolsonaro se saiu pior do que na eleição de 2018'

Esse fenômeno de interiorização de votos em Bolsonaro ainda não pode ser totalmente explicado por especialistas.

Mas há pistas, entre elas, o pagamento do Auxílio Brasil (ler abaixo), a inflação e o desemprego que acometem as cidades maiores com mais força, a distribuição dos recursos do governo federal a municípios menores e também a força das igrejas nesses locais.

2. Bolsonaro ganhou mais votos em municípios menores com maior pagamento de Auxílio Brasil no Nordeste, Centro Oeste e Norte

Essa mudança na base eleitoral de Bolsonaro, com mais votos em municípios menores, foi observada mais nitidamente no Norte e no Nordeste, segundo mostram os dados.

E há uma relação mais forte entre os municípios que receberam mais repasses per capita do Auxílio Brasil e a votação em Bolsonaro na comparação com 2018 sobretudo no Norte, mas também no Nordeste e no Centro-Oeste.

No Sudeste, essa relação também parece existir em algumas cidades, mas no Sul, não.

Ou seja, "no nível agregado", municípios deram mais votos a Bolsonaro justamente nos locais mais beneficiados pelo Auxílio, contrabalançando a perda das grandes cidades, segundo Meireles.

'No nível agregado, municípios deram mais votos a Bolsonaro justamente nos locais mais beneficiados pelo Auxílio, contrabalançando a perda das grandes cidades'

Ele ressalva, contudo, que não é possível fazer uma análise no nível individual - o fato de o Auxílio ter relação com votos nos municípios não implica que foram beneficiários que votaram mais em Bolsonaro: podem ter sido outros eleitores beneficiados indiretamente; ou eleitores de Lula que se abstiveram mais.

Disso dependeria uma pesquisa de boca de urna, que não houve neste ano.

"É muito provável que o Auxílio tenha influenciado a decisão de voto. Talvez a pessoa que recebeu o benefício considerou votar mais no Bolsonaro, talvez ela já votaria no Bolsonaro, mas talvez não compareceria. Mas talvez tenha ficado mais propensa a comparecer, pois quer "ajudar" o governo para que o benefício continue sendo pago", diz Meireles à BBC News Brasil.

"Mas no nível de agregação dos municípios, não temos como fazer essa afirmação. É preciso lembrar que o efeito do Auxílio Brasil no município não incide somente para as pessoas que recebem o benefício".

"Se a gente pensar num município do interior, quando há muitas pessoas pobres que de uma hora para outra passam a receber o Auxílio Brasil, o comércio local muda, várias pessoas passam a ter outro perfil de consumo. A realidade das famílias também, e isso altera várias dinâmicas de socialização dessas pessoas".

"Por exemplo, elas podem se encontrar mais, fazer mais almoços de família, se preocupam menos com desemprego, têm mais acesso a lazer e cultura".

"O Auxílio Brasil tem efeitos que vão além do eixo do benefício individual da renda. Ou seja, afeta a população de um município como um todo".

Meireles conclui: "Não dá para cravar, portanto, se o Auxílio Brasil teve um efeito diretamente sobre o beneficiários ou se foi por outras razões que que Bolsonaro aumentou sua votação. Mas o que os dados mostram é que essa relação entre a maior votação em municípios menores e o pagamento do benefício nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, principalmente."

3. Bolsonaro perdeu votos no Rio de Janeiro em relação a 2018

Em praticamente todas as capitais, Bolsonaro se saiu pior do que na eleição anterior.

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, embora tenha vencido Lula e tido desempenho melhor do que as pesquisas de intenção de voto apontavam, o atual presidente teve menos votos em praticamente todos os municípios em relação a 2018.

'Apesar de ter ido melhor do que as pesquisas indicavam em SP e RJ, Bolsonaro foi pior em praticamente todos os municípios desses Estados agora. No Rio, a piora foi quase geral'

Mas no Rio de Janeiro, em particular, a piora foi quase geral nessa comparação, diz Meireles.

4. Bolsonaro consolidou 'cinturão de votos' no Sul

O Sul foi a única região onde a relação entre o pagamento do Auxílio Brasil e a maior votação em Bolsonaro em relação a 2018 não foi observada.

"Em algumas cidades, ele melhorou a votação em 20%. É um desempenho muito expressivo. Mas ali não há uma relação visível entre a cobertura do Auxílio Brasil e essa melhora. A melhora parece ser provavelmente explicada por outros fatores. Difícil saber o que é", diz Meireles.

De fato, o resultado do primeiro turno das eleições mostrou uma consolidação da influência de Bolsonaro nos Estados de Santa Catarina e Paraná. No oeste de ambas as regiões, o atual presidente teve uma votação expressiva.

Não surpreende, portanto, que tenha sido ali onde Bolsonaro registrou seus maiores porcentuais de votação.

Das cinco cidades que mais votaram em Bolsonaro, três estão no oeste do Paraná: Nova Santa Rosa (82,20%), Quatro Pontes (80,32%) e Mercedes (78,78%).

A cidade que mais votou em Bolsonaro foi Nova Pádua, no Rio Grande do Sul. Ali ele recebeu 83,98%.

Completa o ranking Novo Progresso, no Pará (79,60%).

5. Bolsonaro não teve menos votos nos municípios mais afetados por covid

Os dados mostram que Bolsonaro não perdeu votos nos municípios mais afetados pela pandemia de covid-19.

Meireles cruzou os dados totais de óbitos por covid-19 até março desse ano com a diferença de votos de Bolsonaro entre 2022 e 2018.

A conclusão foi que, diferentemente do que se poderia esperar, não houve relação entre entre os municípios mais afetados pela pandemia e uma piora na votação em Bolsonaro.

Meireles ressalva que isso não quer dizer, por outro lado, que a pandemia "não tirou votos do presidente" — mas a relação não é visível no nível municipal.

BBC Brasil

Segundo turno entre Lula e Bolsonaro não é nova eleição




Lula perdeu posições e Bolsonaro avançou. Mais do que frustrar a expectativa de vitória, o resultado de domingo embalou a campanha do segundo colocado e gerou perplexidade na do primeiro

Por Luiz Carlos Azedo (foto)

É um lugar comum nas campanhas eleitorais, principalmente de parte de quem está perdendo, a tese de que o segundo turno é uma nova eleição. Há controvérsias. As forças em movimento são as mesmas, porém, os dois primeiros colocados operam forte atração sobre as demais, por expectativa de poder, motivação ideológica e/ou emocional. Isso provoca o realinhamento eleitoral, cuja resultante será a formação de uma maioria de votos válidos, que garante a consagração inequívoca do presidente eleito.

A eventual mudança de posição entre os dois candidatos é resultado da inércia da primeira votação e da eventualidade de o líder não se dar conta de que a sua estratégia está sendo superada pelo segundo colocado. Estamos falando do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL), obviamente. O que ocorreu na reta final do primeiro turno, por isso, gera uma força de inércia que pode resultar numa troca de posições.

Na última semana da eleição, Lula perdeu posições e Bolsonaro avançou. Mais do que frustrar a expectativa petista de vitória no primeiro turno, o resultado da votação de domingo embalou a campanha de Bolsonaro e gerou perplexidade na campanha de Lula, ainda que ninguém queira passar recibo do que aconteceu. Com 96,93% das urnas apuradas, Bolsonaro recebeu 43,70% dos votos válidos, enquanto o Lula teve 47,85% dos sufrágios. Os candidatos Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) obtiveram, respectivamente, 4,22% e 3,06% dos votos válidos.

Um bom exemplo dessa expectativa é a fotografia da manifestação petista na Avenida Paulista, no dia da eleição, com Lula ao lado da esposa Janja; da ex-presidente Dilma Rousseff; da presidente do PT, Gleisi Hoffman; do ex-senador Aloizio Mercadante e do seu vice, Geraldo Alckmin, quase um estranho no ninho. Era uma espécie de “Lula é meu e ninguém tasca”, armado na expectativa de que a eleição estava decidida. Entretanto, o resultado do primeiro turno exigia que o palanque fosse muito mais amplo.

Lembrei-me de certa passagem do romance Vida e Destino (Alfaguara), do escritor judeu ucraniano Vassili Grosman, que foi correspondente de guerra na Batalha de Stalingrado, na Segunda Guerra Mundial. A publicação do livro esteve proibida durante muito tempo e seu autor chegou a ser preso por causa dele. Grossman relata a experiência de guerra, os absurdos de seus efeitos sobre a vida das pessoas, com toda a inversão de valores que acarretou. Realista, mostra os bastidores da batalha no partidos e na antiga sociedade soviética. É uma descrição impressionante de como a resistência ao invasor alemão se transformou numa guerra patriótica, na qual o protagonismo popular foi decisivo na frente de batalha. Mas também desnuda o comportamento do aparelho partidário, que se recolhe à retaguarda e, no momento de virada da guerra, opera para colher os louros da vitória.

O palanque de Lula no domingo refletiu uma falsa expectativa, na qual não se levou em conta que a onda do voto útil havia se esgotado e fora protagonizada por formadores de opinião que já estavam no campo da esquerda. O alarido e a agressividade da campanha, porém, provocaram o voto útil reverso dos eleitores anti-petistas, que não desejavam votar em Bolsonaro, mas o preferem em relação a Lula.

É aí que mora o perigo de virada eleitoral logo no começo do segundo turno, porque a inércia desse movimento silencioso pode não ter se esgotado no dia da votação.

Alianças

O PT se movimenta em direção ao centro com dificuldades. Lula recebeu o apoio do PDT, com a aquiescência de Ciro Gomes, e do Cidadania, liderado por Roberto Freire, ambos duros desafetos, que ontem anunciaram formalmente o apoio a Lula no segundo turno. Esses apoios decorrem de um claro posicionamento contra Bolsonaro e não de uma negociação de ambos com o petista.

Lula espera obter o apoio de Simone Tebet, a candidata do MDB, com quem deve se encontrar para tratar dos termos do apoio. No dia da eleição, a senadora anunciou que não iria se omitir e aguardava um posicionamento firme do partido.

O deputado Baleia Rossi (SP), o presidente da legenda, que bancou sua candidatura, porém, deve anunciar a neutralidade do MDB. Houve uma forte mudança na composição da bancada, que passou a contar com maior participação de parlamentares bolsonaristas eleitos no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, em contraponto aos representantes do Norte e Nordeste, aliados de primeira hora de Lula.

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), no domingo anunciou seu apoio a Bolsonaro, que ontem recebeu a adesão do governador de Minas, Romeu Zema (Novo), que o visitou no Alvorada. Ele ficou neutro no primeiro turno, apesar de Lula apoiar o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD).

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), no domingo anunciou seu apoio a Bolsonaro, que ontem recebeu a adesão do governador de Minas, Romeu Zema (Novo), que o visitou no Alvorada. Ele ficou neutro no primeiro turno, apesar de Lula apoiar o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD).

O governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, que ficou fora do segundo turno, fechou o cerco ao anunciar, ontem, o apoio a Bolsonaro. O PSDB paulista apoiará Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato do presidente em São Paulo, mesmo tendo ele declarado que não deseja o apoio de Garcia. A. bancada do Cidadania, liderada pelo deputado paulista Alex Manente, que apoiará Tarcísio, anunciou neutralidade, contrariando a Executiva do partido.

Correio Braziliense

Lula e Bolsonaro de olho nos ricos




Para bancar o Auxílio Brasil de R$ 600 no ano que vem, taxação precisa ser aprovada no Congresso Nacional ainda em 2022 

Por Lu Aiko Otta (foto)

“Não tem de ter vergonha de ser rico, tem de ter vergonha de não pagar imposto.”

Essa frase foi dita por: a) Guilherme Mello, assessor econômico da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT); b) Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro (PL).

Pois é. Paulo Guedes vem repetindo essa fala em suas aparições públicas, em favor da proposta de taxar, com o Imposto de Renda (IR), a distribuição de dividendos.

Para bancar Auxílio, taxação precisa passar em 2022

Essa mesma ideia é defendida no programa do PT, que quer a tributação dos mais ricos, seja na cobrança sobre dividendos, seja na criação de uma tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) com mais alíquotas, ou ainda numa taxação mais forte sobre heranças.

No plano bolsonarista, o IR sobre dividendos serviria para financiar o acréscimo de R$ 200 no Auxílio Brasil em 2023, pois o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) em análise no Congresso prevê benefícios de R$ 400, e não os R$ 600 prometidos por Bolsonaro.

No plano lulista, a taxação de dividendos entra na equação mais ampla da reforma tributária, conforme explicou Guilherme Mello na sabatina realizada pelo Valor e pelo jornal “O Globo” no mês passado. Os recursos serviriam para evitar que o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), a ser criado na reforma, fique com alíquota elevada demais.

Pelo menos em tese, a taxação dos dividendos está na boca do gol. Não quer dizer que convertê-lo será tarefa fácil.

O projeto de lei 2.337/21, que também corrige a tabela do IRPF e reduz a tributação sobre o lucro das empresas, já foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Falta votá-lo no Senado. Esta é a situação há mais de um ano. A votação está travada.

Mas, se Bolsonaro vencer e quiser financiar o Auxílio Brasil cobrando imposto dos ricos, terá de garantir que o projeto seja votado até dezembro. Se for aprovado em 2023, ainda que no início do ano, a cobrança só poderá começar em 2024.

Guedes tem dito que a aprovação pode ocorrer rapidamente, após as eleições.

No entanto, as forças que interromperam seu caminho no ano passado continuam vivas. Empresas estão em alerta para o fato de o ministro dizer que serão arrecadados R$ 60 bilhões a mais e, ao mesmo tempo, afirmar que não haverá aumento de carga tributária. Em 2021, o setor de serviços se mobilizou contra a proposta.

O tributarista Ricardo Lacaz Martins, sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados, diz que a tributação sobre dividendos não deve ser avaliada isoladamente, pois assim traria distorções à economia. Ele afirma que a proposta faz parte de um tripé, formado também pela reforma na tributação sobre o consumo e pela desoneração da folha salarial.

Esse último item, principalmente, seria uma medida de compensação importante para as empresas que passariam a pagar mais imposto com a cobrança sobre dividendos. Por outro lado, passariam a pagar menos sobre um item importante de sua estrutura de custos, que é a folha salarial.

A desoneração da folha é uma bandeira antiga de Guedes. Porém, não saiu do papel nos últimos três anos e dez meses porque faltou uma perna do plano. A ideia era cortar tributos sobre a folha e financiar a Previdência com a contribuição sobre transações financeiras. Bolsonaro, inimigo histórico da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), interditou essa discussão.

A redução dos tributos cobrados sobre a folha figura também nos projetos do PT, sobretudo na contratação de pessoas que ganham um salário mínimo. Isso exigiria um novo arranjo para financiar a Previdência. No debate do Valor /“O Globo”, Guilherme Mello comentou que a arrecadação das contribuições previdenciárias está apoiada na tributação sobre salários, mas “o mundo do trabalho está mudando”. Assim, será necessário estabelecer uma base de tributação “muito mais ampla”. Não disse qual seria.

Como a desoneração da folha não está próxima de ser instituída, é de se supor que as resistências à tributação sobre dividendos continuem no mesmo patamar de um ano atrás.

Em contraponto a essas críticas, Guedes tem afirmado que a mudança vai alcançar apenas os 60 mil super-ricos do país, que há décadas não pagam imposto.

A taxação, argumenta, incidiria sobre dividendos distribuídos que ultrapassassem R$ 400 mil por mês. Se a empresa distribuir meio milhão, pagaria imposto apenas sobre R$ 100 mil. E seriam 15%, praticamente metade do que pagam os funcionários daquela mesma empresa (que são tributados na fonte em até 27,5%).

Lacaz nega que os ricos estejam livres de pagar imposto. Afirma que hoje a cobrança incide sobre o lucro da empresa. Ele compara: é o mesmo que dizer que o assalariado não paga imposto - sendo que ele é tributado na fonte.

Essas discussões se referem aos tributos federais. Quando se considera a reforma mais ampla, envolvendo também os impostos estaduais e municipais, o quadro não é diferente do que se viu em vários finais de governo: propostas amplamente discutidas do ponto de vista técnico e carentes de um empurrão político para serem finalmente votadas.

Estão no Congresso duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), a 45 e a 110, nessa condição. Suas antecessoras morreram na praia, não sem antes dar sua contribuição para a difícil construção do consenso em torno dessa reforma.

Ninguém aposta na aprovação dessas propostas este ano. Os mais otimistas acham que o estoque de debates ocorrido até agora pode facilitar a votação em 2023. Tal como ocorreu com a reforma da Previdência.

Na atual rodada, o ambiente está diferente porque os Estados estão muito pressionados pela perda de receitas do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), depois que o Congresso aprovou a redução desse imposto sobre combustíveis, energia, comunicações e transportes.

Valor Econômico

O eleitor deu a Câmara ao Centrão - Editorial




Os 5 maiores partidos do Centrão elegeram 330 deputados; e siglas de esquerda, 135. É uma Câmara avessa a extremismos e que não está fechada às reformas. Muito pode ser feito

O grande ganhador da eleição para o Congresso, no domingo passado, foi o Centrão. Ao todo, PL, União Brasil, PP, MDB e PSD elegeram 330 deputados. Eles têm mais do que os três quintos exigidos para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Já os partidos de esquerda – PT, PCdoB, PV, PDT, PSB, PSOL, Rede, Avante e PROS – conquistaram 135 cadeiras. A desproporção é considerável.

De toda forma, não se pode dizer que o eleitor esteja mais à direita do que nas eleições passadas. Nestas eleições, por exemplo, o partido Novo, que defende o liberalismo econômico – e nos últimos anos apoiou, na imensa maioria das vezes, o governo federal –, elegeu apenas três deputados. Em 2018, tinha conquistado oito cadeiras. Como se vê, a bandeira do liberalismo econômico, supostamente apoiada pelo presidente Jair Bolsonaro, está em baixa no Legislativo.

O Centrão, por sua vez, até pode ser qualificado como um agrupamento de direita, mas, a bem da verdade, é muito difícil situar ideologicamente os políticos desse bloco informal, cuja grande marca é a ausência de conteúdo programático, combinada com uma formidável disposição de negociação – exatamente o que lhe permite apoiar qualquer governo, de qualquer coloração. Assim, a conduta desse poderoso bloco depende em grande medida de quem vencer o segundo turno da eleição presidencial. Afinal, uma das principais características do sistema presidencialista é a influência do presidente da República na agenda do Congresso. Sem a definição de quem ocupará o Palácio do Planalto em 2023, é difícil dizer qual será o comportamento da próxima legislatura. 

Além disso, a atuação do Congresso tem sido cada vez mais condicionada pelas presidências das respectivas Casas. Nesta legislatura, por exemplo, a mesma composição da Câmara teve comportamento inteiramente diferente nas gestões de Rodrigo Maia e de Arthur Lira. Historicamente, o Palácio do Planalto, seja hábil ou inábil, sempre teve grande peso na eleição das Mesas Diretoras do Senado e da Câmara.

São, portanto, muitas as indefinições que rondam o Legislativo federal de 2023. De toda forma, cabe, desde já, fazer algumas observações. Em primeiro lugar, o panorama geral dos eleitos no domingo passado mostra que a Câmara continuará sem ter o chamado “alto clero”, composto por parlamentares com reconhecida capacidade de liderança e articulação política. São cada vez mais raros os deputados com esse perfil.

Ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que, se o próximo presidente da República assim desejar e assim trabalhar, o Congresso de 2023 será capaz de promover reformas importantes para o País. Na configuração das cadeiras definida pelo eleitor no domingo passado, não há nada a impedir a realização de reformas como a tributária ou a administrativa. Nessa seara, o empecilho maior parece vir do próprio futuro presidente da República. Os dois candidatos que passaram ao segundo turno nunca foram reformistas. Na verdade, Lula e Bolsonaro sempre tiveram apreço por retrocessos.

O Centrão tem muitos defeitos, mas há também aspectos positivos. Por exemplo, o bloco não é afeito a extremismos. Por mais que Jair Bolsonaro tenha cooptado seu apoio por meio das emendas do orçamento secreto, os partidos do Centrão não embarcaram nos devaneios bolsonaristas ligados à chamada pauta de costumes ou ao golpismo contra o sistema eleitoral. Da mesma forma, parece difícil que a esquerda, caso chegue ao Palácio do Planalto, consiga que este Congresso eleito aprove um novo imposto sindical, a tal da regulação da mídia ou algum outro atraso petista.

Talvez o ponto mais positivo da nova Câmara seja a redução da fragmentação partidária. Em 2018, foram eleitos deputados de 30 partidos diferentes. Agora, de 19 legendas. Além disso, nestas eleições, apenas 13 partidos conseguiram superar a chamada cláusula de barreira. Todos os outros, que não obtiveram a representatividade mínima exigida pela Constituição, perderão acesso aos Fundos Partidário e Eleitoral e à propaganda gratuita de rádio e televisão.

O caminho para a governabilidade está aberto. Faz falta agora um presidente da República disposto a governar.

O Estado de São Paulo

Eleições 2022: PT tem que lembrar que apoio de artista e reunião em universidade não ganham eleição, diz Chomsky




Pela janela, Noam Chomsky, de 93 anos, assiste à motociata pró-Bolsonaro rasgar a rua, preenchendo o ambiente com bandeiras verde e amarelas e o ronco alto dos motores das motocicletas. Casado com uma brasileira, o filósofo e linguista americano, um dos mais citados pensadores vivos na atualidade, tem passado temporadas no Brasil.

Por Mariana Sanches, em Washington

Ativista político que se autodenomina um socialista libertário, Chomsky diz seguir "com grande interesse" aquela que tem sido descrita como a eleição mais tensa no país desde a redemocratização. Suas reflexões, ele ressalta, não são as de um especialista. "Não me leve muito a sério", diz, antes de emendar observações afiadas sobre a política brasileira.

Chomsky nota que, se as motociatas de Bolsonaro têm ocupado espaços públicos ao redor do Brasil, o mesmo não tem acontecido com a campanha do petista Luiz Inácio Lula da Silva, que tenta voltar à presidência e impedir que o atual presidente conquiste mais quatro anos no Palácio do Planalto. Para o pensador, a esquerda deixou de ocupar as ruas de modo organizado.

"No Brasil, minha impressão é que o PT simplesmente falhou nos últimos 20 anos em se organizar como movimento de base. Então, só para ilustrar, a gente conversa com as pessoas e as pessoas não sabem que se beneficiaram dos programas que o Lula criou, não sabem que ele foi o responsável por seus filhos poderem entrar na faculdade, por terem conseguido abrir um pequeno negócio. É Deus, é sorte, ou algo assim. Não o PT", aponta Chomsky.

Segundo ele, assim como o partido Democrata nos Estados Unidos, o PT se afastou do trabalhador, do mais pobre. Ao abraçar agendas neoliberais, perdeu a conexão histórica com seu eleitorado. E isso abriu espaço para que movimentos de direita radical capturassem essa audiência.

"(O PT vai fazer) uma grande reunião do partido para tentar responder ao que aconteceu (no primeiro turno), uma reunião na universidade, onde estarão artistas e escritores. Enquanto isso, as pessoas comuns (seguem) dizendo (sobre o PT): 'nos livramos dos bandidos'", avalia Chomsky, que conversou com a BBC News Brasil, por vídeo chamada, na tarde de segunda-feira (03/10), menos de 24 horas após a definição de segundo turno entre Lula, que conquistou 48,43% dos votos válidos, e Bolsonaro, com 43,20% dos votos.

Segundo Chomsky, um defensor incondicional da liberdade de expressão, a falta de capilaridade de base do PT e da esquerda brasileira explica a eficácia que têm algumas fake news na campanha, como a de que Lula planeja fechar templos religiosos.

"Se você tivesse um partido político ou qualquer organização geral defendendo os trabalhadores e os pobres, eles poderiam reagir a isso (fake news) na base, via organização local. Os Democratas não têm. E acho que não existe nada parecido no Brasil. O PT simplesmente não está se organizando na base, no chão de fábrica", afirma Chomsky.

'Chomsky observa que PT deixou de se organizar em bases populares — e perdeu a conexão histórica com seu eleitorado'

O filósofo, aposentado pelo Massachussets Institute of Technology (MIT) e atualmente professor da Universidade do Arizona, afirma que pautas como o aborto e o armamento civil são estratégias diversionistas para que a população mais pobre não perceba que as políticas econômicas dos governos são desfavoráveis a seus interesses. E afirma que o "pior crime de Bolsonaro é destruir a Amazônia", algo que pode colocar em risco a sobrevivência da humanidade como um todo.

Chomsky vê muitos paralelos entre a política nos EUA e no Brasil: desde o erro das pesquisas eleitorais ao medir as performances dos candidatos populistas de direita ao risco de uma repetição da invasão do Capitólio à brasileira.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Noam Chomsky à BBC News Brasil, editada por concisão e clareza.

BBC News Brasil- Como o senhor avalia o quadro político do Brasil hoje, à luz dos resultados do primeiro turno, que mostraram Lula a 1,5 ponto percentual de ganhar no primeiro turno mas com Bolsonaro apenas 5 pontos percentuais atrás dele, mostrando um vigor que as pesquisas não detectaram e que surpreendeu muita gente?

Noam Chomsky - Em primeiro lugar, isso é apenas uma parte do quadro político. Tem outra parte que eu acho ainda mais reveladora, que é que os candidatos de direita, os candidatos de Bolsonaro, realmente varreram a maior parte do Brasil muito além do que se esperava para o Congresso e entre os governadores.

E foi bastante surpreendente ver o que aconteceu com as pesquisas, dá pra supor que é bastante semelhante ao que está acontecendo nos Estados Unidos (onde as pesquisas demonstraram erro fora do esperado em antever a votação trumpista). Eles foram exatos em Lula, quase precisos. Mas subestimaram muito Bolsonaro e também seus candidatos.

'Para Chomsky, as motociatas de Bolsonaro têm ocupado espaços públicos ao redor do Brasil — diferentemente da campanha petista'

Isso é exatamente o que acontece com Trump. As pesquisas subestimam o apoio popular a ele e aos que ele apoia. E suspeito que o motivo seja o mesmo. A parte da população que está inclinada a votar em Trump ou Bolsonaro provavelmente é tão anti-elite que não confia nos pesquisadores, acha que eles fazem parte dessa conspiração de esquerda que está tentando destruir a família, a igreja. Eles simplesmente não respondem. Eu não ficaria surpreso se o mesmo estivesse acontecendo aqui.

Houve uma tonelada de publicidade negativa nos anúncios da campanha de Bolsonaro em relação ao Lula. "Livre-se do ladrão". "Livre-se da corrupção". "Eles estão apenas roubando você". E a impressão que dá ao falar com as pessoas nas ruas é que isso teve um grande efeito. Que o grupo de Bolsonaro seja corrupto até o pescoço não é o que as pessoas têm ouvido ou captado no WhatsApp. Então, o papo das pessoas conversando na rua é 'vamos nos livrar dos corruptos, dos ladrões'. Novamente um fenômeno bastante semelhante tem acontecido nos Estados Unidos.

BBC News Brasil - Mas por que a esquerda não consegue reagir a isso?

Chomsky - O Partido Democrata, que você poderia supor ser a oposição (a Trump e aos republicanos nos EUA), na verdade praticamente se juntou à onda neoliberal no início dos anos 1980. Eles abandonaram a classe trabalhadora e os pobres apenas para seguir a guerra de classes de (Ronald) Reagan. Muito parecido com o Partido Trabalhista na Inglaterra, onde a piada era que Tony Blair havia se tornado uma versão light de (Margareth) Thatcher.

O resultado final é que esse público não é de ninguém. Não há nenhum partido político que esteja de fato defendendo os direitos e interesses dos trabalhadores, dos pobres. Eles (os trabalhadores e os pobres) são facilmente desviados para outras preocupações quando alguém como Trump, nos EUA, aparece no palco segurando em uma mão dizendo uma faixa que diz "eu te amo" enquanto que com a outra mão, ele te apunhala pelas costas. Eles apenas olham para o "eu te amo", não para o programa de governo.

No Brasil, minha impressão do que aconteceu é que o PT simplesmente falhou por 20 anos em se organizar na base. Então, só para ilustrar, a gente conversa com as pessoas e as pessoas não sabem que se beneficiaram dos programas que o Lula criou, não sabem que ele foi o responsável por seus filhos poderem entrar na faculdade, por você ter conseguido abrir um pequeno negócio. É Deus, é sorte, ou algo assim. Não o PT. Vimos isso em discussões pré-eleitorais de ativistas do partido, falávamos sobre como eles tiveram um grande apoio de artistas e de alguns movimentos sociais, mas não são essas pessoas que vão votar e vencer a eleição. Na verdade, (minha esposa) acabou de me dizer que haverá uma grande reunião do partido para tentar responder ao que aconteceu (no primeiro turno), uma reunião na universidade, onde estarão artistas e escritores. Enquanto isso, as pessoas comuns (seguem) dizendo que nos livramos dos bandidos. Essa é uma observação superficial, mas essa é a impressão que tenho há muitos anos.

BBC News Brasil - A direita radical tem ganhado terreno entre grupos que antes eram considerados esquerdistas, como trabalhadores sindicalizados, os mais pobres. Esse é inclusive um objetivo declarado deles, como disse recentemente Steve Bannon à BBC News Brasil. Por que isso está acontecendo?

Chomsky - Devo dizer que, embora acompanhe de perto os assuntos brasileiros, não estou intimamente envolvido neles, então posso dar apenas julgamentos superficiais. Mas me parece muito com o que aconteceu nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Então, vamos dar uma olhada nos Estados Unidos: o chamado neoliberalismo não tem praticamente nada a ver com mercados ou qualquer coisa assim, é apenas uma guerra de classes massiva e selvagem, muito concentrada e bem planejada, o capitalismo selvagem em seu extremo.

'Chomsky vê muitos paralelos entre a política nos EUA e no Brasil — desde o erro das pesquisas eleitorais ao risco de uma repetição da invasão do Capitólio à brasileira'

Na década de 1970, o mundo dos negócios viu uma oportunidade de reverter as odiadas medidas do New Deal, as medidas social-democratas, que eram significativas. Eles foram fortemente apoiados por alguém como (o presidente americano republicano Dwight) Eisenhower, mas a comunidade empresarial nunca gostou e, no início dos anos 1970, houve uma crise econômica e uma oportunidade para os empresários de basicamente ir na jugular dessas medidas e lançar uma grande guerra de classes. Reagan embarcou. Margareth Thatcher, na Inglaterra, fez o mesmo. Tanto eles quanto seus conselheiros pelo menos entenderam que era apenas uma guerra de classes. A primeira coisa que fizeram foi ir atrás de destruir os sindicatos. Esse é o único mecanismo de defesa que os trabalhadores têm, isto está bem compreendido ao longo de mais de um século. Você tem que destruir os sindicatos se quiser levar a cabo uma guerra de classes. Divida a população e faça com que ela se desvie, se afaste das questões econômicas. Não queremos que olhem para isso porque estamos apunhalando-na pelas costas. Em vez de olhar para a economia, olhe para o aborto ou para armas ou qualquer coisa.

Isso começou com (o republicano) Richard Nixon com o que foi chamado de Estratégia do Sul (um discurso político que explorava eventuais episódios de violência em protesto antirracismo e advogava pela insegurança da população branca nas cidades), quando ele percebeu que podia conquistar os democratas do Sul que se opunham aos direitos civis (dos negros), apresentando-se como o partido racista.

Claro, Nixon não dizia: 'sou racista'. O que fazia era dar indicações, os chamados apitos de cachorro, que são códigos para fazer as pessoas entenderem que você está do lado da supremacia branca. E no momento em que chega a Reagan, não eram nem apitos de cachorro, era um racista aberto.

Ao mesmo tempo, os republicanos foram percebendo que se fingissem ser contrários ao aborto - apenas fingissem - poderiam ganhar o enorme voto evangélico. Se a gente voltar para a década de 1960, os líderes do Partido Republicano eram pró-escolha da mulher. Reagan, George H. W. Bush faziam parte basicamente dos apoiadores de Roe versus Wade (a decisão da Suprema Corte que liberou o aborto em todos os EUA até ser derrubada pela Corte este ano). Reagan, como governador da Califórnia, passou uma das leis mais abrangentes para garantir o acesso ao aborto (em 1967). Os estrategistas do Partido Republicano de meados dos anos 1970 que perceberam que, se fingissem ser anti-aborto, poderiam obter o enorme voto evangélico e o voto católico do norte. E num estalar de dedos, todos eles se tornaram apaixonadamente anti-aborto.

Isso está acontecendo agora no Brasil, o grande voto evangélico vai para Bolsonaro também. Novamente, (a estratégia de investir nas) questões culturais. Você olha para as eleições de 2018 no Brasil, nas quais suspeito que Steve Bannon esteve muito envolvido, e as mensagens que vinham no WhatsApp, que é o que a maioria das pessoas olham, é que o PT ia destruir as igrejas, ia transformar seus filhos em homossexuais e assim por diante. Esse é o problema. Desta vez, eles são todos ladrões corruptos que atacam a igreja, e por aí vai. Se você tivesse um partido político ou qualquer organização geral defendendo os trabalhadores e os pobres, eles poderiam reagir a isso (fake news) na base, via organização local. Os Democratas não têm. E acho que não existe nada parecido no Brasil. O PT simplesmente não está se organizando na base, no chão de fábrica. O que eles estão fazendo é como quando os democratas nos Estados Unidos se reúnem para ir a uma das festas chiques de (Barack) Obama, onde podem ouvir Beyoncé cantando e discutir. Se os republicanos querem apelar à classe trabalhadora, o que eles fazem é mandar que George W. Bush vá a um bar e peça uma cerveja e finja ser um "Zé" da classe trabalhadora comum. O que os democratas fazem: John Kerry vai praticar windsurf. Isso realmente não vai agradar aos trabalhadores. O PT e os Democratas se tornaram partidos de pessoas abastadas, que vão às universidades discutir o que fazer. E aí já está perdido.

De outro lado, os republicanos estão já bastante esgotados com os seus principais apoiadores, os setores corporativos, que não gostam deles. Assim como a classe empresarial no Brasil não gosta da vulgaridade e crueldade de Bolsonaro. Mas ainda assim, os dois grupos acham melhor isso do que ter outro petista ou democrata no poder.

BBC News Brasil - O senhor está traçando muitos paralelos entre os EUA e o Brasil. Há quem acredite que o país pode viver uma situação como o 6 de janeiro de 2021, quando trumpistas invadiram o Capitólio pra contestar os resultados eleitorais. O senhor vê esse risco no Brasil?

'Apoiadores de Trump invadiram o Capitólio para interromper a sessão que certificaria a vitória de Joe Biden, eleito presidente do país'

Chomsky - O tumulto das motociatas do Bolsonaro dão uma ideia do que poderia ser. E olha que era apenas um desfile pelas ruas da cidade. Acho que os próximos serão meses muito difíceis. Bolsonaro fez declarações alegando possíveis fraudes tão extremas que a comunidade diplomática internacional se opôs fortemente. Então eu acho que eles vão se abster desse tipo de movimento. Mas é perfeitamente possível que eles possam replicar o 6 de janeiro. Lembre-se, o 6 de janeiro chegou muito perto de um golpe e só não o foi porque meia dúzia de pessoas decidiram diferente. Teria sido um golpe se (o vice de Trump) Mike Pence e (o então líder da maioria no Senado) Mitch McConnell estivessem dispostos a ver o sistema democrático formal derrubado. Foi muito perto.

Se aconteceu nos EUA, há um risco muito grande de que aconteça no Brasil. O país está obviamente muito dividido e Bolsonaro está despejando armas na mão de pessoas que se organizariam facilmente para dar um golpe. Não é preciso muita imaginação para pensar que os mesmos que participam da motociara também poderiam pegar em armas se for o caso. Como Trump, Bolsonaro disse muito explicitamente que ele não vai ser derrotado, quem sabe o que ele quer dizer?

BBC News Brasil - Se Lula vencer, o que ele deveria fazer em seu terceiro mandato?

Chomsky - Bom, a essa altura está meio tarde, mas eles precisam começar a se organizar entre a população em geral. Não basta ter artistas do seu lado, ou ter acadêmicos, é preciso sair às ruas e se organizar para realmente ter forças populares reais ali.

Não é que faltem pessoas (nesse campo da esquerda). Houve grandes manifestações populares (contra Bolsonaro), mas meio espontâneas. Eu não acho que eles tinham uma organização unificada ou um conteúdo político direto, exceto o "fora Bolsonaro" ou algo assim. Isto não é suficiente.

BBC News Brasil - Como o governo Bolsonaro se compara ao de Trump?

Chomsky - Uma das semelhanças é voltar a atenção do público para outro lugar. Essa técnica de apontar pro outro lado e gritar 'olha lá o ladrão', pra se livrar de questionamento sobre o aumento da fome e da pobreza, sobre as mortes da pandemia.

Mas o pior crime de Bolsonaro, não só para os brasileiros, mas para o mundo inteiro, é destruir a Amazônia. Mais alguns anos com o atual avanço da extração ilegal da madeira, do agronegócio e da mineração e chegaremos em pontos de inflexão irreversíveis, no qual a floresta se converte em savana. Sabe-se que isso acontecerá mais cedo ou mais tarde, mas essa possibilidade se aproximou muito por causa desses ataques destrutivos. É um desastre para o Brasil, uma catástrofe para o mundo inteiro. Em vez de tratar disso, vamos fazer campanha em outra coisa: 'olha aí, os ladrões do PT, tentando enganá-lo', 'eles vão destruir a família', 'vão atacar a igreja cristã'. Enquanto isso, nos aproximamos mais e mais do ponto em que não vamos mais sobreviver.

BBC Brasil

Tebet e Ciro com Lula, governadores com Bolsonaro: apoios podem definir eleição?




Por Rafael Barifouse, em São Paulo

Os últimos dias foram marcados por intensas movimentações de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) para costurar os acordos com novos aliados na disputa pela Presidência.

A senadora Simone Tebet (MDB) anunciou na quarta-feira (5/10) apoio a Lula, que também terá ao seu lado Ciro Gomes e seu partido, o PDT. Os dois foram respectivamente o terceiro e quarto colocados no primeiro turno e receberam juntos 8,5 milhões de votos.

Bolsonaro conseguiu o apoio dos governadores de Minas Gerais e São Paulo, os dois maiores colégios eleitorais do país, além de outros nomes importantes da política nacional.

A diferença entre Lula e Bolsonaro ficou em 6 milhões de votos no primeiro turno. O petista recebeu 48,43% dos votos válidos, e Bolsonaro, 43,20%. Para ganhar, eles precisam de 50% mais um.

A disputa foi mais apertada do que indicavam as pesquisas, o que torna os apoios fechados agora especialmente importantes e bem-vindos, mas isso não deve ser o fiel da balança para a vitória de Lula ou de Bolsonaro, dizem cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil.

Quem apoiou Lula e Bolsonaro?

Lula conseguiu o apoio do PDT. O diretório nacional do partido tomou a decisão por unanimidade.

O seu candidato à Presidência, Ciro Gomes, que teve 3,04% dos votos, falou que vai seguir o seu partido. Mas ele se mostrou bastante contrariado e não citou Lula ao anunciar o apoio.

"É a última saída. Lamento que a democracia brasileira tenha afunilado a tal ponto que reste para o brasileiro duas opções, a meu ver, insatisfatórias", disse.

"Ao contrário da campanha violenta da qual fui vítima, nunca me ausentei ou me ausentarei da luta pelo Brasil. Sempre me posicionei e me posicionarei na defesa do país contra projetos de poder que levaram o país a essa situação grave e ameaçadora."

A senadora Simone Tebet (MDB) confirmou a sinalização que já havia dado após o primeiro turno quando disse que "já tinha lado" e declarou apoio a Lula.

"Apesar das críticas que fiz, depositarei nele o meu voto. Seu compromisso é com a democracia e a Constituição, o que desconheço no atual presidente. Não anularei meu voto, não votarei em branco, não cabe omissão", afirmou Tebet.

Seu partido optou pela neutralidade. "Por ampla maioria, o MDB decidiu dar liberdade para que cada um se manifeste conforme sua consciência", declarou a legenda em um comunicado.

O governador Helder Barbalho (MDB), reeleito no Pará no primeiro turno com 70,41% dos votos, disse que está com Lula. Barbalho, que já tinha o PT em sua coligação no Estado, onde Lula ganhou com 52,22% enquanto Bolsonaro teve 40,27%.

Outro governador do MDB, Ibaneis Rocha (DF), reafirmou seu apoio a Bolsonaro. O governador reeleito do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), fez o mesmo. Tanto no Estado quanto no Distrito Federal, Bolsonaro ganhou de Lula.

Da federação tripartidária que tinha Tebet como candidata, o Cidadania disse que apoia Lula. Já o PSDB ficou neutro e liberou seus diretórios para apoiar quem acharem melhor.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, fundador do PSDB, já havia sinalizado apoio a Lula no primeiro turno, mas desta vez foi mais enfático, mencionando o nome do candidato petista. "Neste segundo turno voto por uma história de luta pela democracia e inclusão social. Voto em Luiz Inácio Lula da Silva", disse o tucano.

Outros líderes históricos do PSDB, como o senador Tasso Jereissati (CE), Aloysio Nunes e José Anibal, também apoiaram o petista. Eles também criticaram o "apoio incondicional" a Bolsonaro declarado pelo governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB).

'O governador reeleito de Minas, Romeu Zema (Novo) anunciou apoio a Bolsonaro'

Garcia foi adversário de Fernando Haddad (PT) na eleição e ficou em terceiro, atrás do petista e de Tarcísio de Freitas (Republicanos), o candidato apoiado pelo presidente.

São Paulo é o maior colégio eleitoral do país, e Bolsonaro ganhou ali de Lula por 47,71% a 40,89%. O presidente também já tem um apoio importante no terceiro maior colégio, o Rio de Janeiro.

O governador Cláudio Castro, que é do seu partido (PL) e foi reeleito no primeiro turno com 58,67% dos votos, reforçou que está com Bolsonaro. O presidente venceu no Rio no primeiro turno com 51,09% contra 40,68% de Lula.

O ex-juiz Sergio Moro (União Brasil), eleito senador pelo Paraná com 1,9 milhão de votos, também declarou apoio ao presidente.

Moro foi ministro da Justiça e Segurança Pública e saiu do governo acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal. O presidente nega.

Bolsonaro disse agora que as desavenças entre os dois estão "superadas". "O passado é o passado, não temos contas a ajustar", afirmou o presidente para jornalistas.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), reeleito no primeiro turno com 56,2% dos votos, foi um dos primeiros a declarar que está com Bolsonaro.

Minas é um Estado-chave para a eleição presidencial, porque é o segundo maior colégio eleitoral. Nenhum presidente eleito desde a redemocratização venceu sem ganhar em Minas.

Neste primeiro turno, a votação ali espelhou quase exatamente o resultado nacional.

O Partido Social Cristão, comandado pelo Pastor Everaldo, anunciou seu apoio formal ao presidente.

"Bolsonaro é o candidato que defende as bandeiras conservadoras do PSC: defesa da família e da vida desde a concepção, da segurança, das mulheres e da liberdade econômica", disse.

Apoio dá voto?

'Ciro Gomes (PDT) deu apoio resignado a Lula (PT)'

É um começo melhor para o presidente, avalia o cientista político Cláudio Couto. "Acho que Bolsonaro sai um pouco na frente porque conseguiu apoios mais significativos", diz o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Isso é relevante porque pode influenciar a percepção do eleitorado sobre as candidaturas. "O mais importante é essa percepção do conjunto de apoios. O eleitor vai ver quem está conseguindo atrair mais, e isso conta", afirma o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências.

Mas os analistas avaliam que os apoios anunciados até agora não devem trazer os votos que Bolsonaro precisa para virar o jogo, porque muitos dos eleitores dos seus "novos aliados" provavelmente já votaram nele no primeiro turno.

"Tem um valor mais simbólico do que prático. Além disso, Rodrigo Garcia, por exemplo, se tivesse uma grande capacidade de influência não teria ficado em terceiro lugar", diz Cortez.

O apoio de Zema tem mais peso, avalia Couto. "Mas não são nomes que inflamam paixões, não estamos diante de lideranças carismáticas", afirma.

"O Zema é um gestor bem avaliado, e isso ajudou ele a se reeleger facilmente, então, é claro que é bom ter o apoio, porque pode deixar os eleitores que votaram em Lula mais pensativos, mas não acredito que vai virar tudo de cabeça para baixo."

'Sergio Moro, eleito senador, apoiou Bolsonaro'

A cientista política Maria do Socorro Sousa Braga ressalta que "Minas é quase um Brasil" e isso limita quantos votos Bolsonaro pode conquistar no Estado.

"Claro que vai conseguir um pouco, mas é um colégio eleitoral imenso, e as regiões do Norte de Minas votam em Lula, ele venceu muito forte ali."

Do lado de Lula, o apoio resignado de Ciro também não ajuda muito, diz Couto.

"Porque não é o Carlos Lupi (presidente do PDT) que vai conseguir trazer votos para Lula. Pode ajudar um pouco se houver articulações das lideranças locais, mas o eleitorado não tem uma identificação com o partido."

O apoio de Tebet, se confirmado, também não deve ser suficiente para garantir a vitória petista, segundo Braga.

"Entre os novatos, a Tebet é quem sai com maior capital político, mas ainda não tem capacidade de fazer uma grande transferência, leva tempo para um político conquistar isso, ainda mais entre campos antagônicos como ela e o PT."

Mas a cientista política avalia que isso pode ter um efeito dentro de um partido bastante dividido como o MDB e fazer a legenda pender para o lado de Lula.

"O partido já tem vários segmentos que apoiam Lula, e isso deve se ampliar com o apoio da Tebet", diz Braga. O MDB é o partido que está à frente do maior número de prefeituras no país.

Os analistas dizem que, tanto de um lado quanto do outro, as transferências de votos não são automáticas e que vai depender muito mais das campanhas conseguirem mudar a percepção sobre os candidatos para conseguir os votos que faltam para vencer.

Bolsonaro vai precisar reduzir a sua rejeição, e Lula tem que desfazer as desconfianças sobre como ele deve governar nas áreas econômica e de costumes.

Mas, em uma eleição disputada, os votos conquistados com as novas alianças podem ter um impacto maior do que antes. "É o pouco que pode significar muito", diz Couto.

BBC Brasil

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