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domingo, dezembro 10, 2023

A Lei das Estatais empaca no STF - Editorial




O Supremo começou a julgar em março a esdrúxula liminar que barrou os efeitos da lei e, com dois pedidos de vista, torna ainda mais constrangedora a demora em rejeitar uma ação inepta

O pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques interrompeu, mais uma vez, o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade das restrições impostas na Lei das Estatais a nomeações para a alta administração de empresas públicas. O colegiado começou a julgar a questão em março, duas semanas depois da liminar do então ministro Ricardo Lewandowski, hoje aposentado, que suspendeu temporariamente os efeitos da lei, em atendimento a uma ação movida pelo PCdoB.

Em primeiro lugar, a ação deveria ter sido rejeitada de pronto pelo STF, por ser inepta, claramente movida por inconformados derrotados em votação no Congresso. Isso não só não aconteceu, como o ministro Lewandowski decidiu suspender a lei numa canetada – abrindo uma janela preciosa para uma nova farra de nomeações políticas. Quando o Supremo afinal resolveu julgar o caso, o ministro André Mendonça fez um pedido de vista. Pelas normas do STF, o julgamento deveria ter sido reiniciado, no máximo, 90 dias depois, no fim de junho, mas foi retomado apenas agora, em dezembro, com o voto divergente de Mendonça. Foi a vez, então, de Nunes Marques requerer o processo para exame. Tem até março para devolvê-lo.

De vista em vista, a medida “emergencial” – o que é, no fim das contas, o caráter básico de uma liminar – de Lewandowski caminha para completar um ano, permitindo ao governo descumprir um dos principais instrumentos de governança corporativa da Lei das Estatais. A liminar em si já é uma barbaridade; a demora do Supremo em analisá-la, ainda mais acintosa.

A Lei 13.303, conhecida como Lei das Estatais, foi promulgada em 2016 com o objetivo específico de moralizar a nomeação de dirigentes e membros do Conselho de Administração das empresas públicas. Àquela altura, diretamente atingidas por denúncias de corrupção e uso político, as estatais, tendo à frente Petrobras, Eletrobras e suas controladas, atravessavam uma série crise de depreciação.

As exigências impostas pela nova legislação aprovada pelo Congresso, de tão elementares, deveriam estar implícitas em qualquer critério de escolha desde sempre. Ficavam proibidas as nomeações de ministros, secretários estaduais e municipais, dirigentes de partidos políticos e sindicatos, parlamentares, diretores de órgãos reguladores ligados à empresa e funcionários de assessoramento superior da administração pública.

A profissionalização dos Conselhos de Administração – instância máxima das decisões estratégicas das empresas – é uma medida largamente adotada no mundo. Há cursos específicos de especialização em boa governança. Quanto mais independente o Conselho de Administração – obviamente composto por pessoas habilitadas e com profundo conhecimento do setor e da empresa que assessoram –, mais isentas se mostrarão as decisões tomadas. No Brasil, contudo, sucessivas gestões federais acostumaram-se a transformar esses conselhos e os cargos de diretoria em moeda de troca e exercício de ingerência política.

Em gestões petistas passadas, a prática foi levada a um notório aparelhamento. Foi exatamente esse fenômeno que suscitou a criação da lei para blindar as companhias, que são do Estado, e não do grupo político cujo presidente exerce por um determinado tempo sua gestão. Administradores investidos no cargo com o propósito principal, se não único, de seguir a orientação dos governantes causam graves e, às vezes, irreversíveis prejuízos às empresas que representam. Investimentos despropositados e financiamentos a projetos governamentais são os problemas mais comuns.

Como se não bastasse o interesse político e ideológico, indicações dessa natureza servem muitas vezes apenas para garantir ao apaniguado um mero complemento salarial, pois há casos de indicados que não têm a menor afinidade com esse ou com qualquer outro trabalho. Além de escancarar um profundo desprezo pelo cargo de conselheiro administrativo, essas indicações são também um grande risco para a empresa, ainda que o indicado seja bem-intencionado. É essa distorção grave que o governo quer perpetuar – e cujo impedimento o STF insiste em adiar.

O Estado de São Paulo

Chanceler de Milei sinaliza a governo Lula ampliar acordos com Mercosul




Mauro Vieira e Diana Mondino, chanceleres de Brasil e Argentina, durante encontro em Buenos Aires neste sábado (9)

Futura ministra de Relações Exteriores da Argentina se reuniu pela segunda vez com chanceler Mauro Vieira em Buenos Aires desde a eleição de Javier Milei

Por Luciana Taddeo e Leandro Magalhães

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, chegou neste sábado (9) a Buenos Aires para acompanhar a posse do novo presidente da Argentina, Javier Milei, que acontece no domingo (10).

Segundo fontes ouvidas pela CNN, a futura ministra de Relações Exteriores da Argentina, Diana Mondino, convidou o chanceler brasileiro para conversar antes da posse assim que soube da chegada do ministro a Buenos Aires.

No encontro, que durou cerca de 40 minutos, no Palácio San Martín, sede da chancelaria argentina, trataram de vários assuntos, entre os quais, a ampliação de acordos do Mercosul, segundo relatos à CNN.

Integrantes do futuro governo argentino teriam concordado com o fortalecimento de ações do bloco que contribuam com os dois países.

Sinalizações para projetos futuros foram citados durante a reunião entre os membros dos dois países.

“Brasil e Argentina são complementares. O objetivo não é tratar de questões ideológicas. Ideologia pode ficar dentro de cada país. Ficamos felizes com a sinalizacão”, afirmaram fontes do Itamaraty à CNN.

Segundo as fontes, a chanceler designada por Milei reiterou seu interesse pela conclusão da negociação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, um dos temas mais importantes para o futuro do bloco regional.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva será representado na cerimônia por Vieira.

No mês passado, Diana Mondino foi ao Brasil para visitar o chanceler brasileiro e entregar uma carta de Milei convidando Lula para a posse. Após o encontro, ela afirmou que a parceria com o Brasil vai continuar “o melhor e o mais rápido possível”.

CNN

Recado pra Lula ou 'espantalho da direita'? Qual será peso político de Milei na América Latina




O encontro de Milei e Bolsonaro, em registro divulgado pelo deputado estadual Carmelo Neto (PL-CE)

Por Mariana Schreiber, em Brasília

O economista libertário Javier Milei toma posse neste domingo (10/12) como presidente argentino sem a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem fez duras críticas durante sua campanha.

Apesar de o argentino ter suavizado o tom contra o petista após sua eleição, o governo brasileiro será representado pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, algo raro, dada a importância da relação dos dois países.

A cerimônia, ao mesmo tempo, será prestigiada por uma comitiva de representantes da direita brasileira, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem Milei é declarado admirador. Ambos já se reuniram em Buenos Aires na sexta-feira.

A vitória de Milei nas urnas tem sido comparada com a eleição de Bolsonaro em 2018, já que ambos se projetaram como líderes controversos do campo conservador, com propostas radicais e uma postura "antissistema", embora o brasileiro tenha sido parlamentar por três décadas antes de conquistar o Palácio do Planalto, enquanto Milei exerceu um mandato de deputado federal.

Para analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, porém, a eleição do novo presidente argentino não deve ser lida apenas como uma "repetição" da política brasileira de cinco anos antes, mas traz reflexões sobre os desafios que se colocam à frente para o governo Lula e o campo bolsonarista.

Por um lado, o resultado da eleição argentina é visto como um recado para o Palácio do Planalto ao evidenciar a dificuldade que governos têm tido para se manter no poder na América Latina. Na grande maioria das disputas presidenciais dos últimos cinco anos, foi a oposição que se saiu vitoriosa.

Por outro lado, a vitória de Milei também é lida como um risco para o campo da direita. Embora sua eleição seja mais um sinal da força da ultradireita no continente, suas chances de êxito ainda seguem muito incertas, dado o tamanho da crise econômica argentina e a complexidade das propostas que o elegeram, como a ideia de dolarizar a economia e acabar com o Banco Central.

Reeleição em queda na América Latina

Para o diretor do instituto de pesquisas Quaest, o cientista político Felipe Nunes, a vitória de Milei traz uma importante mensagem para Lula, não tanto no sentido de evidenciar a força do campo conservador, que não é novidade no Brasil, mas de ser mais um exemplo da dificuldade que mandatários têm tido em diferentes países para se reeleger ou eleger um sucessor, independentemente do campo que representam.

Um levantamento do cientista político argentino Gerardo Munck, professor da University of Southern California (Estados Unidos) corrobora essa tese: de 18 eleições disputadas na América Latina desde 2019, o candidato governista venceu apenas no pleito realizado neste ano no Paraguai – o país é um caso particular da falta de alternância de poder, já que o Colorado, partido de centro-direita, perdeu apenas uma disputa presidencial em 76 anos, quando Fernando Lugo venceu em 2008.

O caso argentino ilustra bem a dificuldade governista nos últimos anos, especialmente impactada pela duradoura crise econômica. O presidente de direita Mauricio Macri não conseguiu renovar seu mandato em 2019, quando foi derrotado pelo candidato de esquerda, Alberto Fernández. Este, por sua vez, não foi capaz nem mesmo de viabilizar sua candidatura à reeleição, lançando seu ministro da Fazenda, Sergio Massa, para disputar a sucessão, no pleito vencido por Milei.

Já no Brasil, Bolsonaro foi o primeiro presidente a não conseguir se reeleger desde a redemocratização, ao perder a disputa de 2022 por margem apertada para Lula.

"A América Latina tem sido marcada nos últimos anos por um processo muito claro de rejeição aos governos, mais do que uma tendência pró-direita ou antiesquerda. As pessoas estão cada vez mais insatisfeitas com a maneira como os governos estão operando, o que para mim é uma demonstração da crise da representação política que a gente vive no mundo todo, mas especialmente na América Latina", afirma o diretor da Quaest.

Para Nunes, esse cenário vem com um desafio a mais no caso de Lula, devido à resiliência do campo bolsonarista. Na sua visão, a polarização da política brasileira está tão forte que se calcificou na sociedade, processo que ele analisa com o jornalista Thomas Traumann no livro recém-lançado Biografia do Abismo, como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil.

"As pessoas estão mais exigentes, estão cobrando mais dos seus governantes. E o alerta que fica para o Lula é de que, por um lado, essa cobrança, que é generalizada, também é brasileira, mas com uma nuance muito nossa que tem a ver com a tese da calcificação política que defendemos no livro", disse à reportagem.

"Se a gente está vendo na América Latina os governos sendo consistentemente não aprovados, por outro lado a gente vê no Brasil uma força muito grande do eleitor bolsonarista, há uma resiliência nesse sentimento antipetista que vai merecer muita atenção por parte do atual governo no Brasil", acrescenta.

Na avaliação de Nunes, a vitória de Milei não é um elemento em si capaz de impulsionar a direita brasileira, mas o resultado da eleição americana de 2024 terá impacto relevante.

Nos Estados Unidos, o líder da direita conservadora Donald Trump, do partido Republicano, também não conseguiu a reeleição em 2020, quando foi derrotado pelo atual presidente, o democrata Joe Biden. O resultado, lembra o diretor da Quaest, foi fundamental para ditar uma postura mais dura do governo americano contra movimentações do campo bolsonarista de contestação ao sistema eleitoral brasileiro.

'Lula tem mantido apoio de sua base, sem conseguir ampliar aprovação, mostram pesquisas'

Uma nova vitória de Biden ou outro candidato democrata, porém, está longe de estar garantida, com Trump ganhando apoio popular para disputar novamente a Casa Branca. O republicano, porém, ainda enfrenta acusações na Justiça com potencial de impedir sua candidatura.

"Seja quais forem os candidatos, a eleição dos Estados Unidos vai ser decidida na margem. O resultado, sem dúvida alguma, tem efeitos e consequências sobre a política no Brasil", acredita.

"Então, uma vitória do Trump nos Estados Unidos (em 2024) acho que alimenta o sentimento de revanche no Brasil, porque já teve Milei vencendo (na Argentina), tem outros candidatos de direita em países da América Latina. Por outro lado, uma vitória do Biden também acaba sendo um incentivo para a esquerda brasileira", avalia.

Pesquisas de opinião têm mostrado que a gestão Lula enfrenta dificuldades para ampliar seu apoio, após a vitória apertada. Levantamento do Datafolha divulgado na quinta-feira (7/12) mostrou que o petista terminou 2023 com 38% de aprovação dos brasileiros. Outros 30% da população consideram seu trabalho regular, e o mesmo número avalia sua gestão como ruim ou péssima.

Para Nunes, as ações do governo Lula no primeiro ano focaram mais em consolidar sua base de eleitores do que em tentar conquistar o eleitor bolsonarista. Ele cita como exemplo o foco em políticas sociais como a ampliação do Bolsa Família e a retomada do Mais Médicos, que atendem a população de menor renda.

O cientista político acredita que o presidente tem pouco espaço para conquistar três grupos que apoiam Bolsonaro: o eleitorado evangélico, o segmento ruralista e aqueles bolsonaristas mais radicais com viés autoritário.

Um quarto grupo, porém, seria mais suscetível a apoiar Lula – é o que Nunes e Traumman no livro chamam de "empreendedores, uma classe média urbana que gera empregos". Na sua avaliação, programas como o Desenrola – de renegociação de dívida – podem atrair a simpatia de parte desse grupo para o governo.

'Milei pode ser espantalho para direita'

Apesar do furor do campo bolsonarista com a vitória de Milei, o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes vê o risco de seu governo ter um resultado negativo, a ponto de distanciar parte do eleitor brasileiro da ultradireita.

O futuro presidente argentino assume com grandes desafio pela frente, dada a profunda crise econômica do país, e foi eleito com propostas radicais e de difícil implementação.

Entre suas promessas mais radicais e de difícil execução estão o fim do Banco Central e a dolarização da economia argentina. Durante a campanha, também sinalizou para um afastamento de Brasil e China, os dois maiores parceiros comerciais do país.

Após sua vitória, porém, Milei tem moderado o tom.

"É possível imaginar a relação oposta: em vez de a Argentina de Milei servir de vitrine para ser emulada pelo Brasil no futuro, pode ser o contrário: Milei pode ser um espantalho pra volta da ultradireita", pondera Belém.

Para o professor da UFMG, os indicadores econômicos brasileiros serão o fator determinante para a eleição de 2026.

"Se o Brasil conseguir manter um bom rendimento da sua economia, boas condições socioeconômicas da sua população de modo geral, é difícil imaginar que a oposição no Brasil consiga se viabilizar e ganhar a eleição de 2026", disse.

"É claro, a oposição está bem estruturada, vai conseguir vitórias parciais no nível municipal, no nível estadual. Mas no nível Federal teria que haver uma queda na performance do governo em relação ao que está acontecendo em 2023. Pode, mas nada indica que vai", acredita.

'Consolidação da ultradireita'

Professora no departamento de Política e Governo da Universidade Alberto Hurtado, em Santiago do Chile, a cientista política brasileira Talita São Thiago Tanscheit vê a vitória de Milei como um sinal de "consolidação" das forças de ultradireita na América Latina.

"Se a eleição de 2018 do Bolsonaro ocorreu sobre um processo de ascensão da ultradireita na América Latina com um futuro ainda incerto, eu acho que a eleição do Milei já não é sobre ascensão, é sobre consolidação, na medida em que já existiram experiências de governo de direita em outros países da região”, destaca.

"E, mesmo onde não foi governo, a ultradireita tem disputado a eleição e tem conseguido parcelas significativas do eleitorado", reforça.

Ela cita como exemplos o caso do próprio Brasil, em que Bolsonaro governou e perdeu a reeleição por uma margem pequena, o de El Salvador, governado desde 2019 por Nayib Bukele, ou mesmo o do Chile, em que o presidente de esquerda Gabriel Boric, eleito em 2022, sofreu forte queda de popularidade e viu o campo conservador avançar.

Hoje, é a ultradireita, ressalta Tanscheit, que controla o Conselho Constitucional chileno, eleito para escrever a nova Constituição do país, depois que uma primeira assembleia de viés progressista teve seu texto final rejeitado em votação popular. A nova proposta de Constituição, agora em versão conservadora, será submetida à população em 17 de dezembro.

Na sua leitura, o campo da ultradireita tem crescido na região seguindo uma onda global de "frustração com as promessas não cumpridas da democracia ou com aquilo que as pessoas achavam que a democracia deveria cumprir", o que resultou em desconfiança na política e nas instituições.

Para Tanscheit, cada vez mais as disputas eleitorais na América Latina terão como um dos polos de disputa a ultradireita, que vem mobilizando o campo conservador no lugar antes ocupado por uma direita mais moderada.

Na sua visão, o campo bolsonarista será competitivo na disputa presidencial de 2026, mesmo com Jair Bolsonaro impedido de se candidatar, após ter sido condenado pela Justiça Eleitoral.

Já o campo de Lula terá mais força caso seu governo entregue resultados efetivos, especialmente para a população mais pobre, avalia.

"A ultradireita segue viva com uma presença importante na Câmara de Deputados, no Senado Federal, e com os governo estaduais de São Paulo e de Minas Gerais, os dois maiores colégios eleitorais do Brasil. O que está em aberto é quem será o líder desse campo político (em 2026), mas que eles vão ser competitivos não tenho nenhuma dúvida", prevê.

"Agora, a Lula e à esquerda cabe fazer um bom governo. Fazendo um bom governo, com benefícios especialmente para a população mais pobre, diminui as chances dessas aventuras acabaram sendo vitoriosas", avalia.

BBC Brasil

Essequibo brasileiro? Brasil já perdeu território gigante para Guiana




Por Vinicius Pereira, De São Paulo 

A nova investida da Venezuela sobre o Essequibo, uma área dentro da Guiana repleta de minerais e outros recursos naturais, trouxe à tona que a América do Sul também enfrentou grandes disputas territoriais. O Brasil, conhecido mundialmente por uma postura pacífica nas relações internacionais, já passou por uma disputa fronteiriça na mesma região.

No litígio, que ficou conhecido como “Questão do Pirara”, o país entrou em um conflito diplomático com o Reino Unido por uma área de cerca de 33 mil quilômetros quadrados, localizada entre a fronteira do atual estado de Roraima e a Guiana.

Com áreas ricas para a agropecuária e em alguns minerais, o local daria acesso ao Brasil ao mar do Caribe pelos afluentes do rio Amazonas. Do outro lado, também poderia deixar com que os britânicos alcançassem toda região norte do Brasil, devido à possibilidade de navegação desde o local.

Em meio a embates diplomáticos entre os dois países que se arrastavam por anos, em 1898, o governo brasileiro aceitou a proposta inglesa de submeter a disputa ao julgamento do governo italiano - considerado imparcial à época, tendo como árbitro o rei Vitor Emanuel 3°, último governante monarquista da Itália.

O rei acabou por dividir o território, beneficiando a Guiana com 3/5 do local, o que representa uma área equivalente a treze cidades de São Paulo - decisão que causou protestos da diplomacia brasileira liderada por Joaquim Nabuco.

“A região tanto do lado brasileiro e britânico tinha um potencial agropecuário muito grande, com grandes fazendas de gado. Mas o Brasil buscava uma rota fluvial pelo interior, saindo do rio Amazonas e chegando no Atlântico norte, que é o mar do Caribe. É esse acesso que o país perde na disputa”, afirma Reginaldo Gomes, historiador e professor titular da Universidade Federal de Roraima.

Disputa entre Portugal, Holanda e Reino Unido

Apesar da resolução do caso ocorrer apenas no final do século 19, a região é alvo de disputa entre potências europeias desde o século 17. À época, os holandeses ocupavam a área da atual Guiana. Mas, após as invasões de Napoleão pela Europa no século 18, a área foi destinada aos ingleses, que ajudaram o país a se livrar da invasão do imperador francês.

Segundo Carlo Romani, doutor em História pela Unicamp e professor da Unirio, e que estuda a história pela perspectiva das populações que ocupam os territórios, o local é ocupado pela população indígena e foi rota da captura dos povos originários para trabalho forçado desde a colonização portuguesa.

“Essas populações caribes, principalmente os Macuxi, eram, ao contrário dos Wapichana, que já tinham mais contato com os luso- brasileiros, mais arredios ao cerceamento e à civilização forçada e, por isso, mais voltados aos britânicos, pois carregávamos essa pecha de escravistas”, afirma.

“Na época, havia tropas luso-brasileiras que avançavam em direção ao território de Pirara e voltavam para o Forte São Joaquim para distribuir para trabalhos forçados pelo Amazonas”, completa.

No contexto da abolição da escravidão da época, os britânicos reclamam o mesmo direito à liberdade em relação às populações indígenas. A partir daí houve uma defesa da posse do Pirara pelos britânicos na opinião pública europeia pois, em tese, o Brasil escravizava os indígenas do local.

“Isso aparece nos jornais britânicos, a partir de 1840, trazidos principalmente por conta do Robert Schomburgk, grande explorador das Guianas, que é quem conseguiu fazer percursos e criar uma demarcação do local. Ele é quem leva essa história a Londres e isso é noticiado na Europa. Então, sim, houve uma certa mobilização na época e que volta à tona no começo do século 20 quando a arbitragem vai ser discutida, colocando os brasileiros como escravistas e que supostamente legítima a reivindicação dos britânicos”, afirma Romani.

Nesse contexto, em 1841, há uma expedição militar inglesa chefiada por Schomburgk que promete ocupar a região de Pirara, proteger os índios e demarcar novos limites na fronteira da Guiana, mesmo sem a anuência do governo brasileiro.

“Quando os britânicos chegaram para neutralizar a área, o ainda Império brasileiro recua e parte para o embate diplomático”, diz Romani.

Rei controverso e diplomacia

Para tentar resolver o conflito, em 1899, o Barão de Rio Branco, então ministro das Relações Exteriores, convocou Joaquim Nabuco, uma das figuras mais importantes do movimento abolicionista no Brasil, para liderar a diplomacia brasileira na questão.

À época, não existiam organizações multilaterais, como a ONU (Organização das Nações Unidas), para a resolução de conflitos. Por isso, o Brasil, que também passava pela transformação do segundo reinado para a República, apoiou a demanda inglesa de uma arbitragem, um julgamento feito por um terceiro imparcial e escolhido pelas partes.

"Esse processo de arbitragem foi muito comum para uma série de questões à época, inclusive do Brasil. A questão do arrendamento da terra para um conglomerado britânico que explorava látex e o ciclo da borracha no Acre foi feita assim, a disputa pelo Amapá com a França também", conta Vanessa Braga Matijascic, professora de Relações Internacionais na FAAP.

Da parte brasileira, liderada por Nabuco, a diplomacia afirmara ao árbitro que a posse da terra era legal pois o país já controlava o rio Amazonas e seus afluentes superiores, que haveria uma ocupação do local desde a época de Portugal, além de uma ausência inglesa, e que pelo país ser o sucessor da metrópole, era considerado o protetor natural da área.

Os ingleses, por sua vez, afirmavam que o território contestado foi inteiramente adquirido pelos holandeses por via da ocupação e, depois, transmitido à Inglaterra, que conservou e desenvolveu tal presença. Além disso, a posse do local era confirmada pelo consentimento dos índios, que se reconheceriam como ingleses.

Segundo o livro A Questão do Pirara, de José Theodoro Mascarenhas Menck, ex-consultor legislativo do Congresso, e que conta com prefácio do ex-presidente Michel Temer, Nabuco se mostrava preocupado com a atuação do rei Vitor Emanuel 3°, que iria decidir o pleito. "O receio que tenho não é falta de imparcialidade, é de exame superficial, amateurich, da questão, e de entrarem jurisconsultos políticos, de regras de direito ad hoc", confidenciou ao barão de Rio Branco.

O líder italiano, que buscava fortalecer a Itália como potência junto aos países europeus, após a unificação do país, viu no convite uma grande cortesia da Inglaterra para com ele, de acordo com a publicação.

Assim, o árbitro declarou que por um lado "não se podia admitir como certo que Portugal, inicialmente, e o Brasil em seguida, tivessem realizado uma efetiva tomada de posse de todo o território contestado" mas que também "a conquista da soberania por parte da Holanda primeiramente e, mais tarde por parte da Grã-Bretanha, não foi efetuada senão em parte do território que era objeto de litígio".

Por isso, Vitor Emanuel 3º optou por traçar uma linha intermediária aos dois pedidos, conhecida como Mau-Tacutu, que o Brasil já havia negado anteriormente, e que delimitava um total de 65% para a Inglaterra e 35% do território em disputa para o Brasil. Na parte concedida ao Brasil está atualmente localizada a reserva indígena Raposa Serra do Sol.

A decisão foi recebida de maneira negativa pela diplomacia brasileira, que aceitou, contudo, a perda de parte do território. "A Inglaterra ganhou mais do que nas negociações anteriores pois ampliou a extensão territorial. Essa sentença foi recebida sem protesto formal, o que vai em direção a tradição brasileira da diplomacia em respeitar as decisões finais, ainda que elas tenham desfavorecido o Brasil", afirma Vanessa Braga Matijascic.

"Joaquim Nabuco fez um minucioso estudo sobre a região com base desde o Tratado de Tordesilhas, mostrando como a região tinha essa base militar no Rio Branco e uma próxima do rio Pirara e que muitos indígenas da região trabalhavam para o exército brasileiro. Mas, de qualquer forma, o rei Emanuel tomou uma decisão sábia, reconhecendo para o lado britânico os processos históricos. Na minha visão, não perdemos, nós ganhamos, dado que os britânicos queriam a região de Roraima inteira", diz Reginaldo Gomes.

Posteriormente, já na década de 1940, o ex-embaixador dos EUA no Brasil, Lloyde Gricson, publicou um livro que trazia um suposto diálogo que teve com o rei Vitório Emanuel 3º.

Na publicação, ele diz que o italiano afirmara que "não gostava dos tópicos e do povo de lá" além de que a diplomacia brasileira havia "enviado mapas falsos na arbitragem" e que, por isso, "ele poderia ter dado todo o território para a Inglaterra, mas que acabou por dividir".

À época, o Brasil indagou o governo italiano sobre as supostas falas do rei, que foram negadas pelos representantes do país.

Implicações e território atual

Apesar das semelhanças das disputas, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil não veem paralelos com o conflito brasileiro e a atual investida da Venezuela sobre uma região da Guiana.

Para Carlo Romani, a área do Pirara é uma região de passagem e de difícil habitação, como o Essequibo, mas não há indicativos da presença de petróleo no local perdido pelo Brasil.

"Pirara na época de chuva fica inundada e serve como intersecção de bacias hidrográficas diferentes, como Amazonas, e do lado do Essequibo. Então o interesse particularmente para os britânicos, era que o Pirara seria uma área de passagem para afluentes que permitiam chegar ao rio Amazonas e, com isso, ao norte do Brasil", disse.

"Já o interesse estratégico luso brasileiro era de impedir a passagem, ou pelo menos dificultá-la ao máximo", completa.

Apesar da ausência possível de petróleo, há registros de minerais preciosos na região.

"No século 19 houve uma descoberta do ouro e dos diamantes e a região, tanto do lado brasileiro ou britânico, tinha um potencial agropecuário muito grande, com grandes fazendas de gado. À época houve reclamações tanto de Brasil e Venezuela, mas a partir de 1930, foram colocados marcos físicos na divisa dessas fronteiras. O tema reacende na Venezuela com Hugo Chávez, que quando assume, traz espírito patriótico para o país e tenta retomar a discussão de descontentamento do que foi discutido no século 19", finaliza Gomes.

BBC Brasil

Ao lado de Bolsonaro, Capitão Alden está com comitiva na Argentina para posse de Milei

Sábado, 09/12/2023 - 19h40

Por Redação

Ao lado de Bolsonaro, Capitão Alden está com comitiva na Argentina para posse de Milei
Foto: Divulgação

Em solo argentino desde esta sexta-feira (9), a Comitiva de parlamentares da Direita, juntamente com o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, segue cumprindo agenda oficial no país e se preparando para a posse do novo Chefe do Executivo da Argentina, Javier Milei, que está prevista para este domingo (10), às 11h (horário de Brasília), seguida pela posse de seus oito ministros na Casa Rosada e concluída no Teatro Colón, às 20h. 

 

Representando a Bahia na Comitiva parlamentares da Direita na missão internacional, o deputado federal Capitão Alden (PL-BA) segue participando do cronograma de atividades na Argentina e ficará para posse do novo presidente. 

 

O parlamentar baiano destacou que depois da Argentina seguirá para outra agenda internacional com os deputados federais Sanderson, Eduardo Bolsonaro, Osmar Terra, Coronel Assis, Delegada Ione e Delegado Ramagem. 

 

“Após concluir as atividades aqui na Argentina, a próxima parada será em El Salvador, juntamente com os membros da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara Federal”, afirma Alden.

Para especialistas da ONU, audiências de custódia corrigem arbitrariedades contra presos no Brasil


Por Redação

Para especialistas da ONU, audiências de custódia corrigem arbitrariedades contra presos no Brasil
Foto: Ascom TJPR

A implantação das audiências de custódia no Brasil foi um momento significativo para corrigir práticas arbitrárias no tratamento contra pessoas privadas de liberdade. Segundo dados apresentados nesta sexta-feira (8/12) pelos integrantes do Mecanismo Internacional Independente de Especialistas para Promover a Justiça Racial e a Igualdade no Contexto da Aplicação da Lei (EMLER), é responsabilidade do Poder Judiciário quebrar o ciclo de impunidade e a violação dos direitos humanos nas prisões.

 

O objetivo da visita dos especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU), que estiveram no Brasil entre os dias 27 de novembro e 8 de dezembro, era analisar a legislação, políticas e práticas que regulam o uso da força por agentes das forças de segurança, alinhado às normas internacionais dos direitos humanos.

 

Também buscavam verificar as medidas concretas para garantir o acesso à justiça, a responsabilização e a reparação por uso excessivo da força e de outras violações contra africanos residentes e afrodescendentes no Brasil. O resultado preliminar do levantamento foi apresentado durante coletiva de imprensa.

 

O professor Juan Méndez, membro da EMLER, destacou a importância da audiência de custódia, implantada pelo Judiciário brasileiro em 2015, que atende aos pactos e tratados internacionais de direitos humanos assinados elo Brasil.

 

Méndez ressaltou, porém, que a prática passou a ser realizada de forma virtual, a partir da pandemia, mas que, agora, deveria voltar ao modelo presencial. “Isso complica um pouco, já que presencialmente o juiz usa todas suas habilidades para ver o que está acontecendo. A audiência contribui com as investigações sobre a violação dos direitos humanos, além de evitar práticas de tortura”.

 

Lançadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as audiências de custódia consistem na apresentação, preferencialmente em 24 horas, da pessoa que foi presa a um juiz, em uma audiência onde também são ouvidos Ministério Público, Defensoria Pública ou advogado do preso. O magistrado analisa a prisão sob o aspecto da legalidade e a regularidade do flagrante, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão, de se aplicar alguma medida cautelar e qual seria cabível, ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. A análise avalia, ainda, eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.

 

Segundo a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Wanessa Mendes de Araújo, que esteve reunida com os membros da EMLER em novembro, o Judiciário tem trabalhado para capacitar seus agentes, além de promover cooperação com outras entidades públicas e privadas e a sociedade civil para que a equidade racial se consolide como realidade. “É evidente que para que haja o fortalecimento de uma cultura pela equidade e antirracista o primeiro passo é a conscientização sobre o tema e a atuação permanente e vigilante contra qualquer forma desviante”, afirmou.

 

Durante a coletiva, também foi destacada a necessidade de se aumentar o número de pessoas negras no poder público e no Judiciário em especial. De acordo com dados do Relatório Étnico-Racial no Poder Judiciário, apenas 12,8% das magistradas e dos magistrados se autodeclararam como negros-pardos, enquanto 1,7% se autodeclararam negros-pretos. Em relação às servidoras e servidores, 24,5% se identificaram como negros-pardos e 4,6%, como negros-pretos.

 

A juíza auxiliar lembrou ainda que 100% dos tribunais do país aderiram ao Pacto do Poder Judiciário pela Equidade Racial, que prevê tanto a articulação interinstitucional e social entre os tribunais signatários como o desenvolvimento de ações para a proteção e promoção da equidade racial. “Desarticular o racismo não é, sem dúvidas, uma tarefa fácil, pois é uma chaga social, mas essas ações demonstram o compromisso do Poder Judiciário e seus agentes para que se avance para a construção de uma instituição mais diversa racialmente e sensível às questões dessa natureza que chegam e que possam receber o acolhimento necessário para a prevenção e combate ao racismo e todas as demais formas de discriminação”.

 

Para a especialista Tracie Keesee, falta ao Brasil uma representatividade de mulheres negras na Suprema Corte. Conforme sua análise, é importante a presença delas em lugares de decisão. “Quando isso acontece, reforça políticas e leis que podem ser protocolos para combater o racismo. No entanto, isso não pode ser responsabilidade de apenas uma pessoa, mas para todos, tanto em nível individual, quanto coletivo.”

 

FORÇA POLICIAL 

Méndez destacou algumas boas práticas que podem ser reforçadas e replicadas. Ele afirmou que é preciso reconhecer o racismo sistêmico no país, para que as políticas públicas sejam melhor desenhadas. O especialista citou as cotas raciais e o uso de câmeras pelos policiais como medidas positivas para esse enfrentamento.

 

Já Tracie Keesee ressaltou a importância do uso da tecnologia para denunciar os incidentes. “É importante o reconhecimento da interseccionalidade incluindo raça, idade, gênero, religião, entre outros”. Ela destacou também o trabalho realizado pelas secretarias de segurança de acompanhamento das famílias das vítimas como uma medida importante a ser replicada. “ O Brasil tem muitos desafios relacionados aos direitos humanos. Verificamos a presença de racismo estrutural presente em algumas leis – especialmente relacionadas à saúde e emprego – que perpetuam isso”, pontuou.

 

Os especialistas se disseram preocupados com uso excessivo da força, assassinatos e desaparecimentos, especialmente contra negros em áreas rurais. Para eles, é fora do comum o número de pessoas negras encarceradas, com um percentual desproporcional às demais etnias. “A polícia não é condenada quando há um massacre e isso é preocupante. As comunidades têm medo de apresentar suas denúncias e sofrerem retaliação”, frisou Tracie. Ela afirmou ainda que há uma estigmatização das famílias que enfrentam represálias quando precisam do apoio do Estado, especialmente mulheres negras.

 

Além disso, foram observadas a falta de acesso à saúde, violência contra os presos, repressão dos funcionários das penitenciárias que equivalem à tortura e levam a muitas mortes nas prisões. Mas também identificaram um excesso de trabalho dos agentes e em situação insegura, o que reflete na saúde mental dos profissionais. “Muito mais precisa ser feito para aderir a um pelo policiamento e segurança pública com base em direitos humanos, inclusive ao uso da força aos responsáveis por aplicação da lei”, afirmou Méndez.

 

Os especialistas estiveram em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Salvador, recebendo informações, depoimentos e conhecendo as experiências vividas pelas pessoas afrodescendentes que vivem no Brasil. Eles se reuniram com autoridades governamentais nos níveis federal e estadual, representantes das forças policiais e demais agentes da lei, sociedade civil, indivíduos e comunidades afetadas e visitaram presídios.

 

O Mecanismo de Especialistas apresentará um relatório formal da visita ao país com as respectivas recomendações na 57ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, em setembro de 2024.

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