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sábado, outubro 08, 2022

O joio e o trigo no sistema representativo - Editorial




Se cláusula de barreira corrige as distorções da fragmentação partidária, o financiamento público a partidos e o orçamento secreto estão concentrando o poder nos mesmos de sempre

Enquanto políticos, analistas e eleitores se debruçam sobre o resultado das urnas para mapear as novas composições do poder no Executivo e no Legislativo, em âmbito federal e estadual, as eleições são também o momento de avaliar os vícios e as virtudes do sistema representativo para sanear os primeiros e otimizar as últimas.

No Brasil, a quantidade de partidos e de recursos alocados para a sua sustentação e suas campanhas é aberrantemente maior do que em outros países. Segundo dados levantados no estudo Quão diferente é o sistema político brasileiro?, publicado pela Câmara dos Deputados, entre 33 países o Brasil tem de longe o maior número de partidos efetivos (15, enquanto a média é de 4,5); o maior custo por parlamentar (528 vezes a renda média do brasileiro, enquanto a média é de 40); e o maior financiamento público de partidos (US$ 446 milhões ao ano, enquanto a média é de US$ 65,4 milhões).

Recentemente, houve uma série de mudanças pontuais, mas significativas para corrigir distorções no sistema representativo, entre elas o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais ou a proibição, por parte do STF, de financiamento de campanha por empresas. Uma das mais relevantes foi a cláusula de barreira, aprovada em 2017. Ao fixar porcentuais mínimos de números de parlamentares eleitos e coeficientes de Estados para que os partidos tenham acesso aos Fundos Partidário e Eleitoral e tempo de TV, a cláusula de barreira foi um passo importante para remediar a distorção talvez mais nociva do sistema representativo brasileiro: a fragmentação partidária.

A proliferação de legendas impacta o custo da governabilidade e a capacidade dos partidos de impor uma coesão entre seus membros, além de estimular o fisiologismo. A comparação internacional evidencia que, quanto maior o número de partidos, menor o grau de mudanças políticas.

A cláusula de barreira limita os incentivos a partidos nanicos, que, sem votos e sem representatividade, servem apenas a seus donos. Aqueles que não ultrapassam os porcentuais mínimos são incentivados a se fundir com outros, o que os obriga a negociar e pactuar conteúdos programáticos mais consistentes. Foi o caso, nas últimas eleições, de cinco partidos (PTB, PSC, Patriota, PROS e Solidariedade) que já discutem seu futuro em conjunto.

Se a cláusula de barreira está corrigindo distorções, outros mecanismos as estão perpetrando. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o porcentual de renovação da Câmara caiu para 40%, um dos menores nas últimas décadas. Essa é uma consequência do sistema espúrio de financiamento aos partidos.

Hoje, os partidos dependem quase que exclusivamente de recursos públicos para se custear e promover suas campanhas. Essa garantia é uma das razões que distanciam os líderes das bases e os próprios partidos dos cidadãos. Os feudos são controlados por poucos caciques que determinam a distribuição de recursos sem transparência, sempre a favor de seus apaniguados.

Somem-se a isso as distorções introduzidas pelo chamado orçamento secreto, que deu discricionariedade ao relator do Orçamento para distribuir, em troca de apoio ao governo, emendas a parlamentares utilizadas por congressistas para favorecer seus redutos eleitorais. Levantamento de O Globo mostrou, por exemplo, que 10 dos 13 deputados beneficiados com valores acima de R$ 100 milhões em emendas foram reeleitos com desempenho nas urnas superior ao de 2018.

Assim, a cláusula de barreira está reduzindo o número de partidos, e isso é sadio. Por outro lado, o financiamento público de campanha e o orçamento secreto estão concentrando os recursos nas mãos de uns poucos que tendem a se perpetuar no poder. É um claro atentado ao princípio da igualdade de oportunidades que desequilibra a competitividade eleitoral. Em outras palavras, a se manterem esses mecanismos, bancados com o dinheiro do contribuinte, a tendência da representação política no Brasil é que seja cada vez mais “mais do mesmo”. É a “velha política” no poder, e cada dia mais envelhecida.

O Estado de São Paulo

Um Congresso como nunca se viu na democracia




Ascensão da direita e morte do centro é assunto velho, mas novidade se consolidou só agora

Por Vinicius Torres Freire

A discussão política quase toda se afoga no mar de ansiedade quanto ao resultado da eleição presidencial. É compreensível. Podemos estar pela hora da morte da democracia. Conviria, porém, prestar atenção ao Congresso, assunto em parte obliterado pelo excesso de discussão de "apoios" para o segundo turno, muita vez apenas fofoca politiqueira.

O Congresso é assunto de interesse prático e quase imediato. Embora pareça já história velha, ainda não se deu devida atenção ao fato de que a maioria do Congresso e as presidências de Câmara e Senado devem ser dominadas por uma coalizão de direita, fisiológica e/ou extremista, que jamais se viu na redemocratização.

Isso deve ter consequências sérias tanto para Lula da Silva (PT) como para Jair Bolsonaro (PL). O blocão direitista terá influência na política do Supremo (sic), ainda maior na malversação do Orçamento e no aparelhamento de funções de Estado.

PL, União Brasil, o PP, que governa para Bolsonaro, e o Republicanos (partido evangélico estrito senso) engordaram devido ao bolsonarismo, a Bolsonaro ou eles aderiram. Em coalizão, teriam 246 votos.

Podem engordar mais, devido a fuga de parlamentares de partidos ameaçados pela cláusula de barreira ou atraídos por outros incentivos. A coalizão pode crescer ainda com a adesão fácil de uma dúzia de direitistas dos nanicos.

Essa quadra direitista elegeu 154 deputados em 2018 e 114 em 2014, note-se. O ano de 2014 foi também o da grande fragmentação, do começo da dissolução do sistema partidário dominante entre 1990 e 2010, em que os maiores partidos eram em geral PMDB, PFL (depois DEM), PSDB e PT. Desses partidos, o "velho centro", central na definição do que era governo e oposição, acabou de se dissolver.

A fragmentação partidária na Câmara diminuiu em 2022. Apesar de ainda grande, voltou mais ou menos ao nível do que era entre 2002 e 2010. Na verdade, já diminuíra ao longo da legislatura de 2019-2022.

Nesses anos, o PL engordou com a migração de bolsonaristas duros do PSL, o União Brasil absorveu o bolsonarismo aguado do PSL restante, pois o DEM tomou uma atitude a fim de não se tornar um nanico como o PSDB. Além disso, elegeram ainda mais deputados.

O centrão, enfim, chegou ao centro do poder, depois de duas décadas como agregado menor de PSDB-DEM e PT. Agora, vestiu a roupa da direita extremada sobre a pele fisiológica —ou é de extrema direita mesmo. Esses partidos são netos ou bisnetos da Arena, o partido da ditadura. São liderados por alguns oligarcas regionais, mas de composição e base social ainda lá não muito bem compreendidas.

A opinião popular e de muito cientista político diz que é fácil comprar apoio parlamentar. Que seja. Ficou mais caro e isto tem consequências várias.

Uma consequência, desprezada por muito politólogo, foi o grande nojo da população por um sistema político negocista, indiferenciado "ideologicamente", fechado à participação e a exigências de mudanças e resultados reais. A revolta contra tal estado de coisas explodiu em 2013 e continua. Não é por acaso que a atitude "antissistema" tem apelo, mesmo depois da farsa de Bolsonaro.

De mais concreto, Bolsonaro pode ter vida mais fácil na nova Câmara, em parte por afinidade ideológica. Ainda que siga o arroz com feijão de certa politologia, redistribuição sem mais de poder, Lula terá problemas. O miolo mais maleável do Congresso desapareceu e a esquerda é ainda mais diminuta.

Essa mudança parece velha, pois começou a ficar evidente já na eleição de 2014, tomou impulso em 2018 e deu sinal forte de persistência na eleição municipal de 2020. Mas não estava consolidada, como é gritante pelo resultado desta eleição de 2022. É uma novidade grande.

Folha de São Paulo

Os Brasis que vão às urnas com Lula e Bolsonaro no segundo turno

 




Por Luiz Carlos Azedo (foto)

Há muitas leituras para essa divisão entre os Brasis meridional e o setentrional, principalmente o Nordeste. Uma delas é a de que o Brasil moderno apoiaria Bolsonaro, enquanto o atraso está com Lula 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputarão o segundo turno das eleições no dia 30 de outubro, alcançaram 48,43% e 43,20% dos votos no primeiro turno, respectivamente. Lula venceu em 14 estados; e Bolsonaro, em 12, além do Distrito Federal. Esse resultado revela uma profunda divisão do país, que também ocorreu em eleições anteriores.

O petista ficou com a maioria dos votos em todos os estados do Nordeste, enquanto Bolsonaro teve maior adesão em todos os estados do Sul e Centro-Oeste. As regiões Sudeste e Norte ficaram divididas. No Sudeste, Lula venceu em Minas Gerais, mas perdeu nos outros três estados. No Norte, quatro estados ficaram com o ex-presidente; e três, com o atual, entre os quais o Pará.

Há muitas leituras para essa divisão entre os Brasis meridional e o setentrional, principalmente o Nordeste. Uma delas é a de que o Brasil moderno apoia Bolsonaro, enquanto o atraso está firme com Lula e não abre. Esse tipo de interpretação já se traduziu numa guerra suja de memes nas redes sociais, na qual o preconceito contra os nordestinos revela uma xenofobia estranha e perigosa para a coesão social e a unidade nacional.

Xenofobia é a hostilidade e o ódio contra pessoas por elas serem estrangeiras ou por serem enxergadas como estrangeiras, como às vezes acontece com os nordestinos no Sul do país. Esse sentimento já foi muito comum no Rio de Janeiro, contra os “paraíbas”, e em São Paulo, em relação aos “baianos”, como eram chamados de forma generalizada, durante o processo de urbanização e industrialização do país, que atraiu para essas metrópoles grande número de migrantes, que fugiam da miséria, da fome e da seca do Nordeste. Em Brasília, a expressão “candango”, que era pejorativa em relação aos que trabalharam na construção da nova capital, porém, virou sinônimo de brasiliense.

Autor de Casa Grande & Senzala, o sociólogo Gilberto Freyre foi muito contestado por estabelecer como padrão para a formação do patriarcado brasileiro a composição étnica do Nordeste brasileiro, principalmente de Pernambuco. Em resposta, na conferência “Continente e ilha”, apresentou sua tese de que nos desenvolveríamos social e culturalmente em ilhas, e essas ilhas, em arquipélagos, ou numa enorme ilha-continente. Segundo Freyre, na América Portuguesa haveria uma base cultural lusitana e cristã que nos daria unidade, e, por consequência, seria a chave da brasilidade.

“Desculturização”

Freyre destacou que o “processo sociológico de povoamento” do Sul do país, a partir de Porto Alegre, se desdobrou em dois sentidos: no de ilha e no de continente. Ressaltou, ainda, as contribuições italianas e alemãs à cultura nacional, que chamou de “valores neobrasileiros”, mas que só ganham espaço na medida em que são assimilados pela cultura nacional. Quanto a isso, chamou atenção para o “pangermanismo”, que representaria uma ameaça real, que viria a ser duramente combatida por Getúlio Vargas após o Brasil entrar na guerra contra o Eixo.

Os sentimentos de continente e de ilha seriam antagonismos constitutivos do Brasil e estariam em equilíbrio, uma vez que o contrário disso nos sujeitaria “(…) a uma verdadeira guerra civil, na sua psicologia social e dentro de sua cultura”. É mais ou menos o que está ocorrendo neste momento de radicalização política.

Por outro lado, essa xenofobia reflete um processo regressivo de “desculturização”, que outro genial intérprete do Brasil, Darcy Ribeiro, atribuiu à crueldade, à rigidez e ao autoritarismo com que se deu a associação entre negros, índios e brancos no processo de colonização e que se reproduz em razão do nosso deficit educacional e atraso cultural, inclusive das elites econômicas.

Segundo Darcy Ribeiro, foi dentro dos cenários regionais que a busca de si mesmo se fez necessária para se iniciar o nosso processo civilizatório. A “humanidade” renasceria da extinção de povos, com suas línguas e culturas próprias e singulares, a partir do surgimento de macroetnias maiores e mais abrangentes. Darcy registra a existência dos Brasis “crioulo”, “caboclo”, “sertanejo”, “caipira” e “sulino”, facilmente identificados, por exemplo, na nossa cultura popular, mas que também têm expressão na forma como se faz política nas diferentes regiões do país.

De certa forma, Lula e Bolsonaro se identificam com maior ou menor facilidade com cada um desses Brasis. Ou seja, a divisão política e ideológica do país tem uma dimensão antropológica que precisa ser levada em conta para que possa ser superada, condição para a construção de qualquer projeto de futuro em bases democráticas e que busca a superação de nossas desigualdades e iniquidades sociais.

Correio Braziliense

Barbas de molho




Ganhe quem ganhar, o Congresso será bolsonarista. STF e Pacheco que se cuidem!

Por Eliane Cantanhêde (foto)

O Planalto listou, um a um, os senadores antigos e novos que são alinhados ao governo, ou ao bolsonarismo, e avisa a quem interessar possa que não se sabe quem será o futuro presidente do Senado, mas não será Rodrigo Pacheco (PSD-MG). E avança: é melhor os 11 ministros do Supremo botarem as barbas de molho, porque qualquer pedido de impeachment de um deles irá adiante. Uma espada de Dâmocles sobre a cabeça deles.

Se o presidente Jair Bolsonaro já era majoritário e fazia o que queria na Câmara, ele deixará de enfrentar o anteparo do Senado e terá o controle total do Congresso, caso reeleito. Mas isso vale também para a vitória do ex-presidente Lula (que mantém a dianteira no segundo turno), que enfrentará um Congresso hostil se vitorioso. Ou seja, o início de 2023 e do novo governo será tenso, agitado.

No Senado, os bolsonaristas terão 41 das 81 cadeiras. Na Câmara, foram eleitos 99 deputados do PL, partido do presidente, 47 do PP, do chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e 41 do Republicanos, do candidato mais forte ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas. A bancada bolsonarista tem, portanto, 187 dos 513 deputados federais.

A palavra da campanha de Lula é “pacificação”, mas a prioridade no QG do seu opositor é criar um novo personagem: o Bolsonaro “normal”, como depois do debate da Globo e na primeira manifestação no fim do primeiro turno. Isso, porém, pode valer para eleitor ver, mas não significa paz. A turma é da guerra.

O foco, assim, vai para os “partidos-pêndulo”, que nem são pró-PT e Lula, nem são pró-Bolsonaro em troca de nada: União Brasil, com 59 deputados, MDB (42), PSD (42), PSDB (13) e Podemos (12). Eles somam 168 votos na Câmara e todos liberaram seus liderados para irem para Lula ou Bolsonaro.

A nota do MDB, por exemplo, é em cima do muro, mas defende o voto popular, o sistema eleitoral, a Constituição e o estado democrático de direito, o que soa pró-Lula, e Simone Tebet manifestou apoio claro, firme, ao petista. O partido, porém, é dividido como o Brasil: do Nordeste ao Norte, lulista; do Sul ao Centro-Oeste, bolsonarista. O governador reeleito Helder Barbalho (PA), campeão de votos, é pró-Lula. Ibaneis Rocha (DF), pró-Bolsonaro.

Os apoios da elite e das lideranças não decantaram para o eleitor, mas, seja quem for o futuro presidente, vai precisar negociar, convencer ou provocar a traição desses partidos-pêndulos a favor de seus programas e projetos. E o Centrão está com Bolsonaro, mas continuará se ele perder? Lula e Bolsonaro conhecem o jogo, sabem jogar. Mensalão e orçamento secreto são prova disso.

O Estado de São Paulo

Eleições 2022: intolerância religiosa vai piorar seja qual for o eleito, diz pesquisadora




A pesquisadora Tayná Louise De Maria pesquisa fundamentalismo cristão no Brasil na UFRJ

A pesquisadora Tayná Louise De Maria, doutoranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que a intolerância religiosa vai ficar mais forte depois das eleições deste ano.

Por Leandro Machado, em São Paulo

Para ela, discursos e posturas da campanha do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), incentivam a perseguição aos seguidores de religiões afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda.

Isso porque Bolsonaro tem associado de maneira negativa seu adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a demônios e correntes religiosas de matriz africana.

"A intolerância e o racismo religiosos vão tomar proporções maiores depois das eleições. Os fundamentalistas vão se sentir mais à vontade", diz De Maria, que pesquisa o fundamentalismo cristão no Brasil.

Em agosto, por exemplo, a primeira-dama Michelle Bolsonaro criticou Lula nas redes sociais por um vídeo em que o petista aparece sendo abençoado por mulheres de religiões afro-brasileiras.

"Isso pode, né? Eu falar de Deus não pode, né", escreveu a primeira-dama, em resposta a uma publicação de uma vereadora bolsonarista que falava que Lula "vendeu a alma" para vencer as eleições.

Bolsonaristas também tem associado a companheira de Lula, a socióloga Rosângela Lula da Silva (conhecida como Janja), às mesmas religiões de matriz africana. O presidente também tem dito que as eleições são uma batalha do "bem contra o mal" — e ele seria o bem.

Nesta quarta-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a retirada das redes sociais de um vídeo que ligava Lula ao satanismo.

Por outro lado, Bolsonaro também foi ligado aos maçons depois de um vídeo de 2017, em que ele aparece em uma loja da maçonaria, viralizar nas redes sociais nesta semana.

Para Tayná Louise De Maria, o petista tem pouco a ganhar com vídeos como esse, e deveria se aproximar de religiosos progressistas que o ajudem a conversar com a parcela evangélica do eleitorado.

Já a campanha de Bolsonaro, diz a pesquisadora, se apoia no fundamentalismo cristão e racismo religioso para tentar vencer as eleições no segundo turno.

Confira a entrevista abaixo.

BBC News Brasil - Por que cristãos, principalmente evangélicos, apoiam pautas conservadoras como as defendidas por Bolsonaro?

Tayná Louise De Maria - O bolsonarismo segue uma pauta que não está só no Brasil, mas em vários países cristãos, como os Estados Unidos e Itália, que recentemente elegeu uma política de extrema-direita (Giorgia Meloni, cujo partido Irmãos da Itália ganhou as eleições para formar um governo).

Ele se utiliza de um discurso que chamo de neofundamentalismo religioso cristão, muito influenciado pelos Estados Unidos.

É preciso voltar um pouco no tempo para entender isso.

Até a Segunda Guerra Mundial, o fundamentalismo cristão nos Estados Unidos atacava principalmente a ciência e o ensino da teoria de Darwin nas escolas, porque enxergava esses elementos como uma ameaça ao cristianismo.

A partir da década de 1960, com a influência da Guerra Fria, ele muda sua pauta para um combate ao comunismo, que vira o principal inimigo.

Nessa época, a Suprema Corte dos Estados Unidos revogou várias leis criadas por cristãos conservadores, como a lei da sodomia que proibia o casamento gay e a legislação Jim Crow, que era racista e segregracionista. Todas essas mudanças foram associadas ao comunismo.

Os fundamentalistas cristãos passam a ver a política como um campo de batalha, porque as leis que sustentavam a religião estavam sendo revogadas. Eles começaram a disputar e ocupar as casas legislativas.

Eu coloco esse ponto como o início da bancada da Bíblia.

BBC News Brasil - Como isso influenciou o Brasil?

De Maria - É preciso lembrar que o golpe militar de 1964 já teve grande apoio de parte do catolicismo e dos evangélicos.

No período da redemocratização, essa influência continuou no Brasil e em outros países cristãos.

A força do bolsonarismo e do neofundamentalismo religioso está na pauta de costumes.

Eles defendem os costumes e a cultura do cristianismo em oposição ao que eles acreditam ser a ameaça comunista. Para eles, o comunismo se revela de muitas maneiras.

Tudo é chamado de comunismo: religiões afro-brasileiras, combate ao racismo e legalização do aborto, por exemplo. Para os fundamentalistas cristãos, até uma mulher que faz um aborto para não morrer é uma comunista.

BBC News Brasil - Como essa pauta encontra ressonância nas ideias de Olavo de Carvalho?

De Maria - O fundamentalismo cristão precisa sempre ter um inimigo. Isso vai da ciência aos imigrantes, por exemplo.

Para o falecido Olavo de Carvalho, o Ocidente e o cristianismo estão ameaçados pela ideologia de esquerda e por outras religiões.

O Ocidente é uma ideia que tem o cristianismo como um de seus pilares. Então, na narrativa de Olavo e dos fundamentalistas, esses pilares precisam ser defendidos.

Mas essa narrativa se esquece que o progressismo e a própria ideia de esquerda também nasceram no Ocidente, também nasceram no berço do cristianismo e se utilizam de valores cristãos.

BBC News Brasil - Pastores evangélicos famosos, como Silas Malafaia e Edir Macedo, também apoiaram governos do PT, mas essa pauta conservadora não tinha tanta força. Bolsonaro tirou o fundamentalismo do armário?

De Maria - O fundamentalismo cristão é camaleônico. Ele se adapta às circunstâncias, está sempre ao lado do poder.

Talvez alguns pares não gostem do que vou falar, mas acredito que o bolsonarismo, principalmente sua face fundamentalista cristã, também é fruto do antipetismo.

Os principais líderes religiosos que chamo de fundamentalistas, como Silas Malafaia e Edir Macedo, romperam com o PT depois dos escândalos de corrupção envolvendo o partido.

'Bolsonaro é apoiado por pastores como Silas Malafaia'

Isso incentivou muitos religiosos a rever suas posições e relações com políticos.

Mas Bolsonaro não é só apoiado por pastores evangélicos, mas por religiosos que também são empresários.

A intelectualidade bolsonarista é cristã, mas, antes de tudo, também é liberal, faz parte do empresariado, do agronegócio. Essas pessoas não viam tantos benefícios nos governos do PT, e agora se aproveitam da religião em sua narrativa eleitoral.

BBC News Brasil - O Brasil vai sair mais intolerante com as religiões depois do segundo turno?

De Maria - Jair Bolsonaro incentiva a intolerância religiosa.

Ele pode não cometer intolerância, mas algumas de suas falas, alguns discursos, incentivam a intolerância e deixam muito à vontade quem quer se comportar dessa forma.

A intolerância e o racismo religiosos vão tomar proporções maiores depois das eleições, seja qual for o resultado. Os fundamentalistas vão se sentir mais à vontade.

BBC News Brasil - Você acredita que Lula e a esquerda estão errando na abordagem com os evangélicos?

De Maria - Para vencer, Lula e a esquerda precisam urgentemente renovar sua base e conversar com cristãos liberais. Não digo liberais no sentido econômico, mas evangélicos progressistas que não veem a Bíblia de maneira literal.

São esses religiosos liberais que vão ajudar a esquerda a convencer os cristãos conservadores de que há outro caminho possível. A intelectualidade de esquerda está muito distante desse religioso.

A esquerda diz que os governos do PT beneficiaram muito a população pobre, mas muitos desses benefícios são relacionados ao poder de compra.

O que eles não entendem é que o pobre também é cristão e não está muito a fim de perder aquilo que dá sentido à vida dele. O cristão não quer sentir que seus valores estão ameaçados. E o bolsonarismo pintou Lula como uma ameaça a esses valores.

'Lula tem sido associado negativamente a religiões de matriz africana'

BBC News Brasil - Na segunda-feira, repercutiu bastante um vídeo de 2017 em que Bolsonaro fez campanha em uma loja maçônica. Como o evangélico enxerga essa imagem?

De Maria - O primeiro ponto é que existem muitos pastores maçons, principalmente em igrejas evangélicas tradicionais, como a batista e presbiteriana.

A imagem de Bolsonaro ligado à maçonaria talvez tenha um impacto negativo entre os pentecostais e neopentecostais.

É uma investida do PT de querer manchar o nome de Bolsonaro, uma vez que o Bolsonaro coloca Lula como anti-cristão. Essa ala progressista percebeu que a maçonaria é conhecida por ser uma coisa anti-cristã.

É claro que vai movimentar alguns setores, mas não acho que terá um efeito muito grande.

BBC News Brasil - Por quê?

De Maria - Bolsonaro está convivendo e falando a língua desses religiosos há muito tempo. O PT não vai conseguir mudar isso em duas semanas. Não vai virar o voto evangélico perpetuando esse tipo de vídeo.

Volto a dizer: para vencer, Lula precisa chamar para conversar líderes religiosos progressistas. São eles que podem mudar a visão dos evangélicos conservadores.

BBC News Brasil - Como o racismo religioso está sendo usado nessa eleição?

De Maria - Esse racismo religioso está muito presente no neofundamentalismo cristão, mas de maneira velada, difícil de identificar.

Lula é associado ao comunismo e às religiões de matriz africana, que são vistas como algo maléfico e que ameaça o cristianismo.

Em muitas igrejas, ou em revistas evangélicas, o mal é sempre representado pelas cores escuras.

Isso tem a ver com uma interpretação de uma história da Bíblia, o mito de Cam.

Essa história coloca a África como uma região amaldiçoada por causa de Cam, um dos filhos de Noé, que foi amaldiçoado por ver o pai nu. Depois, ele foi enviado à África. Esse mito foi utilizado pelo cristianismo para justificar a escravidão e até hoje tem muita influência na sociedade.

O resultado dessa postura têm se revelado nos últimos anos, com uma série de ataques a terreiros de candomblé e umbanda.

BBC News Brasil - O quanto essa visão incentivada pelo bolsonarismo influencia na vida dos seguidores das religiões afro-brasileiras?

De Maria - Afeta muito o cotidiano dos religiosos. Afeta do momento em que a pessoa coloca suas roupas religiosas até quando anda na rua.

É viver sempre ameaçado porque não se sabe o que pode acontecer nas ruas.

Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, já ocorreram vários episódios de violência, desde criança atacada por estar vestida de branco até terreiros de candomblé invadidos e destruídos.

A própria democracia se coloca em risco quando uma pessoa não consegue praticar sua religião.

BBC News Brasil - Como os evangélicos lidam com posturas de Bolsonaro que contrariam valores cristãos, como apoio à tortura e armamento da população?

De Maria - Vou fundamentar minha resposta citando uma série que assisti na Netflix chamada The Family, que conta como fundamentalistas religiosos chegaram ao poder nos Estados Unidos.

Esses fundamentalistas acreditam que um político 'escolhido por Deus' é humano e pode errar. Então, sempre há posturas que são deixadas debaixo do tapete porque os benefícios são considerados maiores do que os erros.

Há também a construção de narrativas para desvirtuar a história. Por exemplo, alguns dizem que Bolsonaro nunca atrasou as vacinas contra a covid-19, ou que as vacinas não funcionam, então não houve problemas nesse atraso.

Mesmo que as pessoas desconfiem dessas narrativas em um primeiro momento, depois são convencidas de que existe um compromisso maior de Bolsonaro e que isso precisa prevalecer.

BBC Brasil

O que revela a expansão da bancada de policiais e militares




Membros de forças de segurança na Câmara crescem 36%, impulsionados por guinada à direita e expectativa equivocada de mais segurança no cotidiano, segundo analistas. Perfil atual da bancada é de influenciadores digitais.

Por Bruno Lupion 

A partir de janeiro, será mais comum encontrar pelos corredores da Câmara dos Deputados políticos respondendo pela alcunha de delegado, sargento e capitão, entre outras associadas ao mundo das forças de segurança.

Foram eleitos no domingo (02/10) 38 integrantes dessas forças, 35,7% a mais do que os 28 do pleito passado, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Serão 14 policiais militares, 14 policiais civis, cinco membros das Forças Armadas, quatro da Polícia Federal e um do Corpo de Bombeiros com assento na Câmara.

Dos 38 eleitos, 37 pertencem a partidos da centro-direita à extrema direita. Dezoito são do PL do presidente Jair Bolsonaro – ele mesmo um capitão. Outros seis são filiados ao União Brasil e três ao PP. Avante, MDB, PSD e Republicanos possuem dois cada um na lista, e Patriota e Podemos, um cada um. A esquerda terá apenas um integrante nesse grupo: a Delegada Adriana Accorsi, do PT de Goiás.

Os representantes das forças de segurança compõem uma das partes da bancada da bala, que reúne de forma mais ampla deputados cuja agenda busca o endurecimento penal como forma de resolução de conflitos e a flexibilização do acesso às armas.

A iniciativa Proarmas, por exemplo, elegeu 16 deputados federais e sete senadores, dos quais alguns não são membros das forças de segurança – como o líder do movimento, Marcos Pollon (PL), que obteve a maior votação para deputado federal no Mato Grosso do Sul.

Promessas de redução da criminalidade

O analista criminal Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que o crescimento da bancada das forças de segurança na Câmara, que já havia sido registrada em 2018, reflete uma expectativa dos eleitores de que, ao votar em candidatos policiais ou militares, haverá maior segurança no seu cotidiano – uma percepção, segundo ele, equivocada.

"Eles se vendem pelo nome de delegado, capitão, etc. E dão a impressão para as pessoas que isso vai melhorar a segurança. Mas não há essa relação", diz, apontando que poucos parlamentares eleitos nessa chave discursiva costumam apresentar um bom desempenho na produção legislativa.

A "guinada à direita" do Brasil, consolidada com a eleição de Bolsonaro, também contribuiu para o sucesso eleitoral desses candidatos, diz Mingardi, pois a ideia de que é necessário um estado mais "duro, forte, pré-ditatorial" para combater o crime, presente no discurso bolsonarista, combina com uma perspectiva comum no meio policial de que seria mais fácil reduzir a criminalidade com maior uso da violência.

Em 2020, ele conduziu uma pesquisa que perguntou a policiais qual era a sua visão sobre o Judiciário, e identificou que a maioria deles desaprovava o trabalho da Justiça por diversos motivos, sendo o principal porque ela "não os deixa fazer o que querem".

Mudança de perfil na bancada

A socióloga Roberta Heleno Novello, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, pontua que o crescimento dessa bancada nos últimos pleitos fez com que ela deixasse de operar apenas com "poder de veto" e agora "pode em certa medida ditar algumas agendas".

Ela também nota uma mudança no perfil dos deputados. Se antes essa bancada era formada majoritariamente por policiais que haviam participado de experiências de organização coletiva em associações ou greves, agora eles são mais próximos de "policiais influenciadores" habilidosos nas redes sociais, que promovem uma "mediatização e politização" da violência e da polícia. O mesmo processo, diz, aproximou a bancada da bala do bolsonarismo e da sua estratégia discursiva e eleitoral, ancorada em mídias sociais.

A mesma mudança de perfil, afirma Novello, pode explicar a tendência inversa registrada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, onde a bancada das forças de segurança diminui de dez para seis deputados estaduais segundo o resultado das eleições de domingo.

Nas Assembleias Legislativas, diz, predominam as pautas corporativas dos policiais, como negociações salariais com os governadores, enquanto o Congresso abre mais espaço para o debate sobre recrudescimento penal e acesso a armas, temas mais atrativos para os "policiais influenciadores".

Esquerda fraca no debate sobre segurança

Outro aspecto que favorece a eleição de candidatos da direita e da extrema-direita identificados à pauta de segurança pública é o fato desse tema ser pouco priorizado nas campanhas e plataformas da esquerda, diz Mingardi.

"A esquerda sempre deixou um pouco de lado a segurança pública. A direita dá mais ênfase à segurança e à repressão, e a esquerda dá mais ênfase em questões sociais. Não que a direita apresente propostas viáveis, mas ela fala mais sobre o assunto", diz, pontuando que também faltam propostas concretas por parte da esquerda.

Mingardi cita como exemplo o engajamento da esquerda em defender o fim da discriminação racial e de gênero, que segundo Mingardi não se reflete em propostas concretas, na seara da segurança pública, para alcançar esse objetivo.

Ele cita ainda que os integrantes das forças de segurança mais identificados à esquerda são minoria, e que membros de movimentos como o dos policiais antifascistas em sua maioria não trabalham na atividade-fim, pois "são vistos como comunistas extremados e acabam sendo jogados de escanteio" dentro de suas respectivas instituições.

O distanciamento da esquerda das pautas de segurança pública está ligado à forma como essas bancadas começaram a surgir nos Legislativos, ainda durante o processo de redemocratização, diz Novello. Elas foram inicialmente compostas por atores ligados à ditadura militar que encontraram no tema da segurança pública e nos discursos contrários aos direitos humanos um nicho estratégico de atuação e reprodução de perspectivas autoritárias.

Isso fez com que o debate sobre as políticas de segurança pública se tornasse "travado", diz. "Existe um discurso e uma agenda na qual é muito difícil de mexer. Qualquer iniciativa que pense um pouco diferente gera um custo político muito grande, porque mexe com pautas morais e gera muitas resistências", diz, o que levou a esquerda a optar por manter uma posição "recuada" no tema.

Efeito no futuro governo

A pesquisadora do NEV projeta que o impacto legislativo da nova bancada das forças de segurança dependerá de qual presidente for eleito no segundo turno. Se for o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a tendência é ela atuar com poder de veto, para barrar iniciativas de um eventual novo governo petista. Se Bolsonaro for reeleito, ela deve facilitar a tramitação de iniciativas do Executivo em temas como endurecimento penal e liberação do porte de armas.

Mas isso não significa que todos os projetos de Bolsonaro serão aprovados com facilidade, nota, já que a tramitação envolve processos de negociação com as forças políticas da Casa.

Mingardi tem avaliação parecida. "Vão aparecer mais projetos que tenham a ver com a bancada da bala, mas ela sozinha não conseguirá aprovar nada", diz. Para isso, dependerá de outros setores do Congresso – que, no ano que vem, de qualquer forma terá uma composição mais favorável a Bolsonaro.

Deutsche Welle

Lula precisa fazer jus a tanto apoio - Editorial




Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha cedem valor de seu legado à candidatura do petista, o que não é endosso à desconhecida política econômica de sua campanha

A candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um apoio de peso do mundo econômico nos últimos dias. Os economistas Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha, que tiveram papel-chave na implantação do Plano Real, declararam voto no petista por meio de uma nota pública tão sucinta quanto simbólica. “Votaremos em Lula no 2.º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia”, afirmam.

A nota diz tudo sobre o posicionamento do grupo – e, a despeito de seu tamanho, não é pouco. Não há imposição de condições para o anúncio de apoio à candidatura de Lula. Não há sugestão sobre a âncora a ser adotada em substituição ao teto de gastos. Não há críticas à heterodoxia que marcou o segundo mandato do petista e que foi extrapolada por sua sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff. Esses são conceitos que estão implícitos no pensamento liberal que norteou a atuação desses economistas, e que foram deixados de lado pelo retrocesso civilizatório e pela ameaça democrática que o grupo vê na reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Logo, é dever de Lula e sua equipe de campanha fazerem jus a esse inestimável voto de confiança e apresentarem compromissos claros e críveis que conduzam o País a uma rota de desenvolvimento econômico sustentável.

O Plano Real – que, convém lembrar, foi hostilizado pelo PT – foi um divisor de águas na história brasileira. Domar a hiperinflação proporcionou a estabilidade que a sociedade desconhecia e almejava. Foi a maior conquista do plano econômico, mas ele não se limitou a isso. Além de devolver o poder de compra à moeda brasileira, ele deu início a um período de aumento de receitas e redução de despesas e de uma política fiscal alinhada à política monetária, sem gastança desenfreada e marretadas artificiais nos preços dos combustíveis. Reduzir a inflação teria sido impossível sem o compromisso de atingir, também, o equilíbrio fiscal – o oposto do que o governo de Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes promoveram nos últimos anos.

O sucesso do Plano Real não rendeu apenas frutos econômicos, mas também políticos – o líder da equipe do Real, Fernando Henrique Cardoso, elegeu-se e reelegeu-se presidente, sempre no primeiro turno. Mas nem tudo foram flores. Logo após a reeleição, o País teve que fazer ajustes para enfrentar crises internacionais, mas a adoção do tripé macroeconômico, composto por câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais, deu sustentação ao crescimento que se seguiu nos anos posteriores.

Foi somente depois do Plano Real que o País aprendeu que o equilíbrio das contas públicas não é um dogma, mas uma premissa para a execução de qualquer política econômica, independentemente da linha defendida pelo governante de plantão. É esse o significado de uma “condução responsável da economia”, e é em nome disso que Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha emprestam agora seu legado à candidatura de Lula – o que evidentemente não se traduz em endosso à política econômica da campanha, que, por sinal, nem sequer é conhecida.

Como mostrou o Estadão, a equipe de campanha do petista tem sido incapaz de se entender em relação ao rumo da política fiscal que seu governo seguirá caso seja eleito. Enquanto a ala política defende o retorno dos superávits primários e a fixação de bandas, a ala econômica é favorável a um mecanismo de controle de gastos que permita aumentar as despesas acima da inflação. Em ambos os casos, o diabo mora nos detalhes e, como Arminio Fraga disse ao Estadão, no escuro da irresponsabilidade fiscal, os pobres são os mais prejudicados.

É preciso mais do que a vaga sinalização do ex-ministro Guido Mantega sobre o acolhimento de propostas dos ex-candidatos Ciro Gomes e Simone Tebet no programa do partido, e bem mais do que o silêncio do coordenador da campanha, Aloizio Mercadante. É preciso que Luiz Inácio Lula da Silva apresente um programa econômico crível. Como não o fez até agora, das duas, uma: ou não o tem ou não quer mostrar. Em qualquer dos casos, é péssimo.

O Estado de São Paulo

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