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quarta-feira, setembro 07, 2022

Desconhecimento da história conduz a erros políticos




Os ciclos econômicos não são causados por capitalistas gananciosos. 

Por Deirdre McCloskey (foto)

Dois meses atrás, falei a você nesta coluna que as pessoas têm ideias fixas sobre o que aconteceu na história —ideias que parecem determinar suas posições políticas.

Quando eu tinha 16 anos e era quase marxista, acreditava, porque o "Manifesto Comunista" o dizia, que "a história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história da luta de classes". Isso inspira uma "hermenêutica da suspeição".

Procure a motivação secreta da luta de classes em tudo. Quando uma liberal verdadeira como eu diz que impor um teto aos aluguéis de apartamentos em São Paulo vai prejudicar as pessoas pobres, o marxista comenta: "Ahá, Deirdre! Te apanhei de novo defendendo os interesses dos proprietários ricos!". A ideia de que pessoas pobres possam não conseguir um apartamento, nenhum apartamento, não faz parte do pensamento do marxista. É como os freudianos procurando motivações sexuais secretas em tudo. "Ahá, José. Te pegamos de novo!".

Sou historiadora há quase tanto tempo quanto sou economista. Considerando que me tornei economista quando tinha cerca de 20 anos e que em 11 de setembro deste ano vou completar 80, é muito tempo para estudar o que as pessoas pensam que sabem que ocorreu na história. Cerca de nove em cada dez vezes, segundo minha estimativa, elas se equivocam —se equivocam tanto que as posições políticas que derivam de seus falsos conhecimentos históricos também são equivocadas.

Por exemplo, as pessoas pensam que algo chamado capitalismo "cresceu" porque as pessoas ficaram gananciosas. Mas o "capitalismo" sempre existiu, e as pessoas sempre foram gananciosas.

O grande sociólogo e historiador alemão Max Weber desancou esse erro popular um século atrás: "A noção de que a nossa (...) era seja caracterizada por um interesse econômico mais forte que outros períodos é infantil. O impulso da aquisição (...) não guarda por si só nenhuma relação com o capitalismo. (...) Ele existe e existiu entre garçons, médicos, cocheiros, artistas, prostitutas, funcionários públicos desonestos, soldados, nobres, cruzados, apostadores e mendigos".

O capitalismo não cresceu, e as pessoas sempre foram gananciosas, do jeito que você é ganancioso quando procura um bom negócio.

A política? Bem, por exemplo, indígenas não precisam ser "desenvolvidos" à força. Nossa economia não nasceu do pecado. E os ciclos econômicos não são causados por capitalistas "gananciosos" na esquina da rua João Brícola com a 15 de Novembro.

Esteja avisado.

Folha de São Paulo

Estratégia de dar estímulos econômicos ainda não surte efeito e risco é perder apoio de aliados




Por Míriam Leitão (foto) e Alvaro Gribel

Foi pior do que estagnação para Bolsonaro, a última pesquisa Ipec, porque ele perdeu pontos importantes nos eleitorados críticos: no Sudeste e entre os pobres. No Sudeste, região mais populosa do país, Lula ampliou de seis para 11 pontos a diferença sobre Bolsonaro. Entre os eleitores de baixa renda, que formam 55% dos eleitores, a situação de Bolsonaro ficou ainda pior do que já estava. Entre eleitores de renda até um salário mínimo Lula tem 56% dos eleitores, 35 pontos de vantagem. De um a dois salários mínimos, a vantagem de Lula cresceu de 16 para 23 pontos. E Bolsonaro achava que justamente aí ele cresceria com o programa social turbinado para as eleições.

A pesquisa Ipec divulgada nesta segunda-feira, dia 5 de setembro, mostra um quadro de estabilidade no cenário eleitoral. Para Bolsonaro, que corre contra o tempo para conseguir votos, isso indica que a estratégia do presidente não está funcionando, pelo menos na velocidade com que ele e seus aliados esperavam. O risco, na iminência de uma derrota, é que ele perca apoio na reta final da campanha.

No primeiro turno, a pesquisa estimulada mostrou Lula com os mesmos 44% da semana passada, e Bolsonaro oscilando de 32% para 31%. Ou seja, ambos permaneceram dentro da margem de erro. Na soma dos votos de todos os candidatos, há empate em 44%, indicando que permanece possível para Lula ganhar no primeiro turno. Na simulação de segundo turno, Lula ainda subiu de 50% para 52% e Bolsonaro caiu de 37% para 36%.

No recorte até um salário mínimo, a distância de Lula para Bolsonaro subiu, apesar de o Auxílio Brasil ter aumentado o seu valor para R$ 600 no mês de agosto. Lula subiu de 54% para 56% e Bolsonaro caiu de 22% para 21%. Entre os que recebem algum benefício do governo federal, Lula caiu de 52% para 50%, mas Bolsanaro também recuou, de 29% para 27%.

Uma grande surpresa aconteceu no Sudeste. Na semana passada ambos estavam empatados na margem de erro (3 pontos nesse recorte), com 39% para Lula e 33% para Bolsonaro, e agora Lula subiu para 41%, enquanto Bolsonaro caiu para 30%. No Nordeste, Lula caiu de 57% para 56%, mas Bolsonaro caiu mais, de 25% para 23%. A avaliação ruim do governo permaneceu em 43%, e 57% dos entrevistados desaprovam a maneira de governar de Bolsonaro.

Bolsonaro vem pedindo doações a empresários, mas, como contou ao Álvaro Gribel um alto executivo que tem se encontrado com ambas as campanhas, não tem conseguido os recursos que precisa. No PL, partido do presidente, a meta é manter as bancadas na Câmara e no Senado, por isso, os recursos do fundo partidário também estão escassos.

Sem crescer nas pesquisas e sem que os estímulos econômicos deem resultado, risco para Bolsonaro é perder apoio de aliados na reta final.

O Globo

Pesquisa Ipec: Bolsonaro oscila para baixo entre evangélicos e mulheres; Lula avança entre mais pobres



A nova rodada da pesquisa mostra Lula e Bolsonaro na liderança das intenções de voto

Por Leandro Prazeres, em Brasília

A nova rodada da pesquisa Ipec (ex-Ibope) sobre as eleições presidenciais divulgada nesta segunda-feira (5/9) mostrou uma tendência de estabilidade entre os dois líderes: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). Lula aparece na frente, com 44%, mesmo percentual apresentado na rodada anterior, no final de agosto. Bolsonaro, por sua vez, oscilou um ponto percentual para baixo, saindo de 32% para 31%. A oscilação, no entanto, está dentro da margem de erro da pesquisa, que é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

A pesquisa também mostra uma leve oscilação positiva nas intenções de voto dos demais candidatos. Ciro Gomes (PDT) saiu de 7% para 8%, enquanto Simone Tebet foi de 3% para 4%. Soraya Thronicke (União Brasil) tinha 0% e agora aparece com 1% e Felipe D`Ávila (Novo) manteve 1% das intenções de voto que apresentou no levantamento anterior. Votos brancos somam 6% e não souberam ou não responderam totalizaram 5%.

Na simulação de um eventual segundo turno, Lula aparece com 52% das intenções de voto contra 36% de Bolsonaro. Em relação
à pesquisa anterior, o petista oscilou dois pontos percentuais para mais enquanto o atual presidente oscilou um ponto percentual para menos. Nove por cento dos eleitores disseram que anulariam ou votariam em branco. Os indecisos e os que não responderam somaram 3%.

Apesar da estabilidade do cenário, as movimentações entre os segmentos pesquisados pelo Ipec apontam uma tendência de queda das intenções de voto de Bolsonaro em segmentos considerados estratégicos para a sua campanha: o eleitorado evangélico e as mulheres. Lula, por sua vez, viu suas intenções de voto voltarem a subir entre os mais pobres.

A nova rodada da pesquisa ouviu 2.512 pessoas entre 2 e 4 de setembro em 158 municípios de todo o Brasil. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%.

'A nova rodada da pesquisa ouviu 2.512 pessoas entre 2 e 4 de setembro em 158 municípios de todo o Brasil'

Confira, abaixo, quatro números trazidos pela nova pesquisa do Ipec.

Evangélicos: Bolsonaro lidera, mas com oscilação para baixo

A pesquisa Ipec mostra que Bolsonaro ainda lidera com relativa folga entre os eleitores que se autodeclaram evangélicos, mas suas intenções de voto oscilaram dois pontos percentuais para baixo em relação ao último levantamento, saindo de 48% para 46%. Lula, por sua vez, saiu de 26% para 27%. As oscilações estão dentro da margem de erro.

'Pesquisa mostra que Bolsonaro ainda lidera entre evangélicos, mas teve queda nas intenções de voto'

Os dados apontam para um encurtamento da distância entre os dois líderes nesse segmento. No fim de agosto, a distância era de 22 pontos percentuais a favor de Bolsonaro. Agora, a diferença caiu para 19.

Essa oscilação acontece em meio aos esforços de Lula e Bolsonaro de conquistar os votos dos eleitores evangélicos.

De um lado, a campanha de Bolsonaro tem explorado a imagem da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que é evangélica, para atrair os votos do segmento.

Do outro, a campanha petista tem investido em vídeos disparados em redes sociais focados exclusivamente no público evangélico.

Mulheres: Bolsonaro oscila para baixo entre o público feminino

A pesquisa também apontou uma tendência de queda nas intenções de voto de Bolsonaro entre as mulheres. Neste segmento, a oscilação foi de três pontos percentuais para baixo. No final de agosto, Bolsonaro tinha 29% entre o eleitorado feminino. Agora, ele aparece com 26%. Lula, por sua vez, manteve 45% que apresentava na pesquisa passada.

Assim, a diferença nesse segmento que era de 16 pontos percentuais em favor de Lula, agora é de 19 pontos percentuais.

A pesquisa mostrou, ainda, uma tendência de alta nas intenções de voto de Lula entre os homens, um dos públicos fiéis a Bolsonaro.

Na pesquisa anterior, Lula tinha 41%. Agora, apareceu com 43%. Bolsonaro, por sua vez, manteve os 36% que apresentava no final de agosto. A distância entre os dois saiu de cinco pontos percentuais para sete.

A aparente estagnação de Bolsonaro no segmento feminino acontece apesar de sua campanha ter investido em vídeos voltados diretamente para as mulheres incluindo, também, a imagem de Michelle Bolsonaro.

O aumento da distância acontece, também, depois de o presidente ter desferido um ataque verbal à jornalista Vera Magalhães durante o primeiro debate presidencial transmitido pela TV, realizado no dia 28 de agosto.

Na ocasião, Bolsonaro disse que a jornalista era uma "vergonha" para o jornalismo. Ela foi defendida pelos demais candidatos.

Lula sobe e Bolsonaro cai entre mais pobres

'Lula avançou entre aqueles que recebem até um salário, segundo Ipec'

Os dados do Ipec apontam uma tendência de alta nas intenções de voto de Lula entre os eleitores mais pobres ao mesmo tempo em que Bolsonaro apresenta uma trajetória de queda neste segmento.

A pequisa Ipec divide os eleitores em quatro faixas de renda familiar: os que recebem até um salário-mínimo; os que recebem mais de um e dois salários-mínimos; os que recebem acima de dois e até cinco e os que recebem acima de cinco salários-mínimos.

Entre os recebem até um salário, Lula saiu de 54% para 56%, interrompendo uma tendência de queda que vinha desde meados de agosto. Nessa faixa, Bolsonaro tinha 22% e agora aparece com 21%. Tanto a oscilação positiva de Lula quanto a negativa de Bolsonaro estão dentro da margem de erro da pesquisa que é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. A distância que era de 32 pontos percentuais, agora é de 35.

Entre os que recebem mais de um e até dois salários-mínimos, Lula também apresentou oscilação positiva. Lula saiu de 47% para 49%. Bolsonaro, por sua vez, caiu cinco pontos percentuais, saindo de 31% para 26%. A distância entre os dois, que era de 16 pontos percentuais no final de agosto, agora é de 23.

A campanha de Bolsonaro teve boas notícias na faixa do eleitorado que ganha entre dois e cinco salários-mínimos. Segundo a pesquisa, Lula tinha 39% nesse segmento no último levantamento e agora tem 34%, uma queda de cinco pontos percentuais. Bolsonaro, por sua vez, saiu de 37% para 40%.

Na faixa que ganha acima de cinco salários-mínimos, o cenário é de relativa estabilidade. Bolsonaro oscilou dois pontos percentuais para baixo, saindo de 47% para 45% enquanto Lula manteve os 28% que apresentou na pesquisa anterior.

Ciro sobe no Nordeste e Lula no Sudeste

'Ciro Gomes aparece como terceiro colocado na pesquisa'

Em relação à distribuição geográfica, a pesquisa Ipec mostra que Ciro apresentou uma oscilação de três pontos percentuais para mais, saindo de 7% para 10%. Ao mesmo tempo, os líderes nas intenções de voto tiveram uma suave oscilação negativa nessa faixa do eleitorado. Lula, que tinha 57%, agora tem 56%. Bolsonaro, por sua vez, tinha 25% e agora aparece com 23%.

Na região Sudeste, que representa 42% do eleitorado do país, Lula ampliou sua liderança. No levantamento anterior, o petista aparecia com 39% das intenções de voto e agora tem 41%. Bolsonaro, por sua vez, saiu de 33% para 30%. A diferença que antes era de seis pontos percentuais, agora saltou para 11.

Nas regiões Norte e Centro-Oeste, agregadas pelo Ipec durante seus levantamentos, a vantagem é de Bolsonaro, que manteve 40% das intenções de voto enquanto Lula caiu de 40% para 35%.

Na região Sul, o cenário aponta um empate técnico entre Lula e Bolsonaro com 39% das intenções de voto cada um. 

BBC Brasil

O que é politicamente correto?




O famoso politicamente correto hoje é criticado por muitos lados da política brasileira.

Por Matheus Magenta

"Me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto", disse o presidente Jair Bolsonaro em sua posse em 2019. "Tá proibido contar piada. O mundo tá chato pra cacete, o mundo tá pesado, sabe? Todas as piadas agora viraram politicamente erradas", afirmou o ex-presidente Lula, ao defender piadas sobre nordestinos em 2022.

Mas o que é o politicamente correto, afinal? Especialistas afirmam que ele surgiu como um movimento de esquerda em defesa da substituição de expressões, atitudes e percepções socialmente aceitas, mas ofensivas ou ameaçadoras para alguns grupos da sociedade, como mulheres, negros, indígenas, homossexuais e pessoas com deficiência.

Só que pouco tempo depois do surgimento do "politicamente correto", nos anos 1970, a direita americana conseguiu associar um significado negativo à expressão: ela passou a significar uma forma de censura, de ataque à liberdade de expressão e de um suposto vitimismo.

Muitos traçam paralelos com o livro 1984, do escritor britânico George Orwell. No livro, um regime ditatorial adota uma língua oficial em que as palavras somem de livros, jornais e documentos ao serem proibidas, e as pessoas têm cada vez menos possibilidade de se expressar. No Brasil, aliás, a expressão muitas vezes é complementada como "ditadura do politicamente correto".

Mas a briga em torno das palavras e atitudes não para por aí: muitas minorias passaram a argumentar que a expressão virou uma espécie de arma usada para silenciá-las — ou seja, elas não podem mais fazer críticas ou questionamentos porque são acusadas de ser politicamente corretas. Ou são acusadas de se vitimizarem, exagerarem, praticarem patrulha ideológica, serem sensíveis demais ("geração floco de neve") ou fazerem mimimi ("mimizento").

Para entender todas as camadas desse debate sobre politicamente correto, a BBC News Brasil explica as origens dessa expressão na esquerda e como ela foi apropriada pela direita. Em seguida, lembra como um livro do escritor Monteiro Lobato reacendeu esse debate no Brasil. E, por fim, detalha como os cancelamentos e a linguagem neutra deram novas formas aos embates sobre politicamente correto.

E para além disso tudo, muitos especialistas defendem que todo esse debate tem pouco impacto se a sociedade que criou essas expressões não mudar junto. Ou seja, não adianta trocar uma palavra racista por outra se o racismo continuar presente entre as pessoas.

As origens do politicamente correto?

Especialistas apontam que a expressão surgiu e se popularizou entre os anos 1970 e os anos 1990 em universidades dos Estados Unidos.

Clive Hamilton, professor de Ética Pública da Universidade Charles Sturt, na Austrália, diz que, quando surgiu, "politicamente correto" era uma espécie de paródia entre ativistas de esquerda a partir de uma tradução de textos comunistas da China, principalmente aqueles da Revolução Cultural, considerados doutrinários ou orwellianos (em referência a 1984).

"Mas se a frase 'isso é politicamente incorreto' era dita de forma irônica, ela também tinha uma intenção séria: desafiar o outro a pensar sobre o poder social da palavra e os estragos que ela poderia causar. À medida que essa forma de policiamento linguístico se espalhou, tornou-se um meio altamente eficaz de enfrentar os preconceitos profundamente enraizados embutidos nas palavras e expressões cotidianas", escreveu Hamilton.

'Debate sobre politicamente correto e liberdade de expressão costuma remeter à obra 1984, do escritor George Orwell'

Segundo Hamilton, "o politicamente correto era 'político' no sentido de que visava provocar mudanças sociais em um momento em que atitudes racistas, sexistas e homofóbicas encontravam expressão na linguagem cotidiana e não eram censuradas, embora as palavras fossem humilhantes, depreciativas ou ameaçadoras para as minorias em questão".

O Dicionário Conciso de Política da Universidade de Oxford conta que esse influente movimento em universidades americanas defendia o princípio de ações afirmativas e noções de multiculturalismo, promovendo discursos e comportamentos antissexistas e antirracistas.

"O movimento pelo politicamente correto buscava mudanças nos currículos de graduação que enfatizassem o papel de mulheres, pessoas não brancas e homossexuais na história e na cultura, e atacava a dominação da cultura ocidental por homens brancos europeus mortos", diz o dicionário.

Wilson Gomes, pesquisador e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que o politicamente correto está associado ao que se chama de identitarismo ou políticas identitárias. Segundo Gomes, essa posição dentro do espectro da esquerda passou, a partir dos anos 1960, 1970, a substituir a luta de classes pela luta identitária, numa espécie de identidade versus sociedade.

Mas qual é a diferença entre essas duas lutas? Em resumo, Gomes afirma que a luta de classes ocorre pelos meios de produção e determina que um será subalterno a outro, porque "quem tem os meios de produção controla a mais-valia (o valor criado pelo trabalhador com sua força de trabalho) e, portanto, a pobreza é uma circunstância decorrente da riqueza".

Por outro lado, a chamada luta identitária, segundo Gomes, passa pela ideia de que existe uma determinada identidade que identifica um conjunto de pessoas social e historicamente oprimido pelo outros e pela sociedade como um todo. "Portanto, é preciso que esses grupos ganhem consciência, como a ideia da consciência de classe, e na luta identitária é uma espécie de consciência da sua própria identidade de uma minoria oprimida, seja negro, mulher, trans etc."

Nessa perspectiva, a opressão é sistêmica, se materializa em todos os aspectos da vida social, por exemplo, e mantém essas minorias em condições subalternas. A luta identitária, portanto, passa pela tomada de consciência e pela reivindicação dessa condição. "Um dos aspectos da luta identitária diz respeito à disputa na linguagem, a disputa pela denominação das coisas, pelo modo como eles próprios são denominados. É uma luta para que tenha uma linguagem respeitosa da identidade e que, portanto, reflita essa identidade. É uma luta de uma certa maneira pela polícia vocabular, como patrulhas ideológicas, constrangimentos etc. Porque o constrangimento é importante para essa luta", afirma Gomes.

Críticas e guerras culturais

Para além do ambiente das universidades americanas, o filósofo conservador britânico Roger Scruton explica no Dicionário do Pensamento Político que, ao longo do século 20, as pessoas passaram a ter mais consciência de que linguagem e comportamento podem contribuir com ofensas e estereótipos e reforçar atitudes que promovem a discriminação.

Assim, houve um processo gradual de reforma da linguagem política para banir termos considerados ofensivos, que acabou ganhando vida própria. Segundo Scruton, essas reformas linguísticas criaram um campo minado para aqueles que se referem a minorias com os termos incorretos.

"O conceito de politicamente correto se tornou tema de intensa polêmica nos EUA e em todos os outros lugares em que a direita o ataca como uma ameaça à liberdade de expressão e uma desculpa para caça às bruxas, enquanto a esquerda o endossa (...) como um pressuposto necessário para um debate público justo e respeitoso", escreveu Scruton.

'Umas das principais luta do movimento negro se dá contra o racismo na linguagem'

Em entrevista à BBC, Scruton afirmou que, à primeira vista, o politicamente correto parecer ser uma maneira de ser levantar a favor das vítimas, sejam elas mulheres, homossexuais, transgênero e outras minorias. "Mas na realidade se trata de criar vítimas."

Segundo ele, os defensores do politicamente correto são "especialistas em se ofender, mesmo que não tenha havido ofensa" e atuam como juízes, promotores e jurados do que chamam de crime. "Eles são a voz de uma justiça inquestionável. Seu objetivo é intimidar seus oponentes, expondo-os à humilhação pública." O filósofo inglês argumenta que o politicamente correto aproxima "acusação" e "culpa" de um "crime de pensamento" e acaba com a presunção de inocência.

Crime de pensamento é uma expressão do livro 1984, no qual o Estado totalitário que controla a linguagem também policia e pune o pensamento das pessoas.

Scruton diz que a culpa da perseguição ao livre pensamento nos dias de hoje não é apenas do politicamente correto, mas também de uma "característica da condição humana mais profunda e duradoura que vem à tona em caças às bruxas: a busca por bodes expiatórios".

Ele cita o filósofo e historiador francês René Girard, para quem as sociedades são sujeitas a grandes rivalidades se as pessoas sofrem para ter os mesmos poderes e posses das outras.

Segundo Scruton, a desconfiança entre as pessoas leva à busca de bodes expiatórios para tentar resgatar a união da sociedade. Ou seja, as pessoas tentam curar as feridas, mas todos se acusam de ser culpados pelas divisões da sociedade.

Já Hamilton, da Universidade Charles Sturt, lembra que a busca por culpados, ou melhor, a principal reação negativa ao politicamente correto, foi disseminada por homens brancos privilegiados que se sentiam discriminados por políticas de igualdade, defendendo que "você não deve se sentir mal pelo que é, pensa ou acredita".

Em debates promovidos pelo instituto Pew, muitos apoiadores do Partido Republicano (ao qual pertence o ex-presidente Donald Trump) falaram que a cultura politicamente correto tinha ido longe demais e demonstraram nostalgia de outras épocas, algo compartilhado pelos britânicos que apoiaram a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit). Estes cidadãos, por sua vez, disseram ter medo de ser tachados de racistas e reclamaram que brincadeiras e piadas se tornaram proibidas.

Um dos pontos levantados por parte dos republicanos era a fragilidade daqueles que se sentiam ofendidos, os "pequenos flocos de neve (snowflakes)", como disse um dos entrevistados na pesquisa da Pew. A expressão é algo equivalente no Brasil a termos pejorativos como "mimizento/mimizenta", ou seja, pessoas acusadas de serem "sensíveis demais" ou de fazerem "mimimi" (choramingar, reclamar, criticar de forma exagerada etc.) quando apontam declarações ou atitudes ofensivas.

Especialistas apontam que esse tipo de reação ao politicamente correto surge em meio a uma guerra cultural em curso, fenômeno que começou nos EUA nos anos 1990 e depois se espalhou pelo mundo. Alguns apontam a origem extraoficial dessa batalha em 1992, quando o republicano Patrick Buchanan discursou que havia uma "guerra cultural tão importante para o tipo de que nação que seremos quanto a própria Guerra Fria".

Ele identificou à época que o direito ao aborto, os direitos dos homossexuais, a discriminação religiosa e a presença das mulheres nas Forças Armadas seriam algumas das principais frentes de batalha.

Em linhas gerais, guerras culturais costumam ser descritas como o processo em que temas morais como legalização do aborto, do casamento gay ou do porte de armas se tornam centrais no debate político, ofuscando outros temas, e opõem conservadores ou de direita (pessoas de viés mais disciplinador, rigoroso e punitivo) e progressistas ou de esquerda (o oposto).

Há muita troca de acusações entre os envolvidos nessa guerra cultural. E no meio do tiroteio, há quem pense que não é para tanto, nem para tão pouco.

Melhor dizendo: há quem concorde que algumas dessas palavras e expressões são de fato ofensivas e devem ser banidas em respeito aos outros, mas também acredite que isso tudo está indo longe demais atualmente por meio de duas vertentes do politicamente correto: cancelamentos em excesso e imposição de linguagem neutra (entenda sobre esses termos mais abaixo).

'Para parte dos britânicos, politicamente correto promoveu aumento da tolerância e redução de piadas e falas racistas'

Em 2021, o instituto de pesquisas americano Pew publicou um levantamento com cidadãos de quatro países sobre assuntos como o politicamente correto e o discurso ofensivo. Apenas na Alemanha a maioria dos cidadãos concordou que "as pessoas devem ser cuidadosas com o que dizem para evitar ofender os outros".

Na direção oposta, a maioria das pessoas na França, nos EUA e no Reino Unido afirmou que "as pessoas hoje se ofendem fácil demais com o que os outros dizem".

A principal divergência entre essas duas posições se dá nos EUA: 65% das pessoas de esquerda defendem o cuidado com discurso ofensivo, e apenas 23% das pessoas de direita concordam com isso.

Ideologicamente, a esquerda é a mais preocupada com o que se diz, aponta o Pew. E aponta avanços positivos, apesar de tudo. Para muitos americanos democratas (apoiadores do partido do presidente Joe Biden), a mudança no discurso melhorou práticas de negócios, por exemplo. Para britânicos contrários à saída do Reino Unido da União Europeia, o politicamente correto trouxe um aumento da tolerância e fez com que piadas racistas fossem finalmente inaceitáveis.

Monteiro Lobato e PT reacendem debate no politicamente correto no Brasil

O tema do politicamente correto dominou o debate na imprensa em dois momentos importantes da história brasileira recente.

Primeiro, em 2004, o governo Lula publicou a cartilha Politicamente Correto e Direitos Humanos, com quase 100 termos ou expressões pejorativas acompanhadas de comentários. O objetivo do documento era, segundo o então subsecretário de promoção e defesa dos direitos humanos Perly Cipriano, responsável pelo material, "chamar a atenção dos formadores de opinião para o problema do desrespeito à imagem e à dignidade das pessoas consideradas diferentes".

"Preto de alma branca - Um dos slogans mais terríveis da ideologia do branqueamento no País, que atribui valor máximo à raça branca, e mínimo aos negros. 'Apesar de ser preto, é gente boa' e 'É negro, mas tem um grande coração' são variações dessa frase altamente racista, segregadora", dizia um trecho da cartilha.

Outra passagem afirmava: "Branquelo - Por incrível que pareça, existe no Brasil preconceito racial contra pessoas brancas. Mais fortemente, contra membros das colônias europeias no Sul do País. 'Branquelo' e "branquelo azedo' são duas das expressões pejorativas contra os brancos."

Mas a distribuição de 5 mil exemplares acabou gerando ampla reação negativa. "É estarrecedor. Estamos ingressando numa era totalitária, em que o governo dá o primeiro passo para instituir uma nova língua e baixar normas sobre as palavras que devemos usar?", afirmou o escritor João Ubaldo Ribeiro em sua coluna no jornal O Globo.

O material foi rechaçado pelo próprio Lula, que costuma usar vários dos termos da cartilha em seus discursos, como "louco", "peão" e "burro". Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo à época, o então presidente afirmou que achava a cartilha "um absurdo, uma perda de tempo e um gasto desnecessário de dinheiro".

Ao discutir sobre a cartilha com assessores, Lula perguntou ao secretário da pasta responsável pela cartilha, Nilmário Miranda, por que "peão" é uma palavra pejorativa."Mas Nilmário, eu sou um peão e não me importo com isso. E também chamo as pessoas de peão."

Seis anos depois, o tema do politicamente correto voltaria ao noticiário no Brasil, desta vez por causa do livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, acusado de disseminar "preconceitos e estereótipos contra grupos étnico-raciais".

O caso do livro, distribuído pelo governo federal a bibliotecas de escolas, teve início em 2010 por meio de uma denúncia à Ouvidoria da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Em seguida, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (ligada ao Ministério da Educação) produziu pareceres sobre eventuais medidas.

'Batalha judicial ligada ao livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato reacendeu debate sobre politicamente correto no Brasil'

Entre elas, treinar professores para saber lidar com livros do tipo e acrescentar informações à obra (por meio de uma nota explicativa ou no texto de introdução) sobre o contexto da época de publicação, o escritor Monteiro Lobato e estereótipos raciais na literatura.

Um trio de pesquisadores (João Feres Júnior, Leonardo Nascimento, ambos da Uerj, e Zena Eisenberg, da PUC-Rio) que analisou o caso conta que metade dos textos opinativos na mídia tradicional publicados à época associava o caso ao politicamente correto e parte desses textos atribuía a responsabilidade à linha ideológica do PT, numa espécie de "imposição da ideologia de um grupo de militantes de esquerda autoritária sobre toda a sociedade".

"Quem pede a suspensão de uma obra por ela conter um termo considerado discriminatório está assassinando a cultura brasileira, que a cada dia é torpedeada por novas empreitadas da patrulha do politicamente correto", disse o lexicólogo Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras.

Em editorial escrito em 2011 sobre outra questão, a possibilidade de se fechar escolas voltadas a estudantes com deficiência auditiva ou visual e inclui-los na rede de escolas convencionais, o jornal O Globo retomou o tema do politicamente correto.

"O extenso histórico de medidas com o viés do politicamente correto, em obediência à linha ideológica de áreas do PT e adotadas desde o primeiro governo Lula, recomenda prudência e boa dose de ceticismo em relação ao desmentido (de que a proposta não seria adotada). Afinal, não é a primeira vez que o governo federal tenta empurrar goela abaixo da sociedade uma pílula supostamente progressista, que, na realidade, é um composto no qual mal se disfarça o DNA do autoritarismo e da intolerância", dizia o texto.

Para os pesquisadores, apesar de toda reação ao politicamente correto, "nenhuma sociedade real existe sem uma medida do que seja o politicamente correto, isto é, da linguagem que é ou não aceita, de padrões do que é ou não ofensivo".

Além disso, segundo eles, "não há registro de sociedade histórica em que tais padrões não tenham se imposto pela força da cultura e das instituições".

Como dito acima, muitos especialistas defendem que todo esse debate surte pouco efeito se o racismo, por exemplo, continuar presente entre as pessoas mesmo com palavras novas.

'Crítico do politicamente correto, Lula derrubou iniciativa de seu próprio governo para promover mudanças na linguagem'

A socióloga e pesquisadora Sabrina Fernandes (Universidade Livre de Berlim) defende que todo esse debate sobre liberdade de expressão e seus limites e soluções deveria passar também por livrar as pessoas da opressão antes se discutir a linguagem.

"É preciso libertar as pessoas da opressão também. E aí tudo se torna natural, porque se você tem uma sociedade que é mais feminista e menos machista, você não vai precisar ficar regulando as coisas machistas que as pessoas falam porque elas não vão sentir necessidade de falar isso. Porque se promoveu mudanças mais profundas", afirma Fernandes em entrevista à BBC News Brasil.

Para o linguista e professor Sírio Possenti (Unicamp), em artigo sobre o tema, as palavras ou expressões não carregam significados intrínsecos, em si, mas, sim, significados consolidados nas estruturas e relações sociais e culturais.

Por isso, diz Possenti, se uma sociedade é racista, mudar os termos considerados ofensivos (ou criminosos) por outros mais "neutros" somente não tornará as relações ou os falantes menos ou mais racistas, e os significados preconceituosos acabarão sendo carregados e reproduzidos nas novas expressões substitutas.

Linguagem neutra, uma nova vertente do politicamente correto

Um dos fenômenos que costumam gerar mais debate atualmente nesse contexto é a linguagem neutra ou inclusiva, que, segundo o Parlamento europeu, visa "contribuir igualmente para reduzir os estereótipos de gênero, para promover mudanças sociais e para alcançar a igualdade de gênero". Para a instituição, esse conceito é mais do que uma questão de politicamente correto porque "reflete e influencia profundamente atitudes, comportamentos e percepções".

Mas como funciona na prática? Em geral, esse conceito é utilizado para não especificar o gênero do interlocutor. Assim, são utilizados, por exemplo, termos como "elu" — em vez de ele ou ela — e a vogal "e" se torna recorrente nas palavras com terminologias que denotam gênero. Amigo se torna amigue. Bonito se torna bonite. Há algum tempo, chegou-se a usar a consoante "x" ou o símbolo "@" para essa finalidade (como "bonitx" ou "bonit@"), mas as dificuldades de leitura, fala e compreensão reduziram esses usos.

Há outras estratégias de linguagem neutra ligadas à substituição dos termos. Uma cartilha do Parlamento europeu sobre o tema sugere trocar expressões como "os políticos" por "a classe política", "os professores" por "o corpo docente" e, nas referências ao gênero humano, trocar o termo "homem" por "a humanidade", "o ser humano", "a sociedade" ou "as pessoas". A exceção ao último caso seria a expressão "direitos do homem", por ser "utilizada em muitos textos jurídicos, a qual se refere a um conceito político e filosófico com um importante cunho histórico".

'Governo Bolsonaro vetou uso de linguagem neutra em projetos culturais ligados ao mecanismo de fomento Lei Rouanet'

O tema costuma gerar reação de grupos conservadores no país. "Netflix coloca em seu catálogo desenho infantil que promove linguagem neutra, ideologia de gênero e destruição da família. Pais, não deixem seus filhos assistirem o desenho Ridley Jones", postou no Twitter o deputado federal bolsonarista Carlos Jordy (PSL-RJ).

As mudanças passaram dos debates na mídia e nas redes sociais e já chegaram aos Três Poderes.

O governo Bolsonaro vetou seu uso em projetos culturais financiados via Lei Rouanet (mecanismo de incentivo por meio de isenção fiscal).

"Entendemos que a linguagem neutra (que não é linguagem) está destruindo os materiais linguísticos necessários para a manutenção e difusão da cultura. E que submeter a língua a um processo artificial de modificação ideológica é um crime cultural de primeira grandeza", escreveu no Twitter o então secretário de fomento e incentivo à cultura, André Porciuncula.

"Tal expediente, apesar de se vender como linguagem, não é um produto social apto a produzir comunicação. Ele não surgiu no cotidiano de um povo, mas sim criado e integrado de forma alienígena, através de movimento político sectário."

A Assembleia Legislativa de Rondônia chegou a aprovar uma lei proibindo a linguagem neutra em escolas e editais de concursos públicos, mas a medida acabou derrubada em 2021 pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para o magistrado, a linguagem neutra "visa a combater preconceitos linguísticos retirando vieses que usualmente subordinam um gênero ao outro" e "é difícil imaginar que a sua proibição possa ser constitucionalmente compatível com a liberdade de expressão".

A relação entre cancelamento e politicamente correto

Uma das facetas atuais do politicamente correto é a chamada "cultura do cancelamento". Mas essa questão é tão polêmica que não há consenso nem se de fato ela existe.

De um lado dessa briga estão aqueles que denunciam uma nova forma de julgamento público, particularmente nas redes sociais, que tem levado à censura e ameaçado a liberdade de expressão.

O outro lado da disputa rebate afirmando que o termo cancelamento é um rótulo usado como artifício por quem tenta diminuir críticas e boicotes legítimos contra pessoas ofensivas, racistas ou homofóbicas, por exemplo. Algo parecido ao uso indiscriminado da expressão "politicamente correto", usada como guarda-chuva para muitas coisas diferentes.

O movimento de boicotes digitais ganhou força na última década como uma maneira de amplificar a voz de grupos oprimidos e forçar ações políticas de empresas ou figuras públicas.

'Cancelamento tem sido associado por seus críticos a práticas como censura, patrulha ideológica e linchamento virtual'

Por não terem força política ou econômica para conseguir mudanças sozinhas, esses grupos adotam uma tática mais ou menos assim: um usuário de mídias sociais, como Twitter e Facebook, presencia um ato que considera errado, registra em vídeo ou foto e posta em sua conta, com o cuidado de marcar a empresa empregadora do denunciado e autoridades públicas ou outros influenciadores digitais que possam amplificar o alcance da mensagem. É comum que, em questão de horas, o post tenha sido replicado milhares de vezes.

A cascata de mensagens a uma empresa e a eventual repercussão na mídia costuma precipitar atitudes sumárias para estancar o desgaste de imagem, como cancelar contratos ou negócios com o alvo do boicote, sem que a pessoa sob ataque possa necessariamente se defender na Justiça, por exemplo.

Por isso, alguns críticos costumam chamar esses boicotes de linchamento público. Diante do que qualificaram como "atmosfera sufocante", um grupo de 150 jornalistas, intelectuais, cientistas e artistas, considerados progressistas, resolveu publicar, na revista americana Harper's Magazine, em 2020, um texto intitulado "Uma carta sobre Justiça e Debate Aberto".

Assinada por nomes de peso, como o linguista Noam Chomsky, os escritores J.K. Rowling e Andrew Solomon, a ativista feminista Gloria Steinem, a economista trans Deirdre McCloskey, e o cientista político Yascha Mounk, a carta afirma que "a livre troca de informações e ideias, força vital de uma sociedade liberal, tem diariamente se tornado mais restrita. Enquanto esperávamos ver a censura partir da direita radical, ela está se espalhando também em nossa cultura: uma intolerância a visões opostas, um apelo à vergonha pública e ao ostracismo e a tendência de dissolver questões políticas complexas com uma certeza moral ofuscante".

A resposta à carta dentro do próprio movimento progressista não tardou. Um grupo de artistas, intelectuais e jornalistas de veículos como New York Times e NPR acusou os autores da primeira carta de, do alto de seu sucesso profissional e posição confortável no mercado, ignorar as dificuldades de minorias, como negros e população LGBTQ+, no debate público no mundo acadêmico, nas artes, no jornalismo e no mercado editorial.

"Os signatários, muitos deles brancos, ricos e dotados de plataformas enormes, argumentam que têm medo de ser silenciados, que a chamada cultura do cancelamento está fora de controle e que eles temem por seus empregos e pelo livre intercâmbio de ideias, ao mesmo tempo em que se manifestam em uma das revistas de maior prestígio do país", afirmam os signatários do novo documento, intitulado "Uma carta mais específica sobre Justiça e debate aberto". Vinte e três dos signatários o fizeram de forma anônima por medo de represálias.

BBC Brasil

A última grande ofensiva




Após esgotar a munição política e econômica, Bolsonaro recorre ao arsenal das Forças Armadas

Por Eliane Cantanhêde (foto)

O presidente Jair Bolsonaro usa o bicentenário da Independência e o 7 de Setembro como seu último lance, ou última ofensiva, para tentar virar o jogo, ou a guerra. Ele já gastou todos os seus lances e seu arsenal sem conseguir mexer no favoritismo do ex-presidente Lula, que lidera com tranquilidade desde o início, sem ser realmente ameaçado.

Assim, Bolsonaro entra no “tudo ou nada” e vai usar as Forças Armadas como se fossem suas e remexer terra, céu e mar para dar uma demonstração de força no 7 de Setembro, criar a sensação de vitória e alavancar uma reviravolta nas pesquisas em todo o País. O “povo” gosta de votar em quem vai vencer, ensinam os palacianos.

O Rio de Janeiro (ou Novo Esteio/rs, como a Presidência errou ontem ao anunciar a agenda?) é chave nessa estratégia. É onde Bolsonaro e dois de seus filhos fazem política e ele venceu de forma acachapante em 2018, em todos os municípios, exceto três, e bairros da capital, exceto Laranjeiras.

Assim, Bolsonaro e bolsonaristas movem mundos e fundos para produzir manifestações gigantescas em Brasília, São Paulo e todo o resto, mas a apoteose será no Rio, na Praia de Copacabana, o mais famoso cartão-postal do Brasil no mundo.

É aí, com navios, aviões, bandas militares, paraquedistas e tiros de canhão do Forte de Copacabana, que o capitão insubordinado vai pôr as Forças Armadas mais uma vez de joelhos. Não para o Bicentenário da Independência e o 7 de Setembro, mas para fazer o que seu mestre mandar, como o general Eduardo Pazuello, e engrossar sua campanha.

Lula mantém uma distância confortável para Bolsonaro no País desde 2018, antes de a Justiça torná-lo inelegível. Em agosto daquele ano, a diferença entre os dois já era alta no segundo turno e, segundo o Ipec de ontem, continua sendo de 16 pontos agora. Mesmo concorrendo à reeleição, com a caneta, os recursos e o Centrão, Bolsonaro não tem conseguido furar essa barreira.

Pelas pesquisas, Lula está na frente em todas as regiões, apesar do empate técnico no Sul, Norte e Centro-oeste, mas Bolsonaro vem reduzindo a diferença no Sudeste, que reúne 43% do eleitorado nacional e é a única região capaz de compensar ou anular a poderosa dianteira do petista no Nordeste e em Minas. Por isso, o foco de Bolsonaro está no Rio e em São Paulo.

Ele, porém, já implodiu teto de gastos, lei eleitoral e responsabilidade fiscal, mas oscila daqui e dali, sem chegar a ameaçar Lula. Até entre os evangélicos pode ter batido no teto. Com o arsenal político e econômico se esgotando, ele recorre a um arsenal mais perigoso: o das Forças Armadas. Por enquanto, no 7 de Setembro. Que fique só por aí.

O Estado de São Paulo

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