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sábado, junho 04, 2022

É isto um democrata? - Editorial




Lula pretende se apresentar como ‘salvador da democracia’ no País, mas sua natureza autoritária seimpõe, ao debochar do PSDB e da inteligência do eleitor

Há poucos dias, diante de simpatizantes reunidos em um teatro da capital paulista, o ex-presidente Lula da Silva decretou o fim do PSDB, com ar de deboche. “Um senador do PFL disse uma vez que era preciso acabar com a ‘desgraça do PT’, o Jorge Bornhausen. O PFL acabou. Agora, quem acabou foi o PSDB”, disse o eterno candidato petista à Presidência.

Eis aí a natureza de Lula em seu esplendor. O chefão petista diz e repete que pretende ser líder de um amplo movimento suprapartidário para nada menos que “salvar a democracia”, mas, quando está entre os seus, deixa claro o que entende por “democracia”: um regime em que o PT governa sem oposição.

Um genuíno democrata, especialmente quem se arvora em líder insubstituível de uma formidável “frente ampla” pela democracia, jamais celebraria o fim de um partido. E não é o fim de um partido qualquer, mas um que desde sua fundação, em 1988, legou à sociedade brasileira um vistoso conjunto de conquistas civilizatórias como poucos partidos jamais farão. O PT de Lula sempre negou todas essas conquistas.

Mais tarde, talvez advertido por assessores sobre a gravidade dessa agressão gratuita, especialmente no momento em que tenta atrair o apoio de lideranças tucanas para sua candidatura, Lula tentou contemporizar, afirmando que o Brasil “era feliz quando a polarização era entre PT e PSDB”. Segundo o petista, tratava-se de uma relação “civilizada”. Nada mais distante da realidade.

Quando estiveram na oposição, os petistas pediram o impeachment do tucano Fernando Henrique Cardoso e sabotaram os esforços para estabilizar a economia, resumidos no Plano Real. Em São Paulo, são inesquecíveis as imagens da agressão física cometida por militantes petistas contra o então governador de São Paulo, Mário Covas, em junho de 2000. “Eles (os tucanos) têm de apanhar nas ruas e nas urnas”, disse à época o prócer petista José Dirceu. O Brasil não era feliz e sabia.

Uma vez no poder, Lula inventou que havia recebido uma “herança maldita” dos governos tucanos, criando um inimigo para levar a culpa por todos os problemas e, de quebra, excitar a militância petista contra qualquer forma de oposição. Não há malandragem discursiva capaz de mudar essa história – que, de resto, está na gênese do esgarçamento das relações sociais que culminaram com a desmoralização da política como meio de concertação democrática no Brasil. Triunfou o vale-tudo.

Fosse Lula um candidato nanico, nada disso teria muita importância. Mas o petista é o líder das pesquisas de intenção de voto e aparece hoje como favorito para vencer a eleição de outubro, razão pela qual tudo o que diz sinaliza o que potencialmente está por vir. E a perspectiva é sombria.

O perigo de uma eventual vitória de Lula não se manifesta somente nos momentos em que reafirma sua vocação autoritária. Preocupa igualmente sua visão tacanha de mundo. Em vários momentos, Lula parece que está disputando a direção de um centro acadêmico, não a Presidência da República.

Num discurso constrangedor, disse que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, “nunca fez um discurso para dar 1 dólar para quem está morrendo de fome na África” enquanto destina US$ 40 bilhões à Ucrânia para “comprar armas”. Imagine-se o regozijo da militância petista, para quem os Estados Unidos são o que há de pior no mundo, mas o pior ainda estava por vir: na sequência, Lula prometeu cancelar a privatização da Eletrobras e ainda sugeriu que as empresas privadas querem se apropriar não só da energia, mas “das águas dos nossos rios”.

Num mesmo fôlego, Lula – que se apresenta ao País como “democrata” e que se pretende “moderno”, em contraste com o atraso bolsonarista – exercitou o mais retrógrado antiamericanismo, demonstrou profunda ignorância sobre a agressão criminosa da Rússia contra a Ucrânia, ameaçou romper contratos de privatização e, de quebra, caracterizou investidores privados como piratas insaciáveis dos recursos naturais do País.

Esse é o Lula – irredutível demagogo e incorrigível autoritário – que quer ser visto como o redentor do Brasil. 

O Estado de São Paulo

Amazônia gera 26% da energia elétrica do país, mas tem 1 milhão de pessoas no escuro




Casa flutuante na floresta amazônica; 3 milhões de habitantes da região estão fora do Sistema Interligado Nacional (SIN)

Por Shin Suzuki, em São Paulo 

A Amazônia é o centro das atenções quando o Brasil é assunto no mundo, mas ainda se vê em uma situação de distorções e desequilíbrios em relação ao resto do país.

Por meio de suas usinas hidrelétricas, a região gera a importante fatia de 26% da energia elétrica consumida em todo o território nacional.

Mas municípios da Amazônia Legal têm 1 milhão de pessoas que não podem contar com luz — recebem fornecimento em apenas algumas horas do dia, através de geradores.

Outros 3 milhões de habitantes da região estão fora do Sistema Interligado Nacional (SIN), que coordena e controla a produção e transmissão de energia elétrica e conecta usinas e consumidores.

Essa população na Amazônia Legal precisa ser abastecida por usinas termelétricas a óleo diesel.

A Amazônia Legal, de acordo com o IBGE, engloba 772 cidades em nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. A área da Amazônia legal (5.015.068,18 km²) corresponde a cerca de 58,9% do território brasileiro, segundo o IBGE.

A população da Amazônia Legal aumentou de 8,2 milhões em 1972 para 28,1 milhões de habitantes em 2020, o que representa 13% da população brasileira, segundo o Projeto Amazônia 2030, uma iniciativa de diversas entidades, incluindo o Climate Policy Initiative.

Em 2019, segundo o IBGE, 99,8% da população brasileira tinha acesso à energia elétrica:

    *Centro-Oeste, Sudeste e Sul possuíam 99,9% de cobertura

    *esse índice, no entanto, ficava em 99,6% no Nordeste

    *e, no Norte, recuava ainda mais: 98,8%

"Existe um contraste entre o Brasil da energia renovável e interconectado e o Brasil isolado e abastecido a combustível fóssil", diz estudo do Climate Policy Initiative (CPI), organização focada em políticas ambientais e mudança climática.

"Nós procuramos entender nessa análise como essas condições de fornecimento de energia na Amazônia Legal impactam em todas as características da região", diz Amanda Schutze, coordenadora de avaliação de política pública do CPI, que realizou a pesquisa junto com Luiz Bines e Juliano Assunção.

"Porque, claro, a energia conversa com desenvolvimento", afirma.

A Amazônia Legal participa com apenas 0,17% de fatia no mercado mundial de produtos "compatíveis com a floresta" como cacau, pimenta do reino, peixes, entre outros de potencial subaproveitado, aponta uma outra pesquisa, feita pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente (Imazon) e pelo Centro de Empreendedorismo da Amazônia e também com participação do CPI.

"Como essa população sem acesso à eletricidade pode acessar programas educacionais ou cursos online para, por exemplo, se informar sobre o melhor uso da terra para algum fim, para aprender a explorar a terra de forma sustentável? Como tudo isso é possível sem acesso à energia? Como existe ainda 1 milhão de pessoas no Brasil sem eletricidade?", questiona a pesquisadora.

Schutze diz que o Sistema Interligado Nacional é "magnífico" porque garante luz para o consumidor final ao gerenciar o transporte de eletricidade de um ponto com condições de ceder energia a um outro que, por exemplo, poderia passar por um período de seca em suas hidrelétricas e enfrentar problemas de racionamento.

Ao mesmo tempo, o sistema apresenta, na Amazônia Legal, uma "grave distorção" na qual populações que vivem próximas de usinas hidrelétricas da região "não estão usufruindo dessa geração de energia, mas sim pessoas, como nós, no Sudeste."

"Uma caracterização desses dois diferentes Brasis", diz ela.

A Amazônia Legal participa com apenas 0,17% de fatia no mercado mundial de produtos "compatíveis com a floresta" como cacau, pimenta do reino, peixes, entre outros de potencial subaproveitado

A BBC News Brasil entrou em contato com o Ministério de Minas e Energia para obter um posicionamento sobre as questões relacionadas à energia na Amazônia, mas não recebeu resposta.

Em 2020 foi criado o programa Mais Luz para Amazônia, sucessor do programa Luz para Todos, para atender famílias residentes em áreas remotas da região.

A análise do Climate Policy Initiative aponta que a estruturação do programa não estabelece multas ou consequências em caso de não cumprimento de metas e nem possui fiscalização prevista no projeto.

Outra crítica menciona a pouca interação entre as distribuidoras de energia e as comunidades locais, sem que as necessidades das populações cheguem aos órgãos envolvidos.

Todos pagam a conta

Outro importante ponto do estudo passa por um dos principais assuntos no mundo hoje: a transição energética, tanto na arena ambiental quanto na arena econômica.

O diesel, o combustível fóssil e não renovável usado para gerar eletricidade para 4 milhões de pessoas na Amazônia Legal, é mais poluente, mais caro e se tornou uma preocupação global desde que a Guerra na Ucrânia levou a uma redução dos estoques no mundo.

Embora as previsões de economistas não passem por desabastecimento generalizado no Brasil, a cotação do produto segue pressionada.

Estados da Amazônia Legal

Antes mesmo desse momento delicado, a provisão de energia nesses locais fora do Sistema Interligado Nacional por meio do diesel já cobrava um alto preço de todos os brasileiros via encargos na conta de luz. O estudo do CPI aponta que, em 2022, o valor total do subsídio ultrapassará R$ 10 bilhões.

Os pesquisadores recomendam a implementação de energia limpa e renovável — em particular, a solar — que também representaria uma redução dos custos totais.

Eles citam que o custo de operação com diesel chega a R$ 2,3 bilhões em 25 anos, enquanto com a matriz renovável é de apenas R$ 4,4 milhões no mesmo período.

Projeto de lei

O projeto de lei 4248/2020, de autoria do deputado federal Airton Faleiro (PT-PA), estabelece o prazo até o ano de 2025 para universalização da energia elétrica nas regiões remotas da Amazônia.

Foi feito à época da pandemia para estabelecer priorizações de instalações considerando a vulnerabilidade de localidades que não teriam mínimas condições de tratamento de saúde durante o pico da crise da covid-19. O prazo original era 2023 e foi modificado.

O texto está na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e Amazônia (Cindra) e teve parecer favorável do relator da comissão. Ainda não foi a votação.

BBC Brasil

O erro de Kissinger




Em 2022 como pode alguém dar crédito a uma “avestruz” que hoje ainda insiste na capitulação da Ucrânia, cinzentamente incapaz de ler as lições da História e corrigir os tremendos erros da “juventude”? 

Por Cândido Ferreira (foto)

Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, era expetável um futuro auspicioso para a Europa e Rússia: mais do que um desanuviamento de relações, acreditava-se numa aproximação assente na cooperação económica e afinidades histórico-culturais.

Essa parecia ser a evolução natural do nosso mundo e, perante as novas ameaças que surgiam do Extremo-Oriente e do seu flanco Sul, a Europa até menosprezou a sua fronteira oriental, embalada no doce idílio de uma futura ligação à Rússia.

Cinco anos depois do fim da guerra fria, no meu primeiro livro, eram bem outras as minhas preocupações: a sustentabilidade do planeta, assente em pegadas ecológicas; e o apertado controlo das administrações estatais, que considerava a fonte major das ameaças à liberdade e ao desenvolvimento humano.

O bicho-homem, porém, sempre imprevisível, encarregar-se-ia de sustentar lideranças que, sangradas na Ásia Central e desprezadas no Pacífico, conduziram a inesperadas construções geopolíticas que transformaram os meus verdes sonhos em negros pesadelos.

Lançado hoje o caos e posta até em causa a sobrevivência de uma parte significativa da Humanidade, o melhor mesmo será identificar as causas inquestionáveis deste conflito à escala global, exercício sem o que não é possível enunciar soluções consistentes:

1. A crescente pressão do lobi militar-industrial sobre a classe política, de que é sinal claro a tolerância aos massacres em série, dentro dos “modernos” EUA.

2. A disrupção iminente do sistema monetário e financeiro, hoje firmado numa especulação desenfreada, que já não na produção e troca de bens básicos;

3. O controlo de atividades estratégicas por poderosos grupos de oligarcas, que acumulam lucros estratosféricos enquanto as classes médias se afundam.

4. O esmagamento da comunicação social livre, com a eliminação cirúrgica de milhões de vozes, incluindo o recurso a milhares de assassinatos;

5. A supremacia das “máquinas administrativas” sobre o poder judicial, assim se abrindo uma janela de impunidade a crimes económicos e até contra a Humanidade;

6. A profunda desregulação e instabilidade dos mercados, perante a degradação das regras tradicionais assentes na lei e na ética.

7. A que acrescento uma “sétima praga”, que é a progressão dos extremismos religiosos e políticos, neste atual “Egipto” em que vivemos.

Por menos letal, e até fator de agregação entre os povos, já nem falo da covid. E para melhor se entender uma guerra que veio para ficar, dispenso também, por inúteis, mais delongas em torno de figurões como Putin, Trump e afins, de fresca ou longa data.

Centremo-nos na evolução histórica das últimas três décadas, que conduziu a dois modelos de desenvolvimento antagónicos no continente europeu: a oeste, a democracia que, com todos os seus defeitos, deu voz aos anseios de liberdade dos povos e assim se estendeu; a leste, a afirmação de uma oligarquia quase feudal, corrupta e sanguinária que, ameaçada pelos ventos de mudança, optou por se entrincheirar no seu castelo, protegida por quase cinco mil (5 000!…) bombas atómicas.

Com a Rússia também cada vez mais cerceada no Cáucaso, aí devido à ascensão otomana, e com a Ucrânia e a Moldova a piscarem o olho à Europa, enquanto a Bielorrússia erguia muros, era bem real a probabilidade da eclosão dum grande conflito: sobretudo depois dos “abanões” na Sérvia, Geórgia e Crimeia. Uma falha de visão imperdoável que assentou em muita ignorância e numa excessiva crença na força da democracia.

Esqueceram também os europeus, levados numa displicente onda de cooperação económica, de outra constante histórica: recorrentemente, os povos são varridos por psicopatas e paranoicos que, no seu delírio, acreditam poder subjugar os demais. E para que não restem dúvidas sobre estes conceitos, que são técnicos e não políticos, psicopata é quem não hesita em promover o sofrimento alheio, de que até retira gozo; já o paranoico é aquele que distorce as realidades, incapaz de perceber que que não é o “centro do mundo e arredores” e que os demais também têm direitos.

A 28 de fevereiro, quarto dia de invasão da Ucrânia, firmado em realidades, que não em interesses ou em sentimentos, previ uma “humilhante derrota da Rússia”: a contenção chinesa em Taiwan, o súbito reacender da instabilidade nos “sovietistões”, as pesadas perdas infligidas ao exército invasor e a firme resposta do mundo ocidental, incluindo a Turquia, eram indícios claros de que não íamos assistir a uma “excursão de finalistas”. Amargor partilhado pelo próprio Putin que, em desespero, nesse mesmo dia ameaçou recorrer a armas nucleares. Uma declaração extremada e insensata que ainda mais fez crer que ou a Europa travava a Rússia na Ucrânia, ou teria mais tarde de o fazer em linhas mais recuadas, porventura a partir de Lisboa.

Certo é que ainda hoje se multiplicam as cenas de horror e que a guerra está para durar, enquanto a ajuda à Ucrânia se processa a conta-gotas: dizem os “burros” que por cautela, para não humilhar a Rússia e se evitar uma retaliação nuclear; pretextam os “espertos” uma nova tática, que assim a beligerante América enfraquece as potências rivais, sem sacrificar um soldado.

E enquanto diariamente se assiste a forte agitação no Pacífico e no Báltico, e se desfiam teorias da conspiração, somos conduzidos a um dilema: ou se avança de imediato para a capitulação da Ucrânia, com cedência de uma parte do seu território a termo incerto; ou se prossegue com uma ajuda ainda mais eficaz, visando a rápida retirada do invasor. Metida num beco sem outras saídas, a Europa não pode manter a guerra em banho-maria, à espera de uma previsível convulsão política, em Moscovo. Até porque qualquer implosão do atual poder, pode levantar consequências ainda mais desastrosas para a paz mundial.

Em 1974, perante o avanço da União Soviética em todo o Império Português, o “genial” Henry Kissinger defendeu a paz podre e a saída de Portugal da NATO, até como “vacina para o resto do mundo”.

Em 2022, como pode alguém dar crédito a uma “avestruz” que hoje ainda insiste na capitulação da Ucrânia, cinzentamente incapaz de ler as lições da História e corrigir os tremendos erros da “juventude”?

Observador (PT)

Auditoria sigilosa do TCU revela gastos milionários do cartão corporativo de Bolsonaro


Documento a que VEJA teve acesso mostra despesas de 16,5 milhões de reais apenas em viagens. 

Por Laryssa Borges

Em um anexo do Palácio do Planalto, sob o controle da Secretaria-Geral da Presidência, estão guardadas a sete chaves as informações sobre cada centavo gasto com cartão corporativo por Jair Bolsonaro, a primeira-dama Michelle e o círculo mais próximo do presidente da República. Para manter em segredo essas despesas e impedir que sejam usadas para desgastar o mandatário, principalmente durante a campanha eleitoral de 2022, o governo tabulou os dados — da aquisição de produtos de higiene a dispêndios com equipes de segurança e viagens oficiais — em planilhas sem conexão com a internet. A ordem sempre foi evitar qualquer resquício de transparência sobre o assunto, tanto que, por determinação de Bolsonaro, 99% dos gastos presidenciais com cartões corporativos carregam o selo de confidencial e, por isso, nunca tinham vindo a público. Nunca até agora. VEJA teve acesso com exclusividade a uma auditoria sigilosa feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) nas faturas dos cartões corporativos na gestão Bolsonaro, que somaram cerca de 21 milhões de reais, como as despesas secretas consideradas mais significativas entre janeiro de 2019 e março do ano passado.

O documento mostra que o ex-capitão, apesar de simular simplicidade nos hábitos de consumo, gasta tanto quanto seu antecessor Michel Temer (MDB) com alimentação, item que, afetado pela inflação, está no topo das preocupações de parcela significativa da população. A auditoria do TCU revela também, entre outras coisas, uma farra aérea e de viagens a passeio bancada com dinheiro do contribuinte. Ao longo de 95 dias em 2021, servidores da Corte vasculharam os arquivos dos chamados recursos de suprimento de fundos, dinheiro destinado a custear despesas de caráter secreto pagas com cartões vinculados à Secretaria de Administração do governo, dois deles permanentemente nas mãos do presidente. Os auditores descobriram que, desde a posse do ex-capitão até março de 2021, foram gastos 2,6 milhões de reais exclusivamente para a compra de alimentos para as residências oficiais de Bolsonaro e do vice Hamilton Mourão, uma média de pouco mais de 96 300 reais por mês. Nos dois últimos anos de mandato de Temer, o valor foi de 2,33 milhões de reais, média de 97 000 reais.

O documento não detalha o tipo de alimento comprado nem as preferências gastronômicas de Bolsonaro, que faz o que pode para vender a imagem de um homem simples, de gente como a gente. Um de seus lanches prediletos, ele contou certa vez, seria pão francês com manteiga ou leite condensado. Pode até ser verdade, mas os gastos com alimentação sugerem que a mesa presidencial é bem mais fornida do que quer fazer acreditar a marquetagem oficial. Segundo os técnicos do TCU, foram desembolsados também 2,59 milhões de reais para alimentar toda a tropa de seguranças e o pessoal de apoio administrativo nas viagens do presidente e do vice pelo país. Na gestão Temer, o valor foi menor: 1,3 milhão de reais. O mesmo acontece com gastos com combustível, rubrica em que o ex-capitão gastou cerca de 420 500 reais, 170% a mais do que o antecessor (veja a tabela).

IRREGULARIDADE – Avião presidencial: caronas frequentes para amigos e ministros em compromissos não oficiais 

O curioso é que Bolsonaro, quando percorre o Brasil, gosta de ressaltar que, sempre que possível, dorme em instalações do Exército, a fim de economizar verba pública. A estratégia, ao que parece, não está surtindo o efeito desejado por ele, já que hospedagem é mais um quesito em que ele se mostra mais perdulário do que o antecessor. A devassa do TCU também alcançou despesas menores, como um reparo pago com cartão corporativo em um jet ski da Marinha que foi usado pela equipe do presidente no Carnaval de 2021. Além disso, os técnicos identificaram irregularidades na emissão de notas fiscais para justificar determinadas compras, embora considerem esses erros de menor gravidade.

Distribuída nos últimos dias em caráter reservado à Procuradoria-Geral da República (PGR), ao Ministério Público no Distrito Federal e à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, o processo, que foi relatado pelo ministro Antonio Anastasia, foi encaminhado ao Palácio do Planalto com recomendações para que, entre outras coisas, parte da lista de gastos de Jair Bolsonaro seja mais bem controlada e parte dos dispêndios não tenha mais o carimbo de ultrassecreto. O presidente resiste a dar mais transparência aos dados recorrendo ao argumento de que precisa resguardar a sua segurança pessoal. Ele alega viver sob a ameaça constante de um novo atentado, como a facada que sofreu de Adélio Bispo de Oliveira às vésperas do primeiro turno, em 2018. “Um ex-militante do PSOL tentou assassiná-lo, o que eleva seu grau de risco de morte, pois a chance de ele ser vítima novamente do ódio da esquerda é grande”, disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) semanas atrás ao ser cobrado por mais transparência nas despesas do pai.

TRIBUNAL - Anastasia: recomendações para que gastos sejam transparentes

Chamou a atenção da equipe do TCU o fato de o maior volume de gastos presidenciais sigilosos estar relacionado a viagens do presidente, do vice e de suas comitivas — 16,5 milhões de reais em pagamentos de hospedagem, fornecimento de alimentação e apoio operacional. No valor, estão incluídos também gastos — legais, registre-se — de familiares de Bolsonaro e Mourão que eventualmente viajam com eles, mas puxando o novelo de informações os auditores descobriram uma farra de caronas aéreas pagas com dinheiro público para eventos sem relação alguma com as atividades do governo. Segundo a auditoria do TCU, a bordo do avião presidencial os ministros da Economia, Paulo Guedes, das Comunicações, Fábio Faria, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, viajaram não para agendas públicas ou compromissos oficiais, mas para curtir feriados fora de Brasília ou assistir a partidas de futebol em São Paulo e no Rio de Janeiro. O mesmo expediente foi utilizado por outras dezessete autoridades ou convidados e familiares delas.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, então advogado-geral do governo Bolsonaro, e o filho dele pegaram carona com o presidente para aproveitar o feriado da Proclamação da República, em 2019, nas praias do Guarujá. O mesmo destino foi escolhido pelo ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, que foi a bordo do avião presidencial para o réveillon de 2021. Titular da Corregedoria do Senado, responsável por promover o decoro entre os parlamentares, o senador Roberto Rocha (PTB-MA) pegou uma carona com Bolsonaro até São Paulo para emendar o feriado de Finados em 2020. O secretário de Pesca, Jorge Seif, a quem o presidente apelidou de Zero Cinco em referência à proximidade que tem com o chefe, passou os dias que antecederam o Natal de 2020 em São Francisco do Sul (SC). Embora a pandemia estivesse em franca ascensão e naquele momento o governo não tivesse comprado uma dose de vacina sequer, a viagem foi programada para que ambos fossem pescar. Não havia agenda de trabalho, concluíram os auditores da Corte de Contas. “A utilização da aeronave presidencial para transportar, em viagens de agenda privada, pessoas que não são seus familiares diretos, bem como pagamento de despesa de hospedagem de pessoas que não são autoridades ou dignitários, sinalizam aproveitamento da estrutura administrativa em benefício próprio. Tais situações afrontam os princípios da supremacia do interesse público, moralidade e legalidade”, diz trecho da auditoria do TCU.

LAZER AQUÁTICO - Conserto de jet ski: erro de menor gravidade

Na lista de passageiros ilustres das caronas presidenciais, o recordista é o deputado federal Helio Lopes (PL-­RJ), conhecido como Helio Negão. Foram sete viagens para todo tipo de compromisso privado: casamento do deputado Eduardo Bolsonaro, ida a jogos de futebol, descanso em dois feriados e no Carnaval, pesca com Bolsonaro em Santa Catarina e até para votar nas eleições municipais de 2020. Outro no rol de caroneiros do presidente é o pastor Josué Valandro Jr., da Igreja Batista Atitude, frequentada pela primeira-dama Michelle Bolsonaro. Ele viajou com o presidente em junho e setembro de 2020 para conhecer um trecho da transposição do Rio São Francisco e uma obra no Vale do Ribeira. Para o tribunal, não há justificativa para que dinheiro público seja gasto com deslocamentos particulares de pessoas que não compõem o círculo familiar do presidente. Sem citar nomes, a investigação também apontou como questionáveis o fato de a aeronave presidencial ter levado convidados para o casamento de Eduardo Bolsonaro, em maio de 2019, e de parentes por afinidade de Bolsonaro pegarem carona e terem tido hospedagem paga com recursos públicos quando o mandatário descansava no Guarujá no réveillon de 2021. Um decreto assinado pelo presidente em 2020 estabelece que o transporte aéreo de autoridades em aeronaves do Comando da Aeronáutica pode ser requerido por motivos de emergência médica, segurança ou viagem a serviço. Não há qualquer referência a viagens privadas ou de lazer.

Desde que foram implantados, em 2001, os cartões corporativos estão na raiz de várias crises políticas. No governo Lula, ganhou ares de escândalo a revelação de que os gastos do petista haviam aumentado em mais de 100% de um ano para o outro e ainda que a filha dele tinha usado o cartão para custear despesas pessoais. Na época, o Congresso chegou a abrir uma CPI para apurar o caso. Em um contra-ata­que, petistas lotados no Palácio do Planalto produziram um dossiê apócrifo com uma lista de gastos da ex-­primeira-dama Ruth Cardoso que incluía itens como doces, bebidas e produtos de beleza. A investigação parlamentar não resultou em nada, exceto no aumento do sigilo das despesas e no volume de gastos nas administrações seguintes.

BAITA APETITE - Vigilância reforçada nas viagens: 2,59 milhões de reais apenas para alimentar a tropa de seguranças

Para a auditoria do TCU, o uso do avião presidencial para deslocamentos de convidados do presidente Bolsonaro pode significar crime de improbidade administrativa, o que, em casos de condenação, levaria as autoridades a perder a função pública, ter os direitos políticos suspensos e ressarcir os cofres públicos por seus passeios aéreos particulares. Em 2007, no entanto, o STF concluiu que o uso de aviões da FAB para atividade particular é passível de ser enquadrado como crime de responsabilidade, situação que, no limite, pode levar até à abertura de um eventual pedido de impeachment. A partir de agora, as descobertas dos auditores serão analisadas por diferentes instâncias do Ministério Público, que podem ou não dar seguimento a eventuais pedidos de responsabilização. Detalhe: com a campanha, essas viagens nada baratas estão sendo ainda mais intensas.

A farra das caronas

Helio Lopes (PL-RJ)

O deputado é um assíduo passageiro do avião presidencial, especialmente em feriados, datas como Carnaval ou quando Bolsonaro comparece a algum jogo de futebol. Indagado a respeito, o parlamentar foi lacônico: “Pergunte ao presidente”

Marco Feliciano (PL-SP)

O deputado acompanhou o presidente em uma viagem a São Paulo em junho de 2019. Ele explica que foi convidado para visitar a mãe do presidente, que morava na cidade de Eldorado. “Participamos de reuniões com produtores da região”, disse.

Roberto Rocha (PTB-MA)

A convite do presidente, o senador viajou a São Paulo na véspera do feriado de Finados. “Fui acompanhar meu filho que estava fazendo um tratamento de saúde. Aproveitei a viagem para discutir políticas públicas para o Maranhão”, ponderou

André Mendonça

No mesmo voo para o Guarujá estava também o então advogado-geral da União e hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, e seu filho. A comitiva voltou da praia no domingo

Milton Ribeiro

O ex-ministro da Educação passou o réveillon de 2021 em São Paulo. Na volta ao trabalho, ele embarcou no avião do presidente, no Guarujá, onde Bolsonaro passou as festas de fim de ano. “Não lembro aí. Não peguei carona. Tinha direito a usar avião da FAB”, explicou

Luiz Eduardo Ramos

Em 2019, o presidente foi passar o feriadão da Proclamação da República, que caiu numa sexta-feira, na praia do Guarujá. O ministro-chefe da Secretaria-Geral de Governo e a esposa estavam no mesmo voo — de ida e de volta

Paulo Guedes

Bolsonaro não é flamenguista, mas, em dezembro de 2019, numa quinta-feira, ele decidiu voar de Bento Gonçalves, onde teve uma reunião de trabalho, para o Rio de Janeiro, onde assistiu ao jogo Flamengo e Avaí. No avião, estava também o ministro da Economia, que é flamenguista

Josué Valandro Jr.

Em 2020, o pastor acompanhou o presidente numa agenda de trabalho em Juazeiro do Norte. O caso dele é diferente. Além do voo, o cartão corporativo do presidente financiou uma diária de hotel para o religioso.

Revista Veja

Por que a paz na Ucrânia é atualmente ilusória




Em Kiev, avanço das tropas russas foi interrompido, mas no leste do país a guerra entra na fase mais perigosa

Vai acabar em três dias, pensaram muitos após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Mesmo 100 dias depois, não há fim à vista. A fase mais perigosa está só começando e ameaça outros países vizinhos.

Por Roman Goncharenko

Cem dias. É muito ou pouco? Quem ganha e quem perde? Ao fazer um balanço da guerra para qual a Ucrânia foi arrastada, devem ser usados critérios diferentes dos aplicados quando se trata de avaliar um novo governo.

É muito, porque muitos, especialmente no Ocidente, acreditavam no início que o governo de Kiev só seria capaz de resistir ao ataque russo por dois ou três dias. Essa foi provavelmente uma das razões pelas quais alguns países, incluindo a Alemanha, hesitaram em fornecer armas. Um erro. Outros, sobretudo os Estados Unidos e o Reino Unido, enviaram ajuda sem parar. Ao fazer isso, eles contribuíram para evitar uma derrota precoce da Ucrânia. Portanto, a primeira lição desde o início da guerra é: o fornecimento rápido de armas salva vidas.

E, ficando no exemplo da Alemanha: a mudança entre promoter capacetes em fevereiro e anunciar o envio de sistemas de defesa antiaérea Iris-T de última geração para a Ucrânia levou quase três meses. Isso é muito tempo, mesmo levando em consideração a história alemã. Berlim pode fazer melhor, e o recente anúncio do chefe de governo dá esperança de que as coisas possam ser feitas de maneira diferente. Por favor, continuem assim e sem atrasos!

Países da Europa Oriental podem ser os próximos

Mas 100 dias também é pouco, porque a guerra está apenas começando. A Rússia tentou uma blitzkrieg no início, falhou e mudou para táticas de desgaste, seguindo a divisa: para não se engasgar, não se come a maçã inteira, mas sim aos pedaços. A Ucrânia é como uma maçã. E isso nos leva à segunda lição desta guerra.

Infelizmente, a Rússia é de fato tão insana quanto o discurso propagandista pregado durante anos em programas de entrevistas e debates na televisão − e o que muitos ignoraram. Isto não augura nada de bom para a Ucrânia, para a Europa e para o mundo. O presidente Vladimir Putin iniciou uma guerra revanchista de extermínio e não vai parar. A ameaça de armas nucleares de Moscou não é blefe.

A consequência: é preciso fazer de tudo para detê-lo agora, e não depois. Porque depois também pode ser tarde demais. A cada dia e a cada hora, a Ucrânia perde soldados, civis e território. Estima-se que haja 10 mil mortos – esse também é um balancete amargo dos primeiros 100 dias de conflito. Os objetivos russos são agora claros: a curto e médio prazo, a Rússia quer ocupar uma grande parte da Ucrânia, cortar o acesso do país ao mar e acabar com tudo o que é ucraniano. Se tiver êxito, outros países da Europa Oriental serão chantageados para se submeterem a Moscou ou correm o risco de enfrentar uma guerra.

Cansaço da guerra ameaça diminuir ajuda

A fase mais perigosa desta guerra está apenas começando. Os combates mais ferozes ocorrem na área carbonífera de Donbass. O exército ucraniano de lá é o mais bem preparado, pois teve oito anos para isso. Por isso, no início, a Rússia mal conseguiu avançar no Donbass. Isto está mudando agora porque Moscou está concentrando todo seu poder de fogo em uma frente, criando assim uma clara superioridade.

Se a Rússia for bem sucedida no Donbass, poderia então bombardear mais rapidamente seu caminho em direção ao centro − e tentar novamente tomar Kiev e derrubar o governo. Putin não tem interesse em negociações porque acredita ter mais recursos. Esta fase também é perigosa porque a guerra tornou-se corriqueira. Outras questões dominam agora as manchetes, o cansaço da guerra se instala pouco antes do período de férias de verão na Europa. A atenção está diminuindo, o cansaço da guerra ameaça diminuir a vontade de ajudar − isso não deve acontecer.

A paz na Ucrânia é ilusória no momento. A Ucrânia precisa urgentemente de armas pesadas, mas também de sanções mais duras. O embargo ao petróleo, que foi negociado com grande dificuldade, deve finalmente entrar em vigor e logo ser mais amplo. A hora da diplomacia só chegará quando o avanço russo for pelo menos interrompido. Um verão quente de guerra está se aproximando. Cada dia conta.

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Em 100 dias, como a guerra na Ucrânia mudou o mundo




Mais de três meses se passaram desde que a Rússia iniciou sua ofensiva contra a Ucrânia. E a primeira invasão territorial de um Estado soberano na Europa em 80 anos está deixando suas marcas mundo afora.

Por Sonya Angelica Diehn

A invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro deste ano, representa a primeira guerra de agressão em larga escala na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Até então inimaginável para muitos, o conflito trouxe impactos inesperados que repercutiram em todo o mundo.

A seguir, algumas das principais consequências da guerra:

Refugiados

Desde o início da invasão russa, cerca de 6,8 milhões de ucranianos fugiram de seu país. Além disso, a guerra deixou mais de 7,7 milhões de deslocados internos.

Após fugir inicialmente para os países vizinhos, pelo menos 3 milhões de pessoas continuaram sua jornada para outras nações, segundo a Agência da ONU para os Refugiados (Acnur). Além da Polônia, a Alemanha e a República Tcheca abrigam atualmente o maior número de refugiados ucranianos: respectivamente, cerca de 727 mil e 348 mil.

Cerca de 2 milhões de ucranianos retornaram ao seu país desde que inicialmente fugiram da guerra , mas a Acnur esclarece que, em muitos casos, trata-se de viagens de ida e volta – como pessoas que vão visitar familiares ou verificar a situação de suas propriedades – e não indica um fluxo estável de retornos para a Ucrânia.

Os ucranianos que se dirigem para países da União Europeia têm recebido apoio, mas também têm que passar por sistemas de admissão complicados. Refugiados que se estabelecem em um novo país dependem normalmente da rede de segurança social, pelo menos por algum tempo.

'Moradores de Kharkiv, na Ucrânia, passam na frente de um prédio destruído'

Crise alimentar

A Ucrânia é um importante celeiro mundial e produz cerca da metade do óleo de girassol do mundo. De acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA, a Ucrânia responde por 15% do comércio mundial de milho e 10% do de trigo. O conflito congelou tais exportações, após a Rússia bloquear o acesso aos portos ucranianos no Mar Negro.

Esse estrangulamento tem sido sentido especialmente por países dependentes da importação de grãos e óleo de cozinha ucranianos, como Egito e Índia, respectivamente. No entanto, os efeitos cascata são muito mais amplos.

Alguns alertam que o conflito – juntamente com o clima extremo devido às mudanças climáticas e ao choque econômico induzido pela pandemia – está impulsionando uma crise alimentar global.

Em maio, o Conselho de Segurança da ONU advertiu que os níveis de fome em todo o mundo atingiram "um novo recorde" e acrescentou que dezenas de milhões poderão enfrentar fome a longo prazo devido à guerra.

Até maio, cerca de 23 países impuseram restrições à exportação de alimentos – uma indicação de que a segurança alimentar está diminuindo.

Segurança energética

A Rússia é o maior exportador de gás natural do mundo, o segundo maior fornecedor de petróleo bruto e o terceiro maior exportador de carvão.

Até o início da guerra, três quartos de seu gás e quase metade de seu petróleo bruto eram destinados à Europa. Em 2020, o petróleo, gás e carvão russos representaram um quarto do consumo de energia da União Europeia (UE).

Mas depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, o bloco europeu procurou acabar com sua dependência da energia russa. "Não podemos simplesmente confiar num fornecedor que nos ameaça explicitamente", disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em março.

No mesmo mês, a Comissão Europeia esboçou intenções de afastar completamente a UE dos combustíveis fósseis russos até 2030, bem como planos para reduzir drasticamente o uso do gás russo em dois terços até o final deste ano.

Controle do leste da Ucrânia por tropas russasControle do leste da Ucrânia por tropas russas

A maximização do armazenamento de gás é um dos pontos desse plano. A importação de gás natural líquido, por exemplo dos EUA, é outra opção paliativa. Enquanto isso, alguns especialistas preveem escassez de gás e a possibilidade de racionamento.

Muitos veem o conflito ainda como uma oportunidade para a UE não apenas se libertar da dependência energética russa, mas também cumprir o compromisso do bloco com a proteção do clima, ampliar a participação das energias renováveis em sua matriz energética ​​e aumentar a eficiência energética. No entanto, há limites quanto à rapidez na implementação dessas medidas.

E a crescente demanda por fontes de energia não russas fez com que os preços disparassem.

Aumento de preços e inflação

A escassez tanto de alimentos quanto de energia tem contribuído para uma grande mudança na vida de muitos desde o início da guerra na Ucrânia: os preços subiram.

Quando há um desajuste entre oferta e demanda de um produto, seu valor aumenta. E quando alimentos e combustíveis ficam mais caros, o mesmo acontece com outros itens.

Especialmente o preço da comida está subindo: o índice de preços de alimentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que mede a variação mensal dos valores de uma cesta de produtos alimentícios, atingiu um recorde histórico em março deste ano.

A inflação, que afeta todos os aspectos da economia, mais que dobrou em todo o mundo em relação à março de 2021, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na zona do euro, a inflação atingiu o recorde de 8,1% no mês passado.

No entanto, a previsão é que a inflação atinja mais duramente os países de renda mais baixa. Enquanto uma estimativa recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) projetava uma inflação de 5,7% para os países industrializados neste ano, a previsão para os países em desenvolvimento é de 8,7%. E especialistas preveem que os preços poderão permanecer altos também nos próximos anos.

O renascimento da Otan

A invasão da Ucrânia pela Rússia também deixou sua marca na geopolítica. Alguns especialistas esperam uma nova divisão em blocos geopolíticos e econômicos do leste e do oeste – com Rússia e China de um lado, e UE e EUA liderando do outro.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foi fundada após a Segunda Guerra Mundial em 1949 e reúne EUA, Canadá e dez países europeus. Fruto da Guerra Fria, ela se tornou uma espécie de guarda-chuva para a democracia e o livre mercado na Europa, tendo uma grande expansão para o leste ocorrido em 2004.

Um dos principais pontos da Otan é seu Artigo 5º, que estabelece um princípio de defesa coletiva: o ataque a qualquer membro será considerado um ataque a todos, com retaliação militar a ser aplicada por cada país-membro.

Enquanto a importância da Otan recuou ao ponto de o presidente francês, Emmanuel Macron, dizer em 2019 que a organização estava em estado de "morte cerebral", a guerra na Ucrânia colocou a aliança militar mais poderosa do mundo no centro das atenções.

Em grande parte devido a temores de um projeto imperialista de Vladimir Putin para a Rússia, a Finlândia e a Suécia anunciaram recentemente sua intenção de se juntar à aliança, quebrando décadas de neutralidade.

Putin vê a Otan como uma ameaça à Rússia e alertou repetidamente para consequências, caso a aliança permita a adesão da Ucrânia. Críticos da organização militar dizem que sua expansão para o leste foi uma provocação.

A Otan tem fornecido armas e equipamentos para a Ucrânia, embora tenha negado um pedido do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, para impor uma zona de exclusão aérea sobre o país.

Por enquanto, a Otan continua tentando permanecer firme, mas dando passos cautelosos para não desencadear a Terceira Guerra Mundial.

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