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quinta-feira, fevereiro 06, 2020

'Bolsonaro banca o esperto ao lançar desafio aos governadores'

CBN
4 h
Merval Pereira critica a postura do presidente, lembrando, ainda, que o importante para o país era discutir como evitar o uso da gasolina e do petróleo. #NoArnaCBN #política #opinião
CBN.GLOBORADIO.GLOBO.COM
Merval Pereira comenta a briga entre Bolsonaro e governadores. Num desafio público, o presidente disse que abaixaria os impostos sobre combustíveis desde que chefes de Executivos estaduais diminuíssem o ICMS. 'É um absurdo colocar as coisas nessa base. Todo mundo sabe que é inviável, quebra o ...

Mais um capítulo da novela da quadra do Bairro Bomfim












Da mesma form que abrir espaço para o atual prefeito, espaço esse que foi usado pelo secretário de infraestrutura, estou fando oportunidade ao ex-prefeito Antonio Chaces,  hoje vereador, para apresentar sua defesa, a sua explicação da melhor maneira que lhe convier.
Queiram ou não esse é um BLOG independente, imparcial e democrático, que não gostar que faça o seu.
O ex-prefeito Chaves apresentou os documentos acima postados com as seguintes explicações:

1 -Que o secretário de infraestrutura não falou a verdade quando informou para o povo que realizaram ou concluiram a obra com recursos públicos, segundo Chaves os documentos provam o contrário.

2 - Solicita que os leitores a bem da verdade,  prestem bem atenção a esse comprovante do Branco do Brasil.

3 - Que nada fez o piso da quadra pelo simples fato de estar interino e quando já estava tomando as providências para dar andamento o TRE definiu a data da eleição suplementar, não tendo mais como fazer.

Para encerrar o ex-prefeito Antônio Chaves diz que não fez nada, porém deixou o dinheiro em Caixa, conforme comprovado.

A CASA DOS ALMEIDA


MEUSSERTOES.COM.BR
O imóvel considerado o número um de Jeremoabo fica na rua da Matriz 116, atrás da

O mundo de Jeremoabo

Crítico analisa as cartas ao barão
ROBERTO VENTURA

O escritor Mario Vargas Llosa criou, no romance "A Guerra do Fim do Mundo" (1981), a figura do barão de Canabrava, inspirada no fazendeiro, usineiro e político baiano Cícero Dantas Martins, o barão de Jeremoabo. Monarquista refinado e esperto, o barão fictício de Vargas Llosa considerava que a rebelião de Canudos, liderada por Antônio Conselheiro, fora manipulada pelo governador Luís Viana, para combater seus adversários políticos, e pelos republicanos radicais e militares jacobinos, que conspiravam para derrubar o primeiro presidente civil da República, o paulista Prudente de Morais.
A visão de mundo do barão de Jeremoabo reaparece nas entrelinhas de "Os Sertões", ensaio histórico de 1902 em que Euclides da Cunha denunciou a atuação do governo, do Exército e da Igreja no extermínio da comunidade do Belo Monte, no nordeste da Bahia. Com uma população estimada entre 10 mil e 25 mil habitantes, Belo Monte ou Canudos foi dizimada após uma longa guerra que se estendeu por quase um ano, de novembro de 1896 a outubro do ano seguinte.
Repórter de "O Estado de São Paulo" no local do conflito, Euclides cita, em "Os Sertões", a carta que o barão de Jeremoabo enviou em março de 1897 ao "Jornal de Notícias", de Salvador, para se defender das acusações de ser monarquista e de atuar como aliado do Conselheiro, líder, segundo ele, de uma "horda fanática", que se convertera em "reduto inexpugnável de desertores, ladrões e assassinos". Essa carta, muito citada, ainda que pouco conhecida, poderia ter sido incluída, em apêndice, no final do volume.
O escritor recorreu à carta do barão, que identificou apenas como uma testemunha, para recriar as primeiras andanças de Antônio Conselheiro como pregador e narrar o grande êxodo de famílias, que tudo vendiam nas feiras -gado, objetos, terrenos e casas- "por preços de nonada", para se juntar ao "santo".
Euclides pesca, na carta do barão, a expressão regional "nonada", derivada de "non", forma arcaica de "não", que Guimarães Rosa iria depois usar na abertura de "Grande Sertão: Veredas" (1956), em que o barqueiro-narrador Riobaldo inicia o relato de suas aventuras na jagunçada com as palavras: "Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja".
"Canudos - Cartas para o Barão" reúne cartas recebidas por Cícero Dantas Martins, de 1894 a 1897, durante os conturbados anos da expansão e destruição de Canudos. Nascido em 1838 na fazenda Caritá, no município de Jeremoabo, Cícero Dantas Martins estudou direito no Recife. Foi sócio da primeira usina de açúcar da Bahia, no Engenho de Bom Jardim, no Recôncavo Baiano, que foi inaugurada em 1880 e lhe valeu o título de barão, concedido por D. Pedro 2º.
Cícero Dantas Martins foi o maior proprietário de terras dos sertões. Sua sede ficava no engenho de Camuciatá, no município de Itapicuru, cujo novo e elegante sobrado inaugurou com pompa em 1894. Assim respondeu aos amigos que acharam exagerados os gastos com a construção: "Não bebo, não jogo, não gasto com mulheres, mas tenho direito a ter dois vícios: um é a política, outro é esta obra". E acrescenta: "Quando os ingleses tomarem conta do Brasil, verão que aqui morou um homem de gosto".
Mas foi seu outro vício, a política, que fez o barão entrar para a literatura e a história. Tornou-se o chefe da região de Itapicuru e Jeremoabo, estendendo seu prestígio até Inhambupe e formando, segundo o folclorista Câmara Cascudo, uma "imensa teia que se articulava aos seus dedos e cobria léguas e léguas, numa sucessão de engenhos, fazendas, sítios, povoados". Era um típico coronel do sertão, que registrava as datas de nascimento, casamento e óbito dos amigos e desafetos, e percorria a cavalo todos os municípios sob seu comando. Mantinha uma vasta correspondência com amigos e protegidos, tendo enviado entre 1873 e 1903 mais de 44 mil cartas, em uma média de cerca de 1.400 por ano.
As cartas de seu arquivo privado, reunidas em "Cartas para o Barão", trazem elementos para o conhecimento das comunidades sertanejas e dos fatos que levaram ao surgimento e desaparecimento de Canudos. Escritas por magistrados, vigários, fazendeiros, comerciantes, políticos e membros da Guarda Nacional, a correspondência mostra os esforços do barão para impedir a atuação do Conselheiro em seu distrito eleitoral, tendo solicitado em 1893 o envio de força policial contra o líder religioso após a rebelião contra a cobrança de impostos na feira do Soure.
As cartas indicam ainda a forte presença de ex-escravos na comunidade, formada, segundo o escrivão Antero Galo, melhor amigo do barão, por "soldados desertores de diversos Estados e o povo 13 de maio, que é a maior parte". Tal participação de libertos na comunidade desmente a fantasia etnográfica de Euclides da Cunha sobre o caráter curiboca, misto de branco e índio, dos sertanejos que seguiram Antônio Conselheiro.
Autora de estudos sobre movimentos sociais e políticos na Bahia, Consuelo Novais redigiu para o volume que organiza um esclarecedor ensaio, "Canudos -A Construção do Medo", em que mostra como a questão da comunidade se agravou devido à disputa pelo poder entre grupos políticos, tanto no plano nacional como no estadual e municipal.
A historiadora mostra que, no plano nacional, os jacobinos e florianistas, aliados ao vice-presidente em exercício da Presidência, o baiano Manuel Vitorino, conspiravam pelo não-retorno ao cargo de Prudente de Morais, licenciado para tratamento de saúde durante a primeira fase da guerra. Tal conspiração levou Prudente a reassumir a chefia do governo em 4 de março de 1897, no mesmo dia em que o coronel Moreira César, comandante da fracassada terceira expedição, caía fulminado no campo de batalha. Recria ainda os embates políticos na Bahia entre os "vianistas", aliados dos governadores Rodrigues Lima e Luís Viana, e os "gonçalvistas", que contavam com o apoio do ex-governador José Gonçalves e do próprio barão de Jeremoabo, cujo poder político declinara.
Consuelo Novais recorre à idéia de medo, empregada pelos historiadores franceses Jean Delumeau, em "História do Medo no Ocidente" (Companhia das Letras, 1996), e por Georges Lefèvre, a respeito do "grande medo" que cobriu de sangue a Revolução Francesa, para explicar as angústias coletivas geradas por Antônio Conselheiro e Canudos. Observa como o medo que levou ao extermínio da comunidade foi construído não só pelas facções políticas em luta na Bahia e na capital federal, mas sobretudo pela Igreja e o Exército. Tal "medo construído" se produziu a partir de dois receios, que serviram de justificativa à violenta ação do governo contra a comunidade: o fantasma da restauração monárquica e o temor das fazendas destruídas.
Prudente de Morais reassumiu a Presidência após o desastre da terceira expedição e enviou à Bahia o próprio ministro da Guerra, o marechal Carlos Bittencourt. Ordenou ao general Artur Oscar, comandante da quarta e última expedição, que não deixasse em Canudos "pedra sobre pedra". Categóricas, as ordens foram cumpridas: centenas de prisioneiros foram degolados, mulheres e crianças estupradas e traficadas, e as ruínas da comunidade queimadas com querosene.
Cícero Dantas Martins morreu em 1903, na vila de Bom Conselho, vitimado por febre, depois de tentar vestir um capote. Pregou-se ao seu nome o título, que recebera do imperador, de barão de Jeremoabo, município no qual se situava o engenho familiar em que nascera. Morto, passou a dar nome ao antigo povoado de Bom Conselho, que se chama hoje, em sua homenagem, Cícero Dantas. O sagaz e impiedoso barão entrou assim não só para a literatura e a história, como também para a geografia.


Roberto Ventura é professor de teoria literária na USP e autor de "Estilo Tropical" (Cia. das Letras).
https://www1.folha.uol.com.br/

Barão contra barão

Cartas sobre a guerra de Canudos comentadas porJosé Murilo de Carvalho
JOSÉ MURILO DE CARVALHO

Acabam de ser publicadas 70 cartas referentes à guerra de Canudos enviadas ao barão de Jeremoabo, Cícero Dantas Martins. O livro foi organizado por Consuelo Novais Sampaio, especialista na política baiana da Primeira República, que contribui também com substancioso ensaio introdutório. Foi incluída uma útil nota biográfica sobre o barão, redigida por seu trineto, Álvaro Dantas de Carvalho Jr.. O livro traz ainda cuidadosas notas explicativas e curtas biografias dos missivistas, organizadas por Álvaro Dantas de Carvalho, bisneto e organizador do arquivo do barão.
A publicação seria impecável se tivesse incluído um mapa da região de Canudos, com a localização das propriedades do barão e dos lugares de onde as cartas foram enviadas. O leitor não familiarizado com o tema ou com a região teria sido muito beneficiado por essa simples adição. Como não consta a correspondência ativa do barão, à exceção de uma carta ao filho, teria sido também útil se tivessem sido adicionados seus dois artigos no "Jornal de Notícias" de Salvador, datados de 4 e 5 de março de 1897, muito utilizados, aliás, por Consuelo Novais em sua introdução. A lamentar apenas a não inclusão, por não terem sido entregues pela família, de mais de 40 cartas enviadas ao barão por seu aliado político, José Gonçalves da Silva, primeiro governador constitucional da Bahia.
O barão de Jeremoabo era o maior latifundiário da Bahia, dono de 61 fazendas que cobriam vários municípios entre os rios Itapicuru e São Francisco. Nessa região situava-se Canudos, a Belo Monte do Conselheiro. Duas das fazendas localizavam-se no vizinho estado do Sergipe. Era também um dos donos do engenho central de Bom Jardim, em Santo Amaro, no fundo do Recôncavo.
A família Dantas dominara a política baiana ao final do Império, dividindo seus membros entre o Partido Liberal, cujo chefe era o conselheiro Dantas, primo do barão, e o Partido Conservador, de que o barão era um dos chefes. Bacharel em direito, homem culto, Cícero Dantas guardava as cartas que recebia, anotando data de recepção e de resposta. As cartas agora publicadas foram escritas por parentes, compadres, amigos, aliados políticos. Quase todos proprietários rurais, oficiais da Guarda Nacional, políticos, juízes. Gente de sua classe social. A única exceção é a carta de um vaqueiro.

Sinceridade dos missivistas
Na ausência da correspondência ativa do barão, poderia ser levantada a dúvida sobre a sinceridade dos que lhe escreviam. Estavam eles dando sua própria opinião ou dizendo o que o chefe queria ouvir? A homogeneidade social do grupo e a intimidade de muitos missivistas, primos, compadres e amigos, são um bom argumento a favor de sua sinceridade e da validade das cartas como representação da visão da classe dos proprietários sobre o Conselheiro e sua gente. Não há nas cartas jogo de cena, não há cálculo político, não há construção.
Aí está, de fato, a originalidade e a extraordinária riqueza do material agora posto ao alcance de pesquisadores e do grande público. A mesma segurança quanto à natureza da correspondência talvez não seja autorizada quando se trata de examinar a visão do grupo sobre a política baiana. A correta determinação dessa visão fica prejudicada pela ausência das cartas de José Gonçalves da Silva.
Pode-se dizer que as cartas não trazem grandes novidades na temática conselheirista tal como aparece nas discussões da historiografia recente. Essa historiografia, "deseuclidianizada", foi inaugurada por José Calazans, a quem Consuelo Novais justamente homenageia na introdução. Elas confirmam, por exemplo, a importância da competição oligárquica local e da política nacional. O combate ao Conselheiro era indissociável da briga do barão e do partido "gonçalvista" contra o "vianista", controlado pelo governador do Estado, Luís Viana, que tinha um aliado na vice-Presidência da República.
Elas oferecem farta evidência sobre a preocupação dos fazendeiros, e até mesmo dos intendentes municipais, com a fuga da mão-de-obra. Elas são também vivo testemunho do medo que se apoderou dos fazendeiros e autoridades à medida que os êxitos militares revelavam as dimensões reais do movimento.
Confirmam a violência da luta e a degola de prisioneiros. José Américo, coronel da Guarda Nacional, anticonselheirista histérico, fala em mais de 200 degolados em dois ou três dias após a queda do arraial. E ainda reclama de terem escapado mulheres e crianças: "Devia era tudo ser degolado".
Para efeito desses comentários, seleciono alguns pontos que, a meu ver, trazem maior novidade ou ajudam a esclarecer questões ainda polêmicas. Começo pela quase ausência na correspondência da questão da monarquia e da república. Em relação ao Conselheiro, os correspondentes usam todos os xingamentos, fanático, bandido, pobre-diabo, piolhento, monstro, Antônio da Malvadeza, menos o de monarquista.
A questão aparece em cartas enviadas do Rio de Janeiro. Em uma delas há a informação de que o jornal "O Jacobino" acusara o próprio barão de monarquista encapotado. Sabia-se que o Conselheiro falava contra a República e não gostava de republicanos, mas o complô monarquista foi invenção do Rio de Janeiro, com o quê os fazendeiros locais não se preocupavam muito.

O povo de 13 de maio
Por outro lado, um ponto ocultado por Euclides aparece com clareza. Refiro-me à presença de muitos negros e ex-escravos entre os conselheiristas. O escrivão Antero de Cirqueira Galo refere-se em março de 1897 ao "povo de 13 de maio, que é a maior parte" dos seguidores do Conselheiro. No mesmo mês e ano, o comerciante Manuel F. Menezes diz estar aguardando o ataque dos "carijés", isto é, dos ex-escravos. Três anos antes, em 1894, o coronel José Américo já falava do povo miserável de Canudos, "tudo que foi escravo, tudo que é criminoso".
Euclides não viu negros entre os prisioneiros entregues pelo Beatinho no dia 2 de outubro: "Raro um branco ou um negro puro (...), a fusão perfeita das três raças". A forte presença de negros atrapalharia suas idéias sobre os sertanejos como fusão étnica, a rocha viva de nossa raça. Assim como já tinha lido de maneira torta a teoria da luta de raças de Glumpowicz, como demonstrou Luiz Costa Lima, Euclides também enxergou mal a cor dos conselheiristas em benefício de suas teorias raciais.
Um dos pontos importantes da correspondência é a rica evidência sobre o êxodo para Canudos. Na primeira carta da coleção, datada de janeiro de 1894, o intendente de Tucano queixa-se da saída de umas 16 ou 20 famílias, e comenta: "É um horror!". Em fevereiro, o coronel Aristides, de Vitória, fala em despovoamento devido ao êxodo para Canudos. Em dezembro desse ano, o juiz de direito de Itapicuru informa que "continua em grosso o êxodo para os Canudos". Em janeiro de 1895, o mesmo intendente de Tucano diz não haver mais trabalhadores, e o de Monte Santo confirma que é constante a concorrência do povo para o arraial.
Nosso já conhecido coronel José Américo, primo e compadre do barão, escrevendo provavelmente do Rosário, em janeiro de 1896, comenta que o Conselheiro "ontem subiu com um povo imenso (...). Pessoas que nunca julguei acompanhá-lo seguiram com ele". O próprio barão, na única carta incluída no livro, escrevendo do engenho de Camuciatá (Itapicuru), diz ao filho em janeiro de 1897: "Depois do combate do Uauá o homem tem recebido reforço grande de toda a parte".
A partir da derrota de Moreira César (março de 1897), no entanto, a situação muda. Correm por todos os lados boatos de ataque dos conselheiristas. Muitas pessoas agora fogem de medo dos jagunços. As cidades e vilas se esvaziam. Após um tal boato, há terror em Tucano, todos fogem: "Esta vila está completamente deserta", informa o escrivão. Ao medo dos conselheiristas vem agregar-se o das tropas do governo, que cometem tropelias e roubos. "No Monte Santo", diz o tenente-coronel Marcelino, "consta que o arraso que há foi da tropa corrida".
O medo, feito pânico após a derrota de Moreira César, tem forte presença nas cartas. Em março de 1894, um compadre manifesta o primeiro receio de perturbações da ordem. No mesmo mês, José Américo calcula em 16 mil os seguidores do Conselheiro. Em janeiro de 1895, o intendente de Monte Santo prevê desenlace perniciosíssimo para o movimento.
Em janeiro de 1896, um juiz de direito fala dos horrores cometidos no Bom Conselho pela gente do Conselheiro. Ainda nesse mês, o vigário de Bom Conselho se confessa incapaz de fazer oposição ao Conselheiro por receio de ser desprestigiado pela população. O próprio barão revela ao filho, em janeiro de 1897, que vive assustado. Em março, o juiz de direito diz que o sobressalto é geral e que todos se preparam para fugir. A partir de julho de 1897, o cerco de Canudos traz alguma tranquilidade, mas surge o receio de violências por parte daqueles que de lá fugiam.
Trata-se de um medo construído, como argumenta Consuelo Novais? Não me parece. As cartas são comunicação pessoal, às vezes íntima, entre parentes e membros da mesma classe social. Não visam o grande público, a imprensa, ou mesmo a população local. Refletem um sentimento que parece autêntico entre proprietários de terra. Além disso, a reunião de milhares de pobres, muitos deles ex-escravos, muitos deles tirados das fazendas, em claro desafio à lei, à Igreja, às autoridades, movidos por uma fé imbatível no Conselheiro, era seguramente ameaça real, tornada mais grave quando os conselheiristas se mostraram capazes de enfrentar com êxito as tropas federais. Eram ameaça à ordem política e sobretudo à ordem social em que se sustentavam os proprietários.

A ânsia do mando
O que intriga o leitor e o analista do mundo do coronelismo é a força da ânsia do mando como fonte do conflito político. Não se sabe quem era mais odiado pela gente do barão, os conselheiristas, que lhes ameaçavam o poder social, ou os "vianistas", que lhes disputavam o poder político. Luís Viana e seu preposto, Rodrigues Lima, são constantemente acusados de manipular o conflito de Canudos para prejudicar o partido do barão, seja quando agem, seja quando deixam de agir. O coletor de Tucano, demitido, escreve em julho de 1897, em plena campanha da 4ª expedição: "Querem a todo transe destruir os amigos de V. Exa. (...), com a maldita questão conselheirista querem formar partido, (...) querendo ser os mandões de todos os tempos".
Em 1895, a luta produzira duplicata de governo no Estado, um chefiado pelo barão de Jeremoabo, outro pelo barão de Camaçari. Os conselheiristas eram ameaça às duas facções, que não se distinguiam pela origem social e os interesses. Mas elas eram incapazes de se unir na luta contra a ameaça comum a seu domínio social.
A repressão acabou vindo da capital da República (onde também foi instrumento de luta entre republicanos e monarquistas, jacobinos e liberais, civis e militares). O crime hediondo cometido contra os conselheiristas não passava para eles de episódio da luta oligárquica.



Canudos - Cartas para o Barão
Consuelo Novais Sampaio (org.)
Edusp (Tel.0/xx/11/818-4149)
262 págs., R$ 27,00



José Murilo de Carvalho é historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

https://www1.folha.uol.com.br/

O mundo de Jeremoabo

Crítico analisa as cartas ao barão
ROBERTO VENTURA

O escritor Mario Vargas Llosa criou, no romance "A Guerra do Fim do Mundo" (1981), a figura do barão de Canabrava, inspirada no fazendeiro, usineiro e político baiano Cícero Dantas Martins, o barão de Jeremoabo. Monarquista refinado e esperto, o barão fictício de Vargas Llosa considerava que a rebelião de Canudos, liderada por Antônio Conselheiro, fora manipulada pelo governador Luís Viana, para combater seus adversários políticos, e pelos republicanos radicais e militares jacobinos, que conspiravam para derrubar o primeiro presidente civil da República, o paulista Prudente de Morais.
A visão de mundo do barão de Jeremoabo reaparece nas entrelinhas de "Os Sertões", ensaio histórico de 1902 em que Euclides da Cunha denunciou a atuação do governo, do Exército e da Igreja no extermínio da comunidade do Belo Monte, no nordeste da Bahia. Com uma população estimada entre 10 mil e 25 mil habitantes, Belo Monte ou Canudos foi dizimada após uma longa guerra que se estendeu por quase um ano, de novembro de 1896 a outubro do ano seguinte.
Repórter de "O Estado de São Paulo" no local do conflito, Euclides cita, em "Os Sertões", a carta que o barão de Jeremoabo enviou em março de 1897 ao "Jornal de Notícias", de Salvador, para se defender das acusações de ser monarquista e de atuar como aliado do Conselheiro, líder, segundo ele, de uma "horda fanática", que se convertera em "reduto inexpugnável de desertores, ladrões e assassinos". Essa carta, muito citada, ainda que pouco conhecida, poderia ter sido incluída, em apêndice, no final do volume.
O escritor recorreu à carta do barão, que identificou apenas como uma testemunha, para recriar as primeiras andanças de Antônio Conselheiro como pregador e narrar o grande êxodo de famílias, que tudo vendiam nas feiras -gado, objetos, terrenos e casas- "por preços de nonada", para se juntar ao "santo".
Euclides pesca, na carta do barão, a expressão regional "nonada", derivada de "non", forma arcaica de "não", que Guimarães Rosa iria depois usar na abertura de "Grande Sertão: Veredas" (1956), em que o barqueiro-narrador Riobaldo inicia o relato de suas aventuras na jagunçada com as palavras: "Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja".
"Canudos - Cartas para o Barão" reúne cartas recebidas por Cícero Dantas Martins, de 1894 a 1897, durante os conturbados anos da expansão e destruição de Canudos. Nascido em 1838 na fazenda Caritá, no município de Jeremoabo, Cícero Dantas Martins estudou direito no Recife. Foi sócio da primeira usina de açúcar da Bahia, no Engenho de Bom Jardim, no Recôncavo Baiano, que foi inaugurada em 1880 e lhe valeu o título de barão, concedido por D. Pedro 2º.
Cícero Dantas Martins foi o maior proprietário de terras dos sertões. Sua sede ficava no engenho de Camuciatá, no município de Itapicuru, cujo novo e elegante sobrado inaugurou com pompa em 1894. Assim respondeu aos amigos que acharam exagerados os gastos com a construção: "Não bebo, não jogo, não gasto com mulheres, mas tenho direito a ter dois vícios: um é a política, outro é esta obra". E acrescenta: "Quando os ingleses tomarem conta do Brasil, verão que aqui morou um homem de gosto".
Mas foi seu outro vício, a política, que fez o barão entrar para a literatura e a história. Tornou-se o chefe da região de Itapicuru e Jeremoabo, estendendo seu prestígio até Inhambupe e formando, segundo o folclorista Câmara Cascudo, uma "imensa teia que se articulava aos seus dedos e cobria léguas e léguas, numa sucessão de engenhos, fazendas, sítios, povoados". Era um típico coronel do sertão, que registrava as datas de nascimento, casamento e óbito dos amigos e desafetos, e percorria a cavalo todos os municípios sob seu comando. Mantinha uma vasta correspondência com amigos e protegidos, tendo enviado entre 1873 e 1903 mais de 44 mil cartas, em uma média de cerca de 1.400 por ano.
As cartas de seu arquivo privado, reunidas em "Cartas para o Barão", trazem elementos para o conhecimento das comunidades sertanejas e dos fatos que levaram ao surgimento e desaparecimento de Canudos. Escritas por magistrados, vigários, fazendeiros, comerciantes, políticos e membros da Guarda Nacional, a correspondência mostra os esforços do barão para impedir a atuação do Conselheiro em seu distrito eleitoral, tendo solicitado em 1893 o envio de força policial contra o líder religioso após a rebelião contra a cobrança de impostos na feira do Soure.
As cartas indicam ainda a forte presença de ex-escravos na comunidade, formada, segundo o escrivão Antero Galo, melhor amigo do barão, por "soldados desertores de diversos Estados e o povo 13 de maio, que é a maior parte". Tal participação de libertos na comunidade desmente a fantasia etnográfica de Euclides da Cunha sobre o caráter curiboca, misto de branco e índio, dos sertanejos que seguiram Antônio Conselheiro.
Autora de estudos sobre movimentos sociais e políticos na Bahia, Consuelo Novais redigiu para o volume que organiza um esclarecedor ensaio, "Canudos -A Construção do Medo", em que mostra como a questão da comunidade se agravou devido à disputa pelo poder entre grupos políticos, tanto no plano nacional como no estadual e municipal.
A historiadora mostra que, no plano nacional, os jacobinos e florianistas, aliados ao vice-presidente em exercício da Presidência, o baiano Manuel Vitorino, conspiravam pelo não-retorno ao cargo de Prudente de Morais, licenciado para tratamento de saúde durante a primeira fase da guerra. Tal conspiração levou Prudente a reassumir a chefia do governo em 4 de março de 1897, no mesmo dia em que o coronel Moreira César, comandante da fracassada terceira expedição, caía fulminado no campo de batalha. Recria ainda os embates políticos na Bahia entre os "vianistas", aliados dos governadores Rodrigues Lima e Luís Viana, e os "gonçalvistas", que contavam com o apoio do ex-governador José Gonçalves e do próprio barão de Jeremoabo, cujo poder político declinara.
Consuelo Novais recorre à idéia de medo, empregada pelos historiadores franceses Jean Delumeau, em "História do Medo no Ocidente" (Companhia das Letras, 1996), e por Georges Lefèvre, a respeito do "grande medo" que cobriu de sangue a Revolução Francesa, para explicar as angústias coletivas geradas por Antônio Conselheiro e Canudos. Observa como o medo que levou ao extermínio da comunidade foi construído não só pelas facções políticas em luta na Bahia e na capital federal, mas sobretudo pela Igreja e o Exército. Tal "medo construído" se produziu a partir de dois receios, que serviram de justificativa à violenta ação do governo contra a comunidade: o fantasma da restauração monárquica e o temor das fazendas destruídas.
Prudente de Morais reassumiu a Presidência após o desastre da terceira expedição e enviou à Bahia o próprio ministro da Guerra, o marechal Carlos Bittencourt. Ordenou ao general Artur Oscar, comandante da quarta e última expedição, que não deixasse em Canudos "pedra sobre pedra". Categóricas, as ordens foram cumpridas: centenas de prisioneiros foram degolados, mulheres e crianças estupradas e traficadas, e as ruínas da comunidade queimadas com querosene.
Cícero Dantas Martins morreu em 1903, na vila de Bom Conselho, vitimado por febre, depois de tentar vestir um capote. Pregou-se ao seu nome o título, que recebera do imperador, de barão de Jeremoabo, município no qual se situava o engenho familiar em que nascera. Morto, passou a dar nome ao antigo povoado de Bom Conselho, que se chama hoje, em sua homenagem, Cícero Dantas. O sagaz e impiedoso barão entrou assim não só para a literatura e a história, como também para a geografia.


Roberto Ventura é professor de teoria literária na USP e autor de "Estilo Tropical" (Cia. das Letras).

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