terça-feira, outubro 28, 2025

👑 Vila vs. Município: A Complexidade Legal que Define a História de Jeremoabo

 




👑 Vila vs. Município: A Complexidade Legal que Define a História de Jeremoabo

Para compreender a polêmica em torno da emancipação de Jeremoabo, é fundamental mergulhar na diferença legal e administrativa entre "Vila" e "Município" no Brasil do século XIX, um período de profunda transição política.

A distinção reside na natureza e no grau de autonomia conferidos pelo poder central (Império/Estado) àquela localidade.

Vila (O Marco de 1831): Autonomia Incipiente

No período Colonial e início do Império, a elevação a Vila era um ato de grande importância, mas não de autonomia plena, como a entendemos hoje. A Vila era o centro urbano de uma determinada área (o futuro município) e era definida por:

  • Sede de Jurisdição: Era o local onde se instalava a Câmara Municipal, o órgão de poder local.

  • Requisitos Físicos: Conforme a tradição, exigia-se a construção de uma Casa de Câmara e Cadeia (muitas vezes o mesmo prédio), e a presença de um Pelourinho na praça — o símbolo pétreo da justiça e do poder real.

  • Funções da Câmara: As Câmaras, compostas pelos "homens bons" (a elite proprietária), tinham funções amplíssimas: elas cuidavam da higiene, da fixação de preços, da cobrança de impostos locais, da construção de obras e da segurança.

  • Natureza Política: A Vila de São João Batista de Jeremoabo (criada em 1831) representou a autonomia administrativa embrionária, o direito de ter um governo local, mas que ainda se submetia rigidamente às Províncias e ao poder central do Império.

A data de 1831, portanto, celebra o nascimento da Vila, o embrião do poder político local.

Município (O Marco de 1925): Autonomia Plena Republicana

Com a Proclamação da República (1889), o conceito de autonomia mudou drasticamente. A figura do Município adquiriu o significado moderno, caracterizado pela separação clara de Poderes (Legislativo e Executivo) e pela soberania administrativa perante o Estado.

  • Separação de Poderes: A Revolução de 1930 consolidou a criação das Prefeituras, transferindo as funções executivas da Câmara (que antes geria tudo) para o Prefeito, deixando o Legislativo com as funções de elaborar leis e fiscalizar.

  • Criação Oficial de Cidade: O Decreto Estadual nº 1.775, de 6 de julho de 1925, ao elevar Jeremoabo à categoria de Cidade e instituir o Município, conferiu-lhe o status de unidade político-administrativa com personalidade jurídica e financeira plena, capaz de se desmembrar de maneira definitiva de sua comarca de origem.

  • Desmembramento Legal: A data de 1925 sela o desmembramento legal completo e o reconhecimento oficial da unidade sob o novo regime.

A Evolução Pós-88: A Consolidação da Autonomia Municipal

É fundamental contextualizar que o processo de emancipação municipal no Brasil, iniciado timidamente na década de 1930 e intensificado nas décadas de 1950 e 1960, alcançou seu ápice após o período militar.

A Constituição Federal de 1988 promoveu uma verdadeira revolução: os municípios passaram a ser considerados entes federativos, integrando expressamente a Federação, juntamente com estados e a União. Essa nova autonomia conferiu às comunas:

  • Tratamento Constitucional Detalhado: Competências privativas ou em colaboração com os demais entes.

  • Autonomia Financeira: Competências tributárias próprias e participação no produto da arrecadação de impostos da União e dos estados.

  • Obrigações Essenciais: Em contrapartida, foi ampliada a esfera de obrigações dos municípios na prestação de serviços públicos essenciais.

A polêmica de Jeremoabo ilustra o longo caminho percorrido do antigo modelo de Vila, regido pela metrópole, até o atual conceito de Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, uma conquista plenamente consolidada sob a égide da Constituição de 1988.

Conclusão: A polêmica se resolve ao entender que 1831 marca a fundação da Vila (Autonomia Inicial) e 1925 marca a Emancipação Política e Elevação a Município/Cidade (Autonomia Plena). Tentar anular um marco pelo outro ignora a complexa evolução histórica e legal do Brasil.

Como bem expressou Souza Pires (1987):

“A vida de um grande homem, particularmente quando ele pertence a uma época remota, jamais pode ser o mero registro de fatos indiscutíveis. Mesmo quando tais fatos são abundantes, a verdadeira tarefa do biógrafo consiste em interpretá-los; deve penetrar além dos simples eventos, no propósito e no caráter que eles revelam, o que só se consegue fazer através de um esforço de imaginação construtiva.”


José Montalvão -  Funcionário Federal Aposentado, Graduado e Pós-Graduado em Gestão Pública, proprietário do Blog DedeMontalvão, matrícula ABI C-002025