Ana Gabriela Oliveira Lima e Angela Pinho
Folha
O instituto da delação premiada foi aperfeiçoado desde a sua implementação em 2013, mas ainda tem lacunas expostas em casos recentes, como o de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) investigado por uma série de crimes pela Polícia Federal, e o do ex-policial militar Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco (PSoL).
Entre as dúvidas que suscitam debate entre especialistas estão a quantidade de provas necessárias para, somadas ao depoimento do delator, ensejar uma prisão preventiva; as implicações de uma rescisão da delação; os benefícios oferecidos em negociação; a separação precisa das etapas de negociação; e os casos de divergências entre diferentes autoridades envolvidas nos acordos.
É PRECISO PROVAR – No Brasil, as delações precisam de provas de corroboração para subsidiarem medidas cautelares como a prisão preventiva. A exigência aparece expressa no pacote anticrime de 2019, que trouxe uma série de medidas para aperfeiçoar o instituto.
Como a Folha mostrou, um relatório da Polícia Federal usado para prender os suspeitos de terem mandado matar Marielle expôs dificuldades de provas para confirmar a delação.
“Pessoas foram presas preventivamente oriundas de uma colaboração premiada [no caso Lessa]. O que se espera é que o Judiciário tenha, ainda que minimamente, analisado a existência de provas de corroboração apresentadas pelo colaborador”, afirma Luísa Walter da Rosa, mestre em direito do Estado pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e autora de livros sobre acordos penais e colaboração premiada.
SE HOUVER RESCISÃO? – No caso de Mauro Cid, uma dúvida levantada e ainda em aberto é sobre os efeitos de uma possível rescisão da delação, aventada após vazamento de áudios do tenente-coronel com críticas à condução da investigação pela PF e ao ministro Alexandre de Moraes, do STF. Segundo Luísa, ainda não é claro quais são as consequências de se rescindir um contrato.
“Isso é importante porque afeta o que vai poder ser feito com os elementos que foram produzidos na colaboração premiada. A depender da maneira como o acordo é extinto, o Estado pode usar ou não as provas que foram entregues pelo colaborador”, afirma.
A especialista cita ainda como lacunas o enrijecimento excessivo da margem de benefícios que se pode negociar com o delator e a insegurança a respeito do que deve acontecer quando a polícia e Ministério Público discordam se vale a pena firmar uma colaboração.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Na situação em que se encontra a Justiça brasileira, é um verdadeiro vale-tudo, o Supremo dá sucessivos exemplos de que a lei pode ser interpretada assim ou assado. No caso das delações, é (ou era) ponto pacífico que a Lei Anticrime (13.964/2019) garantiu que colaborações precisam ser corroboradas por provas e não podem ensejar medidas cautelares ou o oferecimento de denúncia com base apenas na fala do delator. É isso que está valendo. A não ser que o Supremo decida em contrário... (C.N.)