Constança Rezende
Folha
O TCU (Tribunal de Contas da União) detectou que o Ministério da Defesa e as Forças Armadas gastaram irregularmente recursos destinados ao enfrentamento da pandemia da Covid-19. A informação consta em auditoria do tribunal votada na última quarta-feira (29).
A conclusão teve como base a análise de R$ 15,6 milhões de despesas executadas por Defesa e Forças Armadas com recursos enviados pelo Ministério da Saúde a título de ressarcimento ao apoio logístico prestado em ações na pandemia em 2020 e 2021.
SALGADINHOS ETC. – Entre as irregularidades, o tribunal citou R$ 256 mil de gastos do Exército com salgados típicos para serem servidos em coquetel, sorvetes e refrigerantes. Foram usadas nesses casos verbas de ressarcimento da Covid.
Os auditores destacaram que, em razão de seu baixo valor nutritivo e sua finalidade habitual, os alimentos “muito provavelmente não teriam sido utilizadas para o reforço alimentar da tropa empregada na Operação Covid-19”.
Além disso, houve compra de 12 mil quilos de cortes nobres de carne bovina (filé mignon e picanha) por R$ 447 mil, feitas por apenas duas organizações militares. O gasto, segundo o documento, representa 22% do total despendido por todas as unidades do Exército com carne bovina em geral, que foi de R$ 2 milhões adquiridos por 45 organizações militares.
A auditoria foi solicitada pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara e executada pela secretaria-geral de Controle Externo e pela estrutura que cuida de Defesa Nacional e Segurança Pública do TCU.
O tribunal lembrou que uma normativa interna do Exército autoriza a compra de cortes bovinos nobres. Porém disse que a atuação da administração pública, além de observar o princípio da legalidade, deve atentar para os princípios da razoabilidade e do interesse público.
“Nesse sentido, entende-se que violou tais princípios a utilização de recursos tão caros à sociedade, oriundos de endividamentos da União que agravaram ainda mais a crise econômica e social vivenciada pelo Brasil, para a aquisição de artigos de luxo, quando disponíveis alternativas mais baratas e que igualmente cumpriam a finalidade pretendida”, diz o documento.
SEM SOLDADOS – Os auditores também constataram que cerca de 50% das despesas com gastos alimentícios do Exército beneficiaram organizações que não possuíam tropa e que, por essa condição, não são habitualmente empregadas em ações de campo.
“Se confirmado, afastaria o argumento de maior gasto calórico por desgaste físico em operações militares para justificar as aquisições dos gêneros alimentícios questionados”, diz o TCU.
O TCU também identificou que organizações militares aplicaram recursos provenientes de crédito extraordinário para enfrentamento à pandemia em despesas de manutenção de bens imóveis que não preenchiam requisitos de imprevisibilidade e urgência. Ao todo, foi gasto R$ 1,8 milhão com recursos da Covid para esses fins, excluindo os hospitais militares.
DIVERSAS OBRAS – Foram feitas obras de reforma de grande vulto em várias unidades, como adaptação de instalações para construção de alojamentos e salas de instrução, e troca de pisos e telhado em unidades militares que se encontravam em uso.
Uma unidade apresentou o gasto de R$ 48 mil com a troca de persianas, sem que ficasse comprovado que era uma condição imprescindível para possibilitar a realização dos trabalhos de enfrentamento à pandemia. O tribunal ressaltou que há ações orçamentárias específicas para essas finalidades, previstas no orçamento ordinário dos órgãos.
DESVIO DE FINALIDADE – Por parte da Marinha, o TCU identificou que créditos ressarcidos pela Saúde foram utilizados para o funcionamento de estruturas que não seriam voltadas para a prestação de serviços de saúde. Entre elas, despesas com fornecimento de sobressalentes de navios e embarcações, bem como manutenção de bens móveis de diversas naturezas.
O TCU ponderou ser inquestionável que as Forças Armadas prestaram apoio essencial e imprescindível na pandemia, sem o qual o número de vítimas poderia ser ainda mais expressivo.
Porém constatou a “ausência de integral comprovação físico/financeira da execução dos serviços objeto das descentralizações de recursos e ausência de discriminação dos bens e serviços contratados objeto dos pedidos de repasse financeiro, o que impossibilitou análise de sua compatibilidade com o apoio logístico realizado.”
DESPESAS IRREGULARES – “Verificou-se que tal risco foi comprovado, não sendo uma mera abstração teórica, em razão de o Ministério da Defesa ter detectado em planilhas de custo apresentadas pela Aeronáutica e pela Marinha a presença de despesas não correlacionadas com os apoios logísticos por elas prestados no contexto do apoio à crise sanitária da Região Norte e ao Programa Nacional de Imunização, respectivamente”, afirmou. Por conta disso, os auditores disseram ser necessária a abertura de um novo processo para aprofundar as apurações.
A Folha procurou as assessorias de imprensa da Defesa e das Forças Armadas para falar sobre o assunto. Apenas o centro de comunicação social do Exército respondeu.
”A Força tem envidado todos os esforços para atender plenamente às demandas e às orientações recebidas do TCU e vem trabalhando, por meio de seu Sistema de Controle Interno, para promover a transparência e a correta aplicação dos recursos públicos”, disse.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Constata-se que o apodrecimento dos Três Poderes atingiu em cheio também as organizações militares. O cheiro fétido pode ser sentido a quilômetros de distância. Dá uma enorme saudade dos militares de antanho, que se preocupavam em servir a pátria, ao invés de servir filé e picanha na mesa dos oficiais. (C.N.)