O STF no último dia 09 (12.2010), apreciando pedido de concessão de liminar no Mandado de Segurança impetrado pelo PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro – contra ato da Mesa da Câmara dos Deputados, MS 29988 MC/DF, em decisão plenária, concedeu a garantia pretendida e determinou ao Presidente da Câmara dos Deputados que fosse empossado o suplente de deputado federal Raquel Duarte Carvalho (PMDB-RO), na vaga aberta pela renúncia dep. federal Natan Donadon (PMDB-RO), em lugar do dep. federal Agnaldo Muniz (PSC), originalmente eleito suplente pelo PP – Partido Progressista em coligação nas últimas eleições federais de 2006 (1).
Segundo o relator no MS 29988 MC/DF, Min. Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelos Ministros Marco Aurélio de Mello, Antônio Cezar Pelluso, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Joaquim Barbosa, vencidos os Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Ayres Britto, o mandato é do partido, assomando-se ao fato de que o dep. Agnaldo Muniz fora eleito pelo PP – Partido Progressista e se desfiliara para integrar o PSC, cometendo ato de infidelidade partidária.
No julgamento se fez remissão à Resolução TSE 22.580/2007, e ao julgamento conjunto dos mandados de segurança 26602/DF, 26603/DF e 26604/DF (DJe de 17.10.2008), reportando-se também ao que ficou consignado pela Corte no julgamento do MS 27938/DF (DJe de 30.4.2010), no sentido de que o reconhecimento da justa causa para a desfiliação partidária teria o condão apenas de afastar a pecha de infidelidade partidária e permitir a continuidade do exercício do mandato, mas não de transferir ao novo partido o direito à manutenção da vaga.
Denise Madueño e Mariângela Gallucci, Estado de São Paulo de 26.12.2010 (2), noticiam que a Mesa da Câmara procura resposta para as seguintes indagações: O que fazer com os 20 suplentes que estão atualmente no exercício do mandato e não são do mesmo partido do titular? Esses atos de posse deverão ser anulados e outros suplentes, chamados? O que fazer quando um deputado titular se afastar do cargo e o partido não tiver nenhum suplente para ser chamado? Haverá nova eleição?
Temos que interpretar a decisão do STF no MS 29988 com os percalços necessários, até por razões de ordem prática.
Como os atuais mandatos eletivos vão se expirar no próximo dia 31 (31.12.2010), o mérito do mandado de segurança não será apreciado por questão de prejudicialidade, a perda do objeto. Da votação não participaram o Ministro Celso de Mello e a Ministra Ellen Gracie, o que vale dizer, em situação futura, a depender do posicionamento dos Ministros citados, poderá ocorrer empate na votação, já que a maioria no julgamento da liminar no MS 29988 foi de cinco (05) a três (03), uma repetição do que ocorreu no Caso Roriz, indefinição que permaneceria até a Presidente Dilma Rousseff nomear o 11º Ministro.
A decisão proferida no mandado de segurança operou efeitos apenas "inter partes", sem alcançar os efeitos “erga omnes”, contudo, como no próximo dia 1º de janeiro haverá a posse dos Senadores, Deputados Federais, Estaduais e Distritritas eleitos, a indagação será: O que fazer?
Operando a decisão efeito inter partes", sem natureza vinculatória, poderá acontecer das Mesas Diretoras das Casas Legislativas optarem pela sistemática atual, convocando os suplentes das Coligações na ordem das listagens expedidas pelas Cortes Eleitorais, ou convocando os suplentes partidários, obedecida a ordem de votação obtida, deixando para que cada um ou outro, com aquela ou essa posição, demandar ação específica, o mandado de segurança, depois da negativa da Mesa Diretora da Casa respectiva. Poderá acontecer da Mesa da Câmara ter uma interpretação que poderá ser diversa da interpretação de uma Mesa de Assembléia Legislativa, deixando mais ainda atônitos os operadores do direito e perplexa a sociedade. O juiz de instância inferior, pela ausência dos efeitos “erga omnes” do julgado no MS 29988 MC/DF, julgará a demanda conforme seu entendimento pessoal. Há um imbróglio e um nó a se desatar.
O ano eleitoral de 2010 foi para as Cortes Eleitorais, e o STF, em matéria eleitoral, um ano que não deve ser esquecido para que de futuro não se cometa os mesmos erros, com indefinição dos eleitos até depois das eleições, como aconteceu nos Casos Maluf e Garotinho, quando pessoas consideradas eleitas assim não estavam, e os não eleitos foram considerados eleitos, deixando a sociedade sem compreender efetivamente o que se passa.
A omissão do Presidente Luís Inácio da Silva na indicação do novo Ministro do STF na vaga do aposentado Eros Grau, ao deixá-la para o Governo Dilma Rousseff proporcionou o empate na votação da famigerada “Lei do Ficha Limpa”, permanecendo a dúvida quanto a sua constitucionalidade ou não, seja na sua aplicação no mesmo ano eleitoral de sua promulgação, quanto na inelegibilidade criada em desfavor daquele que teve uma decisão colegiada de instâncias ordinárias em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, letras “d” e “e” I, art. 1º, da LC 64/90, com a redação dada pela LC 135/2010, já que, em tese, a redação contraria o princípio da presunção de inocência de que trata o art. 5º, LVII, da CF.
O julgamento provisório do STF no MS 29988, de imediato, já operou um efeito cascata devastador em relação às Câmaras Municipais de Vereadores. Na Câmara Municipal que houve vaga deixada pelo titular afastado do exercício por algum motivo (licença, renúncia, falecimento ou cassação de mandato), com base do entendimento anterior, assim como aconteceu com a Câmara Federal, se convocou o suplente da Coligação, e não do Partido, e agora, inúmeros suplentes irão pedir sua posse em razão do partido, com o desapossamento do suplente da coligação, uma verdadeira corrida do ouro. Perguntar-se-á: O suplente da Coligação empossado na vaga aberta deverá ser imediatamente desconvocado e empossado em seu lugar o suplente partidário? Terá ele que restituir os subsídios e diárias percebidos no período? Nas votações que ele participou e o voto foi decisivo, haverá nulidade da matéria?
Voltando a assertiva anterior, operando a liminar no MS 29988 efeito meramente "inter partes", o juiz que a matéria for submetida, em razão do efeito não vinculante do julgamento do STF, julgará conforme o entendimento pessoal, o que fomentará recursos e mais recursos até que se chegue ao STF. Quando digo que a decisão do STF deixou atônitos os operadores do direito e perplexa a sociedade, é que poderão acontecer entendimentos conflitantes entre si, ocasionando situações totalmente desencontradas.
Quem entender haver sido preterido deverá requerer sua posse perante a Mesa Diretora da Casa Legislativa e não vindo obter êxito, deverá impetrar mandado de segurança perante o juiz de direito da vara da fazenda pública (no Estado da Bahia), no caso do vereador, já que a competência do judiciário eleitoral cessa com a diplomação dos eleitos, matéria tratada pelo TRE-GO no MS 494963(2). Conforme o juízo da conveniência política, o Presidente da Mesa da Câmara destituirá ou não o suplente da Coligação no exercício do mandato, convocando em seguida o suplente partidário.
O entendimento não solidificado do STF causou uma extrema insegurança jurídica. Pela importância e complexidade da matéria deverá ela ser debatida pelo STF para efeito de emissão de Súmula Vinculante, já que o julgamento provisório no MS 29988, embora por maioria, não resultou, pelo menos, de votação pela maioria absoluta do Plenário da Corte, ou de votação para edição de Súmula Vinculante, nos termos e no quórum definidos em lei, podendo ser modificada a qualquer tempo.
As Coligações Partidárias no Direto Eleitoral Brasileiro vem servindo para atos de imoralidade político-eleitoral ao se admitir coligações variadas nas eleições no plano Nacional, Estaduais e Distrital. O partido político que se coliga nas eleições para Presidente da República, no âmbito estadual, poderá se coligar com partidos antagônicos a nível nacional, gerando graves distorções no processo democrático brasileiro, já que reconhecida a inconstitucionalidade da verticalização.
Como nossas leis eleitorais são casuísticas, casuístico se revelou o julgamento do STF já que contraria o espírito da lei regulamentadora da matéria, como casuístico foi o TSE ao criar o instituto da infidelidade partidária sem previsão constitucional, matéria por mim já tratada (3).
Jorge Marley de Andrade, Augusto Aras e Ana Paula Vasconcelos do Amaral e Silva Araújo (4), sobre as coligações partidárias no Brasil nos dão conta:
“Assim, o segundo Código Eleitoral Brasileiro (Lei 48, de 4/5/1935, art. 84), a “Lei Agamenon”(Decreto-Lei 7.586, de 28/5/1945, art. 39) e o terceiro Código Eleitoral Brasileiro (Lei 1.164, de 24/7/1950, art. 47) prescreviam a existência das alianças. O quarto e último Código Eleitoral Brasileiro (Lei 4.737, de 15/7/1965), também trata das alianças, mas somente as permite, em sua redação original, para as eleições majoritárias (art. 91), proibindo-as para as eleições proporcionais (art. 105)”
A as coligações partidárias são previstas no art. 17, § 1º, da CF, regulamentado Lei nº. 9.504, de 30 de setembro de 1997, a qual, ao se permitir as coligações partidárias, lhes deu no processo eleitoral a mesma personalidade jurídica do partido político, de forma que o candidato se elege pela coligação, embora o mandato se exercite em nome da legenda partidária. Assim, ao se estabelecer a vaga do titular do cargo legislativo, convoca-se o suplente na ordem da votação obtida na coligação e não pelo partido. A desconsiderar a previsão legal, é se deturpar o processo eleitoral.
No MS 494963-TRE-GO, já citado, rel. João Batista Fagundes Filho, com extrema clareza, a Corte Regional Eleitoral assentou entendimento mais lógico e totalmente diverso do STF, como se vê:
“2. A Resolução TSE n.º 22.610, de 25 de outubro de 2007, disciplina tão-somente o processo de perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa (infidelidade partidária), não havendo que se falar em sua aplicação quando os autos versam sobre ordem de convocação de suplente em razão da cassação de mandato eletivo por prática de infração político-administrativa.
3. Na exegese do Tribunal Superior Eleitoral, não se conhece de questões atinentes à ordem de convocação de suplentes para assumir a titularidade de mandato eletivo - vago em razão de o titular ter sido cassado ou em virtude de ter tomado posse em cargo no Poder Executivo - por se tratar de situações posteriores à diplomação, não sendo, por isso, de competência da Justiça Eleitoral (Consulta TSE n.º 1.458, em 27 de maio de 2008, Rel. Min. Marcelo Ribeiro).”
A Resolução TSE n.º 22.610, de 25 de outubro de 2007, e os Mandados de Segurança no STF de nºs. 26602/DF, 26603/DF e 26604/DF, trataram da perda do mandato parlamentar por infidelidade partidária, sem adentrar na convocação do suplente eleito por coligação partidária, resultando infeliz a remissão a RES e aos julgados anteriores.
Embora eu entenda que o fortalecimento da democracia brasileira passe pelo fortalecimento dos partidos políticos, o que imporia a extinção das coligações partidária, defendo que na convocação de suplente deva prevalecer na ordem da votação obtida dentro da coligação, o que impede a convocação em razão do partido. Embora a coligação partidária seja efêmera, no processo eleitoral que ela participe é considerada como partido político, e em razão dela, se limita o número de candidatos e se define os eleitos e respectivos suplentes.
Na Bahia em 2010 o quociente eleitoral para deputado federal foi de 171.385. Como a coligação formada pelos partidos PRB/PP/ PDT/PT/ PHS/PSB e PC DO B obteve 3.535.811, elegeu 20 deputados federais (5), dentre os mais votados dentro da coligação, seguindo-se os suplentes com base no maior número de votos obtidos por cada um, o que vale dizer, as vagas são preenchidas com base na votação obtida pela coligação e não pelo partido individualmente, o que afasta, de plano, a convocação de suplente pela legenda.
A convocação do suplente pela legenda somente acontece na perda do mandato por infidelidade partidária. Ai sim, como o deputado foi eleito por uma legenda integrante ou não de coligação partidária e mudou de partido, ao partido fica reservado o mandato em razão da violação ao princípio da fidelidade partidária.
CONCLUSÃO:
a) quem pretender, baseado no julgamento do STF no MS 29988 MC/DF ser empossado na vaga legislativa em razão do partido, com desapossamento do suplente da coligação, deverá requerer a respectiva Mesa Diretora Legislativa;
b) a Mesa Diretora poderá manter a posse do suplente já convocado, o mais razoável e consentâneo com o entendimento anterior, deixando ao interessado a iniciativa de demandar ação própria, o mandado de segurança;
c) a competência para o julgamento de ato administrativo da Mesa da Casa Legislativa é da Justiça Comum e não do Juízo Eleitoral. Em se tratando de vereador, a ação será agitada perante o juízo da Vara da Fazenda Pública ou Vara Especializada em Direito Público, conforme dispuser a Lei de Organização Judiciária de cada Estado;
d) como o julgamento provisório no MS 29988 MC/DF não se projetou efeito “erga omnes”, o julgador interpretará a lei conforme seu convencimento pessoal;
e) como a Lei nº. 9.504, de 30 de setembro de 1997, confere as coligações personalidade jurídica equiparada ao partido político e o cálculo dos eleitos e suplentes se faz com base dos votos obtidos pela coligação, aberta a vaga legislativa, a convocação será do suplente da Coligação e não pela legenda componente dela;
f) a vaga aberta na Casa Legislativa em razão de licença, morte, renúncia ou cassação de mandato, tem natureza jurídica diversa da convocação do suplente partidário em razão de infidelidade partidária, não podendo ser operada convocação de suplente partidário na eleição que ele se elegeu em coligação. A perda do mandato por infidelidade partidária tem efeito punitivo;
g) como o STF é nossa Corte Maior e a ele incumbe à interpretação da norma constitucional, o novo entendimento manifestado no MS 29988 MC/DF somente deverá prevalecer se proferido em votação plenária e acolhido pela maioria absoluta, ou se decorrente de enunciado de Súmula Vinculante, mantendo-se até lá a orientação predominante, de convocação do suplente da Coligação.
1) Boletim Informativo do STF na Internet;
2) www.estadao.com.br, 26.12.2010;
3). TRE-GO - MS 494963 GO. Julgamento de 21.09.2010, pul. DJ - Diário de justiça, Volume 180, p. 02. www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16810257/mandado-de-seguranca-ms-494963-go-tre-go;
4) MONTALVÃO, Antônio Fernando Dantas. Infidelidade partidária e o mandato parlamentar. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1376, 8 abr. 2007. Disponível em:
5) ANDRADE. Jorge Marley de; ARAS Augusto; e, AMARAL E SILVA. Ana Paula Vasconcelos do Arahttp://www.trese.jus.br/servicos/biblioteca/BibliotecaVirtual/PublicacoesTRESE/Revista_da_Biblioteca/Monografias/Monografia_ANDRADE.pdf
6).http://www.tse.gov.br/internet/eleicoes/estatistica2010/Est_resultados/quocientes_eleitoral_partidario.html