Carlos Chagas
A entrada da senadora Marina Silva no PV, ontem, e a óbvia estratégia de seu lançamento posterior como candidata à presidência da República, não apenas retira o caráter plebiscitário do primeiro turno das eleições do ano que vem. Pode causar razoável estrago no PT, caindo como granada na candidatura de Dilma Rousseff, que perde a certeza do segundo lugar cativo no segundo turno. O primeiro, pelas pesquisas, pertence a José Serra.
A pergunta que se faz é que reação terá o presidente Lula diante da ida de Marina para a decisão final com o governador paulista. Admitirá engolir a rejeição de Dilma e dele próprio, passando a apoiar a ex-ministra do Meio Ambiente? Ou cruzará os braços, deixando o caminho livre para a volta dos tucanos ao poder?
Pode não acontecer nada disso, é claro, tendo em vista a hipótese de viabilizar-se a transferência de popularidade do presidente para a chefe da Casa Civil. Não parece impossível.
A concluir desse lance inesperado dos verdes está o fato de que não haverá uma eleição em 2010, mas duas igualmente dramáticas, ao contrário de 2002 e 2006, quando desde o início a luta foi travada entre Lula e Serra, antes, e Lula e Alckmin, depois, tanto no primeiro quanto no segundo tempo. O segundo, em ambas as disputas, foi um vídeo-tape do primeiro. Agora, não. Muda tudo, conforme a performance de Dilma ou Marina.
No palácio do Planalto e arredores, os companheiros mantém a confiança em que com o apoio do PMDB e o restrito tempo de televisão do PV na propaganda gratuita, a candidatura de Marina Silva acabará dissolvida como sorvete ao sol. Pode ser, mas a imagem que seus adeptos fazem é oposta: acreditam que a ex-ministra entra como faca na manteiga na candidatura de Dilma. Daqui por diante as pesquisas eleitorais ganharão nova dimensão.
Batalha ideológica
Pelo sim, pelo não, começa a ser formado um comitê especial no comando de campanha de Dilma Rousseff. Até agora cogitava-se entre os companheiros apenas da necessidade de erodir José Serra através de acusações a respeito do retrocesso que seria a volta dos tucanos ao poder. Eleito, o governador paulista abriria as portas ao neoliberalismo, ironicamente mais do que o presidente Lula abriu. Voltaria às privatizações e limitaria os programas sociais, mesmo sem atingir o bolsa-família. Traria de novo personagens que alienaram o patrimônio público. Colocaria em risco a Petrobrás, a nova empresa agora anunciada para o pré-sal e ameaçaria até o Banco do Brasil e a Caixa Econômica.
Não deve ser nada disso, mas como na guerra vale tudo, era o que só se preparava nos arraiais do PT e do governo.
Pois a guerra, agora, precisará ser travada em duas frentes, situação que costuma não dar certo, como a Alemanha amargou duas vezes, no século passado.
Esse novo comitê em formação será dedicado a enfrentar Marina Silva. A ex-ministra parece colocar-se à esquerda do governo, em sua luta pela preservação do meio ambiente. Conta com a simpatia dos povos da floresta e muito mais do que eles, por penetrar na burguesia do Centro Oeste, do Sudeste e do Sul.
Ela que se prepare, porque será denunciada como inimiga do desenvolvimento, adversária do progresso e aliada da estagnação. De pretender a Amazônia transformada num imenso jardim botânico, à mercê de ONGs internacionais, de insurgir-se contra a construção de hidrelétricas, a implantação e o asfaltamento de estradas na selva, como a que liga Manaus a Porto Velho. Já existe até o raciocínio de que seria um novo Jânio Quadros, aquele que diante da construção da Belém-Brasília por Juscelino Kubitschek, chamou-a de “estrada das onças”, sem a visão dos benefícios econômicos gerados na região em poucos anos. Não faltarão até mesmo referências à fé evangélica da ex-ministra, integrante de uma igreja refratária ao aborto e à camisinha.
O entrevero em duas frentes promete, em termos de virulência, distorções e injustiças.
Fonte: Tribuna da Imprensa