Ao condenar 11 participantes de três quadrilhas que exploravam máquinas caça-níqueis no Rio de Janeiro, desbaratadas pela Polícia Federal na Operação Gladiador, em dezembro de 2006, o juiz federal Vlamir Costa Magalhães, da 4ª Vara Federal Criminal do Rio, criticou duramente as decisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) que recomendaram o não uso dos nomes dados pela Polícia Federal para suas operações e impediram o uso indiscriminado de algema em presos.
Para Magalhães, "a recomendação nº 18 do Egrégio Conselho Nacional de Justiça viola flagrantemente, dentre outros importantes valores constitucionais, a liberdade de pensamento e expressão dos magistrados". Na questão das algemas ele diz que "o Poder Judiciário não tem competência constitucional para normatizar a questão, sendo certo que o Código de Processo Penal de 1941 não o fez e a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84), em seu art. 199, dispõe apenas que a matéria deve ser regulada por decreto federal, o que até o momento não ocorreu."
A sentença condenou Fernando de Miranda Ignácio e Rogério Costa de Andrade e Silva - genro e sobrinho do velho chefão do jogo do bicho Castor de Andrade, já falecido. Eles protagonizaram uma das mais longas e sangrentas brigas por pontos de máquinas caça-níqueis na zona oeste da cidade. Cada um ganhou pena de 18 anos de reclusão pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e descaminho (importação de produtos sem pagamento de impostos e taxas).
Também foram condenados os policiais civis Hélio Machado da Conceição, o Helinho; Fábio Menezes de Leão, o Fabinho; e Jorge Luís Fernandes, o Jorginho, todos ligados ao ex-chefe de Polícia e ex-deputado Álvaro Lins, preso por outras acusações. Os "inhos", maneira como são tratados, tiveram pena de sete anos de reclusão. Outros seis acusados também foram condenados.
A condenação em si não surpreendeu. Mas na sentença de 265 páginas o juiz expressou de forma contundente críticas às duas decisões superiores. No caso das algemas, que o STF, em agosto passado, decidiu só ser lícito em casos excepcionais, Magalhães, além de negar competência ao Judiciário para disciplinar a questão, considerou que "a real necessidade do uso de algemas decorrente do perigo para a segurança dos policiais e do próprio preso somente pode ser verificada por agentes tecnicamente habilitados presentes no momento e no local da condução do preso, tema que não deveria ser analisado, antecipada e genericamente, dentro de gabinetes".
Já quanto à recomendação do CNJ, de novembro, para juízes não utilizarem os nomes dados pela Polícia Federal às suas operações, Magalhães comentou: "O que esperar de um país em que se pretende ditar palavras que podem e não podem ser utilizadas em decisões judiciais? A inteligência e o profissionalismo dos membros do Poder Judiciário no Brasil são suficientes para não deixar que o mero emprego das denominações conferidas a operações policiais afete sua imparcialidade ou o cumprimento de quaisquer deveres inerentes ao cargo".
Depois de dizer que nenhum órgão tem competência constitucional para censurar previamente atos jurisdicionais, ele garantiu que por "entender que os únicos compromissos da magistratura se dão com o interesse público, com a legislação e, sobretudo, com a Constituição, à qual todos um dia juramos cumprir, fiz e continuarei fazendo menção a nomes de operações policiais sempre que se fizer necessário, nesta e em outras decisões".
Recomendação
Em novembro, o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Gilmar Mendes, assinou uma recomendação dirigida aos juízes criminais de todo o País para que eles evitassem usar em suas decisões os nomes de batismo das operações policiais. "É preciso encerrar esse capítulo de marketing policial às custas do Judiciário", afirmou Mendes na ocasião.
No entanto, o documento é apenas uma recomendação. Ou seja, os juízes não são obrigados a cumprir. No próprio Supremo Tribunal Federal (STF), órgão que também é presidido por Mendes, não são todos os ministros que seguem a recomendação. Frequentemente o ministro Marco Aurélio Mello cita nos julgamentos nomes de operações policiais.
Fonte: Tribuna da Imprensa