Villas-Bôas Corrêa
"Quando cheguei ao Palácio do Planalto na manhã de 25 de agosto de 1961, seriam 10h, 10h30. Estivera até quase o amanhecer no apartamento de Pedroso Horta e de lá seguira com José Aparecido para seu quarto de hotel.
Era uma manhã fresca e tranqüila. No terceiro andar do Palácio, um funcionário chamou-me a um canto e disse que algo ocorria. Aparecido ordenara-lhe retirar documentos importantes e arrumar toda a papelada.
Pouco depois, chegou Aparecido.
– O presidente renunciou, disse-me em voz baixa. – Já está voando para São Paulo".
Transcrevo parágrafos que abrem o livro A renúncia de Jânio, da Editora Renan, de 1996. Seu autor identifica-se pelo estilo enxuto e impecável de Carlos Castello Branco, o maior jornalista político do Brasil e assessor de Jânio Quadros no seu curtíssimo mandato de desastrosas conseqüências.
Se suas origens podem ser pesquisadas na sucessão de erros e azares que reincidem com intervalos, desde a sucessão do presidente-marechal Eurico Dutra, eleito na alvorada da redemocratização depois da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, a renúncia de Jânio deu o empurrão de morro abaixo para o repeteco dos quase 21 anos da ditadura militar de 1964 e é um fantasma a rondar o segundo mandato do presidente Lula.
A narrativa de Castelinho, que é de leitura obrigatória para quem se interessa pelo presente e pelo futuro do país, ensina como o golpe, assumido ou dissimulado como o do Jânio, brota na treva dos cochichos e pode pipocar de surpresa, como na manhã brasiliense.
A morte do senador Jefferson Péres, lamentada com o unânime destaque da sua impecável conduta ética, "o compromisso de toda a vida", despertou a estranheza do coro de elogios, a sugerir uma raridade, quase uma exceção no que deveria ser – e já foi – a regra, com raras exceções.
O foco no Congresso é de obviedade que dispensa justificativa. Não é o único responsável. Mas o mais exposto nas recaídas do desatino. A receita de todo o golpe começa pela censura à imprensa e o controle do Congresso.
Experimentamos ambos. A ditadura de Vargas foi às do cabo, com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) para a censura e a corrupção da imprensa. Dose repetida na ditadura fardada no longo período das torturas até o alívio no final do governo do general-presidente Ernesto Geisel.
O golpe de 1º de abril de 64 foi articulado na conspiração de civis e militares. Mas o terreno foi arado com a incompetência política de Jango, eleito graças à traição ao cabeça de chapa, o marechal Teixeira Lott.
A bruxa voltou às suas transas, com a série de operações e a morte, antes de tomar posse do presidente eleito Tancredo Neves. A Constituinte convocada para traçar o modelo da redemocratização, ficou sem o líder com autoridade para articular a maioria e fechar os acertos na linha da coerência do projeto que chegou a ser antecipado em entrevistas e pronunciamentos. E que começou a ser montado com a clara tendência majoritária para a adoção do parlamentarismo. Na undécima hora, a virada do grupo conservador impôs a continuidade do presidencialismo em remendo alinhavado às carreiras.
Do governo conciliador do vice José Sarney, que exerceu os cinco anos do mandato com a vigilância do PMDB, que se considerava dono do governo, para cá passamos pela decepção de Fernando Collor, cassado pelo Congresso, do mandato de Itamar Franco, que elegeu o seu sucessor, Fernando Henrique Cardoso, inventor da praga da reeleição.
Estamos no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma jornada de êxitos e contradições. Com a popularidade nas alturas, com o pretexto da visita às obras do PAC, mergulhou na campanha proibida para eleger em 2010 o seu sucessor ou sucessora, Dilma Rousseff.
A solidez da democracia é o refrão das análises. Mas com a crise moral e ética do Congresso, convém botar as barbas no molho da prudência.
Temos razoável experiência em matéria de golpes. Inclusive a receita do que é feito em casa, como bolo de aniversário.
Fonte: JB Online