Legião de prefeitos cassados encalha o tribunal superior com recursos para permanecerem nos cargos
BRASÍLIA - A menos de seis meses das eleições municipais de outubro, muitos municípios brasileiros ainda discutem na Justiça pendências da votação passada, realizada em 2004, trazendo incertezas para o eleitorado dessas cidades. É uma legião formada por prefeitos cassados que recorreram da decisão e por políticos derrotados que até hoje tentam reverter o placar das urnas, alegando irregularidades dos adversários. Isso sem falar nos gestores cassados recentementes nos tribunais regionais eleitorais por denúncias de compra de voto e abuso de poder econômico.
Na Bahia, o exemplo mais recente de administrador público afastado foi o da prefeita de Candeias, Maria Célia de Jesus Magalhães Ramos (PP), que teve o mandato cassado no último dia 2 pelo TRE. Ela já recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) da decisão. O estado só perde para Minas Gerais em número de gestores afastados pela Justiça Eleitoral ano passado, com dez casos. A Bahia tem, no total, 417 municípios.
Para se ter uma idéia do volume de ações movidas por prefeitos para permanecerem nos cargos, apenas nos últimos 30 dias o TSE precisou se manifestar sobre 88 recursos que abordavam diretamente a situação de prefeitos. O ritmo de julgamentos do TSE em 2008 é muito mais intenso do que o do ano passado. Entre a distribuição e redistribuição de processos, interposição de recursos, julgamentos e tomadas de decisões, o tribunal já consumou 2.716 ações este ano. Isso dá uma média de 29,8 decisões por dia, mesmo considerando que o primeiro trimestre foi entrecortado por férias e feriados prolongados, como o Carnaval e a Semana Santa.
Um caso exemplar de como uma disputa jurídica em torno de uma prefeitura produz confusão na cabeça do eleitor é o de Caldas Novas, município de Goiás. Desde 2004, o município já teve quatro prefeitos diferentes e os recursos se sucedem até hoje. Escolhidas nas urnas em 2004, Magda Moffato Hon e sua vice, Silvânia Fernandes, tomaram posse. Pouco depois foram cassadas, acusadas de suposto abuso de poder econômico na campanha e captação ilícita de sufrágio.
A decisão do juiz local foi confirmada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás em fevereiro de 2007, dois anos e quatro meses depois da eleição. As duas rechaçaram as acusações e, enquanto recorriam da decisão, permaneceram no cargo até junho, quando o TRE-GO convocou José Araújo Lima, segundo colocado nas eleições, para tomar posse como prefeito. Dois meses depois, a 7ª Zona Eleitoral de Caldas Novas acatou recurso que pedia a impugnação do mandato de Lima, acusando-o de duas irregularidades: ter distribuído gasolina para atrair eleitores e ter usado uma rádio de sua propriedade para divulgar irregularmente sua candidatura.
Apesar de Lima ter negado as acusações, seu diploma foi cassado e o presidente da Câmara Municipal, Arlindo Luiz Vieira, assumiu a prefeitura. Em setembro, o TRE-GO autorizou a realização de eleições indiretas, nas quais os dez vereadores do município escolheriam o novo prefeito. Mas o TSE suspendeu a decisão e determinou realização de novas eleições diretas, com participação popular. Em 17 de fevereiro, Ney Gonçalves de Souza se tornou o quarto prefeito da cidade desde a última eleição.
Apesar disso, no dia 27 de março o TSE ainda teve que julgar – e derrubar – três recursos apresentados pela prefeita original, Magda Mofatto, contestando a perda do seu mandato. (Com informações da AE)
***
Futuro presidente diz que há excesso de recursos
Futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – assumirá o cargo em maio –, o ministro Carlos Ayres Britto acha normal a existência de muitos processos, mas ressalta que a Justiça Eleitoral precisa julgar todos os processos “antes do término do mandato, das eleições subseqüentes”. “Como temos no Brasil eleições de dois em dois anos, isso funciona na subjetividade dos julgadores como uma pressão para um julgamento célere. Todo processo eleitoral é urgente. O tribunal da soberania popular é o TSE, o que mais zela pela soberania popular”, afirma.
Mas Britto reconhece que há exagero dos políticos na apresentação de recursos: “A Justiça Eleitoral é peculiar. Ela é célere e muito atenta à versatilidade da vida, porque os candidatos, digamos assim, têm uma imaginação muito fértil e descobrem novos meios de conspurcar o processo eleitoral e a pureza do regime representativo. São métodos espúrios que fazem parte de uma antiqüíssima tradição a desafiar, portanto, a Justiça Eleitoral para conscientizar o eleitor e tornar os seus métodos de trabalho mais e mais eficazes”, diz o ministro. “Vamos mal comparar: é como a luta dos hackers com os antivírus. É uma batalha contínua, incessante, diária”, acrescenta.
Mas não é apenas a imaginação dos candidatos que é fértil. Vários casos analisados pelo TSE também beiram o surrealismo. Em Anicuns (GO), o prefeito Lourival Bueno de Souza e o vice-prefeito Roberto Bastos Mendes apresentaram um recurso especial, aceito pelo TSE, em que contestavam o julgamento que decretou as perdas de seus mandatos, alegando que não puderam se defender adequadamente. Ambos foram denunciados pela suposta compra do voto de uma eleitora e de seus familiares, a quem doaram um par de dentaduras.
Além de alegar cerceamento da defesa, os dois rejeitam, também, a acusação de que doaram as dentaduras para obter o voto da família. Em muitos outros casos, o TSE acaba revertendo decisões tomadas pelos tribunais regionais e até reconduzindo ao poder prefeitos que tinham perdido o mandato na segunda instância. Foi o que ocorreu no último dia 25 de março, quando o TSE anulou a cassação do prefeito de Ibaretama, no Ceará, Raimundo Viana de Queirós, decretada pelo TRE-CE. (AE)
***
Bahia perde só para Minas Gerais
A Justiça Eleitoral já cassou 250 prefeitos que foram eleitos em 2004. O motivo é quase sempre o envolvimento com denúncias de distribuição de favores em troca dos votos dos eleitores. Isso representa um porcentual de 4,5% dos 5.561 municípios brasileiros. Somente no ano passado, foram 90 cassações, na maioria das vezes por acusações de compra de votos. Nas cassações ocorridas em 2007, Minas Gerais foi o estado com o maior número de casos – teve 20 prefeitos afastados do poder. A Bahia, com dez casos, e a Paraíba, com nove, aparecem em seguida.
Ao todo, apenas Acre, Alagoas, Amapá, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Tocantins não tiveram registradas cassações de prefeitos em 2007. No caso do Amapá, o estado não registra em sua história nenhum caso de prefeito que tenha perdido o mandato. A tendência é de que o número de punições aumente ainda mais este ano, já que vários pedidos de cassação estão na fila para ser apreciados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) antes das próximas eleições. Somente no último mês, foram apresentados pedidos nesse sentido envolvendo as cidades de Porto Real do Colégio, em Alagoas, Bom Jesus de Itabapoana, no Rio de Janeiro, e Curimatá, no Piauí. (AE)
***
PT e PMDB não se entendem
BRASÍLIA - Vão muito além de Minas Gerais as trombadas entre PMDB e PT na montagem das alianças municipais para outubro. A crise entre os dois partidos é de tal ordem que na quarta-feira passada o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), foi forçado a adiar a reunião que teria com presidentes de diretórios regionais para discutir a aliança preferencial com o PT nas eleições municipais. “Achamos melhor apagar alguns incêndios antes de reunir as lideranças estaduais em Brasília”, justificou o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).
A revolta maior grassa entre os mineiros, inconformados em tomar um “chute eleitoral” do PT na briga pela prefeitura de Belo Horizonte. Mas a parceria bem-sucedida entre PT e PMDB na Bahia, que garantiu a eleição do governador Jaques Wagner (PT), também está abalada. PT e PMDB estão juntos no secretariado de Wagner e são parceiros na prefeitura de Salvador, comandada pelo prefeito João Henrique Carneiro (PMDB).
O ministro da Integração Nacional, deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), tem sugerido ao governador e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que o PT não deve lançar candidato próprio na capital, já que João Henrique concorre à reeleição. Mas até agora os apelos de Wagner e Lula em favor do entendimento não surtiram efeito. Temer adverte que em muitos casos a aliança é improvável. “Haverá disputa entre os partidos da base e vários desses partidos vão se alinhar com a oposição em várias capitais e cidades estratégicas”, prevê.
Dirigentes das duas legendas já não têm dúvidas de que PT e PMDB vão duelar em Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC), São Luís (MA), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT) e Rio Branco (AC). O senador Wellington Salgado (PMDB-MG) acha que o PT mineiro está fazendo um acordo com o PSDB para isolar o ministro Hélio Costa, das Comunicações, e lembra que, no momento, Costa é o líder nas pesquisas eleitorais para a prefeitura da capital. O PMDB mineiro reage porque o PT dispensou um aliado de primeira hora para se unir ao PSDB do governador Aécio Neves no apoio a um candidato do PSB.
Temer avalia que “o grande desafio é não contaminar a aliança nacional com as brigas locais”. Afinal, nem em São Paulo, onde o PT chamou o PMDB de Orestes Quércia para conversar e lhe ofereceu o cargo de vice ou composição para uma das vagas ao Senado em 2010, a aliança é tida como certa. (AE)
***
Psol lança pré-candidato
SÃO PAULO - O deputado federal Ivan Valente (Psol) anunciou ontem sua pré-candidatura à prefeitura de São Paulo e levantou a possibilidade da fazer alianças com partidos de esquerda, como PSTU e PCB. “Não nos interessa aliança com partidos governistas ou de direita”, afirmou, ressaltando que sua campanha estará alinhada aos movimentos sociais e populares. Valente falou à imprensa durante o seminário Diretrizes de programa de governo – construindo uma alternativa socialista para as cidades, realizado por seu partido.
O pré-candidato afirmou que sua campanha será pautada pela inversão de prioridades. “Vamos governar para a maioria do povo. Educação, saúde e transporte público serão prioridades”, disse. A marca do governo, segundo ele, será a participação popular, com o orçamento devendo ser discutido de forma ampla. “O povo não tem que discutir só uma parcela do orçamento. O povo tem que discutir globalmente o orçamento e os rumos da cidade”. (AE)
Fonte: Correio da Bahia