Homenagem reuniu cerca de 15 mil pessoas e teve missa campal celebrada por dom Geraldo Majella
Mariana Rios
A melhor roupa, de preferência branca, rosas nas mãos e um pedido: proteção. A reverência secular à Nossa Senhora da Conceição da Praia, padroeira do estado da Bahia, foi renovada ontem por homens e mulheres, de diferentes graus de instrução, nível social e idade. Em comum, o mesmo voto de fé. Eles compuseram um manto de 15 mil devotos que se espalhou pelas ruas do Comércio, na procissão em homenagem à santa. Este ano, um grupo folclórico português emprestou sotaque à festa. Mas não faltaram o carro de som tocando Roberto Carlos, pés descalços, 3x4 estendidas e muitas lágrimas.
A administradora Mariana Velloso, 28 anos, não se conteve. Muito emocionada e em companhia do marido e da filha, agradeceu pela superação e conquistas sempre “sob a graça de Nossa Senhora”, garantiu. “Ela é minha mãe, que me protege. Me dá força. No fórum, onde casei lá estava a imagem dela, como no mesmo andar do hospital onde nasceu meu filho há três meses. Em todos os momentos importantes de minha vida, ela estava”, declarou Mariana, chorando.
O arcebispo primaz do Brasil, dom Geraldo Majella, celebrou a missa solene e destacou como o povo baiano soube reconhecer a importância desta devoção. “É uma festa de preparação para o Natal do Senhor _ luz que se acende porque o sol que é Cristo está para chegar. É uma festa que se coloca para reacender os sinais que Deus nos faz. Os baianos souberam ver desde o começo a presença de Maria, carregada de significados para a paz. Esta igreja cheia de beleza é exemplo desta dedicação”, afirmou dom Geraldo, pontuando que, em 2008, completam-se 150 anos da aparição de Nossa Senhora, em Lourdes, na França.
Anônimos misturavam-se com políticos, como o ex-prefeito Antonio Imbassay, artistas, como a cantora Marienne de Castro, e turistas, encantados com a diversidade da festa. A mistura e a participação de signos profanos impressionaram o diretor de gestão cultural da Câmara Municipal de Lisboa, Pedro Moreira. “Lá em Portugal, a carga religiosa é maior, sem essa abertura e mistura com o profano. Aqui é diferente e bem próprio”, declarou Pedro, que acompanhava a apresentação do grupo Alfama, vencedor das Marchas de Lisboa deste ano, e que excursiona por Salvador, comemorando os 200 anos da chegada da família real ao solo brasileiro. Nossa Senhora da Conceição da Praia é também padroeira de Portugal.
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Capoeira, suor e cerveja
Na celebração baiana teve espaço para roda de capoeira, cerveja gelada e músicas dançantes, depois da procissão, nas barracas. Segundo o historiador e presidente da Fundação Pedro Calmon, Ubiratan Castro, a festa de Nossa Senhora da Conceição é uma confluência do ritual católico com as festas de ruas e da celebração do comércio da Bahia.
A aposentada Mara Pires, 80 anos, por exemplo, ilustra o que disse o professor: estava instalada em uma das barracas e não dispensou a cerveja, após acompanhar a missa das 7h30. “É para aplacar o calor, minha filha. Está tudo ótimo, a festa está linda. Depois da procissão, vou para casa feliz”, declarou Mara, moradora de Águas Claras.
A alegria e participação dos idosos na festa foi outro ponto conferido pelos portugueses, que dançaram com os mais entusiasmados. A aposentada Noélia Trigueiro, 72 anos, por exemplo, estava, discretamente, à procura de um companheiro. “Peço saúde, paz e se, ela quiser, uma ajuda para arrumar um companheiro, já que não tive um amor ainda”, disparou Noélia, aprumada num elegante vestido.
Entre os partidos que circulavam pela festa estava o portuário aposentado Edson Viana, 71 anos, que veio da Ilha de Itaparica para a celebração. Galante, com boné e calça brancos e uma camisa azul turquesa, distribuiu simpatia na festa da sua santa de devoção. “Onde eu estiver, venho para a missa e procissão. Peço mais saúde, energia e coragem. Dou valor a esta festa tradicional e, como tenho alegria de viver, gosto de andar elegante”, explicou Edson, que afirmou ser só felicidade depois de trabalhar 33 anos e se aposentar com saúde.
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Disputa por um lugar no cortejo
Como toda festa popular, ontem também teve debate no andor de Nossa Senhora da Conceição da Praia. Antes da saída para a procissão, a presença da baiana Maria Pereira da Conceição, 53 anos, no local reservado ao andor, rendeu conversa. A funcionária pública Jacira Melo, 52 anos, criticou: “levei um susto quando vi. Freqüento há 32 anos e todo mundo tem direito de participar, mas cada um em seu cada qual. Se a festa é da irmandade, ela que deve organizar a colocação das flores”, disparou.
A baiana defendeu-se, dizendo que pagava promessa feita por sua mãe. “Ela fez quando eu nasci. Só estava ajudando a arrumar. Tenho aqui na minha sacola perfume, arroz e água. Tudo é para Nossa Senhora da Conceição da Praia”, explicou-se. Com dificuldade, por conta da saia armada e dos adereços, foi amparada por membros da irmandade para deixar o andor livre. Saiu feliz e com a frase “a casa dela é de todos nós”.
Fonte: Correio da Bahia