O governador Roberto Requião é visto com reservas pelo establishment - e há explicações para isso. Ele é de verbo claro e agressivo, na defesa do que considera o melhor para seu povo, no Paraná e no Brasil. Nestas horas, ele e o governo do Iraque - submetido à ocupação dos Estados Unidos - têm a mesma preocupação com a soberania do Estado. O gabinete do governo do Iraque, aliado dos EUA, decidiu afrontar o ocupante e anular a imunidade das empresas privadas de segurança em seu território, em conseqüência do assassinato freqüente de civis iraquianos pelos mercenários da Blackwater. Requião pretende responsabilizar criminalmente os executivos da Syngenta, empresa suíça produtora de sementes, pelo conflito em que dois cidadãos brasileiros foram assassinados.
Entre as deploráveis mudanças dos últimos decênios, destaca-se a concessão do exercício da violência a empresas privadas. No Brasil sempre houve pistoleiros contratados para defender propriedades rurais, mas o costume se institucionalizou durante o regime militar. Para desviar o aparelho policial para a repressão política, o governo autorizou ex-oficiais das Forças Armadas e das polícias militares, e e delegados civis aposentados, a explorar empresas de vigilância armada. O principal cliente foi, e continua sendo, o Estado. Com isso, o poder público renunciou a seu principal dever, que é o de assegurar o respeito à lei, mediante o monopólio da violência. Os Estados Unidos não podem confiar nos soldados que recrutam para determinadas tarefas. Os soldados voluntários de que se servem, para o combate direto, são desempregados, imigrantes em busca do green card e também os desqualificados socialmente.
Essas circunstâncias os levaram a contratar empresas especializadas de segurança, como a Blackwater, para proteger seus quadros no Iraque. O massacre de dezenas de civis iraquianos, desarmados, pela equipe da Blackwater que protegia um comboio no Sudoeste de Bagdá, em 16 de setembro, levou o primeiro ministro al Malik a tomar a decisão de cassar a imunidade dos funcionários da empresa e de suas congêneres.
No Paraná, o governador Requião não se confronta com a Blackwater, mas com a empresa suíça Syngenta, que contratou a empresa brasileira NF Segurança, cujos empregados atiraram contra membros do MST. Os agricultores protestavam contra o plantio de transgênicos junto à área protegida da floresta de Foz do Iguaçu, no município de Santa Tereza do Oeste, o que é grave ameaça à biodiversidade da região. No incidente, morreu um dos sem-terra e um dos pistoleiros. A Syngenta, em nota, se exculpa, afirmando que dera ordens aos guardiães da área para abandoná-la. Mas, ao que parece, não pediu proteção oficial à polícia; ao que dizem as testemunhas, preferiu armar a expedição punitiva, que chegou algumas horas depois, disparando contra os manifestantes - que já abandonavam o lugar. Um dos membros do movimento, de acordo com testemunhas, foi obrigado a ajoelhar-se, antes de ser executado pelos seguranças pagos pelos estrangeiros.
No momento são pobres (policiais, seguranças, pistoleiros, traficantes) que matam preferencialmente outros pobres (favelados, sem-terra, policiais e traficantes rivais). De vez em quando morre também um rico, nos assaltos e seqüestros, mas essa não é a regra.
A violência do Estado Democrático é necessária, dentro dos limites impostos pelas leis que não distingam o criminoso pobre do criminoso rico, nem o mandante rico do pistoleiro pobre. Se o Estado não reassumir, com a força ética da lei, a total responsabilidade pela segurança de todos, podemos esperar o pior. O governador Requião, com toda sua veemência verbal, está sendo sensato e lúcido.
Fonte: JB Online