
Bolsonaro enfrenta a consequência de levar resistência ao limite
Pedro do Coutto
A prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro representa um dos capítulos mais emblemáticos da história recente do Brasil, tanto pelo peso simbólico quanto pelas implicações políticas e institucionais que ela carrega. A cena exibida pelo Jornal Nacional, mostrando a cela de apenas doze metros quadrados na qual o ex-chefe do Executivo cumprirá sua pena, sintetiza de forma crua a inversão de trajetória de alguém que já ocupou o Palácio da Alvorada e agora se encontra reduzido a um espaço exíguo, sem janelas, com visitas restritas e uma rotina imposta pela Justiça.
Esse contraste, além de evidente, tende a produzir um impacto psicológico significativo, já que a mudança brusca de status — de presidente da República a detento — representa um choque emocional e simbólico muito maior do que o simples cumprimento de uma pena.
TORNOZELEIRA – O episódio da tentativa de remover a tornozeleira eletrônica foi determinante para acelerar sua prisão. Ao desafiar abertamente uma ordem judicial, Bolsonaro não apenas agravou sua situação jurídica como também demonstrou perda de controle político, algo inimaginável anos atrás, quando ainda comandava a máquina pública com apoio considerável de setores militares e civis.
A própria imagem de um ex-presidente tentando burlar um dispositivo eletrônico mostra que, naquele momento, o risco de fuga se sobrepôs completamente à narrativa construída por seus aliados, reforçando o entendimento de que a Justiça precisava agir de forma mais rígida.
Enquanto Bolsonaro ingressa na cela pequena e sem horizonte visual, seus antigos aliados militares, igualmente condenados pelo Supremo Tribunal Federal por participação no plano golpista, terão condições menos severas, em instalações maiores e com outro nível de tratamento.
SENTIMENTO DE DERROTA – Esse contraste aprofunda o sentimento de derrota e isolamento que tende a acompanhar o ex-presidente, que se vê mergulhado não apenas na punição judicial, mas também na própria contradição que marcou seus últimos anos: um líder que inflamava discursos de resistência, mas que agora enfrenta a consequência de ter levado essa resistência ao limite da ruptura institucional.
A discussão sobre eventual perda de patente dos militares envolvidos no episódio também evidencia um ponto sensível. Muitos já estavam na reserva, situação que garante benefícios previdenciários conquistados ao longo da carreira e que dificilmente seriam retirados. Bolsonaro, igualmente na reserva, não deve perder esse direito, já que ele é fruto de contribuições realizadas durante décadas de serviço. Assim, a punição que recai sobre ele permanece concentrada no campo penal e político, não no previdenciário.
SEM APOIO – A condenação dos envolvidos no plano que pretendia impedir a posse de Lula da Silva — e, segundo investigações, até atentar contra a vida de autoridades como o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes — mostrou-se mais profunda e ampla do que esperavam os articuladores do golpe. A tentativa foi repelida pela maioria esmagadora da alta oficialidade militar, que rejeitou participar da ruptura.
Esse fator foi decisivo para o fracasso absoluto da trama. Aqui reside um ponto crucial: Bolsonaro apostou que teria apoio incondicional das Forças Armadas, mas esse apoio não veio. A realidade mostrou-se muito diferente do que os bolsonaristas imaginavam.
No plano político, o impacto da prisão é igualmente devastador. O bolsonarismo, antes sustentado pela figura central e carismática de Bolsonaro, agora tenta sobreviver sem seu líder máximo. O Partido Liberal já demonstra sinais de afastamento, compreendendo que carregar a imagem do ex-presidente — agora condenado e encarcerado — se tornou um peso eleitoral.
FORA DO JOGO – A disputa presidencial do ano que vem ganha novos contornos, pois Bolsonaro não estará no jogo, mas deixará um vazio de eleitores conservadores que precisará ser preenchido por outro nome, ainda indefinido. Lula, que já anunciou sua intenção de disputar novamente a reeleição, observa o enfraquecimento do adversário com atenção, mas sabe que o bolsonarismo como movimento ainda respira, especialmente em segmentos mais conservadores da sociedade.
Com o passar dos dias, o confinamento estreito tende a exercer pressão crescente sobre o ex-presidente, seja pelo isolamento, pela limitação física ou pela perda do controle sobre sua própria narrativa. Bolsonaro, que sempre fez política com base em movimento, presença, discursos inflamados e constante contato com seguidores, agora se vê diante da ideia mais angustiante para alguém do seu perfil: silêncio, solidão e rotina. A cela de doze metros quadrados não aprisiona apenas o corpo, mas a própria dinâmica política que lhe dava vida.
PAPEL DAS INSTITUIÇÕES – O peso de estar preso por uma ação orquestrada contra a democracia reforça uma mensagem importante: nenhuma tentativa de ruptura institucional passará despercebida ou sem consequências. A atuação firme do ministro Alexandre de Moraes — cujo trabalho não foi contestado pelas Forças Armadas — reafirma o papel das instituições em momentos de crise. Com isso, a fantasia de que o bolsonarismo poderia novamente colocar o país diante de um rompimento democrático se dissolve pouco a pouco, como uma nuvem que se desfaz ao amanhecer.
No fundo, o que se vê agora é uma conjunção de fatores — jurídicos, históricos, emocionais e políticos — que se entrelaçam para moldar o destino de Jair Bolsonaro. A cela pequena simboliza não apenas a punição, mas a consequência de anos de discursos incendiários, de confrontos institucionais e de decisões que ultrapassaram os limites da democracia. A liberdade, tão essencial à vida humana e tão central à narrativa bolsonarista, agora se apresenta como um elemento distante, quase abstrato, restando apenas a sombra de um destino forjado por suas próprias escolhas.
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